ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS CONTRATAÇÕES EMERGENCIAIS POR EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO Leandro de Azevedo Bemvenuti Advogado Trabalhista1 Publicado na Revista Forense Eletrônica, Volume nº 378, Editora Forense, junho de 2005, p. 580-587. 1. Considerações Iniciais; 2. Da nulidade deste tipo de contratação em confronto com os princípios do Direito do Trabalho; 3. Da inexistência de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX da CF/88); 4. Da insuficiência ou mesmo imprestabilidade das leis meramente autorizativas destas contratações; 5. Da responsabilidade civil e criminal do administrador público; 6. Considerações Finais. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Sobretudo por parte de municípios de pequeno e médio porte, tem se tornado freqüente a utilização do permissivo constitucional disposto no art. 37, inciso IX da Constituição Federal de 1988, para contratar administrativamente, por excepcional interesse público, uma série de trabalhadores, sem, contudo, lhes garantir direitos mínimos constitucionalmente previstos. Esta prática cotidianamente utilizada ao longo dos últimos anos em nosso país, além de desvirtuar o dispositivo constitucional citado, precariza as relações de trabalho e enfraquece a boa prestação do serviço público, uma vez que sonega o amplo acesso ao serviço público através de concurso público (art. 37, inciso II) para servir-se de mão de obra por valores até mesmo inferiores ao salário mínimo nacional. As autoridades competentes (Ministério Público, Ministério do Trabalho...) muito pouco estão a fazer sobre o assunto, o que agrava a situação, em face a uma espécie de “sentimento de impunidade”. 1 Advogado (OAB/RS 59.893), sócio do escritório Lindenmeyer Advocacia & Associados S/C (OAB/RS 819) Diversos são os trabalhadores que vem desenvolvendo atividades rotineiras e cotidianas sob a forma destes “Contratos Administrativos Emergenciais Temporários”, supostamente baseados no permissivo constitucional do art. 37, IX da CF/88 e nas leis Municipais que meramente autorizam o executivo municipal a utilizar-se desta espécie de contratação. Apenas como exemplo, abordaremos no presente estudo o caso do Sr. G.M.S., contratado administrativamente pelo M.R.G.. O Sr. G.M.S. foi contratado em 13/03/2000 através do contrato administrativo temporário nº 25, tendo como prazo final a data de 08/09/2000, quando prestou atividades na função de Agente Municipal, lotado na secretaria Municipal da Saúde do M.R.G. No dia seguinte ao término do contrato administrativo de nº 25 pelo qual foi contratado, foi firmado pela administração pública municipal um segundo contrato administrativo, agora sob o nº 104, com início no dia 09/09/2000 e término no dia 31/12/2000. Após o término de tal contrato, em 31/12/2000, o Sr. G.M.S. continuou a trabalhar para o M.R.G, agora sem contrato, até que fosse um novo contrato firmado, sob nº 143, isto em 02/05/2001, que tinha como data final o dia 30/07/2001. Neste terceiro contrato administrativo, o Sr. G.M.S. passava a exercer agora a função de operário, lotado na Secretaria Municipal de Obras e Viação do M.R.G. A este contrato de nº 143 foi firmado o adendo nº 02, que prorrogou por mais 90 dias o prazo de validade do citado contrato, estendendo o mesmo ao período de 31/07/2001 até 28/10/2001. Após o término do citado adendo de nº 2, o Sr. G.M.S. foi novamente contratado administrativamente pelo M.R.G, novamente para exercer a função de operário, contrato administrativo emergencial temporário de nº 102, com início em 01/04/2002 e término em 31/03/2003. Sendo assim, presume-se pela ótica da administração que, de setembro de 2000 até março de 2003 o Sr. G.M.S. foi imprescindível para a administração pública municipal, que dele precisou urgentemente para exercer atividades de excepcional interesse público. Nesta modalidade de contratação administrativa, onde vigora com força a autonomia da vontade dos contratantes e uma aparente igualdade das partes, o direito do trabalho não pode intervir. A proteção garantida pelas normas e princípios trabalhistas não surtem efeito, e a estes trabalhadores cabe o lamento e “normas constitucionais programáticas”, defendidas pelos administrativistas como sendo normas de eficácia contida que dependem de regulamentação, neste caso dada pelo contrato administrativo que se instaurou entre as partes. No caso em tela, em todos os contratos administrativos firmados há expressa vedação ao pagamento de horas extras, fato que contraria inclusive a norma constitucional (art. 7º, incisos XIII e XVI). Obviamente que estes trabalhadores contratados administrativamente não se sujeitam à carga horária de 40 horas, palhativamente regulada pelas leis municipais que autorizam a realização de tais contratos como sendo a jornada máxima permitida. Ressalte-se por outro lado, que o salário mínimo nacional também não era observado neste caso específico, sendo que o vencimento básico do Sr. G.M.S em outubro de 2002, era de R$ 159,69 (cento e cinqüenta e nove reais e sessenta e nove centavos), valor este menor do que o salário mínimo nacional da época. Ademais, o Sr. G.M.S., em que pese desenvolvesse atividades em contato com agentes insalubres, não recebia qualquer adicional de insalubridade, haja vista a inexistência de previsão contratual. Por fim, e em que pese no caso utilizado como exemplo o contrato administrativo tenha se dado de forma única e ininterrupta, desde março de 2000 a março de 2003, ou seja, pelo período de 03 anos, a administração o conceituou sempre como sendo um contrato de excepcional interesse público, para atender a urgência improrrogável da administração pública municipal. Esta é a situação não só do Sr. G.M.S., mas de uma série de trabalhadores, ilegalmente utilizados pelas administrações públicas de todo o nosso país sob a mascara da contratação por excepcional interesse público, desvirtuando o instituto, promovendo a quebra do amplo acesso ao serviço público através de concurso público, e principalmente, precarizando as relações de trabalho, contrariando nitidamente uma série de dispositivos constitucionais, e, fugindo descaradamente da mínima legislação trabalhista de proteção ao trabalho e ao trabalhador. 2- DA NULIDADE DESTE TIPO DE CONTRATAÇÃO EM CONFRONTO COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Imprescindível diante de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, é o instituto do concurso público, ato administrativo e modalidade de licitação, que visa o interesse da sociedade, consubstanciado no chamado interesse público primário. A Constituição Federal de 1988, no intuito de garantir a todos, iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos públicos na Administração direta, indireta e fundacional, dispôs que a investidura depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II). Neste cenário, impõe-se aos servidores titulares de cargos e aos ocupantes de empregos públicos, a obrigatoriedade de prévia participação e aprovação em concurso público, somente a partir daí podendo caracterizar-se a relação de trabalho entre o servidor e a Administração Pública. Entretanto, a utilização e aplicação inconseqüente das ressalvas legais, tais como as nomeações para cargo em comissão que prescinde da realização de concurso público (art. 37, II, CF/88), ou as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX), além da deformação jurídica das garantias mínimas asseguradas aos empregados, mostram o desrespeito à própria essência do Direito, consubstanciada nos princípios que o orientam. Portanto, quer seja exceção legal, quer seja interpretação em razão da posição do Estado quando em atuação direta na atividade econômica, as admissões de pessoal na Administração sem concurso público, quando afrontam às relações de trabalho e seus princípios protetores, entendem-se como contratações irregulares, e nestes casos, opera-se a incidência das normas e princípios protetores do Direito do Trabalho, e a conseqüência natural é a formação no plano da realidade de vínculo de emprego com a administração por incidência expressa do art. 9º da CLT. Os princípios protetores que regem as relações de trabalho resultam de normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção do Estado nas relações de trabalho. Daí decorre o princípio da proteção do trabalhador, do qual, outros também se originam: in dúbio pro operário; da norma mais favorável; da condição mais benéfica; da primazia da realidade; da irrenunciabilidade; da integralidade e da intangibilidade do salário2. Ainda, no tocante as relações de trabalho, a Carta Magna revela outros princípios informadores, tais como: da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV); da não-discriminação e da continuidade da relação de emprego; (art. 7º, XXX, XXXI); da valorização do trabalho humano; da justiça social e da busca do pleno emprego (art. 170, caput, e incisos II e VIII). O Estado que contrata é o próprio responsável pelos princípios que orientam as relações de trabalho e dos inerentes à ordem constitucional, sem falar dos que lhes são específicos, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37, caput, CF/88). Assim, todo ato administrativo e, in casu, a contratação de servidor ocupante de emprego público, pautar-se-á nos princípios que orientam a atuação do agente público, sob pena do mesmo incorrer em responsabilidade administrativa, civil e penal, como nos casos de Improbidade Administrativa e das Ações populares. 3- DA INEXISTÊNCIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO (ART. 37, INCISO IX DA CF/88) Duas são as espécies de contratação de pessoal pela Administração Pública que prescindem de concurso público. A primeira delas, como já dito, são as nomeações para cargo em comissão (art. 37, II, CF/88), destinados ao exercício temporário por pessoa de confiança da autoridade competente. A segunda exceção ao princípio da imprescindibilidade de concurso foi estabelecida no inciso IX do art. 37 da CF/88, in verbis: Art. 37... IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A Lei nº 8.745/93 veio regulamentar este dispositivo constitucional, esclarecendo em seu art. 2º o que deve ser entendido por “necessidade temporária de excepcional interesse público”. 2 Classificação por Arnaldo Sussekind. In: Instituições de direito do trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 1997. vol. 1. pp. 134 e 135. Já o art. 3º da citada lei estabelece que o recrutamento do pessoal a ser contratado será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito à ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União. Os arts. 4º e 9º da lei nº 8.745/93 ainda se referem a outras especificações exigentes e necessárias para que estabeleça a legalidade de tais contratações. Contudo, a regra geral é que poucos ou nenhum destes dispositivos é observado pelas Administrações Públicas Municipais de cidades de pequeno ou médio porte. Dentre estes dispositivos, e provavelmente o mais desrespeitado, é a total inexistência de urgência na contratação apta a ensejar o “excepcional interesse público”. Sobre o tema, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO relata que "com efeito, tal contratação, como se depreende da linguagem do art. 37, IX, visa a atender a eventualidades, a situações imprevistas, emergenciais, que devem ser socorridas de imediato, de modo que, (...), a Administração, para acudir a isto, tem que suprir-se de servidores sem delongas, independentemente de concurso (...). Como seria possível fazê-lo se não se sabe que cargos seriam necessários e em que quantidade o seriam, posto que é impossível advinhar a compostura, extensão, intensidade e duração destes eventos cujo excepcional interesse público demandaria contratação temporária?" (Curso de Direito Administrativo, Melhoramentos, pág. 144). A redação do invocado inciso IX, do Art. 37, da CF/88, exige a urgência na contratação do pessoal. Essa urgência deve encontrar-se devidamente justificada, sem o que, se estará, tão-só, violando a regra geral de ingresso no serviço público que é o concurso público. Portanto, fora destas hipóteses exaustivas de que trata a Lei nº 8.745/93, é indispensável à aprovação do servidor em concurso público de títulos ou de provas e títulos (art. 37, inciso II da CF/88). Contudo, os administradores federais, estaduais e principalmente municipais, costumam inchar os quadros do funcionalismo através de contratações temporárias, sem concurso público, e de acordo com as suas conveniências, ou com as suas preferências partidárias, e os contratados se vão eternizando através de sucessivas prorrogações. E é o que se verifica no caso do Sr. G.M.S., eis que uma das tantas contratações a que esteve sujeito, se deu com base em lei municipal que autorizava a contratação de outros 130 operários, sendo que no caso de todos estes 130 operários, as suas atividades, ditas de excepcional interesse público, que demandam urgência que impossibilite a realização de concurso público, eram do tipo que segue: 1. Executar trabalhos de construção e conservação de ruas e estradas: Fazer escavações; Assentar canalizações de água e esgoto; Remover terra, pedra e outros materiais; Efetuar serviços de capina; Transportar e elevar materiais de construção; Preparar argamassa; Carregar e descarregar veículos em geral; 2. Serviços gerais: Limpar esgotos, sanitários, caixas, poços e tanques; Limpar manual ou mecanicamente, as vias ou logradouros públicos; Lavar os passeios e logradouros asfaltados ou revestidos de calçamento impermeável; 3. Zelar pelas condições de higiene: Limpeza dos logradouros; Sanitários públicos; Executar outras tarefas correlatas; Tem-se aí, somente neste exemplo, 130 operários contratados administrativamente, sem qualquer observância de concurso público (art. 37, II das CF/88), excepcional interesse público e urgência na contratação (art. 37, IX da CF/88), operando-se uma explícita e nefasta precarização das relações de trabalho (art. 9º da CLT), que sonega direitos mínimos (princípio da proteção), impõe renúncia de eventuais direitos conquistados (princípio da irrenunciabilidade), reduz unilateralmente salário (Art. 7º VI da CF/88), não observa o salário mínimo nacional (art. 7º, IV da CF/88), o direito a percepção das horas extras prestadas (art. 7º, XIII, XVI da CF/88), o direito ao adicional noturno (art. 7º IX da CF/88), o direito ao adicional de insalubridade (art. 7º, XXIII), o direito ao repouso semanal remunerado (art. 7º, XV da CF/88), realiza sucessivas contratações e re-contratações (princípio da continuidade da relação de trabalho), não observa as hipóteses taxativas da lei para contratações desta natureza (art. 2º da lei federal nº 8.745/93), não observa os procedimentos necessários à realização de tais contratações (art. 3º da lei federal nº 8.745/93) e assim por diante... Data máxima vênia, não nos parece sob qualquer ótica que se analise a matéria, de que tais atividades acima descritas e desenvolvidas pelos citados 130 operários contratados, possam ser tidas como de urgência, de excepcional interesse público a ensejar a utilização da excepcionalidade do permissivo constitucional do art. 37 inciso IX da CF/88. Percebe-se no caso, a bem da verdade, a contratação de 130 operários sob a forma de “contratações administrativas emergenciais” em que o único e exclusivo motivo é o de fugir da responsabilidade do cumprimento de direitos mínimos garantidos aos ocupantes de cargos públicos municipais concursados (estatutários) ou ocupantes de empregos públicos (CLT). Tanto é verdade a assertiva acima confeccionada, que no caso destes 130 operários, não estão a eles contemplados diretos mínimos como o direito ao salário mínimo, direito à jornada extraordinária constitucionalmente garantida, direito à percepção de adicional de insalubridade/periculosidade, repouso semanal remunerado, adicional noturno, FGTS, RAIS/PIS, INSS, e outros direitos garantidos aos servidores municipais ocupantes de cargos ou empregos públicos. Verifica-se incontestável, portanto, a inexistência de urgência e/ou excepcional interesse público neste tipo de contratação. Sendo assim, nulo são tais contratos por expressa contrariedade ao art. 9º da CLT, se não vejamos precedente do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, in verbis: ADMINISTRATIVO - CONTRATO - PRAZO DETERMINADO VÁRIAS PRORROGAÇÕES - INOCORRÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO - NULIDADE DO CONTRATO - ART. 37 DA CF/88 CARACTERIZAÇÃO DE PRAZO INDETERMINADO - PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS - I - Não ocorrendo o fator "excepcional interesse público", inválida contração pela administração pública sem concurso público. II - Admitido servidor por prazo determinado, prorrogado esse mais de uma vez, desaparece o "excepcional interesse público", cristalizando de fato regime celetista ao arrepio da lei. Nulidade da contratação, mas dever de pagar verbas como se celetista fosse, para evitar enriquecimento sem causa. III - Apelação parcialmente provida. (TRF4ª R. AC 97.04.25860-7 - PR - 4ª T. - Rel. Juiz Alcides Vettorazzi - Unânime DJU 23.08.2000) A inobservância dos requisitos legais acima mencionados, necessários à legalidade do expediente freqüentemente utilizado pelas mais diversas administrações deste país, geram situações pitorescas, onde por exemplo os contratados antes mesmo de aprovada a lei municipal que autoriza suas contratações, já estão previamente “escolhidos” em acordos perpetuados pelo poder executivo dos municípios e alguns integrantes do legislativo deste mesmo município, ou seja, em troca da aprovação da lei municipal alguns integrantes do legislativo exigem a contratação de seus cabos eleitorais. 4. DA INSUFICIÊNCIA OU MESMO IMPRESTABILIDADE DAS LEIS MERAMENTE AUTORIZATIVAS DESTAS CONTRATAÇÕES Outro fato de fundamental relevância e que deve ser ressaltado, é o de que as leis que meramente autorizam as contratações temporárias do Estado, quando não alicerçadas em lei anterior que regulamente o dispositivo constitucional tal como faz a Lei Federal nº 8.745/93, de nada servem. Ou seja, naqueles Municípios ou Estados da Federação que não possuam uma lei específica que “estabeleça o caso ou casos de contratações”, regulamentando assim o inciso IX do art. 37 da CF/88, tal como fez a Lei Federal nº 8.745/93, não atendem ao citado dispositivo constitucional e não podem ser entendidas como instrumento apto a legalizar a utilização deste expediente. Portanto, não existindo lei anterior que estabeleça os casos em que se torna possível este tipo de contratação, estas contratações não podem ser realizadas, sob pena de legitimar o Estado a todo e qualquer tipo de contratação temporária, o que a Constituição Federal expressamente veda (art. 37, II). A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, tem como pressuposto lei que estabeleça os casos de contratação. Inexistindo essa lei, não há que se falar em contratação nos termos do art. 37, inciso IX da CF/88. Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal nos acórdãos que passamos a colacionar, e que bem espelham o caso ora em questão: CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO POPULAR SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO - NULIDADE - CF, ART. 37, II E IX - I - A investidura no serviço público, seja como estatutário, seja como celetista, depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. CF, art. 37, II - A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, tem como pressuposto lei que estabeleça os casos de contratação. CF, art. 37, IX. Inexistindo essa lei, não há falar em tal contratação. III - RE conhecido e provido. (STF - RE 168.566-2 - RS - 2ª T. - Rel. Min. Nelson Jobim - Unânime - DJU 18.06.1999) ADMISSÃO CONTRATO ADMINISTRATIVO INCONSTITUCIONALIDADE - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, II E IX - LEI 4.957, DE 1994, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, ARTIGO 4º A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos: Constituição Federal, art. 37, II. O art. 4º da Lei 4.957, de 1994, do Espírito Santo, autoriza o provimento de cargos públicos mediante contrato administrativo, sem concurso público, figura estranha de admissão no serviço público, que não se ajusta à hipótese excepcional de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. Constituição Federal, art. 37, IX. (STF - ADIn 1.500 - ES - TP - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 17.10.1997) Assim, todas as leis que meramente autorizam estas contratações temporárias e que não estejam alicerçadas em lei anterior que deve estabelecer os casos de contratação, nos moldes do que fez a lei 8.745/93, são todas inconstitucionais, sendo diretamente contrarias ao preceito que exatamente lhes poderia dar o suporte constitucional, art. 37, IX da CF/88, bem como também são contrarias ao art. 37, II da CF/88, uma vez que não estando amparadas em excepcional interesse público, devem necessariamente se submeter ao devido concurso público. Nestes casos, impõe-se o reconhecimento da relação de emprego, que existe até mesmo contra a vontade das partes, uma vez que se trata de direito de ordem pública irrenunciável. Ou seja, mesmo que as partes deliberem mascarar esta relação de emprego, uma vez constatada, incumbe ao Estado através do Poder Judiciário reconhecê-las, atento aos princípios Constitucionais invocados e aos princípios do Direito do Trabalho mencionados. O Estado e a própria sociedade civil organizada, não podem compactuar com o fato que leva o trabalhador/cidadão a pagar pela má gestão do administrador público. Ele é penalizado por, na boa fé, trabalhar, de forma não eventual e subordinada, e não receber a contraprestação corolária, que a lei endereça aos empregados de quaisquer outros empregadores, não públicos. 5 - DA RESPONSABILIDADE CIVIL E CRIMINAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO O mau administrador, no entanto, vale-se dessa subordinada mão-de-obra e praticamente, fica isento de responsabilidade, porque, afinal de contas, pouquíssimo ônus e quase nenhum prejuízo econômico se trás ao Estado quando da utilização deste expediente. O Ex-Presidente do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, Dr. Francisco Antonio de Oliveira, com a lucidez, clareza e empirismo que lhe são peculiares, este último até em função dos vários anos que já conta nos muitos julgamentos trabalhistas, assim já se expressou: Sabe-se que o Poder Público é daqueles empregadores que mais desrespeitam a lei. As Prefeituras e o próprio Estado são useiros e vezeiros em efetuar contratações ao arrepio da Constituição (art. 37, II). Gozam, na prática, de várias prerrogativas (DL nº 779/69), inclusive do duplo grau de jurisdição. Os administradores conseguem fugir a toda e qualquer responsabilidade pela porta larga do 'mérito administrativo'. (in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nº 11 de 2000, pág. 79.) A lei 8.429/92, que dispõe sobre sanções aplicáveis aos agentes públicos, em especial no que tange a improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, dispõe em seu art. 11, o seguinte: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; Estas contratações temporárias, sem qualquer urgência, interesse público e que atentam a dignidade do trabalhador, constitui-se em evidente ato que visa fim proibido em lei, evidenciando também a quebra de inúmeros princípios constitucionais, dentre eles o princípio da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, o que nos remete ao parágrafo 4º do art. 37 da Constituição Federal: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Além de configurar-se a ação deste administrador público num ilícito administrativo, configura-se também a mesma, na pessoa e responsabilidade do chefe do poder executivo (no caso ora tratado o Prefeito Municipal) um ilícito penal passível de responsabilização nos termos do art. 1º inciso XIII do decreto lei nº 201/67, in verbis: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: [...] XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem reiteradamente julgado este tipo de ação penal promovida pelo Ministério Público em desfavor dos prefeitos dos mais diversos municípios gaúchos, que efetuam contratações administrativas sem o devido concurso público e sem também qualquer resquício do chamado “excepcional interesse público”. Tais julgamentos vêm reiteradamente mantendo decisões de procedência obtidas em primeira instância por infração as sanções do art. 1º, inciso XIII, do Decreto-lei nº 201/67, mesmo tendo leis municipais que autorizam tais contratações, in verbis: APELACAO-CRIME. PREFEITO MUNICIPAL. ART. 1º, XIII DO DL 201/67. ADMISSAO IRREGULAR DE SERVIDORES. A utilização de leis municipais autorizativas, meramente formais, sem os requisitos da generalidade e abstração que caracterizam a norma, e sem definição no ordenamento jurídico municipal do que seja a necessidade temporária de excepcional interesse público que justificaria a contratação temporária de servidores para atender situações emergenciais, ofende a constituição federal. Sentença condenatória mantida, por maioria. (APELAÇÃO CRIME Nº 70006202113, QUARTA CÂMARA CRIMINAL, TJ/RS, RELATOR: CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO, JULGADO EM 21/08/2003). Vejamos as peculiaridades da situação acima colacionada que fundamentaram a manutenção de procedência da sentença condenatória pela transcrição do voto condutor do acórdão: “[…] houve uma escolha, sim, escancarada de amigos e parentes para serem admitidos ao serviço público. A manifestação do Ministério Público de 1º Grau destaca que as admissões tinham por finalidade o suprimento de necessidade permanente de pessoal e não excepcional e nem temporário. De acordo com jurisprudência atual da Câmara, as leis municipais autorizativas, meramente formais, caracterizando atos administrativos, posto dirigidos, sem o requisito da generalidade e abstração, que caracterizam a norma, são meramente formais e assim há ofensa à Constituição Federal…” Neste sentido, também do TJ-RS, a seguinte decisão: PREFEITO MUNICIPAL - ADMISSAO DE 165 SERVIDORES CONTRA EXPRESSA DISPOSICAO DE LEI - EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO - RECEBIMENTO DA DENUNCIA. Recebe-se a denuncia contra prefeito municipal que admitiu, sem concurso publico, 165 servidores, garis e professores, se pela prova documental ainda não ficou demonstrado que o motivo era de excepcional interesse público. Se o ministério publico aponta irregularidade nas admissões, com violação a regra constitucional, ao judiciário cabe avaliar a excepcionalidade do interesse publico. A autonomia municipal não chega a ponto de alçar o administrador a juiz de seus próprios atos. À unanimidade receberam a denuncia. (06 FLS) (PROCESSO CRIME Nº 70004977914, QUARTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: GASPAR MARQUES BATISTA, JULGADO EM 21/11/2002) Também no caso acima colacionado é preciso trazer a baila trecho dos fundamentos que levaram a produção da citada ementa: “[…] Fosse como pensa o denunciado e o concurso público estaria abolido na esfera municipal, passando todos os servidores a serem admitidos por obra e graça do prefeito, como dizem que ainda impera em algumas longínquas comunidades do nordeste. Integrantes das facções politicamente contrárias estariam alijadas do serviço público municipal, como se as minorias não tivessem direito algum, podendo as maiorias tudo fazer, não precisando nem justificar. Foi exatamente para impedir o triunfo de idéias ditatoriais como essa, que o sábio constituinte de 1.988 foi enfático, afirmando que é imperiosa a necessidade do servidor ser submetido a concurso público, excetuando-se os cargos em comissão, dos quais tanto se abusa, e quando houver excepcional interesse público. A autonomia municipal não alça o administrador, mesmo eleito pela maioria dos munícipes, a juiz de seus próprios atos…”. E neste sentido se avolumam as decisões: PREFEITO MUNICIPAL - ADMISSAO DE FUNCIONARIOS - LEI MUNICIPAL AUTORIZADORA - READMISSAO VEDADA PELO REGIME JURIDICO UNICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. É de ser recebida a denuncia contra prefeito municipal que admite funcionários temporários, com base no inc.IX do art.37 da constituição federal, mesmo tendo lei municipal autorizada, se a acusação tiver como base relatório do tribunal de contas, indicando que em nenhuma das admissões ficou caracterizada a existência de excepcional interesse público, nada sendo especificado no diploma municipal. a readmissão sendo vedada a lei municipal, também pode configurar conduta criminosa. Denúncia recebida, a unanimidade. 7fls (PROCESSO CRIME Nº 70003893567, QUARTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: GASPAR MARQUES BATISTA, JULGADO EM 06/06/2002). PREFEITO - FUNCIONARIOS ADMITIDOS ATRAVES DE CONTRATO DE TRABALHO E SEM CONCURSO – EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO - A contratação de cento e trinta e seis funcionários, num município de quinze mil habitantes, não demonstrada a necessidade da contratação, em virtude de excepcional interesse público, caracteriza crime de responsabilidade, tipificado no inc XIII, do art-1, do dec. lei n. 201. Ação penal julgada procedente. (APELAÇÃO CRIME Nº 696801281, QUARTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: GASPAR MARQUES BATISTA, JULGADO EM 25/06/1998). Na mesma lógica de tudo até aqui exposto, se tem como inconstitucionais tais leis municipais, como já também reiteradamente vem decidindo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. ADIN. SANTO ANGELO. LEI MUNICIPAL N. 2425 DE 6 DE MARCO DE 2001, ART-2. VICIO FORMAL. CAMARA MUNICIPAL QUE ALTERA PROJETO EM MATERIA AFETA A INICIATIVA DO EXECUTIVO. OFENSA AO PRINCIPIO DE INDEPENDENCIA E HARMONIA DOS PODERES. VICIO DE FUNDO, POR INDETERMINACAO DO PRAZO, JA QUE SE TRATA DE CONTRATO TEMPORARIO DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. VIOLACAO AOS ARTS. 19, IV, 60, II "B" E "D" DA CARTA ESTADUAL, APLICADOS SIMETRICAMENTE AOS MUNICIPIOS, POR FORCA DO ART-8. ACAO JULGADA PROCEDENTE. (6 FLS.) (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70003272671, TRIBUNAL PLENO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: VASCO DELLA GIUSTINA, JULGADO EM 04/03/2002). 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A situação ora apresentada milita contra a dignidade do cidadão. Todavia, e por mais incrível que pareça, continua a ser proposta pelos mais diversos administradores públicos deste país, repita-se, na sua grande maioria em municípios de médio e pequeno porte, com respaldo do poder judiciário por sua mais alta corte, pelo menos na esfera trabalhista. Ora, se o contrato administrativo é nulo e a relação fática faz incidir a norma celetista, formando-se assim a relação de emprego, deve esta vigorar em sua mais ampla forma, assegurando todos os direitos trabalhistas ao cidadão/trabalhador. Reconhecida à nulidade do contrato administrativo, não se podem desconhecer os efeitos irreversíveis da relação existente. Uma vez adimplida a obrigação (prestado o trabalho) não podem mais as partes retornar ao status quo ante, pois o empregado vê-se impedido de restituir os salários, dado à natureza alimentar que os caracteriza, e o empregador, por sua vez, fica impossibilitado de restituir ao trabalhador a força despendida na execução do trabalho contratado. Américo Plá Rodrigues, ilustre jurista uruguaio, autor da mais festejada obra sobre Princípios do Direito do Trabalho, leciona: "O trabalhador em sua atividade despende determinada energia que por seu caráter de sucessividade não se pode destruir, nem anular, nem reparar. Atribuir à nulidade efeitos retroativos seria beneficiar o empregador, que poderia reter o salário devido e até exigir os salários pagos; o direito do trabalho tende essencialmente a proteger o trabalhador. As normas nele contidas, assim como as sanções que as garantem, foram estabelecidas para beneficiar o trabalhador. Se pelo não cumprimento de algum item essencial o contrato for nulo, isso não pode resultar em prejuízo do trabalhador; o salário do trabalhador tem função alimentícia, geralmente. Privá-lo dele significa colocar o trabalhador e sua família em situação de miséria que a lei não pode tolerar nem muito menos impor".3 Portanto, embora irregular a contratação com o poder público (por culpa exclusiva deste), subsistem efeitos próprios da relação de emprego, à qual o Direito do Trabalho empresta guarida para garantir direitos decorrentes da contratualidade. O fato de não haver 3 Curso de Direito do Trabalho, LTr, página 23. existido um certame público nestes casos, não pode ser invocado pelo ente público, exatamente a quem cabe tomar a cautela dessa providência. Ninguém pode alegar sua própria torpeza em juízo, muito menos o próprio Estado. O empregado, de boa fé, não pode ser responsabilizado pela sua contratação irregular. Contudo, como dito, ainda perdura entendimento diverso do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado em seu enunciado nº 3634, que embora já alterado duas vezes desde a sua edição, ainda se distancia do entendimento que, por exemplo, a própria magistratura de primeira e segunda instância em sua maioria vem emprestando ao caso em apreço. É uma pena porque, este entendimento, ao menos na seara trabalhista, quase que incentiva o mal administrador a continuar a praticá-lo, sabendo que, primeiro, nem todos os trabalhadores irão bater as portas do judiciário para reclamar, e segundo, mesmo aqueles que o fizerem, correm o sério risco de encontrarem pela frente a aplicação do citado enunciado, criando a lastimável situação do “ganha, mas não leva”, eis que mesmo reconhecida à irregularidade do contrato e da contratação, terá direito somente ao salário pactuado (via de regra já pago), ou na versão atual do enunciado nº 363 do TST, ao salário pactuado respeitado o salário mínimo e aos depósitos do FGTS. Para estes casos, é que se diz o já dito: “Abaixo a hipócrita neutralidade de advogados, procuradores, juízes, desembargadores, ministros! Essa neutralidade sempre protegeu escolhas de conservação das estruturas e de manutenção do status quo. Sejamos verdadeiros. Façamos opções públicas e honestas. Decidamos por qual mundo lutaremos, que interesses consideramos legítimos e merecedores da tutela de nossas valorações”.5 4 ENUNCIADO TST Nº 363 - Contrato nulo. Efeitos - A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. (Redação dada pela Resolução TST nº 121, DJ 19.11.2003) 5 João Baptista Herkenhoff, Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do Jurista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 75.