André Matias, Nutricionista E-mail: [email protected] A Política de Redução dos Riscos dos Pesticidas na UE e em Portugal Introdução Pesticidas são substâncias de uso corrente usadas para o controlo, em culturas agrícolas, de pestes, tais como, insectos, ervas daninhas, fungos e roedores [1, 2]. Convém, no entanto, referir que pesticida é uma designação genérica que abrange todas as substâncias ou produtos que eliminam os organismos nocivos, sendo conveniente estabelecer a distinção entre: - Produto Fitofarmacêutico: Substâncias e preparações que contêm uma ou diversas substâncias activas utilizadas para proteger plantas ou os produtos vegetais contra organismos nocivos ou para prevenir a acção desses organismos. Estes produtos são utilizados no sector agrícola. - Biocida: Substâncias e preparações que contêm uma ou diversas substâncias activas utilizadas ns sectores não-agrícolas para desinfecção, conservação ou determinados usos domésticos [3]. O uso de pesticidas no espaço europeu tem vindo a sofrer inúmeras alterações ao longo dos tempos. Desde os primeiros passos dados em 1967, com a regulamentação das substâncias perigosas através da directiva 67/548/CEE, até à tentativa, mais ou menos conseguida, da implementação da protecção integrada, muito se tem discutido. Fundamentalmente, duas razões principais se podem apontar para a evolução da política dos pesticidas no espaço europeu. Uma, refere-se ao facto de com a evolução técnica e dos conhecimento científicos se tenha chegado à conclusão que o contacto dos pesticidas com os humanos poderia provocar graves danos à saúde[1, 2, 4, 5]; a segunda razão liga-se à reforma da PAC, em 1992, onde se pretendeu substituir o modelo produtivista por um modelo de produção sustentável e respeitador do ambiente [6]. O objectivo da análise seguinte é perceber como foi aplicada a política de redução dos riscos dos pesticidas na União Europeia e se esta política foi transposta ou seguida em Portugal. Política de Redução de Riscos dos Pesticidas na UE O primeiro acto legislativo específico sobre pesticidas na União Europeia ocorre em 1978, com a publicação da Directiva dos pesticidas 78/631/CEE, onde se determina ser aplicável a estas substâncias a regulamentação sobre classificação toxicológica, frases de risco e frases de segurança definidas para as substâncias perigosas [7]. Na década de 80 do século passado acentuou-se, nalguns países da Europa, a tendência para a diminuição dos riscos dos pesticidas através da redução de 25 a 50% do uso destas substâncias. Neste seguimento, houve um aumento claro da pressão desses países europeus, e de outros países a nível mundial, associada a preocupações de ordem ecológica, que serviram de gatilho para a viragem da política agrícola comum, no início da década de 90, de uma agricultura produtivista para uma agricultura de produção sustentável. Em 1991, com os objectivos de harmonização da homologação dos pesticidas agrícolas nos países membros e com a reavaliação dos já existentes, tendo como princípios: “ a ponderação dos riscos para a saúde humana e animal, para a água e o ambiente...; o recurso à análise do risco; e o fomento da protecção integrada”, é publicada a Directiva 91/414/CEE. Esta directiva marca o início de uma nova política de redução dos riscos dos pesticidas. Esta directiva, e as directivas seguintes que a vieram complementar, surgem então como ferramentas jurídicas para suportar as exigências e as regras da União na análise do risco dos pesticidas e no condicionamento da sua homologação, em função da defesa da saúde humana e do ambiente. Desde 1992 até 2002, esteve em estudo o Projecto de Estratégia Temática do Uso Sustentável dos Pesticidas, projecto este que veio intensificar as preocupações do uso dos pesticidas, assim como dar prioridade à defesa da saúde humana e do ambiente. Como reflexo desta política da União Europeia, regista-se desde 1993, a proibição de 61,1% dos pesticidas analisados no mercado. Apesar de todas estas medidas e do empenhamento das estruturas da União Europeia, constata-se a difícil luta que tem sido travada para a implementação dessas medidas de redução das acções nefastas dos pesticidas, nos Estados Membros, devido às grandes resistências veiculadas pelos seus organismos oficiais de protecção das plantas e pela própria indústria dos pesticidas. A médio prazo, a União Europeia tem como objectivos a implementação com carácter obrigatório, até 1/1/14, a prática da Protecção Integrada [8]. Esta deverá estar alicerçada no Uso Sustentável dos Pesticidas decorrente de uma evolução, desde a luta química cega, através da luta química dirigida, até à prática do risco aceitável no uso dos pesticidas[7]. Política de redução dos riscos dos Pesticidas em Portugal No início da década de 60 do século passado, grandes progressos ocorreram em Portugal, no sector da protecção das plantas, com a influência do sistema de homologação dos pesticidas agrícolas e dos progressos centíficos [7]. Porém, 20 anos depois, na década de 80 (quando a União Europeia já rumava no sentido oposto), predominava ainda a utilização da luta química cega e, ainda hoje, com alguma frequência. Até 1994, privilegia-se o acto responsável, numa altura em que a União Europeia já tinha em estudo o uso sustentável dos pesticidas. O Eng. Pedro Amaro, em 1990, num trabalho sobre o acto responsável, alertava para o facto da ponderação sobre pesticidas não se limitar a aspectos de ordem económica e financeira mas, necessariamente, abranger questões de carácter biológico, ecológico, toxicológicos e até ético e moral! Por influência da indústria do pesticidas, surgiu em 1994, o conceito de Boa Prática Fitossanitária (BPF) com conceitos, no mínimo, dissonantes da política europeia: - Não à redução do uso dos pesticidas; - Não à proibição de pesticidas muito tóxicos e tóxicos para o homem e ambiente. Apesar de variada literatura ter sido publicada, no sentido de denunciar o que significa claramente BPF, a Organização Europeia de Protecção das Plantas (OEPP) e a Indústria dos Pesticidas formaram grupos de pressão para que esta prática substitua a Protecção Intregrada. Entidades como o Centro Nacional de Protecção Agrícola (CNPPA) e a Direcção Geral de Protecção das Culturas (DGPC), que apoiaram esta prática durante 10 anos, são responsáveis pela publicação recente do diploma da aplicação dos pesticidas, DL 173/2005, em que se pode ler: “A tomada de decisão e a aplicação de pesticidas devem obedecer à boa prática fitosanitária...” Com estranheza, Portugal não aderiu à política da União Europeia de redução do risco dos pesticidas. A década de 80 é decisiva na bifurcação e na tomada de caminhos distintos de Portugal com o resto da União. Constata-se, no fim desta década, diversas formas de resistência por parte de organismos oficiais e da Indústria dos Pesticidas. Destacam-se: a suspensão do Guia Amarelo dos Produtos Autorizados, da DGPC, durante cinco anos (1985-1990); a criação do tabú da designação de pesticida e a sua substituição por: agroquímico, fitofármaco, produto de protecção das plantas, produto fitofarmacêutico, produto antiparasitário... As formas de resistência também se revelaram no silêncio do CNPPA, da DGPC e da Indústria dos Pesticidas, que impediu a divulgação das mais recentes descobertas sobre as características toxicológicas e ecotoxicológicas dos pesticidas aos técnicos e agricultores em publicações e acções de formação. Esta falta de informção pode-se evidenciar nos seguintes exemplos: Sector Oficial • • • • • Atrasos na entrada em vigor, em Portugal, das Directivas 91/414/CEE e 1999/45/CE; Raridade de informação sobre pesticidas com efeitos na saúde humana em contraste com outros países europeus; Não actualização, pela DGPC e Direcção-Geral da Agricultura e Desenvolviemento Rural (DGADR), das características toxicológicas e ecotoxicológicas e das precauções decididas pela União Europeia; Atraso na divulgação da informação toxicológica e ecotoxicológica dos pesticidas agrícolas nos rótulos e nas fichas de segurança; A ausência de destaque, a negrito, nos rótulos, de importantes características dos pesticidas. Indústria dos Pesticidas • • Posição da Associação Nacional da Indústria para a Protecção das Plantas (ANIPLA): “a nova classificação toxicológica e ecotoxicológica não significa aumento de perigosidade dos pesticidas”; Ilegalidades cometidas pelas empresas de pesticidas, e a política geral de informação adoptada nos catálogos, literatura técnica, folhetos e na publicidade de pesticidas. A política oficial da redução dos riscos dos pesticidas continua e continuará, com o auxílio da DGADR e da Indústria dos Pesticidas, a ser assente na Boa Prática Fitosanitária e o Uso Seguro dos Pesticidas. Apesar de todos estes factos serem políticos, não se pode escamotear as implicações sérias que os mesmos têm na saúde das populações. Estamos perante um caso sério ao atentado da integridade da saúde pública! Como exemplo flagrante temos o facto do CNPPA, da DGPC, da Comissão de Toxicologia dos Pesticidas (CTP) e da Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêutico (CATPF) ignorarem, desde 1988, as consequências resultantes do DL 294/88, de se poder utilizar, para os pesticidas, frases de risco e conselhos de prudência. Como consequência desta inoperância, ilegalidade e irresponsabilidade, surgem dados que comprovam a real implicação destas acções, como o exemplo de em 1993 estarem homologados em Portugal 19 pesticidas, com efeitos na saúde humana, que já tinham sido referidos no Índex Phytosanitaire ACTA em França. Esta informação continuava a ser ignorada no Guia Amarelo da DGPC em 2007! Só em 2005, a CATPF e a DGPC descobriram 48 pesticidas homologados em Portugal que já em 2001 tinham sido refererenciados em França como tendo efeitos específicos na saúde humana. Esta irresponsabilidade das autoridades, associada ao não cumprimento, pelos agricultores, das orientações dos rótulos, coloca-nos todos em risco. As deficientes, ou inexistentes medidas de formação e fiscalização têm resultado, nestas últimas décadas, no incorrecto uso dos pesticidas pelos agricultores. Em 2004 foram detectados resíduos de pesticidas não homologados em 35,6% das amostras de culturas hortícolas. Na cultura do arroz foram encontradas 50% das 32 substâncias activas não homologadas. Na vinha, a situação é também preocupante, já que em 2001, um inquérito do Instituto Nacional de Estatística a 416 viticultores revelava que 47% não usava equipamento de protecção individual ignorando a informação do rótulo. Não é, pois, de admirar, os resultados de um relatório da Pesticide Action Network Europe (PAN-E) que revela serem os casos de intoxicação, por “paraquat”(herbicida de contacto[4]), preocupantes em Portugal, estando num crescendo, referindo, nomeadamente, que no periodo de 1997 a 2004, num pequeno hospital do nordeste de Portugal, registaram-se 31 casos de intoxicação resultando em 20 mortes![5] Mais recentemente, a partir do Colóquio de Murça, em 2005, começou-se a pressionar a DGPC, a ANIPLA, as empresas de pesticidas e a comunidade científica e técnica do sector da protecção das plantas, para fomentarem o debate sobre a política de redução dos riscos dos pesticidas em Portugal e na União Europeia. Depois de numerosos estudos e trabalhos, colóquios e congressos, (sempre com reduzida ou nula participação da DGPC e das empresas de pesticidas), os resultados foram escassos e a única consequência foi um silêncio ensurdecedor que consolidou o facto de não ter existido qualquer evolução nesta temática até agora. Conclusões Portugal não aderiu à Política da União Europeia de redução dos riscos dos pesticidas! Este parece-nos como um facto inegável e indesmentível. O nosso país, por iniciativa dos organismos oficiais e da Indústria dos Pesticidas, viveu uma realidade paralela, totalmente alheado do que acontecia na União Europeia. Os conceitos de Protecção Integrada e Produção Integrada não foram adoptados com rigor e foram alvo de frequentes acções de resistência. A prática destes sistemas de produção implementada, desde 1994, em Portugal, foi em boa verdade um sucesso, o sucesso do subsídio! Não existe transposição do largo investimento feito pelo Estado para o consumidor. Quantos produtos surgiram referenciados no comércio, com o selo da Produção Integrada, desde 1994? Os subsídios são dados aos agricultores, sem haver um contrato claro por objectivos, e sem o compromisso da obtenção de um determinado produto para o consumidor. Apesar das grandes superfícies realizarem análises para averiguar se os níveis de substâncias activas estão abaixo do regulamentado, essa informação não é fornecida ao consumidor. O atraso e inércia no nosso país da fiscalização e homologação de pesticidas de acordo com a classificação toxicológica e ecotoxicológica, parece-nos como o facto mais grave de toda esta incompetência neste domínio. Regista-se com perplexidade, a política de silêncio e desinformação do CNPPA e da DGPC, com o acordo e compadrio dos representantes do sector da saúde e do ambiente com assento no CATPF mas com menos expressão do que no extinto CTP. Esta promiscuidade, entre organismos oficiais e a Indústria dos Pesticidas, tem implicações muito sérias na saúde dos consumidores actuais e possivelmente na saúde de várias gerações. Era bom que os responsáveis e estas situações viessem à ordem do dia, com os criminosos a serem julgados pelos crimes cometidos ao longo das décadas ao ignorarem, sistematicamente, legislação comunitária e por vezes nacional. Em 2007, o European Enviromental Bureau (EEB), a maior federação de organizações de cidadãos ambientalistas da Europa, publicou um relatório de análise às medidas relacionado com ambiente na presidência de Portugal da União Europeia. No que concerne à temática dos pesticidas do seu uso sustentável e legislação específica, o relatório avalia os resultados como desapontadores. O EEB refere que o Conselho da Agricultura cometeu um grande erro ao não colocar limites de redução ao uso de pesticidas na União, assim como, à permissão de pulverização aérea em casos especiais - o EEB considera que esta técnica levanta uma série de riscos para o ambiente e saúde humana[9]. Parece-nos que foi mais uma oportunidade perdida na regulamentação séria da redução dos riscos do uso de pesticidas, com a possibilidade de ser Portugal a liderar a mudança numa área onde tem estado na cauda da Europa. O uso com risco aceitável dos pesticidas é, agora possível, no nosso país, como nunca. A política da União de redução dos riscos dos pesticidas, com evidentes consequências numa percentagem significativa de países europeus, poderá proporcionar, também, em Portugal, a generalização da prática do risco aceitável dos pesticidas e quiçá do uso sustentável em pleno dos pesticidas e da protecção integrada. Apesar destes factos, e com os exemplos do passado, parece-nos como mais eficaz o facto da União Europeia OBRIGAR até 2014 a implementação da protecção integrada no espaço da União. Como outros exemplos da nossa vida comum torna-se claro que para a aplicação de certas medidas “só lá vamos” quando surgirem coimas e multas. Espera-se então que a partir de 1/1/14 a prática da Protecção Integrada, respeitada em todo o seu conteúdo, seja uma realidade em Portugal. Bibliografia 1. Costa, L., et al., Neurotoxicity of pesticides: a brief review. Frontiers in Bioscience, 2008(13): p. 1240-9. 2. Bjørling-Poulsen, M., H. Andersen, and P. Grandjean, Potential developmental neurotoxicity of pesticides used in Europe. Environmental Health, 2008. 7: p. 50. 3. 4. Para uma estratégia temática da utilização sustentável dos pesticidas. 2007. Serra, A., F. Domingos, and M.M. Prata, Intoxicação por paraquat. Acta Médica Portuguesa, 2003(16): p. 25-32. 5. 6. 7. Parente, S., Paraquat poisoning Incidents in Portugal. 2007, PAN-Europe. Ali, R., A Common Agriculture Fund - Breaking the CAP stalemate. 2002. Amaro, P., A Política de Redução dos Riscos dos Pesticidas em Portugal. 2007: ISA/Press. 8. Estratégia temática para uma utilização sustentável dos pesticidas. Available from: http://europa.eu/scadplus.htm. 9. EEB Assessement of the environmental Results of the Portuguese Presidency of the EU 2007. 2007;