Perspectivas para
um novo modelo de Catequese de Adultos
A atenção para com a sociedade e as suas profundas mudanças tornou-se um
facto marcante de toda a reflexão pastoral actual. A situação é, de facto, muito
complexa, num mundo onde a sociedade e a cultura mudam profunda e
vertiginosamente, de forma acelerada e incessante. Torna-se difícil determinar o
futuro para o qual caminhamos, porque não estamos apenas numa época de
mudança, mas numa «mudança de época». Este contexto diz-nos que a comunicação
da fé e toda a acção pastoral da Igreja se encontra perante um novo e árduo
desafio.
Na reflexão catequética actual insiste-se sobre a necessidade de um novo
modelo para a catequese, e é significativo o relevo que o tema catequético recebe
nos documentos do magistério recente. Os autores que acabamos de referir
apontam-nos uma série de perspectivas no sentido de, num futuro próximo, se
delinear esse tão desejado novo modelo de CA.
D. José Policarpo, perante a mudança da realidade sócio-cultural portuguesa,
sublinha que a reforma catequética em Portugal não pode simplesmente ficar pelo
reestruturação do plano de catequese da infância e adolescência, em 10 anos, mas
implica
tomar
algumas
opções
fundamentais
no
contexto
de
uma
nova
«evangelização»: apostar na CA como ponto de referência inspirador de todo o
processo catequético; é necessária a convergência harmoniosa entre uma pastoral
kerigmática e a catequese; o processo catequético deve ser concebido como uma
verdadeira iniciação cristã, integrando a experiência cristã; prioridade à dimensão
comunitária da fé; continuidade das etapas do processo catequético (adultos, jovens
e crianças); preparação e formação contínua dos catequistas como tarefa crucial e
decisiva; o processo catequético deve respeitar e valorizar a pluralidade da Igreja,
guardando a sua unidade. Perante o contexto cultural actual, a catequese deve ser
preponderantemente de iniciação cristã, promovendo atitudes culturais, porque,
mais do que nunca, a fé deve tornar-se cultura, uma nova cultura.
Sergio Lanza, perante as mudanças da realidade, aponta-nos uma catequese
capaz de interferir na mentalidade da gente, uma catequese não isolada, mas
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 1
enquadrada num projecto global de educação cristã e pressupondo uma verdadeira
acção de primeira evangelização nos lugares do humano, onde acontece a vida das
pessoas. Trata-se de criar a contextualidade necessária para a eficácia da catequese
desaparecida pela mudança sócio-cultural e religiosa1.
No mesmo sentido, vai o pensamento de André Fossion, quando apresenta
alguns critérios necessários para a renovação catequética: uma catequese
permanente da comunidade, orientada para a proclamação da fé pascal; uma
catequese diversificada, que oferece às pessoas e aos grupos possibilidades variadas,
que
lhes
permitam
caminhar;
uma
catequese
daqueles
que
começam
(«commençants») e dos que recomeçam («recommençants») na fé, aberta ao
contexto social; e uma catequese inicial para as crianças e adolescentes de tipo
iniciático2.
Henri Derroitte enumera várias linhas de fundo para uma catequese do futuro:
catequese missionária, permanente, intergeracional; catequese «de cheminement» e
de
«proposition»;
catequese
«décloisonnée»,
catecumenal,
de
iniciação,
mistagógica, simbólica3.
Lucio Soravito, com a sua proposta, ajuda-nos a ver o sentido comunitário da
catequese e ao ritmo do Ano litúrgico, onde a liturgia da comunidade cristã tem uma
relação profunda com a catequese4.
Subjacente à reflexão teológico-pastoral e catequética, estão uma série de
mudanças para a transformação da catequese, tal como refere E. Alberich: passar de
uma catequese infantil a uma catequese para todos; de uma catequese por idade a
uma catequese intergeracional; de uma catequese «sacramental» a uma catequese
como caminho permanente; de uma catequese de apresentação a uma catequese
mistagógica; de uma catequese temática a uma catequese orgânica («en faisceau»);
da responsabilidade exclusiva de alguns catequistas para a catequese de
responsabilidade comunitária; de uma catequese obrigatória a uma catequese
opcional permanente5.
1
Cf. S. LANZA, La chatechesi strumento…, pp. 213-252; ID., La Parrocchia…, pp. 103-148.
Cf. A. FOSSION, Vers des communautés catéchisées et catéchisantes. Une reconstruction de la catéchèse en un
temps de crise, in «Nouvelle Revue Théologique», 126 (2004), pp. 598-613.
3
Cf. H. DERROITTE, La catechesi liberata..., pp. 56-57.
4
Cf. L. SORAVITO, Rievangelizzare gli adulti…, pp. 129-138; ID., Rinnovare la parrocchia a partire dagli
adulti…, pp. 57-89.
5
Cf. E. ALBERICH, La catechesi della chiesa e Adulti e catechesi.
2
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 2
Neste momento, podemos constatar globalmente que, em Portugal, a CA existe
já em numerosas comunidades, embora muitas destas comunidades não tenham
consciência disso e não lhe chamem de CA. Existem, igualmente, algumas alergias
que impedem de chamar as acções com adultos de CA. Contudo, as actividades de
catequese com adultos podem catalogar-se da seguinte forma: actividades para
ajudar os adultos no seu caminho de fé; actividades de acompanhamento;
actividades com adultos misturadas com outras gerações; actividades só para
adultos.
Tal como inferimos no primeiro capítulo, os textos oficiais não só afirmam a
absoluta necessidade da CA como também a apresentam como a forma principal de
toda a catequese, constituindo-a como a referência para a catequese das outras
idades. E deve tender para as seguintes características: intergeracional, permanente
(para acompanhar todos os «caminhantes»), participativa, comunitária (para todos e
por todos), diferenciada (para poder alimentar os diferentes níveis de fé), empática
(dá confiança) e missionária. Deve, igualmente, afectar todos os adultos: não
crentes, catecúmenos e adultos baptizados6, a estes últimos, de inspiração
catecumenal, quando têm uma iniciação cristã incompleta, sendo o caso de uma
grande maioria, e de aprofundamento (permanente), quando estão conscientes do
seu compromisso cristão na Igreja e no mundo.
Coordenadas fundamentais
A análise dos documentos e dos autores manifesta a necessidade de um «novo
modelo catequético», uma vez que o tradicional, apelidado de «tridentino», se
tornou obsoleto perante a situação actual. Na busca deste novo modelo, emergem
algumas questões de fundo como condição indispensável para pensar a catequese:
uma urgente conversão pastoral, a promoção de um novo modelo de Igreja e de
crente adulto. No centro das reflexões sobre a catequese, encontramos sempre a
urgência da CA, onde a centralidade é dada ao mundo dos adultos. A comunidade
cristã aparece como o ambiente legítimo, ao centro de tudo, com a sua rede de
6
L. AERENS, La catequesis del camino. Una apuesta prática familiar, comunitária e intergeracional, ed. Sal
Terrae, Maliaño (Cantabria) 2006, p. 83.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 3
relações intergeracionais, mas constituída prevalentemente por pessoas adultas.
Portanto, o discurso sobre a CA não é mais sectorial, mas tornou-se extensivo à
reflexão geral sobre a catequese na Igreja de hoje.
A nova situação sócio-cultural e religiosa exige que a catequese de hoje esteja
à procura de um novo modelo, de uma nova lógica da transmissão da fé, uma vez
que a experiência da fé já não pode ser pressuposta, e a doutrina (entendida como
mera transmissão dos conhecimentos da fé) também já não pode ser a solução. É
evidente, nos documentos e nos autores, esta necessidade de delinear um novo
modelo catequético capaz de desencadear verdadeiros processos de conversão e
personalização da fé.
A modificação estrutural da situação fez com que muitos dos pressupostos
culturais e dos apoios sociais que estavam na base do modo de planear e fazer
catequese se modificassem e desaparecessem, desafiando-nos a uma nova
perspectiva que procure olhar mais além das estruturas e dos lugares tradicionais,
empenhando-se na busca de novos e verdadeiros itinerários existenciais. De seguida,
apontamos alguns critérios fundamentais para um novo rosto de uma catequese
renovada e adulta7.
A Catequese de Adultos num novo modelo pastoral
A catequese deve estar inserida no processo global de evangelização, seu
«momento prioritário», onde se procura passar de uma pastoral de «conservação» a
uma pastoral evangelizadora, missionária, superando o período de cristandade 8.
A situação sócio-cultural e religiosa de Portugal é marcada pela presença de
muitos adultos praticantes, mas sem uma fé madura e comprometida; por outros
tantos que são cristãos «de nome», vivendo indiferentes e à margem da vida
eclesial; e por um número menor, mas sempre em crescimento, daqueles que não
têm qualquer vínculo com a vida eclesial. A coerência entre fé e vida torna-se cada
vez mais débil, não tanto pela falta de testemunhar na vida o que se professa e
acredita, mas sobretudo pelo abismo cada vez maior entre o que é ensinado como
7
8
Cf. E. Alberich, La catechesi oggi..., pp. 307-310.
Cf. DGC 63-64; 65-68.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 4
próprio da fé cristã e o modo de pensar da gente, a mentalidade que é apreendida a
partir do ambiente real da vida9. Surgem-nos, assim, duas preocupações:
Como renovar a vida ordinária das comunidades eclesiais? Trata-se de pensar
uma conversão pastoral, mas a partir da realidade concreta de cada comunidade.
Para tal, concorre a catequese, ajudando a aprofundar a fé, a esperança e a
caridade, promovendo a descoberta permanente do Evangelho e da pessoa cristã.
Como pensar a vitalidade missionária e a audácia de uma primeira
evangelização, fazendo nascer para a fé cristã novos cristãos? Portanto, apostar
numa acção pastoral que põe lado a lado catequese e primeira evangelização 10.
Ao olharmos a acção pastoral em Portugal, verificamos que ainda se vive uma
pastoral acentuadamente «tradicional», onde o panorama catequístico é, na prática,
marcado por percursos de acesso aos sacramentos de iniciação. Contexto onde não
existe uma CA propriamente estruturada. Ao pensá-la, deve-se considerar
profundamente todo o processo de iniciação ao cristianismo. Mas como fazer? Uma
catequese que deve sair do esquema tradicional e posicionar-se dentro do processo
global de evangelização, processo que vai da primeira evangelização à educação
permanente da fé, onde a iniciação cristã não se encontra ligada a uma determinada
idade, mas a uma duração maior e acompanha um caminho mais longo. Passar,
portanto, de uma catequese ocasional ou de preparação para os sacramentos para
uma catequese de iniciação ou de caminho11.
Tal contexto exige, ainda, pensar um modelo integrativo, pois «a nossa
situação não é imediatamente assimilável nem àquela da antiga e preciosa estação
catecumenal, nem àquela da socialização religiosa medieval, nem àquela da
pedagogização e escolarização crescente na época pós-tridentina. Tem um carácter
que a avizinha e ao mesmo tempo a distancia destes três macromodelos da história
que nos precedeu. A modificação do paradigma global de referência impõe a
produção de um modelo adequado: não se trata de juntar ou modificar qualquer
coisa; trata-se, sobretudo, de recentrar os processos do fazer-se cristão,
prefigurando-os segundo um modelo misto, de carácter educativo com inflexão
catecumenal»12.
9
Cf. S. LANZA, La parrocchia..., pp. 118-119.
Cf. CT 19.
11
Cf. H. DERROITTE, Iniziazione e rinnovamento catechetico. Criteri per una rifondazione della catechesi
parrocchiale, in ID, Catechesi e iniziazione cristiana, ed. Elledici, Leumann (Torino) 2006, pp. 47-70.
12
S. LANZA, La parrocchia..., p. 120.
10
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 5
Um modelo de catequese que se quer para todos, ad intra e ad extra, para os
comprometidos e para os distantes, os que estão à procura e os indiferentes. Uma
acção que olha todo o campo, aposta no espaço do humano, onde se joga a vida das
pessoas, coloca o homem no centro, respeitando o seu próprio ritmo de crescimento.
Portanto, uma catequese entendida como educação cristã integral13 que não se
limita ao conceito de instrução e ensino, abandonando o modelo escolástico para
passar aos lugares da vida e da celebração. Passa-se também para uma catequese
que favorece a aprendizagem singular de cada pessoa, em vez de apresentar um
itinerário standard para todos.
O novo modelo de catequese deve contemplar os seguintes objectivos, como
dimensões de uma única acção pastoral: apostar numa primeira evangelização; uma
CA prioritariamente de carácter «iniciático»; centrada na comunidade paroquial e
vitalizada pelo contexto litúrgico; num projecto pastoral de educação cristã em
perspectiva evangelizadora.
A Catequese de Adultos deve pressupor uma primeira
evangelização
Apesar de os documentos não abordarem exaustivamente esta temática, é clara
a consciência de que, perante a nova situação sócio-cultural que reclama uma
atitude missionária da Igreja e coloca novas exigência ao anúncio do Evangelho, nos
defrontamos com a urgência de um novo modelo: a passagem de um cristianismo de
carácter popular e transmitido socialmente – onde um conjunto de factores sociais
favoreciam a aproximação à fé e a socialização religiosa – para uma acção
catequética numa sociedade marcada por uma religiosidade plural e individualizada
que, cada vez mais, se distancia das formas eclesiais da vida religiosa. A consciência
desta realidade implica não passar por alto ou pressupor que muitos dos nossos
adultos já foram alvo de uma primeira evangelização, tendo como elemento central
o primeiro anúncio, necessário para um primeiro passo no processo pessoal da fé.
13
Cf. DGC 84.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 6
Na situação actual, adquire uma importância de primeira ordem, já não a
catequese como tal, mas sim algo prévio: uma acção de primeira evangelização nos
espaços do humano, cujo primeiro anúncio é o ponto de chegada e consequente
abertura ao processo de catequese. Esta acção de primeira evangelização é toda
uma «gramática» que, necessariamente, se deve descobrir e a praticar, sobretudo
nos grandes centros urbanos.
Uma das constatações importantes para uma proposta catequética é que o
ambiente sócio-cultural, embora mantendo traços ainda de cristianismo, mudou,
assim como a mentalidade. O modo de pensar da gente, da grande massa social, é
estranho à proposta cristã, incluindo muitos cristãos. Partindo destas condições,
pensar uma proposta catequética não só é sustentável, quando enquadrada num
projecto orgânico de educação cristã, mas também activando uma verdadeira acção
de primeira evangelização, fazendo com que seja de novo possível dizer a fé cristã
de forma significativa.
A questão central é: «como tornar as nossas paróquias lugares da procura de
sentido, da iluminação da vida, onde se entrevêem e empreendem caminhos não
ilusórios de esperança e de futuro?»14.
Ao promover uma CA centrada na vivência comunitária, é importante que
simultaneamente se promovam espaços de encontro, de formação, de diálogo, quer
inter-religioso quer cultural, concebidos como «serviços públicos» que ajudam a
descobrir o sentido. Isto pressupõe que os espaços «sejam abertos à livre circulação
das pessoas, espaços disponíveis a acolher homens e mulheres preocupados com a
dignidade humana, espaços articulados a partir duma palavra densa e respeitadora
do pluralismo. Estes espaços honrarão os diversos caminhos que os nossos
contemporâneos percorrem: a estima de si, a solicitude pelo outro, a luta por
instituições justas e solidárias, a educação dos filhos, a fidelidade nos compromissos,
a procura filosófica»15. A promoção destes espaços tem a ver, em grande parte, com
a CA que proporciona a estruturação de uma identidade cristã capaz de falar do
Evangelho, despertando o respeito pela sua dignidade cultural, quando ainda não é
possível uma proposta imediata da fé.
Em Portugal, está ainda por escrever a página sobre uma primeira
evangelização capaz de ir ao espaço da cultura, aqui entendida não como uma elite,
14
15
S. LANZA, La parrocchia..., p. 108. O negrito é do autor.
H. DERROITTE, La catechesi liberata..., p. 112.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 7
mas no sentido de chegar à existência dos homens, apontando caminhos de vida:
«este desafio toca em primeiro lugar aos protagonistas do mundo universitário e das
agências culturais, àqueles que são profissionalmente responsáveis no âmbito da
comunicação e das produções culturais. Mas não pode estar ausente do tecido vivo
da comunidade eclesial (paróquias, etc), cuja imagem deve ser resgatada
urgentemente do lugar comum que a relega para a subcultura. Pede com força
que as paróquias apareçam como lugares acolhedorespara o homem; que apareçam
como lugares do encontro com Deus: onde o Senhor não seja conhecido “por ouvir
dizer”, mas encontrado no presente da própria existência. Não é, portanto, uma
problemática que se coloca fora, ou em alternativa, à pastoral ordinária, mas no seu
próprio centro pulsante»16.
Uma Catequese de Adultos de iniciação
O novo modelo de catequese exige-nos redescobrir um novo significado para
catequese na Igreja e na sociedade, onde, de uma catequese de sacramentalização,
em perspectiva intra-eclesial, se passa a uma catequese de iniciação em perspectiva
evangelizadora.
Ao olharmos a realidade constatamos que a maioria dos cristãos praticantes
acham que, para viverem como cristãos, é suficiente a catequese que receberam em
crianças e que, para crescerem na fé, é igualmente suficiente ir à missa ao Domingo.
Poucos são os cristãos que procuram aprofundar a sua fé, através da oração, retiros,
peregrinações, formação, leitura pessoal. Para muitos cristãos, o momento de
formação mais importante é quando escutam a homilia ou o sermão por ocasião das
festas. São tantos os que gostariam de ajudar na paróquia, mas não se sentem
preparados. Os catequistas e outros agentes da pastoral fazem cursos de
preparação, mas muitos não se sentem suficientemente capazes. Das muitas pessoas
que ajudam o pároco, poucas sentem a necessidade de formação e, geralmente, as
pessoas que têm responsabilidades pastorais não estão nada formadas. Quando se
faz uma proposta de formação, as pessoas dizem que não têm tempo de participar,
porque estão ocupadas com as suas vidas.
16
S. LANZA, La parrocchia..., pp. 109-110. O negrito é do autor.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 8
Pelas razões que referimos, é evidente que, no contexto actual, não se pode
considerar já conhecida a fé e a tradição da Igreja, como frequentemente acontece,
mas ocorre começar pelo anúncio de Cristo e do Evangelho, isto é, pensar num
processo contínuo de crescimento e amadurecimento na fé, onde a iniciação já não
é entendida no sentido tradicional, como preparação para os sacramentos de
iniciação, mas como processo de introdução e aprofundamento da vida baptismal,
onde os próprios sacramentos de iniciação participam dessa mesma função.
Portanto, a iniciação deve ter um carácter permanente, pois enfrentamos uma
realidade em que a mesma pessoa pode alternar momentos de fé com momentos de
dúvida, momentos de intensa procura com momentos de aparente indiferença.
Hoje, usa-se a expressão «iniciação à vida cristã», como referência não tanto à
iniciação directa aos sacramentos, mas à proposta de percursos adaptados às várias
idades e experiências das pessoas; afirma-se a importância da aprendizagem singular
de cada pessoa e valoriza-se a catequese como proposta e não como itinerário
obrigatório. Uma catequese atenta aos que começam, seja qual for a idade, criando
uma relação forte com a comunidade.
Catecumenado como protótipo e modelo de referência
(iniciático)
Na actualidade, somos desafiados a voltar o olhar para o catecumenado e os
seus elementos essenciais, como modelo e referência para uma catequese que se
quer missionária e capaz de propor itinerários de iniciação que ajudem à
reapropriação personalizada da fé. Ter o catecumenado como modelo inspirador é
algo sublinhado pelo próprio Directório: «a catequese pós-baptismal, sem que tenha
que decalcar a configuração do catecumenado baptismal e reconhecendo aos
catequizandos a sua realidade de baptizados, deverá inspirar-se nesta “escola
preparatória da vida cristã”, deixando-se fecundar pelos principais elementos que a
caracterizam»17.
Este regresso ao catecumenado primitivo e a insistência na inspiração
catecumenal da catequese de iniciação ajudam a reconhecer o desgaste dos modos
tradicionais de transmissão da fé e a assumir que, ser cristão, é fruto de um
processo de aprendizagem. A inspiração catecumenal leva a que a atenção se volte
17
DGC 91.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 9
para os adultos, ajudando a entender que, embora a actividade catequética da
Igreja se dirija a todas as idades, a catequese das diferentes etapas da vida tem que
ter como referência essencialmente a CA.
Catequese de Adultos centrada na Comunidade Cristã
Cada vez mais, os documentos do magistério apontam a comunidade cristã
como «origem, lugar e meta da catequese»18, dada a realidade actual. A
comunidade cristã é o espaço necessário para que possa acontecer a experiência
cristã, é o seio onde se nasce para a fé e onde se cresce como crente19. A fé torna-se
adulta se vivida no Corpo de Cristo. A carta pastoral sobre os cristãos leigos aponta
como uma das grandes coordenadas da formação cristã: «feita na comunidade e em
ritmo comunitário. Sendo a vida cristã uma experiência de comunhão, a formação
tem de ter dinamismo comunitário e acontecer na comunidade. Trata-se de uma
descoberta progressiva do mistério da vida comunitária»20. Nesta perspectiva, a
catequese não é tarefa exclusiva de alguns especialistas (catequistas), mas de toda a
comunidade-catequista. Toda a comunidade se torna responsável por proporcionar,
a quem o deseje, a imersão na experiência cristã21. Na comunidade eclesial, a
catequese deve configurar-se como dimensão e acção permanente da inteira
comunidade cristã, onde ganha importância o «crescer juntos», num tempo marcado
pela privatização da fé. Portanto, deve ter a dimensão comunitária e a dimensão da
vida litúrgica.
Esta centralidade da comunidade desafia-nos a pensar um caminho de iniciação
e reevangelização não apenas para alguns, mas para todos, facilitando, àqueles que
livremente o desejam, uma experiência concreta de Igreja. É importante a
18
DGC 254.
A este propósito Cf. B. HUEBSCH, La catequesis de toda la comunidad, ed. Sal Terrae, Santander 2005; A.
FOSSION, Verso comunità catechizzate e catechizzanti, «La Civiltà Cattolica», 3712 [19 febbraio] (2005), pp. 342351; o mesmo texto de forma mais desenvolvida encontra-se em «Nouvelle Revue Théologique», 126 (2004), pp.
598-613; F. PAJER, Una catequesis en la que la comunidad Cristiana en su conjunto es a la vez catequizante y
catequizada, in H. DERROITTE (dir.), 15 nuevos caminos pata la catequesis hoy, Col. «Recursos catequéticos» 29,
Ed. Sal Terrae, Santander 2008, pp. 25-42.
20
CEP, Os Cristãos leigos…, n. 23, p. 236.
21
O Vaticano II refere-se ao catecumenado, podendo torná-lo extensivo à catequese, da seguinte forma: «Esta
iniciação cristã realizada no catecumenado deve ser obra não apenas dos catequistas ou sacerdotes, mas de toda a
comunidade dos fiéis, especialmente dos padrinhos, de forma que desde o começo os catecúmenos sintam que
pertencem ao Povo de Deus» (AG 14).
19
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 10
permanente ligação entre catequese e comunidade, missão e iniciação, pois uma
pastoral na lógica da iniciação deve tornar-se disponível a acompanhar o movimento
para a fé nos seus primeiros passos, na marcha para os sacramentos, na descoberta e
no seu contínuo aprofundamento ao longo de toda a vida. Portanto, um processo
onde a fé se possa transmitir, acima de tudo, pelo testemunho de pessoas crentes e
se aprenda à maneira de uma experiência partilhada. Por isso, as comunidades
paroquiais devem ser capazes de se transformarem em espaços de iniciação, de
experiência e avaliação dos percursos de vida cristã.
A actual reflexão sobre a catequese implica, portanto, uma reflexão sobre a
situação real das comunidades cristãs e sua renovação pastoral. A CA deve estar
integrada na comunidade, seu ponto de referência eclesial, contribuindo para a tão
desejada renovação pastoral da Igreja em Portugal.
Um novo modelo deve favorecer uma catequese que olha a comunidade e tem
como objectivo prioritário a educação para a comunhão e participação na vida da
comunidade, «mistério de comunhão», desafiando as várias formas e itinerários de
catequese a coligarem-se com a realidade comunitária das paróquias, onde deve
prevalecer o «carácter iniciático» e onde será extremamente positivo desenvolver
formas de catequese intergeracional. A CA não é entendida como uma acção
catequética isolada, mas numa coerência integral e integrada dos vários processos
educativos, segundo o ritmo de crescimento das pessoas.
Liturgia
Esta centralidade na comunidade exige uma atenção especial à liturgia, vivida
ao ritmo do Ano litúrgico, como experiência global da fé e a sua necessária
contribuição em todo o itinerário de iniciação.
A liturgia é a ocasião habitual que permite à comunidade encontrar-se. Dois
riscos frequentes: a vida de uma comunidade limitar-se ao único aspecto do culto, o
que leva a fechar-se e a esclorotizar-se; e uma má «catequização» de toda a
comunidade, onde cada actividade se reduz à informação e explicação. O aspecto
catequético não é fim em si próprio, mas contribui para fazer dos membros da
comunidade um povo de sacerdotes, profetas e reis. A função da catequese é inserir
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 11
o crente na vida eclesial, e para tal a catequese recebe da liturgia o seu horizonte
e, por vezes, também o seu melhor contexto vital.
Um novo «paradigma» desafia a que se passe da ideia de que a catequese
prepara (inicia) para os sacramentos, à ideia de que os sacramentos fazem parte da
própria iniciação. Os sacramentos iniciam cada um. Isto não significa criar um
divórcio entre catequese e liturgia, mas, pelo contrário, é na lógica iniciática que a
catequese e a liturgia se integram reciprocamente. E «a sagrada Eucaristia completa
a iniciação cristã»22, pois «se verdadeiramente a Eucaristia é fonte e ápice da vida e
da missão da Igreja, temos de concluir, antes de mais, que o caminho de iniciação
cristã tem como ponto de referência tornar possível o acesso a tal sacramento» 23,
porque «é a participação no sacrifício eucarístico que aperfeiçoa, em nós, o que
recebemos no Baptismo»24, a graça sacramental que nos ajuda a professar a fé na
Trindade, aderir a Cristo na sua passagem da morte à ressurreição e receber o seu
dom por excelência que é a promessa do Pai.
Uma CA centrada na vida litúrgica da comunidade vem responder ao desafio do
Papa Bento XVI: «que o cristão seja ajudado, pela acção educativa da nossas
comunidades, a amadurecer cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma
orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da
própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo (1 Pd 3, 15)»25 e isto é
possível através de uma CA que procure integrar o ensino da catequese, a
descoberta experimental da vida cristã e a celebração eucarística.
Ano litúrgico
O itinerário de uma CA que se quer centrada na vivência litúrgica da
comunidade paroquial deve seguir o ritmo do Ano litúrgico, podendo assim
prolongar-se por três anos, respeitando os três ciclos litúrgicos. Desta forma, o
calendário da catequese deve estar ligado ao Ano litúrgico e valorizar a centralidade
da proposta bíblica, onde a Palavra de Deus vem iluminar a vida das pessoas.
22
Cf. CEC 1322.
Bento XVI, Sacramentum caritatis, ed. Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2007, n. 17, p. 29.
24
Ib., p. 30
25
Ib., n. 18, p. 31..
23
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 12
Naturalmente que, seguindo a lei do respeito pelo ritmo de crescimento na fé
de cada pessoa, seja qual for a idade ou condição, não deve haver apenas uma
forma e um itinerário para todos, mas vários, segundo as exigências da realidade.
Porém, as possíveis formas e itinerários devem convergir para a vida litúrgica e
sócio-caritativa da comunidade, permitindo enquadrar a CA numa acção orgânica da
mesma comunidade. Neste sentido, é inspiradora a proposta do RICA que propõe um
percurso articulado em quatro tempos e três ritos de passagem, centrada na
comunidade e com uma forte preocupação pela proposta de conteúdos teológicoslitúrgicos.
Intergeracional
Torna-se «importante rever a organização, as propostas, os lugares e os
itinerários tradicionais de iniciação cristã e completar os espaços comummente
frequentados com novos lugares e itinerários com certeza pouco frequentados e
experimentados até agora, mas com possibilidades catequéticas e capacidade para
iniciar à experiência da fé. É aqui onde tem lugar a insistência nos aspectos
“intergeracionais” da catequese»26.
A Catequese de Adultos num Projecto Pastoral da educação
cristã em perspectiva evangelizadora
Hoje
é
consciência
comum
que
só
uma
perspectiva
evangelizadora,
profundamente alicerçada numa eclesiologia de comunhão, nos permite caminhar
para essa tão desejada, por vezes tão ignorada, renovação da acção pastoral. Uma
dos motores desse processo de renovação, em perspectiva evangelizadora, terá que
ser a CA, pois «se a evangelização foi vista como “a missão essencial da Igreja”, “a
graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda” (EN 14), a
catequese participa da mesma dignidade e importância enquanto momento essencial
envolvido no dinamismo da evangelização. A catequese, sendo anúncio e
26
D. MARTÍNEZ; P. GONZÁLEZ; J. L. SABORIDO (compiladores), Proponer la fe hoy. De lo herdado a lo propuesto,
ed. Sal Terrae, Santander 2005, p. 27.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 13
aprofundamento da mensagem evangélica para o amadurecimento da fé, encontrase, por isso, no coração da missão da Igreja, instrumento da Igreja como sacramento
do Reino»27.
Evidentemente que a CA terá de ser pensada no quadro de uma pastoral
orgânica, fruto de um apurado projecto pastoral que tenha como objectivo renovar a
partir de dentro a humanidade de cada indivíduo, dentro da sua própria e concreta
comunidade, perspectivando um evangelização em sentido antropológico (diferente
da geográfica), porque as culturas são as novas terras de missão.
Não se trata de ajustar aqui ou acolá, num ou noutro sector, fazendo algumas
modificações parciais, mas sim de repensar o existente, projectando uma nova
forma de agir, apontando numa autêntica conversão pastoral. A catequese não é
excepção, e apesar das energias depositadas pela Igreja portuguesa na sua
renovação e consequente projecto nacional para 10 anos de catequese, renovandose a pedagogia da fé dentro do processo catequético, apercebemo-nos que estamos
imersos numa realidade muito complexa que determina profundamente o processo
de ser cristão.
O esforço da catequese revela-se ineficaz, porque não é precedido daquela
acção de primeira evangelização, tradicionalmente garantida pela família e por todo
o contexto social. Hoje, os outros agentes educativos, tais como a escola, os meios
de comunicação social e, por vezes, a família, estão distantes, quando não aliados e
em conflito com a fé cristã. Neste contexto, onde a catequese perde todo o
contexto tradicional, «cai-se na ilusão quando se pensa que basta juntar qualquer
coisa à catequese para a tornar de novo eficaz: é todo o processo do tornar-se
cristão, que deve ser repensado»28.
A CA configura-se através de novas perspectivas, tornando-se o aspecto
marcante do projecto catequístico da Igreja, onde o sistema catequético, com a CA
no centro, deve estar inserido no amplo «projecto pastoral» da comunidade 29. Isto
significa que a catequese de todas as idades deve ser pensada, não isoladamente,
mas num projecto de educação cristã, dentro dum projecto pastoral de toda a
comunidade. Pois a catequese ganha em eficácia considerando e coordenando-se
27
E. ALBERICH, La catechesi oggi..., p. 77.
S. LANZA, La parrocchia…, p. 119.
29
Cf. CT 43, 217, 774; DGC 275; ACCC 21, 28; ChL 34.
28
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 14
com a família, a escola, os tempos livres e demais âmbitos da educação, dentro de
um projecto de educação cristã.
A Família
O papel da família, muito desvalorizado ou pouco considerado, deve voltar a
ser de singular importância para a catequese, tratando-se de um ambiente propício
para uma catequese intergeracional e onde os pais poderão exercer o seu ministério
de primeiros catequistas. O Papa Bento XVI afirma: «desejo chamar a atenção
sobretudo para a relação entre iniciação cristã e família; na acção pastoral, sempre
se deve associar a família cristã ao itinerário de iniciação»30. Alerta, assim, para a
necessidade de uma pastoral estruturada e orgânica, um verdadeiro e próprio
«sistema» de pastoral familiar da primeira idade.
No último capítulo, voltaremos a esta questão, por nos parecer,
considerando o carácter permanente da catequese e os itinerários diferenciados,
que é na família que pode acontecer uma verdadeira CA, capaz de determinar as
outras formas de catequese, tornando-se intergeracional.
A Escola
A escola tinha uma presença de relevo na pastoral tradicional, mas hoje,
perante as inúmeras transformações sócio-culturais e consequente mutação da
mentalidade reinante, desaparece do contexto que a tornava amiga íntima da
catequese.
A escola, e nesta se inclui também a universidade, é o contexto onde se cria
a mentalidade, se transmitem os valores, se estrutura uma visão do ser humano.
Portanto, a comunidade cristã deve apostar numa acção pastoral na escola, lugar
privilegiado para o encontro com as crianças e jovens, transmitindo-lhes uma visão
cristã a partir da perspectiva antropológica, pedagógica, científica, etc., ou seja,
uma comunidade cristã empenhada em criar formas e caminhos de relação com as
instituições escolares.
30
BENTO XVI, Sacramentum caritatis…, n. 19, p. 32.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 15
Itinerários diferenciados
O pluralismo que caracteriza a cultura actual determina directamente a
catequese, assim como a enorme diversidade de respostas, interrogações e
propostas feitas ao homem de hoje. Neste contexto, marcado pela diversidade, só
uma catequese diferenciada que proponha diferentes caminhos a diferentes pessoas
ou grupos, poderá cumprir a sua missão. Isto porque não é suficiente oferecer
processos catequéticos adaptados a cada idade, mas sim processos catequéticos
diferenciados, até para pessoas da mesma idade.
Neste sentido, «a catequese “diferenciada” começa por ter muito em conta
a situação de partida das pessoas e dos grupos, o que ajuda a libertar-se de falsas
expectativas, a ser fiel a destinatários concretos (EN, 4) e a iniciar um processo de
fé enraizado na vida e na história pessoal» 31, concreto e específico, tal como é
referido, entre as grandes coordenadas da formação cristã, pela carta pastoral sobre
os cristãos leigos32.
Apropriação personalizada
Já não estamos no tempo de uma fé herdada e sociológica, cada vez mais
inexistente na nossa sociedade, surgindo, assim, a urgência de pensar e realizar uma
catequese que disponha e capacite para uma opção de fé livre, consciente e pessoal.
Uma das grandes coordenadas da urgente formação cristã, apontadas pela CEP,
na carta pastoral sobre os cristãos leigos, é procurar «a unidade de vida cristã. A
vida da fé é uma experiência de unidade e de harmonia. Para os leigos, é
particularmente importante não haver divisão entre a vida da fé e as suas
responsabilidades temporais no meio do mundo. A formação cristã deve educá-los
numa perspectiva de encarnação, em que as próprias realidades temporais são
ocasião para o exercício e vivência da fé. (…). Para conseguir esta unidade de vida
da fé, muito se aconselha, como pedagogia, o método da revisão de vida ou da
31
D. MARTÍNEZ; P. GONZÁLEZ; J. L. SABORIDO (compiladores), Proponer la fe hoy…, p. 29.
«Procurar ser concreta e específica. A realidade do mundo contemporâneo é de tal maneira complexa que a
preparação dos cristãos leigos para a missão precisa de ser concreta e específica. Para além da formação cristã
global, os cristãos têm de estar particularmente preparados para intervir no campo da política, da economia e
gestão da sociedade, na escola, etc. Isso supõe um conhecimento objectivo dos dinamismos e características de
cada meio, dos problemas concretos que aí se põem à existência cristã, dos valores evangélicos que é preciso
infundir, dos meios e pedagogias a adoptar» (CEP, Os Cristãos leigos…, n. 23, pp. 236-237).
32
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 16
leitura dos sinais dos tempos, em que os cristãos aprendem a julgar a realidade
humana à luz da fé e do Evangelho e a discernir, a essa luz, os caminhos e as
exigências da missão»33.
Outras perspectivas
Além das coordenadas fundamentais referidas anteriormente e que nos
parecem indispensáveis para criar uma contextualidade para a eficácia da catequese
do futuro, há ainda um conjunto de perspectivas que nos orientam numa nova visão
de catequese. Procuraremos referir algumas:
 Assistimos a uma nova identificação do sujeito e objectivos da catequese,
onde se procura passar de uma catequese infantil e infantilizante a uma catequese
dos adultos e «adulta»34.
 O conteúdo da catequese, tradicionalmente restringido a um conjunto de
fórmulas doutrinais a transmitir, encontrou uma nova perspectiva, procurando
valorizar a experiência antes da doutrina35, onde a catequese mais que ensino
(transmissão) da «doutrina» cristã é «comunicação de experiências de fé».
 Com a evolução das ciências pedagógicas, também mudou a perspectiva
pedagógica da catequese, onde, da centralidade da transmissão do conhecimento se
passa à valorização da preparação do cristão para a vida na comunidade e missão no
mundo36.
 Porém, para o bom sucesso da catequese, ganha importância um novo perfil
de catequista e uma formação que lhe confira competência, abandonando as boas
intenções e apostando numa apurada espiritualidade do catequista e na sua
profissionalização nas três dimensões fundamentais: o seu «ser» (interior), o seu
«saber» (intelectual) e o seu «saber fazer» como competência operativa.
33
Ib.
Cf. DGC 172-176; 84; 141, 158, 219-221, 253-257.
35
Cf. DGC 116-117, 152-153.
36
Cf. DGC 85-86; 147; 157; 208-209.
34
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 17
Catequese de Adultos, terminologia e identidade
É evidente que ao pretendermos reflectir sobre a CA em Portugal, a partir dos
documentos da CEP, deparamos com um panorama extremamente variado e
heterogéneo, marcado por uma complexa variedade de formas, parecendo quase
impossível abordá-la a partir de um quadro de referência. Neste contexto, pode-se
até falar, mais do que de «a catequese», de «as catequeses de adultos» 37. Referimos
três questões de suma importância na confrontação com a realidade da CA38:
Identidade: frequentemente, usa-se a expressão «catequese de adultos» para
indicar outras formas catequísticas (celebrações, grupos de espiritualidade,
actividades educativas dentro de associações e movimentos, conferências para
adultos, etc.). É importante um exame atento, capaz de discernir se se pode falar
em sentido próprio de catequese ou, simplesmente, de dimensão catequética de
outras acções pastorais.
Algumas formas de CA não podem ser consideradas como tal, porque são
superficiais, parciais, ocasionais e improvisadas (infantilizantes): isto permite-nos
perguntar quais as condições em que se pode falar de CA. Por outro lado, há muitas
actividades pastorais que, sem serem chamadas CA, possuem as suas características
e qualidades. Por vezes, procura-se evitar o termo «catequese» em relação à CA,
talvez por causa de uma certa conotação infantilizante e negativa do termo
«catequese». Fala-se frequentemente de formação, caminho de fé, de reflexão, de
animadores e acompanhantes, etc.
Terminologia muito variada: outro problema que se levanta ao abordar as
iniciativas da formação de adultos é a variedade terminológica frequentemente
usada: evangelização, catequese, catecumenado, educação da fé, formação cristã,
formação teológica, etc. Eis um breve esclarecimento:
Evangelização: missão essencial da Igreja39. Ocupa, hoje, o centro da atenção
pastoral. Fala-se da passagem de uma pastoral de conservação a uma pastoral
evangelizadora: a Igreja deve anunciar e testemunhar o evangelho em tudo o que
37
Cf. S. LANZA, La nube e il fuoco..., pp. 251-286.
Cf. E. ALBERICH; A. BINZ, Adulti e catechesi..., pp. 40-45; Cf. L. SORAVITO, La catechesi degli adulti..., pp. 1115.
38
39
Cf. EN 14.
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 18
ela diz, faz e é. Ao se pensar na «nova evangelização» pensa-se, sobretudo, nos
adultos.
Catequese de adultos: será constantemente abordada ao longo deste estudo.
Constitui um «momento significativo no processo global de evangelização»40. É
sempre uma forma de evangelização, um momento diferente e sucessivo, mas em
estreita correlação com a «primeira evangelização»41: pressupõe o primeiro
momento kerigmático que provoca a conversão inicial, mas nem sempre é fácil
determinar a fronteira entre os dois momentos42. Tem como objectivo o
amadurecimento na fé do crente, mas, para tal, deve integrar-se com outras
experiências da vida eclesial.
Catecumenado: uma etapa do processo global de iniciação à fé e à vida cristã,
que tem como finalidade a celebração dos três sacramentos (baptismo, crisma,
eucaristia) fazendo deles um caminho progressivo de introdução na comunidade
cristã. Hoje, surgem muitas experiências de revitalização do catecumenado, seja no
sentido do baptismo, seja como processo de reevangelização dos baptizados.
Frequentemente, fala-se no âmbito da CA de «itinerário catecumenal» ou de CA em
«estilo catecumenal». Em algumas partes, como em França, procura-se distinguir o
catecumenado da CA. Cada processo catecumenal inclui sempre a catequese no seu
interior, como sua componente essencial, mas é mais extenso que a simples
catequese, por isso, procura-se falar de catequese dentro de diversas experiências
catecumenais com os adultos. Há, contudo, um elo profundo entre catecumenado e
CA, pois «o modelo de cada catequese é o catecumenado baptismal». Porém,
frequentemente, fala-se de «itinerário catecumenal» a propósito de muitas formas
de catequese onde falta a especificidade catecumenal de uma verdadeira iniciação à
fé. Parece mais próprio falar de CA de «estilo» ou «inspiração» catecumenal, ou de
itinerários «catecumenais» em sentido analógico.
40
DGC 49.
Cf. Ib. 61.
42
«Reforçar a peculiaridade não significa de modo algum separar duas realidades que são com certeza, e por
múltiplos motivos, entre elas conexas. CA e primeira evangelização, efectivamente, apresentam-se em
continuidade lógica (e, tendencialmente, cronológica); estão em contiguidade de atmosfera (as problemáticas do
homem moderno tocam uma e outra: pense-se apenas no problema da linguagem da fé ou em questões novas e
quentes, p.e, a bioética); estão em correlação activa: a CA não se pode ocupar, na sua condução e nos seus
objectivos formativos, da dimensão missionária, característica da primeira evangelização» (S. LANZA, La nube e il
fuoco…, pp. 263-264).
41
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 19
Educação cristã dos adultos: Nalguns contextos, para indicar CA, usa-se a
expressão «educação cristã dos adultos» e outros «educação da fé», «educação
religiosa» – o termo «educação» recebe um significado que vai além da catequese
propriamente dita, indicando um âmbito mais vasto, acentuando a conotação
cultural e civil.
Formação cristã dos adultos: termo mais usado na área francófona, sobretudo
na fórmula «formation chrétienne des adultes». Por vezes, distingue-se formação e
catequese: o âmbito da formação aparece sempre mais amplo que o da CA e
compreende três tipos de actividade – formação dos agentes pastorais, o ensino da
teologia e a catequese de adultos. Mas também para indicar a CA em sentido próprio
usa-se a expressão «formation chrétienne» dos adultos, porque refere o
amadurecimento global da pessoa à luz do projecto cristão, com vista à
responsabilidade a assumir na comunidade e no mundo.
Identidade da Catequese de Adultos
A CA é reconhecida pelos documentos eclesiais como «a forma principal da
catequese»43. Por isso pensar a sua identidade como verdadeira catequese é pensála como expressão do serviço da Palavra: como uma forma de comunicação da
Palavra de Deus, orientada a aprofundar e amadurecer a fé das pessoas e da
comunidade.
A CA pode-se realizar de formas muito diversas: privadas e públicas,
espontâneas e institucionalizadas, sistemáticas e ocasionais. Dois são os principais
modelos de CA: «catequese de iniciação» e de «educação permanente da fé» 44,
capaz de abarcar todo o arco da vida do adulto. Quer-se uma CA capaz de responder
às exigências intrínsecas do crescimento da fé, em cada etapa da vida, e não se
limitar apenas a «reciclar» tentando recuperar o que faltou na infância.
A CA é um verdadeiro aprofundamento da fé segundo o estilo e as exigências
dos adultos de hoje. Por isso, exige-se uma catequese «adulta» quer nos objectivos,
conteúdos e métodos. Convém ter em conta que se deve superar a conotação tantas
vezes infantilizante da catequese e promover o seu carácter «catequético» como
43
DGC 20.
Cf. Ib. 67-72
44
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 20
próprio de uma catequese «adulta». É neste sentido que a CA terá que entrar no
contexto global da acção educativa e pastoral da comunidade cristã. Portanto, uma
verdadeira
«conversão
pastoral»,
marcada
pela
redescoberta
da
«primeira
evangelização» (primeiro anúncio) e dos itinerários «catecumenais», sobretudo de
inspiração catecumenal, procurando um novo modelo centrado na catequese da
comunidade.
Um novo modelo de catequese deve enquadrar-se nas seguintes perspectivas: a
CA deve ser o aspecto marcante do projecto catequístico da nossa Igreja; todo o
sistema catequético, com a CA no centro, deve ser inserido no amplo «projecto
pastoral» da comunidade; na comunidade eclesial, a catequese deve configurar-se
como dimensão e acção permanente da inteira comunidade cristã; um certo
«primado» corresponde ao «primeiro anúncio» e à «catequese de iniciação» como
formas mais importantes de CA; um CA num projecto global de educação cristã,
valorizando e promovendo o papel da família como lugar de educação da fé; uma CA
verdadeiramente «adulta» exige uma reformulação séria dos conteúdos da
catequese; uma catequese «adulta» exige um grande respeito da condição do
adulto; como consequência deve ser pensado o perfil e a formação do catequistaanimador.
Pe Vasco António da Cruz Gonçalves
Catequese de adultos
Para repensar a pastoral em Portugal
__________________________________________________para PENSAR a catequese - SDECporto 21
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Perspectivas para um novo modelo de Catequese de Adultos