O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E DA DIGNIDADEHUMANA Autora: Wanessa Novoa Furasté Orientador: Prof. Msc. Maurício Muriack de Fernandes WANESSA NOVOA FURASTÉ O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E DA DIGNIDADE HUMANA Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Maurício Muriack de Fernandes e Peixoto. Brasília Ano 2008 Cuter Furasté, Wanessa Novoa O direito fundamental à Educação como efetivação da cidadania e da dignidade humana/ Wanessa Novoa Furasté. 22 de outubro de 2008. Paginação: 87 Dissertação Universidade Católica de Brasília. Data: 22 de outubro de 2008 Orientação: Professor Msc. Mauricio Muriack de Fernandes e Peixoto. CDU Classificação Monografia de autoria de Wanessa Novoa Furasté, intitulado O direito fundamental à educação como efetivação da cidadania e da dignidade humana, apresentado como requisito parcial de obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (data da aprovação), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ______________________________________________________ Prof. (titulação) (nome do orientador) Orientador (Curso/Programa) – (sigla da instituição) ______________________________________________________ Prof. (titulação) (nome do orientador) Orientador (Curso/Programa) – (sigla da instituição) ______________________________________________________ Prof. (titulação) (nome do orientador) Orientador (Curso/Programa) – (sigla da instituição) Brasília 2008 AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente a Deus que tem me dado tudo que eu preciso. Agradeço a meus pais que me mostraram o prazer de estudar e me ajudaram em todos os momentos dessa longa jornada até aqui. Agradeço a minha irmã Michelli pela amizade inigualável e por todo o amor a mim dispensado. Agradeço também as todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização desse trabalho, em especial ao meu professor orientador Maurício Muriack pelo incentivo e pelo o apoio. RESUMO Referência: FURASTÉ, Wanessa Novoa. Título: O direito fundamental à educação como efetivação da cidadania e da dignidade humana. 2008. 87 Páginas. Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. Este texto apresenta as noções gerais de direitos humanos, direitos fundamentais, dignidade humana e cidadania, assim como noções gerais de educação e seus aspectos mais relevantes. Mostra a evolução histórica da educação no Brasil e define um panorama da educação nos dias atuais. A dissertação tem como finalidade discutir as relações entre educação e dignidade humana, entre educação e cidadania e provar que a educação é o instrumento de efetivação das condições dignas de vida ao ser humano tornando o cidadão. Palavra chave: Dignidade Humana. Educação. Cidadania. ABSTRACT Reference: FURASTÉ, Wanessa Novoa. Title: The fundamental right to education as a realization of citizenship and human dignity. 2008. 87 Pages. Dissertation to obtain part of the title of Bachelor of Law from the Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2008. This paper presents the general concepts of human rights, fundamental rights, human dignity and citizenship, as well as general notions of education and their most relevant aspects. It shows the historical development of education in Brazil and sets out an overview of education today. The dissertation is to discuss the relationship between education and human dignity, between education and citizenship and proves that education is the realization of the dignity of human life to be making the citizen. Keyword: Human Dignity. Education. Citizenship. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8 CAPÍTULO I -NOÇÕES GERAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E CIDADANIA .......................... 10 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS .................................... 10 1.1- Diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais ...................... 10 2. DIRETOS HUMANOS 2.1-Primeiras noções de Direitos Humanos ....................................................... 15 2.2- Evolução histórica...................................................................................... 15 2.3- Consolidação dos Direitos Humanos..........................................................16 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................. 17 3.1. Evolução Histórica........................................................................................ 20 3.2. Contexto dos Direitos Fundamentais segundo a Constituição Federal de 1988..................................................................................................................... 20 4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................. 23 4.1- Principais enfoques da dignidade da pessoa humana ................................ 24 4.2- Origem do conceito de Dignidade da Pessoa Humana............................... 24 4.3- A dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988 ......................... 26 5. CIDADANIA......................................................................................................... 28 5.1. Entendendo a palavra Cidadania................................................................. 28 5.2- O surgimento da Cidadania ......................................................................... 29 5.3- Cidadania e Direitos Humanos .................................................................... 30 CAPÍTULO II - A EDUCAÇÃO.................................................................................. 33 1. NOÇÕES GERAIS DE EDUCAÇÃO .................................................................. 33 1.1- Análise da Educação sob diversos focos .................................................... 33 1.2- Papel da educação na vida do ser humano ................................................ 35 2- EDUCAÇÃO E DIREITO .................................................................................... 37 2.1- Direito Educacional ...................................................................................... 39 2.2- Educação: Direito Público Subjetivo:........................................................... 39 2.2.1. A educação como serviço público ............................................................ 40 2.2.2. Princípios norteadores da Educação : ...................................................... 41 2.2.3. Competência em matéria educacional...................................................... 43 2.2.4. Financiamento da Educação..................................................................... 44 3. EDUCAÇÃO BRASILEIRA ................................................................................. 48 3.1- História da Educação no Brasil.................................................................... 48 3.2-Principais idealizadores da Educação Brasileira .......................................... 52 3.3- Educação nos dias atuais ............................................................................ 54 3.4. Recursos investidos na educação ............................................................... 58 3.5. Principais problemas .................................................................................... 59 CAPÍTULO III - DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E DIGNIDADE HUMANA ............................................................... 63 1. EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS............................................................... 63 2- EDUCAÇÃO: DIREITO FUNDAMENTAL E INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA ..................................................................................... 66 2.1- Educação como garantia do Mínimo Existencial:........................................ 66 2.2- Educação na formação do ser humano:...................................................... 68 2.3- A Educação como garantia de Emprego: .................................................... 70 2.4- A Educação como Efetivação da Cidadania................................................ 71 CONCLUSÃO............................................................................................................. 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................79 8 INTRODUÇÃO A finalidade desta dissertação consiste em mostrar que o direito fundamental à educação é o instrumento principal para a efetivação da dignidade humana e da cidadania, apresentando uma reflexão sobre as razões pelas quais o direito à educação deve ser considerado um direito fundamental e, em decorrência disso, merecer total proteção, por meio de medidas jurídicas que implementem a ação educacional e a torne acessível a todas as pessoas, da maneira mais ampla possível. A metodologia adotada para o desenvolvimento do tema apresenta um caráter interdisciplinar, na medida em que o estudo deste, não se fecha em uma só disciplina, mas busca incorporar as diferentes concepções da educação por meio das diversas áreas do conhecimento. No entanto, devido à carência de obras especializadas na literatura brasileira, enfrentamos certa dificuldade para o levantamento bibliográfico a respeito da matéria. Estas dificuldades decorrem em grande parte da existência de poucas obras sistematizadas sobre direito educacional na literatura brasileira. Assim, este trabalho não seria possível sem a conjugação de esforços de várias pessoas e instituições. Na exposição deste trabalho, e mais por conveniência metodológico-didática, optamos por dividi-lo em capítulos metodologicamente articulados. No primeiro capítulo, pela própria natureza do campo investigado, buscou-se apresentar as noções gerais sobre direitos humanos, dignidade da pessoa humana, direito fundamental e cidadania, tudo o enfoque interdisciplinar. Para tanto, numa perspectiva histórico-conceitual e filosófico-jurídica, utilizamos como paradigmas a concepção democrática de educação do filósofo e educador americano John Dewey, do educador Anísio Teixeira e do jurista e filósofo Pontes de Miranda. Aqui, a dissertação exigiu a adoção de uma perspectiva histórica contextualizada do direito educacional, mas, devido às dificuldades de tempo e os propósitos de ordem epistemológica, nos limitamos a apresentar uma breve análise histórico-conceitual das relações entre direito e educação. 9 Já no segundo capítulo, buscou-se apresentar as noções gerais da educação, seu papel na vida dos seres humanos, priorizando a relação conceitual entre direito e direito educacional, apresentando a educação como direito público subjetivo, elencando os principais princípios norteadores da educação e a competência em matéria de educação, com intuído de inserir o leitor no ambiente educacional. O capítulo III trata do assunto nuclear desta dissertação. Mostra que e educação é o meio de efetivação da dignidade humana garantindo o mínimo existencial e o emprego. Mostra também que a educação é instrumento de efetivação da cidadania, pois a educação garante a democracia. 10 NOÇÕES GERAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E CIDADANIA 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS 1.1- Diferenças entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais Para delinear uma diferença entre os dois conceitos “Direitos Fundamentais” e “Direitos Humanos”, a primeira providência a ser tomada seria distinguir quem são os destinatários de sua proteção, porém essa distinção não seria clara, visto que nos dois casos o destinatário da proteção é a pessoa humana. Ingo Wolfgang Sarlet confere ao aspecto espacial da norma o primeiro fator para de distinção: Em que pese seja ambos os termos direitos humanos e direitos fundamentais comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional ou internacional.1 No entanto, caso fosse considerado somente o critério espacial para distinção entre tais conceitos surgiria uma dúvida sobre a extensão do conteúdo de ambas as categorias jurídicas e, por conseqüência, geraria uma equiparação de significados entre os termos postos em análise. 1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 35 e 36. 11 Mesmo existindo uma positivação interna de direitos humanos, os dois conceitos não poderiam ser considerados sinônimos, pois a efetividade de cada um é diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang Sarlet é incisivo ao afirmar que: Importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que, ao menos em regra, atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.2 Segundo o autor Antonio Enrique Peres Lunõ (1999, p. 48)3, o termo direitos humanos tem um alcance mais amplo, sendo empregado, de um modo geral, para fazer referência aos direitos do homem reconhecidos na esfera internacional, sendo também entendidos como exigências éticas que demandam positivação, ou seja, como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. Em síntese, os direitos humanos são aquelas garantias inerentes à existência da pessoa, tidos como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas. Por outro lado, os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos direitos humanos, que visam garantir a existência digna da pessoa, tendo sua eficácia assegurada pelos tribunais internos. Pela importância que os direitos fundamentais assumem no ordenamento jurídico, a doutrina tem buscado explicar os direitos fundamentais a partir de quatro planos de análise: formal, material, funcional e estrutural. 2 3 Ibidem, p. 40. LUÑO, Antonio Enrique Perez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución, Madrid : Tecnos, 1999, p. 48. 12 No plano formal e material, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p.77) distingue que: Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é relevante, pois no plano constitucional, presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do catálogo. [grifos no original]. 4 Segundo a autora é no plano funcional que se desdobram as duas funções das normas (regras e princípios) de direitos fundamentais: Por um lado, atuam no plano subjetivo, operando como garantidores da liberdade individual, sendo que esse papel clássico soma-se, hoje, os aspectos sociais e coletivos da subjetividade. De outro lado, os direitos ostentam umas funções objetivas, que se caracteriza pelo fato de sua normatividade transcender à aplicação subjetivo individual, pois que estes também orientam a atuação do Estado. [grifos no original].5 Finalizando a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, ressalta Ingo Wolfgang SARLET que estas duas categorias se excluem: Importa, por ora, deixar aqui devidamente consignado e esclarecido o sentido que atribuímos às expressões “direitos humanos” (ou direitos humanos fundamentais) e “direitos fundamentais”, reconhecendo, ainda uma vez, que não se cuida de termos reciprocamente excludentes ou incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada vez mais interrelacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação, cujas conseqüências práticas não podem ser desconsideradas. 6 2- DIREITOS HUMANOS 4 PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais : uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 77. 5 6 Ibidem, p. 77 e 48 SARLET, Ingo Wolfgang, Opus citatum, p. 42. 13 A expressão Direitos Humanos diz respeito a direitos relacionados à pessoa humana, ou seja, a direitos do homem em geral. São direitos que visam resguardar os valores mais preciosos do ser humano tais como: solidariedade, igualdade, fraternidade, liberdade e principalmente a dignidade da pessoa humana. Apesar de ser facilmente identificado, a construção de um conceito que o defina não é uma tarefa fácil, em razão da amplitude do tema, como afirma Celso B. de Albuquerque Mello, relator da Comissão de Direitos Humanos (CES-ONU): Diversos são os conceitos e classificações de Direitos Humanos, vejamos alguns conceitos de estudiosos da área: Celso B. de Albuquerque Mello em seu livro cita um conceito de Charles Malik em 1947: A expressão “direitos humanos” refere-se obviamente ao homem, e com “direitos” só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que não é puramente acidental, que não surge e desaparece com a mudança dos tempos, da moda, do estilo ou do sistema; deve ser algo que pertence ao homem como tal.7 Para Louis Henkin8, os direitos humanos constituem um termo de uso comum, mas não categoricamente definido. Esses direitos são concebidos de forma a incluir aquelas reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo, todo ser humano têm ou devem ter perante sua sociedade ou governo; reivindicações estas reconhecidas como de direito e não apenas por amor, graça ou caridade. Sob essa ótica, João Baptista Herkenhoff9, afirma que direitos humanos são aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser humano, por sua própria natureza e pela dignidade que a ela é inerente. 7 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público, ed. Rio de janeiro: Renovar, 2001. P.13. 8 HENKIN, Louis. The rights of man today, apud Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2006, p.98. 9 HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humano, vol. I. (Gênese dos Direitos Humanos). São Paulo: Acadêmica, 1994. 14 Considera se que os direitos humanos tenha sua raiz na cultura ocidental moderna, mas essa teoria é duvidosa, pois há gravado no seio de todas as culturas uma visão de dignidade própria, considerada uma forma de direitos humanos. Proclamações como a Carta de Mandén, de 1222 e a declaração fundacional do Império de Malí, engrossam a idéia de que o surgimento dos direitos humanos seja mesmo ocidental. Existem também quem considere que Ocidente não criou a idéia nem o conceito do direitos humanos. As teorias que defendem o universalismo dos direitos humanos se contrapõem ao relativismo cultural, que afirma a validez de todos os sistemas culturais e a impossibilidade de qualquer valorização absoluta desde um marco externo, que neste caso seriam os direitos humanos universais. Entre estas duas posturas extremas ainda há posições intermediárias. Diversas declarações de direitos humanos emitidas por organizações internacionais regionais põem um tempero ainda maior no aspecto cultural e dão mais importância a determinados direitos de acordo com sua trajetória histórica. A Organização da Unidade Africana proclamou em 1981 a Carta Africana de Direitos Humanos e de Povos, que elenca princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e adicionava outros que tradicionalmente se tinham negado na África, como o direito de livre determinação ou o dever dos Estados de eliminar todas as formas de exploração econômica estrangeira. Em um condão similar há a Declaração de Bangkok, emitida por países asiáticos em 23 de abril de 1993, e de Cairo, firmada pela Organização da Conferência Islâmica em 5 de agosto de 1990. Surge também uma visão ocidental-capitalista dos direitos humanos, centrada nos direitos civis e políticos, que se opôs durante a Guerra Fria, destacando no seio das Nações Unidas, ao do bloco socialista, que privilegiava os direitos econômicos, sociais e culturais e a satisfação das necessidades elementais. 15 2.1-Primeiras noções de Direitos Humanos O Cilindro de Ciro, é um dos documentos mais antigos que vinculou os direitos humanos, contêm uma declaração do rei persa CiroII depois de sua conquista da Babilônia em 539 aC. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos seus idiomas oficiais. Tal documento é resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na figura do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, de Lagash, que reinou durante o século XXIV aC, e de onde cabe destacar também Hammurabi da Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, que data do século XVIII aC. O Cilindro de Ciro apresentava características inovadoras, especialmente em relação à religião. Nele era declarada a liberdade de religião e abolição da escravatura. Tem sido valorizado positivamente por seu sentido humanista e inclusive foi descrito como a primeira declaração de direitos humanos.Documentos muito posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, e a Carta de Mandén, de 1222, se têm associado também aos direitos humanos. Na Roma antiga havia o conceito de direito na cidadania romana a todos romanos. 2.2-Evolução Histórica Filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente, pois nessa época as noções de comunidade não deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular. A sociedade estamental centrada em grupos familiares, em corporações profissionais ou laborais, não enfoca o ser humano enquanto pessoa individual, pelo 16 contrário, enfoca o ser derivado de seu status, no seio da família e na sociedade em geral, pessoas que não gozam desta condição não têm direitos. A existência dos direitos subjetivos, na visão atual, foi objeto de discussão durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o que é relevante, pois é a partir daí que surge a afirmação progressiva da individualidade e a idéia de direitos do homem, tendo seu aparecimento relatado pela primeira vez durante a luta burguesa contra o sistema do Antigo Regime (ancient régime). 2.3- Consolidação dos Direitos Humanos O assunto direitos humanos foi discutido pela primeira vez na Europa após a conquista da América no século XVI pelos espanhóis. Com a proclamação da Lei de Habeas Corpus a burguesia, durante a Revolução Inglesa, conseguiu alguma seguridade contra os abusos da coroa, tais como a limitação do poder real sobre seus súditos. Em 1689, o Parlamento impôs a Guilhermo III da Inglaterra na Carta de Direitos uma série de princípios sobre os quais os monarcas não podiam legislar ou decidir. Nos séculos XVII e XVIII, filósofos como John Locke, desenvolveram o conceito do direito natural. Para Locke, esse visão não dependia da cidadania nem das leis de um Estado, nem estavam totalmente limitadas a um grupo étnico, cultural ou religioso em particular. Locke, Thomas Hobbes e Jen-Jaques Rousseau desenvolveram a teoria do contrato social que dissemina a idéia de que os direitos do indivíduo são naturais e que na natureza todos os homens são titulares de todos os direitos inerentes. A primeira declaração dos direitos humanos efetiva da época moderna é a chamada Declaração dos Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, escrita por George Mason e proclamada pela Convenção da Virgínia. Tal declaração influenciou 17 Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos que existe desde a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América de 4 de julho de 1776, assim como também influenciou a Assembléia Nacional francesa em sua declaração, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Com o início do século seguinte, surgiram novos direitos com o fim de solucionar problemas sociais por meio da intervenção do Estado. Nesse processo tem grande destaque a Revolução Russa e a Revolução Mexicana. Com o nascimento das Organização das Nações Unidas em 1945, o conceito de direitos humanos vem universalizando e alcançando grande importância na cultura jurídica internacional. Em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 217 A (III), para amenizar os efeitos da Segunda Guerra Mundial e como intento de sentar as bases da nova ordem internacional que surgia atrás da luta armada. Após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram aprovados vários tratados internacionais sobre tal matéria, dentre eles se destacam os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, e foram criados numerosos dispositivos para sua promoção e garantia. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos e garantias fundamentais são considerados um dos pilares do tripé do Estado de Direito, juntamente com os princípios da Legalidade e da Separação de Poderes. São eles as bases de uma sociedade mais justa que visa a dignidade da pessoa humana, assunto que será apresentado mais a frente. 18 Segundo José Afonso da Silva direitos fundamentais10 são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Os direitos fundamentais estão no ordenamento jurídico brasileiro elencados na Constituição Federal de 1988 , mas não se restringem somente a esse rol, eles estão enraizados na consciência dos povos. Um conceito meramente formal não seria suficiente para defini-lo, pois qualquer manifestação que revele em sua essência a dignidade da pessoa humana pode ser considerada manifestação de direitos fundamentais e pode localizar-se fora do texto escrito. A Constituição Federal de 1888 evidencia em seu artigo 5º, parágrafo segundo, essa tendência: Art. 5 º, §2º- Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, e dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte. A Carta Magna trata de Direitos Fundamentais em seu título II e efetiva a seguinte separação por objeto de cada grupo, guardando natural peculiaridade para cada um dos seus segmentos: A primeira divisão são os chamados Direitos individuais e podem ser localizados no artigo 5º da Constituição. A próxima divisão é os chamados Direitos coletivos, representam os direitos do homem integrante de uma coletividade e também podem ser encontrados no artigo 5º da Carta Magna Brasileira. Em seguida podem ser encontrados os chamados Direitos sociais, que sofrem uma subdivisão em direitos sociais propriamente ditos, encontrados no artigo 6º e os direitos trabalhistas, apresentados dos artigos 7º ao 11 da Constituição Federal. 10 Silva, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.152 19 Os Direitos à nacionalidade que são vínculos jurídicos-políticos entre a pessoa e o Estado estão escritos nos artigos 12 e 13 da mesma Carta Magna. Por fim podem ser encontrados na Constituição Federal os chamados Direitos políticos que são os direitos dos cidadãos a participação à vida política do Estado, tais como: direito de votar e de ser votado, ao cargo eletivo e suas condições, estão demonstrados nos artigos 14 ao 17 da Constituição. 3.1. Evolução Histórica Os direitos fundamentais não foram reconhecidos de uma só vez, eles passaram por um longo processo histórico e foram declarados em diversos paises ao longo dos séculos. Por se tratar de um processo gradativo de reconhecimento dos Direitos Fundamentais, os doutrinadores estabeleceram um critério de divisão em gerações para o feito. Alexandre de Moraes apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceiras gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos: “Assim os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos, sugeridos a partir da Carta Magna, os direitos fundamentais da segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais e os de terceira geração são os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos.11” 11 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 18 ed. São Paulo, Atlas,2005, p.26-27. 20 3.1.1. Jurisprudência sobre as gerações dos Direitos Fundamentais: Por ser bastante reconhecida, a doutrina da tripartição de gerações de direitos fundamentais tem recebido acolhida do próprio Supremo Tribunal Federal, senão vejamos, in literris: EMENTA: Enquanto os direitos de 1ª geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de 3ª geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.12 3.2. Contexto dos Direitos Fundamentais segundo a Constituição Federal de 1988 Não obstante a primazia histórica das Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar, em 1919, os direitos fundamentais passaram a ser consistentemente inclusos nas constituições após a 2ª Grande Guerra Mundial, quando todos os povos assumiram uma preocupação de proteção aos direitos da pessoa humana, devido à violência que vivenciaram em tal guerra e nos regimes fascista, nazista e stalinista. Diz o Prof. José Afonso da Silva sobre o assunto: O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista, 12 (STF, Pleno, MS 22164/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ, Seção 1, de 17.11.1995, p.39-206). 21 o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários.13 No entendimento de Norberto Bobbio: O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder dos meios disponíveis para realização dos mesmos, das transformações técnicas etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações.14 No Brasil foi iniciado um processo de redemocratização em 1985, após o regime militar de 1964. Esse processo culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabelece além de um regime político democrático, um avanço significativo no que tange aos direitos e garantias fundamentais. No preâmbulo da Constituição Federal de 1988, aparece o compromisso ideológico e doutrinário desses direitos fundamentais que serve de pilar básico ao Estado Democrático de Direito: [...] para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]15 Esse compromisso se manifesta por todo o texto constitucional, de forma explícita, ou implicitamente, conforme observado no artigo 1º, inciso II que elenca o princípio da cidadania e inciso III o princípio da dignidade humana. 13 14 15 Silva, José Afonso., Ibidem, p. 153 Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campus, 1992, Rio de Janeiro, p.18. CF/88, Preâmbulo. 22 Não há possibilidade de haver um Estado Democrático de Direito sem a existência dos direitos fundamentais e os direitos fundamentais não têm eficácia real a não ser em uma democracia. Onde devem ser garantidos pelo princípio da liberdade, não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, com o do princípio da igualdade, imprescindíveis para a efetividade da dignidade da pessoa humana. Segundo José Afonso da Silva: A cidadania, como princípio básico de Estado brasileiro, deve ser compreendida num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento dos indivíduos como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art.1º,III), com os objetivos da educação (art.205), como base e meta essencial do regime democrático.16 Por meio do artigo 3º, pela primeira vez a Constituição faz referência aos objetivos do Estado Brasileiro que se constituem na estruturação de: Uma sociedade livre, justa e solidária; na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais e regionais; e na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, 17 raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação . Foram elencados nos primeiros capítulos da Constituição Federal de 88, inúmeros direitos e garantias individuais, e lhes foi outorgado o patamar de cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, priorizando assim, os direitos humanos. No artigo 5º, parágrafo 1º destaca-se a inovação da Constituição ao dispor a aplicabilidade imediata às regras definidoras dos direitos e garantias fundamentais. O artigo 5º, parágrafo 2º, mostra que: 16 Silva, José Afonso,Ibidem, p.153 CF/88, Art. 3º, 18 CF/88, Art. 5º, § 2º. 17 23 Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte.18 Verifica-se com isso, a possibilidade da existência de outros direitos e garantias fundamentais inseridos ao longo de todo o texto constitucional, como também o fato de os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais receberem o mesmo tratamento dos direitos fundamentais, e passarem a ter aplicabilidade imediata no direito. 4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A dignidade da pessoa humana pode ser entendida como a consideração do homem como centro do universo jurídico, excluindo os demais seres. Esse reconhecimento não é dirigido a determinados seres, mas engloba todos os seres humanos, individualmente, de modo que os efeitos jurídicos não se manifestem de modo diverso ante duas pessoas. Esse pensamento gera duas importantes conseqüências. A primeira é que a igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos, tanto no que concerne à elaboração da regra de direito quanto em relação à sua aplicação. A segunda é que esse tratamento isonômico não exclui a possibilidade de discriminação. Celso Bandeira de Mello, embasado nos ensinamentos de Carmem Lúcia Antunes Rocha entende que: Em segundo lugar, emerge a consideração da pessoa humana como um conceito dotado de universalidade. Inviável, portanto, qualquer distinção de direitos entre os nacionais e estrangeiros, salvo quanto àqueles vinculados ao exercício da cidadania. 19 Assim, o caput do artigo 5º da Constituição Federal deve ser entendido de maneira que a titularidade dos direitos se volte a todos aqueles que estão vinculados 19 O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. Revista dos Tribunais, 2. ed., São Paulo,1984, p.49. 24 ao ordenamento jurídico brasileira não podendo privar o estrangeiro só pelo fato de não residir em solo pátrio. 4.1- Principais enfoques da dignidade da pessoa humana Segundo Miguel Reale20, a dignidade da pessoa humana pode ser apresentada sob a ótica de três concepções: individualismo, transpersonalismo e personalismo. O individualismo caracteriza-se pelo entendimento de cada pessoa, protegendo seus interesses, indiretamente protege o do próximo indiretamente. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Já o transpersonalismo apresenta-se contrário ao individualismo. Com a realização do coletivo é que se têm os interesses individuais resguardados. A pessoa humana deixa de ser o enfoque principal, passando a dignidade da pessoa humana a ser realizada com o coletivo. No personalismo, não existe a concepção individualista nem a coletivista ficando de lado a harmonia entre indivíduo e sociedade e assumindo a preponderância do individuo sobre a própria sociedade. 4.2- Origem do conceito de Dignidade da Pessoa Humana Não existem relatos nas civilizações antigas sobre o conceito de pessoa humana na forma que conhecemos hoje. Para os gregos o homem era um animal político e social, já para Aristóteles, o fato de pertencer ao Estado, indicava que o 20 REALE, Miguel - Filosofia do Direito, 19.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999. p. 277 25 ser que estava em íntima conexão com o Cosmos, com a natureza, como ensina Jaeger21. Zeller, citado por Batista Mondin22, afirma que ”na filosofia antiga falta até mesmo o termo para exprimir a personalidade" já que o termo "persona" deriva do latim. Com o advento do Cristianismo surge o conceito da pessoa humana como categoria espiritual que possui valor em si mesmo e é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais. Nasce a chamada filosofia patrística, sendo mais tarde aprimorada pelos escolásticos. Para Realle23, a proclamação do valor distinto da pessoa humana terá com conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem, o reconhecimento de que, na vida social, ele, homem, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar um "deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade". Para Immanuel Kant24, na sua investigação sobre o verdadeiro núcleo da teoria do conhecimento, o sujeito torna-se o elemento decisivo na elaboração do conhecimento. Propôs ele, assim, uma mudança de método no ato de conhecer, que ele mesmo denomina "revolução copernicana". Ou seja, em vez de o sujeito cognoscente girar em torno dos objetos, são estes que giram em redor daquele. Não se trata mais, portanto, de que o nosso conhecimento deve amoldar-se aos objetos, mas que estes devem ajustar-se ao nosso conhecimento. Trata-se, como comenta Georges Pascal25, de uma substituição, em teoria de conhecimento, de uma hipótese idealista à hipótese realista. 21 REALE, Miguel - Questões de Direito Público, São Paulo: Saraiva, 1997. p. 3. MONDIN, Battista - O homem, quem é ele?, São Paulo: Paulinas, 1980 p. 285, nota 2. 23 REALE, Miguel -Ibidem, p. 4. 24 PASCAL, Georges, O pensamento de Kant, 2.ed. Petrópolis, Vozes, 2005, p. 36 25 Ibidem, p. 36 22 26 Porém, para o sujeito kantiano a consciência enquanto razão universal é vazia quando separada da sensibilidade. O pensamento humano é dependente da sensibilidade. Nesse sentido explana Manfredo A.de Oliveira26: “pode-se dizer que a teoria é, para Kant, a dimensão da auto-alienação da razão”. Para Kant27, a razão prática possui primazia sobre a razão teórica. A moral declara a libertação do homem, e o constitui como ser livre, o homem é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, por conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isso tem dignidade, é considerada pessoa. 4.3- A dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988 A dignidade da pessoa humana é, para a República Federativa do Brasil, em seu texto constitucional, fundamento da pessoa humana. O legislador constituinte coloca o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado, criando uma relação de existência entre o Estado e as pessoas. O Estado existe em função das pessoas e não estas em função do Estado. Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de ser considerada inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, sendo que cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos. “Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público e um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro", explica Edílson Farias28. 26 OLIVEIRA, Manfredo – A Filosofia na crise da modernidade. 2ed. São Paulo: Loyola, 1995, p. 19 Ibidem, p. 23 28 FARIA, Edílson, Colisão de Direitos, Brasília: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996, p. 47. 27 27 Ernst Bloch, citado por Pérez Luño29, destaca que a dignidade da pessoa humana possui duas dimensões que lhe são constitutivas: uma negativa e outra positiva. A dimensão negativa significa que a pessoa não venha ser objeto de ofensas ou humilhações. Daí o nosso texto constitucional dispõe em seu artigo 5º, inc. III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". Com efeito, "a dignidade, como ensina Jorge Miranda30, pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas". Por sua vez, a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada pessoa, que supõe, de um lado, o reconhecimento da total auto-disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possibilidades de atuação próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que uma predeterminação dada pela natureza. Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos constitucionais e legais devem ser feitas à luz de normas constitucionais que proclamam e consagram direitos fundamentais, as normas de direito fundamental. Com razão, Canotilho31 fala que a interpretação da Constituição pré-compreende uma teoria dos direitos fundamentais. Em suma, o postulado da defesa da dignidade da pessoa humana, ao ser consagrado como fundamento do Estado Democrático de Direito no Brasil, sinaliza a síntese dos direitos fundamentais, razão pela qual o nosso Pretório Excelso reconheceu que o princípio da dignidade foi “arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental”32. 29 PÉREZ LUÑO, Antonio E. - Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, Madrid, Editorial Tecnos, 1999, p.138. 30 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. 3ª ed, Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2000,p. 168-169 31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional 4ª ed, Coimbra: Livraria Almeida, 1989, p. 363. 32 Ver julgamento do Habeas Corpus nº 90125/RS. 28 5. CIDADANIA 5.1. Entendendo a palavra Cidadania Ultimamente, a palavra cidadania é usada com freqüência em qualquer discurso ou diálogo, pois o vocábulo cidadania, devido ao seu significado abrangente, revela uma designação que tende a ser oportuna e adequada a diversas situações. A palavra Cidadania, deriva da palavra cidade e pode ser mais bem compreendida se for entendida a palavra cidade como o Estado. Assim é possível dizer que todo cidadão goza do exercício da cidadania que é o conjunto extenso de direitos e deveres. A cidadania constitui a finalidade primordial do Estado Democrático de Direito, que é possibilitar aos indivíduos de um país seu pleno desenvolvimento por meio do alcance de igual dignidade social e econômica. O conceito de cidadania é amplo, pois encontra se conectado aos conceitos de democracia e igualdade. Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade a fim de melhorar a vida da sociedade e não esquecer das pessoas que mais necessitam de ajuda e consideração. A cidadania consiste desde atos simples como: o de não jogar papel na rua, não pichar os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar as pessoas, até saber lidar com o abandono e a exclusão das pessoas necessitadas. A verdadeira cidadania é aquela que busca a inclusão de cada indivíduo na esfera da concretização de seus direitos e deveres. 29 5.2- O surgimento da Cidadania A idéia de cidadania surgiu na Idade Antiga, no século V d.C, após a conquista da Grécia por Roma, se expandindo para o resto da Europa. Apenas homens com a maioridade e grades proprietários de terras, que não fossem estrangeiros eram considerados eram cidadãos. Mulheres, crianças, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos. Na Idade Média, surge na Europa, os primeiros feudos, pedaços de terra particulares, deixando de lado a idéia de cidadania, pois os proprietários dos feudos passam a dominar tudo dentro daquele pedaço de terra, sem que os servos possam participar de qualquer decisão. Após a Idade Média, com o término das invasões Bárbaras, os feudos se decompõem e surge a necessidade de uma nova organização. Burguesia e Rei unese e criam nesse contexto as primeiras cidades que depois darão origem aos primeiros países chamados Estados Nacionais. Com a criação dos paises nasce a necessidade de arrecadação de impostos para que a máquina administrativa possa funcionar e o rei ter um grande poder. Com a arrecadação dos tributos o rei construía um exército cada vez mais forte, além de dar apoio à burguesia, que por sua vez dava apoio ao rei através do pagamento dos tributos. Com o passar do tempo o apoio real a burguesia foi diminuindo e o poder autoritário absolutista do rei aumentando. Os burgueses passaram a enxergar o rei como uma ameaça constante e começaram a se unir fazendo revoluções a fim de acabar com tal Absolutismo. Foram realizadas cinco grandes revoluções burguesas com o mesmo objetivo: acabar com o poder real. o Revolução Industrial; o Iluminismo (Revolução Filosófica); o Revolução Francesa (A maior de todas); 30 o Independência dos Estados Unidos; o Revolução Inglesa. Com o fim do Absolutismo surge um novo tipo de Estado, o chamado Estado de Direito, sua principal característica é que todos têm direitos iguais perante as leis, percebendo assim, uma grande mudança no conceito de cidadania. Com o advento do Estado de Direito surge o processo de exploração e dominação do capital, nascendo uma grande contradição entre a cidadania e o capitalismo. Cidadania é a participação de todos em busca de benefícios sociais e igualdade, já o capitalismo é a busca incessante por lucros e domínio econômico. A sociedade capitalista se alimenta da pobreza. No capitalismo, a grande maioria não pode ter muito dinheiro, tem que existir a exploração das classes privilegiadas em cima das menos favorecidas com o fim de obter lucro, se todos tivessem dinheiro e fossem exploradores do capital acabaria o capitalismo, pois deixaria de existir a relação de explorador e explorado. Nessa relação capitalista de explorador e explorado, surgem as primeiras revoltas dos trabalhadores contra os patrões, são as chamadas greves, que visavam uma vida melhor e sem exploração no trabalho. Nasce a necessidade de consumo. O homem passa a ter a função de consumidor. O homem que consome satisfaz as necessidades que outros impõem como necessárias para sua sobrevivência. Isso se mantém até os dias de hoje. Para mudar essas idéias, as pessoas devem criar seus próprios conceitos e a escola aparece como um fator fundamental. 5.3- Cidadania e Direitos Humanos Nenhum outro tema desperta tanta polêmica em relação ao seu significado, ao seu reconhecimento, como o de direitos humanos. É relativamente fácil entender 31 e lutar por questões que dizem respeito à cidadania e à ampliação da cidadania. A própria palavra cidadania já se incorporou de tal maneira ao vocabulário brasileiro que, sobre certos aspectos, ela até tende a virar substantivo, como se representasse todo o povo. Cotidianamente ouve-se uma autoridade política mencionar a expressão: a cidadania decidirá, precisamos ouvir a voz da cidadania! Usa-se a palavra cidadania como sinônimo de povo, a palavra povo no sentido de o conjunto de cidadãos, que é o sentido democrático de povo. Os direitos dos cidadãos são, cada vez mais, reivindicados por todos, desde os menos favorecidos à elite. Tais direitos estão explicitamente elencados na Constituição de um país. Mas, e a cidadania em relação aos direitos humanos, que é um tema que carrega ambigüidades e deturpações voluntárias? Na linguagem popular a referência aos direitos humanos muitas vezes dá-se no sentido pejorativo ou excludente, no sentido de identificá-los com direitos de pessoas que cometeram algum tipo de crime. Mas os direitos humanos estão associados à idéia central de democracia e a idéias básicas envolvidas no tema deste trabalho que é a educação. Enfim, o que são direitos humanos, em que eles diferem dos direitos do cidadão e em que se aproximam? Cidadania e direitos da cidadania dizem respeito a uma determinada ordem jurídico-política de um país, de um Estado, no qual uma Constituição define e garante quem é cidadão, que direitos e deveres ele terá, em função de uma série de variáveis tais como a idade, o estado civil, a condição de sanidade física e mental, o fato de estar ou não em dívida com a justiça penal etc. Direitos de cidadania não são direitos universais, são direitos específicos dos membros de um determinado Estado, são formados eminentemente de decisões políticas. Também não são direitos naturais, visto que são direitos criados e têm a necessidade de estarem especificados no ordenamento jurídico. 32 Já os Direitos Humanos são universais e naturais. Universais no sentido de que aquilo que é considerado um direito humano no Brasil, também deverá sê-lo com o mesmo nível de exigência, de respeitabilidade e de garantia em qualquer país do mundo, pois não se referem somente a um membro de uma sociedade política, ou de um Estado, mas sim à pessoa humana na sua universalidade. São direitos naturais porque dizem respeito à dignidade da natureza humana, porque existem antes de qualquer lei, e não precisam estar especificados numa lei, para serem exigidos, reconhecidos, protegidos e promovidos. Assim, percebemos como direitos que são naturais e universais são diferentes de direitos que fazem parte de um conjunto de direitos e deveres ligados às idéias de cidadão e cidadania. 33 A EDUCAÇÃO 1. NOÇÕES GERAIS DE EDUCAÇÃO 1.1- Análise da Educação sob diversos focos A palavra educação é um substantivo derivado do latim educatio e indica a ação de criar, de alimentar, de gerar cultura. Conceituar educação não é uma tarefa fácil, pois ela deriva de diferentes modos de conhecer, tais como vulgar, teológico, filosófico e, ainda, pelas ciências, tais como a psicologia, pedagogia, biologia, filosofia da educação, sociologia, direito, política. Sócrates33, usando o princípio básico da doutrina sofista foi o primeiro filósofo a definir a educação como o conhecimento de si próprio. “O homem é a medida de todas as coisas. Se o homem é a medida de todas as coisas, conclui Sócrates, a primeira obrigação de todo homem é procurar conhecer-se a si mesmo." Para Locke a educação do homem é uma educação para a razão, não podendo ser a educação abstraída dos seus vínculos com a sociedade. Admito que o ler, o escrever e a cultura sejam necessários, mas não que sejam coisa mais importante. Creio que consideraríeis muito estúpido quem não estimasse infinitamente mais um homem virtuoso do que um grande erudito. A educação deve capacitar o indivíduo a julgar e criticar as opiniões, os costumes, as superstições do ambiente a que pertence. Neste caso, a tarefa fundamental da educação é a de preparar o indivíduo a fazer prevalecer, nos seus comportamentos, as exigências da razão escola não é lugar somente de instrução e sim de educação.34 33 34 PILETTI, Nelson. Filosofia e história da educação, São Paulo: Ática, 2004,p. 637. Cf. ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. Lisboa : Presença, 1994. V. 6, p. 90. 34 Hegel, em 1821, em sua obra Princípios de filosofia do direito, passa a considerar a educação com um direito novo, deixando para trás a idéia de educação como um fenômeno religioso ou moral. Ele identifica o princípio do direito da criança à educação como conceito jurídico: A exigência de ser educada existe na criança na forma daquele sentimento, que lhe é próprio, de não estar satisfeita em ser aquilo que é. É a tendência para pertencer ao mundo das pessoas adultas, que ela adivinha superior, o desejo de ser grande. A pedagogia do jogo trata o elemento pueril como algo de valioso em si, assim o apresenta às crianças e para elas degrada o que é sério, ela mesma reveste uma forma pueril que as crianças menosprezam35. As conclusões do biólogo, psicólogo e educador Jean Piaget provocaram, também, uma revolução nos antigos conceitos relacionados à aprendizagem e à educação. Em 1896, ele chamou a atenção para o estado atual dos problemas em função das recentes tendências da educação, ressaltando o seguinte: O direito à educação intelectual e moral implica algo mais que um direito a adquirir conhecimentos, ou escutar, e algo mais que uma obrigação a cumprir: trata-se de um direito a forjar determinados instrumentos espirituais, mais preciosos que quaisquer outros, e cuja construção requer 36 uma ambiência social específica, constituída não apenas de submissão. A educação é, por conseguinte, não apenas uma formação, mas uma condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural. Proclamar que toda pessoa humana tem o direito à educação não é, pois, unicamente sugerir, tal como o supõe a psicologia individualista tributária do senso comum, que todo indivíduo, garantido por sua natureza psicobiológica ao atingir um nível de desenvolvimento já elevado, possui, além disso, o direito de receber da sociedade a iniciação às tradições culturais e morais; é pelo contrário e muito mais aprofundadamente, afirmar que o indivíduo não poderia adquirir suas estruturas mentais mais essenciais sem uma contribuição exterior, a exigir um certo meio social de formação, e que em todos os níveis (desde o mais elementares até os mais latos) o fator social ou educativo constitui uma condição do desenvolvimento.37 O sociólogo T. H. Marshall, por volta de 1956, expressou sua concepção de educação: O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como direito do cidadão adulto ter sido educado.38 35 HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios de filosofia do direito. 4. ed. Lisboa : Guimarães Editores, 1990. p. 170. 36 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 2. ed. Rio de Janeiro : José Olympio, 1974. p. 38 37 Ibidem, p. 39 38 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1967, p. 73 35 A pedagogia moderna concebe a ciência da educação como um fenômeno social e universal: A educação é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social (…) Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada39. A aprendizagem é a assimilação ativa de conhecimentos e de operações mentais, para compreendê-los e aplicá-los consciente e autonomamente. A aprendizagem é uma forma do conhecimento humano – relação cognitiva entre aluno e matéria de estudo – desenvolvendo-se sob as condições especificadas do processo de ensino. O ensino não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem. A unidade entre ensino e aprendizagem fica comprometida quando o ensino se caracteriza pela memorização, quando o professor concentra na sua pessoa a exposição da matéria, quando não suscita o envolvimento ativo dos alunos. O processo ensino-aprendizagem deve estabelecer exigências e expectativas que e os alunos possam cumprir e, com isso, mobilizem suas energias40. 1.2- Papel da educação na vida do ser humano É por meio da educação, que as pessoas desenvolvem a personalidade humana, e concretizam a própria cidadania, compreende os limites de sua liberdade, a forma de exercício de seus direitos e deveres. Educação é o passaporte para a cidadania. A educação também é um pressuposto necessário à evolução do Estado de Direito, pois com ela os indivíduos adquirem capacidade de crítica e qualificação para o trabalho, elementos essenciais ao alcance desse objetivo. 39 A pedagogia moderna é, com toda propriedade, a ciência da educação. SOARES, Moacir Bretas. Dicionário de legislação do ensino. Rio de Janeiro : Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1981. p. 141 40 LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo : Cortez, 1994. p. 16. 36 Regina Muniz, em O direito à Educação, explica que o vocábulo educar tem dupla origem etimológica: O termo educare compreende um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano em geral, visando sua melhor integração individual e social. Neste contexto, tal verbo significa criar, alimentar, subministrar o necessário para o desenvolvimento da personalidade. Educere possui o sentido etimológico inclinando-se por uma educação em que o mais importante é as capacidades interiores do educando, cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno41. Na mesma obra a autora distingue educação e instrução: A educação engloba a instrução, mas é muito mais ampla. Sua finalidade é tornar os homens mais íntegros, a fim de que possam usar da técnica que receberam com sabedoria, aplicando-a disciplinadamente. Instrução e educação, embora possam ser entendidas como duas linhas paralelas com finalidades diferentes, necessariamente devem caminhar juntas e integrarse42. Para Hobbes a educação do homem é o fator que possibilita a formação da sociedade. Assim afirma no De Cive: É evidente, portanto, que todos os homens, pois são crianças ao nascer, nascem incapazes de sociedade civil; e que muitos, talvez a maior parte, ou por deficiência intelectual, ou por falta de instrução, continuam incapazes por toda a vida. No entanto, todos eles, crianças e adultos, têm a natureza humana. Portanto, não é pela natureza que o homem se torna capaz de formar sociedade, mas pela educação.43 A jurista e educadora Maria Garcia44 ensina que a educação é um processo contínuo de informação e de formação física e psíquica do ser humano para uma existência e coexistência: o individual que, ao mesmo tempo, é social. Segundo ela a finalidade da educação consiste em formar para a liberdade que vem pelo conhecimento, pela possibilidade de opções ou alternativas; formar para a cidadania, a plenitude dos direitos e, por último, formar para a dignidade da pessoa, 41 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 7 e 8. Ibidem, p. 9. 43 HOBBES, Thomas. De Cive: Elementos Filosóficos a respeito do Cidadão. Petrópolis: Vozes, 1993, nota ao capítulo Um, artigo 2º, pp.281/282. 44 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº23, p57 42 37 princípio fundamental do Estado brasileiro, conforme estabelece o art.1º da Constituição. Após visualizar todos os conceitos acima se chega a uma conclusão: que a educação é indispensável para o desenvolvimento do ser humano e que é o processo educacional que possibilita o desabrochar das faculdades psíquicas do ser humano. Somente com a educação que o indivíduo adquire o autoconhecimento, bem como o conhecimento das demais pessoas com quem convive. É pelo processo educacional que a pessoa se desenvolve por completo. Esse processo torna o individuo capaz de entender o que é cidadania e tornar-se um cidadão, assim como é o instrumento para a efetivação da dignidade humana. Para Aristóteles, "a educação é importante porque prepara as pessoas para a vida e torna o indivíduo um homem bom, já que talvez não signifique a mesma coisa ser homem bom e um bom cidadão em todas as cidades". 2- EDUCAÇÃO E DIREITO 2.1- Direito Educacional O Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios e leis e regulamentos que versam sobre as relações de todos os envolvidos, diretamente ou não, no processo de ensino-aprendizagem. É o conjunto de que disciplina as relações entre os envolvidos no processo de ensino aprendizagem. Segundo a enciclopédia Saraiva do Direito, o verbete direito da educação desvela a seguinte definição: 38 O Direito da Educação como ramo da Ciência do Direito que estuda os princípios e as normas que envolvem a vida dos indivíduos e dos grupos humanos nos aspectos formativos e informativos.45 Nesse mesmo diapasão, Maria Helena Diniz, em texto, constante em seu Dicionário jurídico, utiliza a expressão direito da educação como: O conjunto de normas relativas à formação e à informação dos indivíduos, à política educacional, à organização, à administração e ao currículo escolar e à didática.46 Para Álvaro Melo Filho, o direito educacional pode ser entendido como: Um conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados que objetivam disciplinar o comportamento humano relacionado à educação. Impondo-se como matéria curricular e como disciplina autônoma, o direito educacional distinguir-se-á inteiramente de outras disciplinas jurídicas, pois envolverá o estudo e o ensino de relações e doutrinas com as quais nunca se havia preocupado o direito tradicional em qualquer dos seus ramos.47 Desta concepção de direito, nas palavras de Elias de Oliveira Motta48, podemos abstrair três formas de enfocar o conceito de direito educacional: 1. conjunto de normas reguladoras dos relacionamentos entre as partes envolvidas no processo ensino-aprendizagem; 2. a faculdade atribuída a todo ser humano e que se constitui na prerrogativa de aprender, de ensinar e de se aperfeiçoar; 3. ramo da ciência jurídica especializado na área educacional. 45 MENESES, João Gualberto de Carvalho. Direito da Educação – I. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, p.10 46 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo : Saraiva, 1998. (O verbete direito da educação remete para direito educacional). 47 MELO FILHO, Álvaro. Direito educacional: aspectos teóricos e práticos. Mensagem, Revista do Conselho de Educação do Ceará, Fortaleza, n. 8 (nº especial sobre direito educacional), 1982-1983.p. 54. 48 Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília : UNESCO, 1997. p.51. 39 2.2- Educação: Direito Público Subjetivo: A educação, nos dias atuais, é considerada tanto pela doutrina, como pela legislação e pela jurisprudência, como direito público subjetivo de caráter cogente e coercitivo, com instrumentos de tutela para acesso à justiça. Ela se apresenta em duas dimensões, uma subjetiva e outra objetiva. Em sua dimensão subjetiva a educação pode ser compreendida como um direito fundamental, elencados na Constituição de 1988 no capítulo II, do título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais. Para identificar quais são os direitos públicos subjetivos fundamentais, basta examinar os títulos I e II da Constituição Federal, sobretudo os capítulos I, II, III e IV. No artigo 6º da Constituição, a educação é vista como direito social fundamental e é protegida por uma série de garantias que procuram efetivar a prestação educacional pelo Estado. Tais garantias estão elencadas no artigo 208 da Constituição Federal. Para Nelson Joaquim49, mestre em direito pela UGF e professor da Universidade Estácio de Sá, ”A educação é um direito fundamental do homem, na condição de direito público subjetivo à educação, mas, sobretudo, como algo inerente à própria existência humana, que o Estado deve respeitar, proporcionando educação para todos”. Já em sua dimensão objetiva a educação é vista como um serviço público obrigatório, regulamentando os princípios que devem nortear essa atividade, a repartição de competências nessa matéria, o modelo de financiamento dessa atividade. 49 NELSON Joaquim, Texto extraído da dissertação de mestrado do autor, Educação à Luz do Direito, pela Universidade Gama Filho (RJ). 40 2.2.1. A educação como serviço público Serviço público, diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração e refere-se à atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva. Deste modo, o serviço público apresenta-se como uma dentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-lo de modo eficiente. Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua serviço público, também em acepção técnica restrita, como: (...) toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.50 O artigo 216 da Constituição Federal, inciso II, estabelece que a educação é um direito de todos e deve ser gratuita e obrigatória, ao que tange o ensino elementar, hoje chamado de ensino fundamental. Por esse motivo o Estado tem a obrigação de oferecer a todas as pessoas envolvidas no processo educacional qualidade de ensino e trabalho. A educação, quando prestada pelo Estado, enquadra-se perfeitamente na conceituação de serviço público, mas é importante salientar que a educação não é um serviço particulares. 50 eminentemente público, podendo ser também oferecida por 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.p. 423. 51 CF/88, Art. 206, inciso III e art. 209. 41 2.2.2. Princípios norteadores da Educação: O artigo 206 da Constituição Federal enumera os princípios orientadores do ensino. Tais princípios servem como base para a aplicação de todas as regras jurídicas voltadas à atividade educacional. a. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola: Esse princípio deriva do Princípio da Igualdade constante no artigo 5ª, caput, da Constituição. Encontrado no inciso II, diz que as condições para o acesso e a permanência na escola devem ser iguais para todos, uma vez que o dever do Estado para com a educação dirige-se a todos e não apenas a certo ou certos grupo(s) de pessoas. b. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber: O princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, também denominado de “liberdade de cátedra”, tem suas raízes no princípio da liberdade de expressão encontrado no artigo 5º, caput, da Constituição. Esse princípio pode ser entendido como um preceito mais genérico sobre a liberdade de expressão no contexto do ensino praticado em um Estado Democrático de Direito. c. Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino: Não cabe ao Estado impor modelos únicos e autoritários de idéias a serem aplicadas no processo ensino-aprendizagem, nem tampouco ditar as concepções pedagógicas a nortear o mesmo processo. As idéias e concepções educacionais devem ser construídas dialeticamente, a partir da observação do cotidiano das atividades educativas, sendo respeitada a autonomia de cada unidade escolar, as realidades regionais e diferenças 42 ideológicas, não havendo nenhum modelo pronto, acabado e pré-concebido de ministrar o ensino. d. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais: Em locais oficiais, o ensino público deve ser gratuito, não podendo ser instituído qualquer projeto que queira tornar o ensino público pago por mensalidades, inclusive no nível superior. e. Valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos: A valorização dos profissionais do ensino dá-ser a partir do momento em que se estabelece um magistério público organizado em carreira, admitindo a progressão de regime vertical, um piso salarial profissional elevando-se com o avanço na carreira e a investidura no cargo mediante prestação de concurso público de provas e títulos, sendo acessível a qualquer brasileiro que preencha os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros. f. Gestão democrática do ensino público, na forma de lei: Esse princípio desenvolve uma especificidade em relação aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito encontrado no artigo. 1º, caput, da Constituição, da soberania popular, artigo 1º, parágrafo único, da cidadania artigo 1º, inciso II e do pluralismo político artigo 1º, inciso V. No ensino público, a gestão deve ser democrática, sendo os dirigentes submetidos a um processo de legitimação periódica e as atividades administrativas, pedagógicas, financeiras, fazendo parte de um processo de integração da comunidade escolar, que participe diretamente do seu gerenciamento. g. Garantia de padrão de qualidade: Tal princípio deriva do princípio da Eficiência da Administração Pública, encontrado no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e estabelece que é dever do Estado garantir um padrão de qualidade no ensino oferecido. Sem qualidade, a 43 educação não será capaz de assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 2.2.3. Competência em matéria educacional Para que haja uma educação de qualidade e eficaz é preciso que exista uma estrutura que permita a organização do sistema educacional. No Estado de Direito, a previsão legal é o mecanismo apto a definir essa estrutura. A competência em matéria educacional encontra-se prevista na Constituição Federal em seu artigo 22, inciso XIV, consagrando que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional é privativa da União e que na competência concorrente com a União, estão os Estados e o Distrito Federal, com o papel de legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, previstos no artigo 24, inciso IX. Segundo Ranieri52 (2000, p. 107) a lei de diretrizes e bases da educação tem conteúdo preciso, apontando para idéia de fundamento, organização, condições de exeqüibilidade. É a lei de diretrizes e bases que traça a estrutura da educação nacional. Quanto à competência prevista no artigo 24, inciso IX, da Carta Magna, caberá à União editar normas gerais sobre educação e ensino, e aos Estados e Distrito Federal o estabelecimento de normas suplementares. Dessa forma, há um regramento sucessivo, dupla legislação em graus distintos, uma genérica e outra suplementar. 53 Nesse sentido, percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação nacional representa o regramento a nível nacional, correspondendo à articulação e coordenação dos sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de normas em matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, inciso IX, garante a 52 NINA, Ranieri, Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96). São Paulo: Edusp, 2000, p. 107. 53 NINA, Ranieri, idem , p. 103. 44 atuação dos Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento para atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das desigualdades do País. O papel de articulação e coordenação cabe à União, tendo ela um grande espaço para atuar nas esferas estaduais, municipais e distritais, regulamentando questões relativas ao sistema ensino. Atuando neste papel a União estabelece o plano nacional de educação, cujos objetivos estão definidos no artigo 214 da Constituição Federal. 2.2.4. Financiamento da Educação Como visto anteriormente, a educação no Brasil é vista como serviço público a ser ofertado pelo Estado, por esse motivo a Assembléia Nacional Constituinte optou, quanto ao financiamento da educação, em atribuir expressamente determinados percentuais das receitas públicas como fonte privativamente destinada aos investimentos nessa área. É válido transcrever recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito da oponibilidade do direito à educação ao Estado-Gênero e também aos Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal, os quais não podem se furtar a participar da efetivação deste direito social à educação, senão vejamos, in literris: A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. <208>, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. <208>, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a 45 avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.54 Creche e pré-escola — Obrigação do Estado. Cumpre ao Estado — gênero — proporcionar a creche e a pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, observando a norma cogente do artigo <208>, inciso IV, da Constituição Federal, com a redação decorrente da Emenda Constitucional 55 n. 53/2006. O financiamento da educação no Brasil está previsto na Constituição em seu artigo 212 que diz: A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.56 Este artigo define a estrutura do financiamento da educação, e determina a aplicação de percentuais mínimos de 18% de impostos próprios para a União e 25% de impostos próprios e receitas transferidas por determinação constitucional para os Estados e Municípios, da receita proveniente de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Ele também estabelece critérios para efeito de cálculo dos percentuais e de verificação de sua destinação, elege o ensino obrigatório como área prioritária de atendimento, determina o custeio de atividades de apoio ao ensino ligadas à suplementação alimentar e assistência à saúde com outros recursos e destina ao ensino fundamental público a receita da contribuição social do salário educação. Além do artigo 212 da Constituição, no artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, são encontradas regras relativas à aplicação dos recursos disponibilizados para a educação, metas de universalização do ensino fundamental e a criação do fundo de âmbito nacional, estadual e distrital, cujo objetivo é garantir as atividades de cooperação entre os sistemas de ensino, voltadas para garantia da efetividade ao modelo de cooperação entre os entes federativos. 54 (RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, DJ de 3-2-06). No mesmo sentido: RE 463.210-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 6-12-05, DJ de 3-2-06. 55 (RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-07, DJ de 3-8-07). No mesmo sentido: AI 455.802-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-07, DJ de 17-8-07. 56 CF/88, Art. 212, caput. 46 Em 12 de setembro 1996, o Congresso Nacional promulgou a emenda constitucional nº 14, alterando a redação do caput do artigo 60 das Disposições Constitucionais Transitórias, produzindo alterações também no capítulo da Constituição que trata da educação e introduzindo significativas inovações na priorização dos investimentos públicos nessa área. Tal Emenda conferiu um novo caráter à meta de eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental, passando de norma programática a norma de eficácia plena, mediante discriminação de critérios de atuação e de alocação dos recursos.57 (Ranieri, 2000, p. 83). Instituído pela EC 14/96 e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997, o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), tem como objetivo mudança da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no País, ao subvincular a esse nível de ensino uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à Educação. Sobre a criação do FUNDEF é válido transcrever relevante decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou a alegação de que tal fundo ilidia a autonomia estadual ou municipal, senão vejamos, in verbis: Emenda Constitucional n. 14/96 e Lei n. 9.424/96. Fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério. Atribuição de nova função à união — redistributiva e supletiva da garantia de equalização de oportunidades educacionais. Alegada ofensa ao princípio federativo. Não-ferimento à autonomia estadual." (ADI 1.749, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 25-11-99, DJ de 15-4-05) "Havendo decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 14, de 12 de dezembro de 1996, impõe-se a suspensão de liminar deferida com base em premissa contrária a esse entendimento. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.749-5/DF: Liminar indeferida, por insuficiência de relevo jurídico da assertiva de que, ao redistribuir receitas e encargos referentes ao ensino, estaria a promulgação da Emenda Constitucional n. 14-96 (nova redação do art. 60 do ADCT) a contrariar a autonomia municipal e, conseqüentemente, a forma federativa de Estado (art. 60, I, da Constituição).58 Por fim, é de se arrematar este tópico relembrando entendimento do Supremo Tribunal Federal que reconhece não ser absolutamente aplicada à educação a teoria 57 58 NINA Ranieri, idem, p. 83. (Pet 2.316-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-3-03, DJ de 11-4-03) 47 da reserva do possível, que limita a atuação do Estado na área social aos limites orçamentários, senão vejamos, in literris: E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de préescola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina.59 REAgR 410715 / SP - SÃO PAULO; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO;Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 22/11/2005; Órgão Julgador: Segunda Turma 59 RE-AgR 410715 / SP - SÃO PAULO; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO;Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Julgamento: 22/11/2005; Órgão Julgador: Segunda Turma 48 3. EDUCAÇÃO BRASILEIRA 3.1- História da Educação no Brasil A história da educação no Brasil não é uma história difícil de ser estudada, ela passa por várias fases facilmente observadas. A primeira fase desta história acontece com a chegada dos portugueses ao território do Novo Mundo. Eles trouxeram ao Brasil um padrão de educação próprio da Europa para se juntar à educação já usada pelos nativos da nova terra. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu. Com o advento do bandeirantismo no Brasil, os jesuítas não trouxeram somente a moral, os costumes e a religiosidade européia, com eles também vieram os métodos pedagógicos europeus. Esse método durou aproximadamente 210 anos, quando houve uma nova mudança na educação do povo brasileiro a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal. Na era pombalina aconteceu um verdadeiro caos educacional, o modelo dos jesuítas já não era mais usado e o Marquês tentou estabelecer algumas aulas régias e subsídios literários, mas de nada adiantou, o caos perdurou até a chegada da família real ao Brasil. Vindo para o Brasil, fugindo de Napoleão, Dom João VI, prepara um novo cenário da educação no país, ele cria as Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, foi a criação da Imprensa Régia. Mas a educação continuava tendo importância secundária. Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela educação brasileira, que era de qualidade precária. 49 Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, tentaram-se várias reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas nada que fosse de relevante importância para o processo educacional brasileiro. Tardiamente, em 1934, cria-se a primeira universidade Brasileira em São Paulo, nota-se, pois que em outros paises da América como o México, já havia a existência de universidades desde o tempo de colônia. Sob tendências fascistas, a Constituição de 1937, estabelece uma orientação político-educacional pautada no ensino pré-vocacional e profissionalizante, propondo que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação, mantendo apenas a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Também dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas normais, primárias e secundárias. Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns ramos do ensino. Estas reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino profissionalizante. O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial. Com o fim do Estado Novo, em 1946 uma nova Constituição de cunho liberal e democrático é adotada. Essa nova Constituição, na área educacional, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a Carta Magna fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios 50 proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos da década de 30. Ainda em 1946, o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino Primário e o Ensino Normal, e cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC, atendendo às mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução de 1930. Em 1950 é inaugurado, em Salvador, o Centro Popular de Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), por Anísio Teixeira, dando início a sua idéia de escola-classe e escola-parque. Em 1952, em Fortaleza, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético. Em 1953 cria-se um ministério próprio para administração da educação, criase o Ministério da Educação e Cultura que dá inicio uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos. E em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e é criado o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire. Incentivados pelo regime militar de 1964, os militares criam um modelo educacional antidemocrático, com professores presos e demitidos, universidades invadidas, estudantes presos e feridos, nos confronto com a polícia, e alguns mortos. Com a entrada em vigor do Decreto-lei 477 os estudantes e professores foram calados e a União Nacional dos Estudantes (UNE) proibida de funcionar. Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Os estudantes tinham vontade de aprimorar seus estudos nas universidades, mas nem sempre existiam vagas suficientes para todos eles. Por esse motivo, cria-se o vestibular classificatório. 51 Ainda nessa época houve a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização, MOBRAL, com intuito de erradicar o analfabetismo no Brasil. Tal movimento teve seu declínio anos depois devido às denúncias de corrupção, e em seu lugar nasce a Fundação Educar. É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar à formação educacional um cunho profissionalizante. Com o fim do regime Militar as discussões sobre as questões educacionais já havia perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Profissionais de outras áreas do conhecimento passaram a falar de num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar, tais profissionais, distantes do conhecimento pedagógico, passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber pedagógico. O trabalho mais marcante nessa época, que perdura até os dias atuais foi do economista e Ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida Provisória extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos burocrático e mais político. A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos, como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional. 52 A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, inciso XXIV e 24, inciso IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação. Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).60 Finalmente, em 1996, no INEP, cria-se o polêmico exame nacional de curso, provão, com a finalidade de avaliar as instituições de ensino superior do país. Nota-se, nesse panorama, que a educação brasileira evoluiu muito com o passar dos anos. Várias foram às propostas de melhoria na educação, mas essa diversidade não contribuiu em nada para a qualidade do ensino no Brasil. Em matéria de educação o Brasil ainda tem muito que melhorar, a fim de garantir um ensino de qualidade e uma vida digna a cada cidadão. 3.2-Principais idealizadores da Educação Brasileira A educação no Brasil foi construída com a influência de diversas pessoas e em diversas épocas, como mostrado acima. Cabe destacar, porém, a presença de dois pensadores que muito contribuíram para essa construção valendo de seus pensamentos filosóficos na área educacional e jurídica, o filósofo da educação Anísio Teixeira e jurista e filósofo do direito Pontes de Miranda. 60 NINA Ranieri, idem, p. 78. 53 Anísio Teixeira, seguindo a perspectiva do pragmatismo filosófico e educacional de John Dewey, com quem fizera sua pós-graduação nos Estados Unidos, usava o pragmatismo, o instrumentalismo ou experimentalismo para resolução do velho antagonismo entre teoria e prática, tendo como referência a idéia de conhecimento experimental desenvolvido pela ciência moderna. As experiências de estudos de Anísio com Dewey contribuíram para reforçar sua teoria de que só se conseguiria uma efetiva renovação educacional se esta fosse fundamentada em rigorosas bases científicas. Anísio Teixeira, em 1968, publicou uma obra chamada “Educação é um direito”, marcado pelo estudo da educação brasileira, tendo sido influenciada por fatores históricos e pelas legislações a respeito da educação. Para ele, quando o Estado liberal cogitou a educação para todos, não visualizou o direito individual de cada cidadão, mas a conveniência de preparar o homem para o trabalho, até porque a sociedade já era fundada no saber e no conhecimento. A ênfase do Estado liberal em educação técnica, profissional, industrial, em oposição à educação acadêmica e intelectual, refletia o velho dualismo, onde poucos seriam educados para si mesmos e muitos receberiam apenas o treino adequado para o trabalho que se destinariam. Sobre isto diz o educador: O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei.61 A visão de Anísio Teixeira, sob o ponto de vista constitucional, era de que o direito à educação tornar-se-ia efetivo se houvesse a criação de uma organização múltipla de ensino, com a união de forças locais, regionais e nacionais, para promover um ensino múltiplo, diversificado e uno, como convém às proporções continentais do nosso país e à natureza democrática de sua Constituição.62 Outra contribuição de grande destaque é a do jurista e filósofo do direito Pontes de Miranda, que, em 1933 publicou uma obra de tema inédito na área de 61 62 TEIXEIRA, Anísio, Educação é um Direito, ,2. ed. Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1996, p.60-61. Ibidem, p. 103. 54 sociologia jurídica com o título Direito à educação. Neste trabalho ele sustenta a importância da escola única e de todos, a escola que o povo deve exigir. Com Pontes de Miranda inicia-se a luta pelo direito público subjetivo à educação. Ele propõe, ainda, que a política e o direito reconheçam os novos direitos do homem: direito à subsistência; direito ao trabalho; direito à educação; direito à assistência; e o direito ao ideal. 63 Afirma o renomado jurista, que os cinco direitos, acima relacionados, têm de ser executados simultaneamente, em sistema harmônico, em duplo programa de "economia de plano" e de "educação de plano". Neste caso o direito à educação é o terceiro dos novos direitos do homem e sem ele tudo que se promete é paliativo, engodo para retardar a inevitável recomposição social dos povos dignos de vida. Diz Pontes de Miranda: “Dêem tudo mais, e não dêem com igualdade escola para todos – aí não deram nada. A ausência do direito voltará”. Infelizmente, o Estado liberal constitucional deixou sem sanção certos direitos declarados, inclusive o direito à educação. A solução, que é urgente para o Brasil, é, afirma Pontes de Miranda: […] considerar o direito à educação direito público subjetivo, como fim preciso do Estado; permitir ação do indivíduo contra o Estado e o plano de educação como essencial à existência do Estado, em cujo fim único está incluída a função técnica de educar.64 3.3- Educação nos dias atuais Atualmente, a educação é um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento de uma nação. É por intermédio dela que um país é capaz de crescer, aumentando sua renda e dando qualidade de vida à população. O processo educacional é parte constitutiva do processo social e se relaciona sistematicamente com os demais elementos constitutivos de um país. Para 63 64 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Direito à educação. Rio de Janeiro : Alba, 1933. p. 6-7. Ibidem, p.23. 55 compreender tal processo é importante analisar alguns fatores e situar a educação dentro de um contexto social. A análise de fatores como crescimento demográfico, econômico e social, contribuem para tal entendimento. 3.3.1. Crescimento demográfico: Por se tratar de um país com dimensões continentais o Brasil é o país mais populoso da América Latina, onde se encontra cerca de 1/3 da população de toda a América Latina. 65 Todos os anos a população brasileira cresce em média 1.2%, o que representa praticamente a metade da taxa verificada durante a primeira metade dos anos 80. Esse aumento populacional é um fator que contribui para a lentidão das melhorias sociais no país. No Brasil, entre os anos de 1980 a 2000 houve uma mudança significativa no crescimento populacional. Crianças de 0-14 anos, faixa que inclui a população de pré-escolar e básica, teve uma baixa de 38.1% do total da população em 1980 a 28.8% em 2000, ou seja, 10% a menos. Esta redução dá a possibilidade mais efetiva de universalizar o acesso às primeiras etapas da educação, garantindo maior qualidade no ensino. Seguindo uma tendência contrária, a população entre 15 e 34 anos de idade cresce levemente, passando de 35.8% a 36.5% do total. Isto implica que a demanda por educação média e superior, terá um importante impulso, sendo necessária uma demanda maior de recursos para este setor. 65 Fonte: CELADE, Boletim Demográfico N° 59, Janeiro de 1977 (20 países). Boletim 62, Julho de 1998 56 Por outro lado, o envelhecimento da população brasileira, por enquanto, vem caminhando em índices não muito significativos. A população com 60 anos ou mais passou de 12.4% a 15.2% do total. 3.3.2. Crescimento econômico: A economia brasileira cresceu muito lentamente durante a década de 80, o que significou que o PIB per capita diminuiu a uma taxa anual de -0.4%. Até 1995, o crescimento foi igual a 0%.66 Entres os anos de 1990 a 2002, a economia melhorou muito pouco, houve apenas um pequeno crescimento de 0.9% anualmente. Isto significa que o PIB de 1980 é muito similar ao de 2002 e que podemos dizer que com relação ao nível de renda per capita, as décadas de 80 e 90 foram perdidas para Brasil. 3.3.3. Aspectos sociais: a) Distribuição de renda: A desigualdade no Brasil, uma das mais altas do continente, se agravou na década de 90. Este fenômeno é muito prejudicial ao desenvolvimento da educação do país. A pobreza reduziu significativamente entre os anos de 1990 e 2001. Em 1990, a população pobre representava 48% do total, enquanto em 2001 representava 37.5%. Esta redução, desde o ponto de vista estatístico, é um verdadeiro milagre, e 66 Fonte: CEPAL, "Anuario Estadístico de América Latina y El Caribe, 2003" 57 por duas razões básicas. Primeiramente, porque o PIB per capita apresentou um crescimento muito baixo e é muito parecido ao de 1980.67 Segundo, porque a distribuição de renda não melhorou para o setor mais pobre da população, que em 1990, representava 10.3% da renda nacional e em 1999 apenas 10.5%. O milagre estatístico poderia explicar-se devido ao fato de que a renda de 40% da população mais pobre passou de 9.5% do total nacional em 1990 a 10.1% em 1999. Parece difícil, entretanto, que estes 6 décimos percentuais tenham possibilitado uma redução da pobreza de 10 pontos percentuais. Por outro lado, se consideramos 70% dos lares mais pobres vemos que sua participação no total da renda nacional passou de 28.1%, em 1990, a 27% em 1999. O único setor que melhorou sua situação foi os 10% mais rico da população, cuja renda em 1990 representava 43.9% do total nacional e que, em 1999, chegou a 47.1%. b) Emprego: Com relação ao desemprego, podemos concluir que o índice se mantém alto durante os anos 80, com uma tendência crescente a partir de 1990. No setor formal ocorreu uma redução relativa do emprego. Verifica-se que no setor privado esta redução foi de 8%, enquanto no setor público o emprego subiu 25%.68 Este alto índice chama atenção considerando, também, o crescimento do emprego informal, o que sugere que se trata de um problema estrutural que não se 67 68 Fonte: CEPAL, “Panorama Social de América Latina 2002-2003”. Fonte: CEPAL, “Anuario Estadístico de América Latina y El Caribe 2003”. 58 resolverá no esquema atual de crescimento econômico. A partir de 1990, o emprego informal cresceu 6% no Brasil. O desemprego urbano afeta particularmente às mulheres, pois no período 1991-2002, o percentual de mulheres desempregadas é superior ao de homens. Após situar o processo educativo dentro de um contexto social e analisar fatores como, crescimento demográfico, aspectos sociais e crescimento econômico, surge uma pergunta: Qual a real situação educacional do Brasil atualmente? Com base em dados estatísticos serão apresentados como são utilizados os recursos destinados à educação brasileira e os principais problemas enfrentados nesta área. 3.4. Recursos investidos na educação Os gastos referentes à educação cresceram na primeira metade da década de 90 e teve baixa na segunda. Contrariando as tendências da maioria dos paises do continente e as recomendações dos organismos internacionais, gasto como porcentagem do PIB cai consideravelmente a partir da década de 90. O gasto por modalidades de educação mostra um comportamento constante durante os anos analisados. Gastos com o ensino médio tiveram um crescimento expressivo, passando de 9.3% para 11.1% do gasto total. Na educação fundamental são investidos 60% dos recursos destinados em educação e na pré-escola esse número chega a 10%.69 O nível educativo mais favorecido é o superior, que recebe mais de 20% do total de recursos investidos. É importante observar que o nível básico (infantil, fundamental e médio) é, prioritariamente, financiado por estados e municípios e o 69 Fonte: CEPAL, Globalização e Desenvolvimento 2000. 59 nível superior pela União, em face do artigo 211, §§ 2º e 3º da Constituição da República. Ao analisar o gasto por zona geográfica, vemos que mais de 88% é destinado às zonas urbanas e que apenas cerca de 11% às zonas rurais. 3.5. Principais problemas Segundo relatório de Monitoramento EFA Brasil 200870, publicado em 30/04/2008 pela UNESCO, o Brasil está entre os 53 países que ainda não atingiram e não estão perto de atingir os objetivos de proporcionar Educação para Todos até 2015, prazo acordado na Conferência Mundial de Educação em Dacar, Senegal, em 2000, que reuniu 164 países. Para que o Brasil alcance o acordo no prazo firmado será preciso resolver os problemas abaixo relacionados: a- Analfabetismo e Desigualdade social: O analfabetismo ainda é uns dos problemas que mais afetam a educação no Brasil, por meio dele é notória a desigualdade no Brasil. Segundo pesquisa do PNAD – IBGE71, em 2002 o número de analfabetos ainda é de 10,9% da população, ou seja, 15,2 milhões de analfabetos absolutos e cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais. 70 71 Fonte: UNESCO, Monitoramento EFA Brasil 2008, publicado em 30/04/2008. Fonte: IBGE, PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2002. 60 Outro dado importante mostra que, em 2006, 97% das crianças de sete a quatorze anos freqüentam a escola, mas a taxa de analfabetismo entre a população a partir dos 15 anos de idade está em 11,8% da população. O número mais preocupante é o de brasileiros acima de 50 anos, aonde a taxa de analfabetismo, no ano da pesquisa, chegava a 27.5%. As taxas de analfabetismo por localização e por sexo mostram um panorama da forte desigualdade no país. A pesquisa revela que a taxa de analfabetos nas áreas rurais é o triplo do das áreas urbanas, enquanto nas áreas urbanas das Regiões Sudeste e Sul a taxa de analfabetismo é de 6,2% e 5,8%, respectivamente, no Nordeste rural a taxa é de 39,1%. Com relação ao analfabetismo por sexo, a taxa baixou de forma contínua, em 2002, a taxa é de um pouco mais de 12%. A escolarização média das mulheres é levemente superior à dos homens, pelo que podemos dizer que há igualdade entre os sexos. Por fim, outro fator que marca a desigualdade no país é o analfabetismo entre os grupos étnicos, o que evidencia a discriminação histórica. As diferenças entre raça e/ou cor mostram que os negros e pardos estão em desvantagem, pois a taxa de analfabetismo para este grupo segue em 115.6% e a escolarização dos brancos supera negros e pardos em dois anos. b- Repetência e Evasão Escolar: Outros problemas que têm muito destaque para a problemática da Educação Brasileira são a repetência e a evasão escolar. 61 O Brasil é um dos paises que apresentam a maior taxa de repetência escolar do continente americano. Em 1991, essa taxa era de 33,2%, o que representa, em números absolutos, 9.344.821 estudantes, ou seja, um terço do total dos estudantes matriculados em educação básica.72 Em 1998 o percentual de repetência reduziu 11.9 pontos percentuais. Neste ano o número de estudantes que repetiram o ano foi de 7.650. 235 estudantes. Os piores índices de repetência se dão na 1ª série do ensino fundamental. Tanto em 91 quanto em 1998, 40% das crianças que ingressaram na vida escolar encontraram dificuldades e não conseguiram acompanhar o processo educativo durante o ano letivo. Nas séries seguintes a taxa de repetência tem uma leve queda, voltando a se elevar nos quinto e sextos anos do ensino fundamental. Além da repetência, outro problema que afeta a educação brasileira é a evasão escolar. Em 1990, a taxa de abandono escolar era de 46%, reduzindo-se significativamente a 25%, em 1999. A maior problemática do abandono escolar está evidenciada nas séries iniciais do ensino fundamental. Em 1998, 18,9% dos estudantes que ingressaram no sistema desertaram. Se somados a esse percentual o número de crianças que não ingressaram no sistema educacional, a taxa sobe de 18.9% para 21%, e esse numero é preocupante, pois essas crianças, se não retornarem à escola provavelmente aumentarão a porcentagem da população analfabeta. A taxa global de evasão sofre uma queda nos anos finais do ensino fundamental, são 5% de desertores nessa situação em 1999. 72 Fonte: MEC/INEP/SEEC-– Censos do Ensino Superior. UnB/SPL – Anuários Estatísticos de 1998 e de 1999. 62 Outro fator que influencia a evasão escolar é a localidade da população. Nas zonas rurais o abandono é mais alto que nas zonas urbanas. Em 1999, 13% das pessoas em idade escolar abandonaram a escola. Seguramente, a alta repetência nas séries primárias explica a deserção inicial, de cerca de 25% das crianças, pois é nas séries fundamentais que elas descobrem o mundo através da educação e, ao repetir, criança fica cada vez mais desmotivada e não vê sentido em continuar estudando. 63 DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA E DIGNIDADE HUMANA 1. EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS A educação em Direitos Humanos parte de três pontos essenciais: primeiro, é uma educação de natureza permanente, continuada e global. Segundo é uma educação necessariamente voltada para a mudança, e terceiro, é uma criação de valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, meramente transmissora de conhecimentos. Tais pontos são premissas, no sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a razão quanto a emoção. O primeiro ponto trata-se da formação de uma cultura de respeito à dignidade humana por meio da promoção e da vivência de valores como: liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, cooperação, tolerância e paz. Portanto, a formação desta cultura implica na criação e consolidação de mentalidades, costumes e hábitos decorrentes dos valores supra-citados, transformando-os em prática cotidiana e global. A segunda premissa trata-se de uma educação em direitos humanos voltada para a mudança, trata-se da criação de uma nova cultura de respeito à dignidade humana e não para a conservação dos costumes, das tradições das crenças e dos valores arraigados pelas sociedades. Tal mudança implica a derrocada de valores de vários fatores historicamente definidos. Cumpre lembrar que direitos humanos são aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral. A educação em direitos humanos é fundamental porque é indispensável para 64 a vida com dignidade. Atualmente todos os textos nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos explicam a dignidade pela própria transcendência do ser humano. Exemplo disso encontra-se no artigo 1º da Declaração Internacional de Direitos Humanos de 1948 que diz: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Por fim, no processo educativo, voltado para os direitos humanos, busca-se atingir não só a razão, mas também a emoção, isto é, corações e mentes, visto que o homem não é apenas um ser que pensa e raciocina, mas que chora e que ri, que é capaz de amar e de odiar, que é capaz de sentir indignação e enternecimento, que é capaz da criação estética. O homem é um ser essencialmente moral, ou seja, o seu comportamento racional estará sempre sujeito a juízos sobre o bem e o mal, portanto o ser humano tem a sua dignidade explicitada através de características que são únicas e exclusivas da pessoa humana. Somente o ser humano é dotado de vontade, de preferências valorativas, de autonomia, de autoconsciência como o oposto da alienação. Para Kant o ser humano é o único ser cuja existência é um valor absoluto, é um fim em si e não um meio para as outras coisas. Quando se fala em educação em direitos humanos fala-se também em educação para a cidadania, com a formação do cidadão participativo e solidário, consciente de seus deveres e direitos. Fala-se em educação para a democracia, e não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existem direitos humanos sem a prática da democracia. Para uma efetiva educação em direitos humanos é preciso que se leve em consideração algumas premissas: Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado à vivência do valor da igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade. Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da capacidade de se perceber as conseqüências pessoais e sociais de cada escolha. Ou seja, deve 65 levar ao senso de responsabilidade. E por último, esse processo educativo deve visar à formação do cidadão participante, crítico, responsável e comprometido com a mudança daquelas práticas e condições da sociedade que violam ou negam os direitos humanos. A educação em direitos humanos deve ser aplicada em diversos lugares, dependendo dos recursos e das condições objetivas, sociais, locais e institucionais, de cada grupo, de cada entidade. Há que distinguir entre as possibilidades da educação formal e da educação informal. Na educação formal, a formação em direitos humanos será feita no sistema de ensino, desde a escola primária até a universidade e na educação informal, será feita através dos movimentos sociais e populares, das diversas organizações nãogovernamentais – ONGs – , dos sindicatos, dos partidos, das associações, das igrejas, dos meios artísticos, e, muito especialmente, através dos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão. O conteúdo da educação em direitos humanos decorre do estudo e da discussão da própria definição de direitos humanos, do conhecimento sobre as gerações ou dimensões históricas, sobre as possibilidades de reivindicação e de garantias vinculadas a uma noção de direitos e obrigações do cidadão e de seu compromisso dom a solidariedade. É importante, ainda, que sejam mostradas as razões e as conseqüências da obediência a normas e regras de convivência. A efetiva realização da educação em direitos humanos dar-se-á mediante a relação democracia entre os partícipes, segundo enfatiza o Professor José Mario Pires Azanha73, “de nada adiantará levar programas de direitos humanos para a escola, se a própria escola não é democrática na sua relação de respeito com os alunos, com os pais, com os professores, com os funcionários e com a comunidade que a cerca”. 73 BENEVIDES, Maria Victoria.(Professora da USP/Faculdade de Educação; fundadora, diretora e professora da Escola de governo de São Paulo) .Tópicos do Texto: Educação para a Democracia. (versão resumida de conferência proferida no âmbito do concurso para Professor Titular em Sociologia da Educação na FEUSP, 1996). Ver Texto In: http://www.hottopos.com/notand2/educacao_para_a_democracia.htm 66 É nesse sentido que um programa de direitos humanos, introduzido na escola serve, também, para questionar e enfrentar as suas próprias contradições e os conflitos no seu cotidiano. 2- EDUCAÇÃO: DIREITO FUNDAMENTAL E INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA 2.1- Educação como garantia do Mínimo Existencial: As idéias propostas até aqui conduzem à compreensão de que a educação é integrante do próprio direito à vida, constituindo-se, assim, como direito fundamental, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana. Ela está intrinsecamente ligada à dignidade humana, pois a partir de uma educação bem ministrada, de qualidade, o indivíduo torna-se capaz de competir em situação de igualdade por uma vida plena, por condições mínimas de sustento, tanto em relação ao mínimo dos bens materiais, quanto no que diz respeito à formação do homem integral e na sociedade. Esta afirmação implica em dizer que a educação garante condições mínimas para uma vida digna, para uma vida com qualidade. Implica que cada pessoa bem educada deve possuir condições mínimas de sustento físico próprio, bem como as condições mínimas para que possa participar da vida social de seu Estado, se relacionando com as pessoas que estão ao seu redor e que fazem parte da sociedade na qual vive. Segundo o professor Ricardo Lobo Torres essa condição é denominada de mínimo existencial: Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo.74 74 TORRES, Ricardo Lobo, Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 129 67 No artigo 6º da Constituição encontram-se os elementos que garantem o denominado mínimo existencial. Neste sentido ensina o Professor Ricardo Lobo Torres: Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive. 75 Alguns autores, como o Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, preferem utilizar-se da denominação piso mínimo normativo para referir-se, aos elementos do artigo 6º da Carta Magna Brasileira garantidores das condições sem as quais o homem não pode viver dignamente. Vejamos a posição do Professor a respeito desse assunto: (...) para que a pessoa humana possa ter dignidade (CF, art. 1º, III) necessita que lhe sejam assegurados os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdencia social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados) como "piso mínimo normativo", ou seja, como direitos básicos.76 Segundo entendimento do Professor José Afonso da Silva77 a educação é um dos "(...) indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana". Assim, temos a educação como um dos componentes do mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna, sobretudo no que se refere ao ensino público fundamental gratuito nos estabelecimentos oficiais de ensino, que se traduz como direito público subjetivo, como condição essencial para uma existência digna. Segundo artigo 208, inciso I, da Constituição Federal, o ensino fundamental é garantido de forma gratuita, para ricos e pobres. Caso em um determinado Município não houver vagas nas escolas de ensino oficial, pode o município ingressar com uma ação, obrigando o Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, a garantir tais 75 TORRES, Ricardo Lobo, Opus citatum p. 129 FIORILLO, Celso Antonio, O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2.000. p. 14. 77 SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 109. 76 68 vagas em estabelecimentos de ensino particular, pois é de competência das três entidades, assegurarem a educação de todos, reservando-lhes meios de estudo. No que tange ao ensino médio, não constitui mínimo existencial. No entanto, o art 208, inciso II, da Constituição declara que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: progressiva universalização do ensino médio”. Ricardo Lobo Torres afirma que este dispositivo trata de norma programática, com exceção as pessoas pobres. O referido autor observa, ainda, que a gratuidade do ensino foi estendida ao ensino superior, sem que houvesse suficiência de recursos no orçamento, o que gerou um desequilíbrio, com aumento das verbas das universidades e diminuição das escolas primárias, beneficiando-se, injustamente a classe rica. Desta forma, para que cada ser humano seja considerado e respeitado como tal, é preciso que possua uma vida digna. Por tais motivos, a educação em todos os níveis (básico/fundamental, médio e superior – sem se privilegiar com recursos um deles em detrimento do outro), deve ser assegurada de maneira primordial, pois caracteriza o direito à vida e é instrumento fundamental para que o homem possa se realizar como homem. 2.2- Educação na formação do ser humano: O Homem não se define como tal no próprio ato de seu nascimento, pois nasce apenas como criatura biológica que carece se transformar incorporando uma natureza própria, distinta das demais criaturas. Ao nascer não se encontra equipado nem preparado para orientar-se no processo de sua própria existência necessitando de ser ensinado e moldado. Segundo Kant "o homem é a única criatura que precisa ser educada".78 78 KANT, Immanuel, "Resposta à pergunta: Que é esclarecimento?". In: Textos Seletos, Petrópolis: Vozes, 1974. p.69. 69 Para Kant "o homem não pode se tornar homem senão pela educação".79 A formação humana resulta na transformação da criatura biológica em um novo ser dotado de cultura e conhecimento. Esse ato denomina-se Educação. A educação garante a formação de um ser humano atento a princípios e valores que norteiam o mundo em que vive. Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, educação é “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual ou moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social”. Educar compreende acionar os meios intelectuais de cada ser para que o mesmo seja capaz de assumir o pleno uso de suas capacidades físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação. A Educação possibilita a cada indivíduo adquirir o controle de seu próprio processo formativo. O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos. O processo educacional tem início na família, quando os pais ensinam a seus filhos valores e princípios fundamentais para a formação de sua vida individual e em sociedade. Num segundo momento, entra em cena a escola. Tem início a etapa da instrução do individuo, onde ela vai adquirir conhecimentos referentes a áreas do saber específicas: Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, entre outras. Mas o papel da educação na formação do indivíduo não fica restrito a esse tipo de informação. De certa forma, a escola vai dar continuidade ao processo que foi iniciado pela família, educando o individuo também para a vida, através da disciplina, das responsabilidades, do estímulo ao exercício da cidadania. A educação garante ao individuo a oportunidade de desenvolver a sua identidade e autonomia. A interação com as demais pessoas da instituição de ensino amplia seus laços afetivos e os torna capaz de perceber seu papel social. 79 Ibidem, p.73. 70 Desse modo, na escola, criam-se condições para as crianças conhecerem, descobrirem e ressignificarem novos sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis sociais. Uma Educação pautada em valores capacita o ser humano a conhecer o universo em que vive, a viver em sociedade, a entender, a respeitar e ajudar ao próximo, a ouvir, a dialogar, a questionar, a mudar e resolver os problemas do dia-adia. 2.3- A Educação como garantia de Emprego: Com a globalização, a sociedade passou a ficar mais competitiva ampliando a demanda por conhecimentos e informações. As tendências atuais valorizam e dão destaque à inteligência distribuída e à elevação contínua da qualidade, enfatizando igualmente o desenvolvimento de capacidades que permitam a indispensável adaptação a mercados em constante mutação e oscilação. Com base nesta afirmativa observa-se que a educação e o trabalho estão intimamente ligados e interdependentes por um ser indispensável à existência do outro, se fazendo vital a humanização da pessoa humana. Segundo Dermeval Saviani, percebe-se que: A educação coincide com a própria existência humana (...) as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem. Na medida em que é determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida, é que ele se constitui propriamente enquanto homem (...) O ato de agir sobre a natureza, adaptado-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho. Por isto, podemos dizer que o trabalho define a essência humana. Portanto, o homem, para continuar existindo, precisa estar continuamente produzindo sua própria existência através do trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência.80 Atualmente, vários países têm procurado reformar seus sistemas de educação com o intuito de preparar seus cidadãos para atender à nova tendência 80 SAVIANI, Demerval. O Trabalho como Princípio Educativo Frente às Novas Tecnologias, 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 77-78. 71 mundial. Nesse sentido, a educação e a formação profissional aparecem como questões centrais em diversos países, pois a elas são conferidas a capacidade de tornar os indivíduos mais competitivos, intensificar a concorrência, adaptar trabalhadores às mudanças técnicas e minimizar os efeitos do desemprego. O papel de organismos internacionais reguladores tem sido fundamental para essa mudança, como é possível apreender a partir de estudos do Banco Mundial: Detalhados estudos econométricos indicam que as taxas de investimentos e os graus iniciais de instrução constituem robustos fatores de previsão de crescimento futuro. Se nada mais mudar, quanto mais instruídos forem os trabalhadores de um país, maiores serão suas possibilidades de absorver as tecnologias predominantes, e assim chegar a um crescimento rápido da produção. (...) O desenvolvimento econômico oferece aos participantes do mercado de trabalho oportunidades novas e em rápida mudança.81 Essa tendência, observada em vários paises do mundo, não se faz de forma homogênea, pois se depara com diferentes contextos nacionais. No Brasil, a reforma do sistema de educação encontra dificuldades, pois se mescla com problemas sociais como a desigualdade da distribuição da renda, o analfabetismo e os baixos índices de escolaridade que atingem grande parte da população, acarretando, desta maneira, a falta de emprego. 2.4- A Educação como Efetivação da Cidadania Como visto anteriormente, cidadão é o indivíduo que participa ativamente dos destinos da sociedade em que vive. Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade a fim de melhorar a vida da sociedade e não esquecer das pessoas que mais necessitam de ajuda e consideração. No mundo globalizado, para ser cidadão tem que se desenvolver nas pessoas uma consciência que envolva o conhecimento, uma noção da interdependência que 81 BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial. O trabalhador e o processo de integração mundial. Washington, 1995, p. 26-35. 72 existe não só entre os indivíduos, mas também entre elas e o complexo ambiente em que estão inseridas. Para isso só há uma solução básica: educar o ser humano a fim de que seja efetivada a cidadania. Neste sentido Roberto Carlos Simões Galvão ensina: Educar é um ato que visa à convivência social, a cidadania e a tomada de consciência política. A educação escolar, além de ensinar o conhecimento científico, deve assumir a incumbência de preparar as pessoas para o exercício da cidadania. A cidadania é entendida como o acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade, e ainda significa o exercício pleno dos direitos e deveres previstos pela Constituição da República.82 Para Maria Victoria Benevides83, três elementos são indispensáveis e interdependentes para a compreensão da educação como efetivação da cidadania: 1. A formação intelectual e a informação - da antigüidade clássica aos nossos dias trata-se do desenvolvimento da capacidade de conhecer para melhor escolher. Para formar o cidadão é preciso começar por informá-lo e introduzi-lo às diferentes áreas do conhecimento, inclusive através da literatura e das artes em geral. A falta, ou insuficiência de informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma verdadeira segregação. No Brasil, aqueles que não têm acesso ao ensino, à informação e às diversas expressões da cultura lato sensu, são, justamente, os mais marginalizados e "excluídos". 2. A educação moral, vinculada a uma didática de valores que não se aprendem intelectualmente apenas, mas, sobretudo pela consciência ética, que é formada tanto de sentimentos quanto de razão; é a conquista de corações e mentes. 3. A educação do comportamento, desde a escola primária, no sentido de enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum. Sem participação dos interessados no estabelecimento de metas e em sua execução, como já afirmava Dewey, não existe possibilidade alguma de bem comum. É preciso tempo para sacudir a apatia e a 82 GALVÃO, Roberto Carlos Simões. Educação para a cidadania: o conhecimento como instrumento político de libertação Disponível em: <http://www.educacional.com.br>. Acesso em: 30 set 2008. 83 BENEVIDES. Maria Victoria, opus citatum 73 inércia, para despertar os interesses positivos e a energia ativa (Dewey). Ora, é evidente que essa é uma tarefa para a educação, para a democracia. Depois de verificados os elementos acima elencados, afere-se que a idéia de educação está intimamente ligada às de liberdade, democracia e cidadania. Não existe a educação para cidadania sem que exista democracia. Seria contraditório ensinar a democracia no meio de instituições de caráter autoritário. Neste sentido, Norberto Bobbio afirma que: A democracia não se refere só à ordem do poder público do Estado, mas deve existir em todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Começa na relação interindividual, passa pela família, a escola e culmina no Estado. Uma sociedade democrática é aquela que vai conseguindo democratizar todas as suas instituições e práticas.84 Por tais motivos, a educação do cidadão, para a democracia, nunca se fará por imposição do Estado, como uma doutrina oficial, mas pelo ensino dos valores democráticos e liberdade individual. Ainda segundo Maria Victoria Benevides85, são valores democráticos: a) A virtude do amor à igualdade, de que falava Montesquieu, e o conseqüente repúdio a qualquer forma de privilégio; b) O respeito integral aos direitos humanos, cuja essência consiste na vocação de todos - independentemente de diferenças de raça e etnia, sexo, instrução, credo religioso, julgamento moral, opção política ou posição social - a viver com dignidade, o que traz implícito o valor da solidariedade; c) O acatamento da vontade da maioria, legitimamente formada, porém com constante respeito pelos direitos das minorias, o que pressupõe a aceitação da diversidade e a prática da tolerância. Onde deve ser desenvolvida a educação do cidadão? As instituições de ensino são os lugares mais indicados para a efetivação dessa educação. Como já visto, a escola não tem apenas a função de repassar conteúdos programáticos específicos, mas de contribuir para a formação global de seus alunos. 84 85 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.319-329. BENEVIDES. Maria Victoria, opus citatum 74 Desta forma, a figura do professor, e de todas as pessoas envolvidas no processo educativo, torna-se imprescindível no auxílio à formação do caráter dos alunos como coloca Hurtado: [...] orientar vivências, sendo um elemento crítico e questionador de valores, o que lhe permitirá realizar muito mais no sentido de desenvolver o espírito crítico dos alunos, se souber aproveitar fatos e informações obtidos de outras fontes que não somente as da escola e, a partir deles, procurar auxiliá-los a estruturar sua personalidade.86 A proposta de socialização em ambiente escolar coloca em relevo a necessidade de distribuição do conhecimento a todos os integrantes da sociedade, devendo ser assimilado por todos. O processo de transmitir e assimilar o conhecimento elaborado, dependendo de como for relacionada sua forma com o respectivo conteúdo, provoca, no desenrolar desse processo, a assimilação de uma postura política por parte do educando e também pelo educador, mesmo que ela na tenha sido conscientemente percebida ou clarificada. A geração de feito já no interior da sala de aula é, portanto, um fato notório. O desenvolvimento da cidadania por meio da educação não diz respeito somente àqueles que pertencem aos grupos dominantes da sociedade, pois a detenção desses conhecimentos é de fundamental importância também ás classes subordinadas, uma vez que, do ângulo político, aqueles que não o conhecimento adequado, constituem uma massa facilmente manobrável, o que facilita o processo de dominação. Nesse sentido, a posse desse conhecimento em cidadania e democracia, é por demais relevante, tendo em vista a implementação de ações que visem alterar as condições de existência. A educação para efetivar o cidadão deve ser diferenciada. Não basta apenas educar para a tolerância e para a liberdade, sem o forte vínculo estabelecido entre igualdade e solidariedade, pois isso implicaria no despertar dos sentimentos de indignação e revolta contra a injustiça e, como proposta pedagógica, deverá 86 HURTADO, Johann G. G. Melcherts, O ensino da Educação Física: uma abordagem didática. 2a ed. Curitiba: Educa Editer , 1983, p.77. 75 impulsionar a criatividade das iniciativas tendentes a suprimi-la, bem como levar ao aprendizado da tomada de decisões em função de prioridades sociais. Nas palavras de Rousseau (1615, p.11)87, um clássico educador político: A pátria não subsiste sem liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude sem os cidadãos. (...) Ora, formar cidadãos não é questão de dias, e para tê-los adultos é preciso educá-los desde crianças. 87 ROUSSEAU, Sur L´économie politique, 1615, p.11, apud BENEVIDES, Maria Victoria, opus citatum. 76 CONCLUSÃO Após a análise de toda a dissertação podemos concluir que a educação é um principio fundamental, garantido pela Constituição Brasileira, que contribui de maneira expressiva, para a formação de um ser humano digno, competitivo e pronto para ser inserido numa sociedade democrática. As idéias expostas nesse texto nos impelem a uma reflexão crítica quanto à educação como instrumento de transformação social, onde podemos afirmar que o papel do professor e de todos os que estão inseridos no processo educativo, tem primordial importância para a efetivação da educação como garantia da dignidade humana. Devido à abrangência do tema, no capítulo I procurou-se explicar as noções gerais de direitos humanos, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e cidadania, concluindo que muitas ciências contribuíram com diversas concepções, para a formação destes conceitos. No mesmo capítulo, pode-se acompanhar a evolução histórica dos direitos humanos, direitos fundamentais, princípio da dignidade humana e cidadania, concluindo-se que desde os primórdios do mundo já existia a noção de cidadania e respeito social. No capítulo II, as noções gerais de educação mostram que a educação tem papel relevante no desenvolvimento da personalidade humana, e concretizam a própria cidadania. É por meio da educação que os indivíduos compreendem os limites de sua liberdade, a forma de exercício de seus direitos e deveres, tornando – se o passaporte para a cidadania. Aliás, é nesse capítulo também que observamos que as diferentes concepções da educação contribuíram para a construção do conceito jurídico de direito à educação, dando-nos a conclusão de que a educação é um direito público subjetivo garantido pelo Estado Brasileiro em sua Carta Maior. 77 Por meio da análise do histórico da educação brasileira nota-se que a educação brasileira evoluiu muito com o passar dos anos. Várias foram as propostas de melhoria na educação, mas essa diversidade não contribuiu em nada para a qualidade do ensino no Brasil. A apresentação dos principais problemas da educação brasileira serviu de norte para a conclusão de que em matéria de educação o Brasil ainda tem muito que melhorar, a fim de garantir um ensino de qualidade e uma vida digna a cada cidadão. E finalmente após análise do capitulo III, conclui-se que a educação é o principal meio de garantia das condições mínimas de existência, chamada mínimos existenciais, que é o instrumento de transformação social, devendo ser assegurada de maneira primordial, pois caracteriza o direito à vida e é instrumento fundamental para que o homem possa se realizar como homem. Com a globalização, a sociedade passou a ficar mais competitiva ampliando a demanda por conhecimentos e informações, tornando educação e emprego dependente uma da outra. É principalmente por intermédio da educação que o homem adquiri condições de competir por uma colocação melhor no mercado de trabalho e exterioriza dignidade perante si e os outros. Nesta mesma linha de raciocínio conclui-se que educação garante a formação de um ser humano atento a princípios e valores que norteiam o mundo em que vive. Conclui-se também que o processo de formação do ser humano preocupado com valores tem início na família, quando os pais ensinam a seus filhos valores e princípios fundamentais para a formação de sua vida individual e em sociedade e depois tem a continuidade na escola, tendo o professor papel fundamental na solidificação desse processo. Evidencia-se nos textos normativos citados neste trabalho que, do ponto de vista jurídico, estão lançados os fundamentos necessários para a desafiadora e indispensável empreitada que significa a construção de uma sociedade democrática, 78 com apoio na educação. Isso porque, somente através desta é possível desenvolver o ser humano de forma integral. O texto constitucional é explícito quanto aos objetivos da educação: o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo desta para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. 79 Referências Bibliográficas: ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. V.6, Lisboa : Presença, 1994. BANCO MUNDIAL. 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