1 EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL: desafiando educadores Autora: Elenice Ana Kirchner – UNOESC Co-autor: DR. Roque Strieder – UNOESC RESUMO Esse artigo é resultado da dissertação de mestrado que tem o seu foco na Educação Integral. Uma pesquisa de estudo de caso da Escola em Tempo Integral “Porto Novo” da cidade de Itapiranga- SC, na possibilidade de constituir-se em alternativa para melhorar a qualidade da educação na escola pública. As entrevistas realizadas deram suporte para dialogar com autores e revelar limites e possibilidades da escola em tempo integral. Foi possível constatar que a integração da escola com a comunidade foi determinante na implantação e consolidação do projeto. E que a escola em tempo integral cria condições de maior convivência entre as pessoas, oportuniza a adoção de atitudes mais humanas. Muitos são os desafios apresentados, mas, o projeto de escola em tempo integral pode ser uma alternativa efetiva no complexo compromisso com o processo de formação de pessoas. Palavras-chave: Educação integral. Escola de Tempo Integral. Formação Humana. Dimensões políticas e pedagógicas. Introdução Vivemos, atualmente, um panorama em que as tecnologias e o mundo globalizado trazem maiores oportunidades e agilidade às informações. Para os educadores, cabe renovar o questionamento: qual o objetivo e a finalidade da ação educativa nesse contexto mutável e nebuloso? O que é educar? Como educar? Que metodologias utilizar? Qual a melhor forma de organização escolar para atender as demandas educacionais num mundo em que o “sólido se desmancha” na vulnerabilidade? Várias abordagens têm sido discutidas e apresentadas por educadores e estudiosos buscando oferecer alternativas para problemas educacionais. Dentre as alternativas está a ampliação do tempo de permanência da criança na escola. Conhecer essa ampliação de permanência, vislumbrar possibilidades educativas e de aprendizagem e implicações decorrentes foram as motivações dessa investigação. Trata-se de um estudo de caso: a implantação da proposta de Tempo Integral na Escola de Educação Básica Porto Novo do município de Itapiranga/SC. O desafio foi verificar, para conhecer e entender, as propostas educacionais implantadas nessa escola com jornada ampliada - Tempo Integral -, além de identificar os avanços ocorridos com a implantação do projeto. Foi meta também uma 2 reflexão sobre as concepções de educação integral e de tempo integral presentes em referenciais específicos e também expressos pelo corpo docente, gestores, pais e alunos. Muitas indagações paralelizam com as apresentadas, porém especificamente, nessa pesquisa, pretendeu-se investigar as mudanças na escola com a implantação do projeto escola em tempo integral e, se essa forma de organização escolar atende aos conceitos básicos da educação integral. No decorrer do desenvolvimento da investigação conheceu-se o imaginário dos professores em relação à educação integral e escola de tempo integral; diferenças pedagógicas entre a escola em tempo integral e demais escolas; as mudanças na prática educativa que se tornaram possíveis; as posições dos pais e dos alunos sobre essa modalidade de educação e porque matriculam seus filhos nessa escola. A educação está profundamente imbricada na forma como a escola e os educadores organizam o ambiente escolar e como desenvolvem as atividades educativas. Quanto maiores as habilidades e os conhecimentos, maiores as possibilidades e oportunidades de educação no contexto social de inserção da escola. A escola de tempo integral, a princípio, com melhor estrutura física e humana pode atender e oferecer melhores e diversas possibilidades e oportunidades aos alunos, professores, direção, funcionários e comunidade. Um espaço capaz de aberturas para manifestações que, tradicionalmente, não fazem parte das instituições de ensino. A educação integral Educação integral remete a concepção de desenvolvimento pleno, voltada para o desenvolvimento de todas as potencialidades da pessoa humana. Essa concepção é vista como primordial no sistema educacional de uma nação. Porém Yus (2002) questiona: Será que os sistemas educacionais buscam a educação integral? Se, na prática, eles priorizam o desenvolvimento de partes das potencialidades humanas, o que é a educação integral? A ideia de integralidade depende da concepção de ser humano. Para Yus (2002) a tradição cartesiana além de priorizar a fragmentação de dimensões humanas como razãoemoção, corpo-espírito, também estabeleceu hierarquias, favorecendo, por exemplo, a razão e reprimindo a emoção considerada primitiva. Nessa perspectiva, não é estranho que a ideia de educação integral priorize os conhecimentos, as habilidades e valores morais, em detrimento de outras potencialidades. A educação integral, segundo Yus (2002), precisa desenvolver todas as potencialidades humanas incluindo a inteligência emocional, a inteligência espiritual, os 3 estilos cognitivos, as capacidades intuitivas, artísticas, criativas, entre outras. A concretização da educação integral exige mudança de paradigma, de visão de mundo e de ser humano. As raízes dessa mudança estão no pensamento de filósofos e educadores inovadores que, ao longo do século XX, trouxeram uma visão integral ou holística para a educação (YUS, 2002). Educar integralmente requer centrar-se no aprendiz e no desenvolvimento e exteriorização de suas capacidades. A formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, e sim por um processo microssocial em que é levado a assumir posturas de liberdade, respeito, responsabilidade. Para Gallo (2002), uma aula constitui-se num processo de formação do aluno, não pelo discurso que o professor faz, mas pelo posicionamento que assume em seu relacionamento com os alunos, instigando a participação e o compromisso com novas posturas. Para que a educação integral aconteça é fundamental formar e educar os profissionais que nela pretendem atuar. Yus (2002, p. 9) enfatiza: Para educar holisticamente, os professores também devem formar-se holisticamente, intensificar essas capacidades ocultas, disfarçadas ou reprimidas por sua formação acadêmica e racionalista, procurar em todos os cantos de sua pessoa e buscar o equilíbrio que um educador precisa para transmitir confiança e apoio adequado para todos aqueles que procura educar. Ser educador holístico ou integral exige uma formação que contemple as qualidades essenciais, responsáveis pela vivência dos princípios de formação integral. Os professores ao deixar de serem meros transmissores de informações se transformam em “jardineiros” desejando a responsabilidade de nutrir as crianças ao permitirem que o potencial inato de cada uma delas floresça e se transforme em ação responsável. (YUS, 2002). Antes de qualquer coisa, uma formação integral requer um educador que permita, nas crianças, o desenvolvimento da capacidade de problematização e articulação de conhecimentos, reconhecendo sua inscrição corporal e considerando a emoção como relevante para a potencialização de ações e reflexões inerentes ao processo de aprendizagem. (MORAES, 2003 e MORIN, 2001). A realidade revela que o professor apresenta uma formação bastante precária. Não existe, em nível nacional, uma política efetiva de educação continuada. Ainda se discutem diferentes concepções de formação; para as tradicionais trata-se de um conjunto de cursos, pautadas em blocos de capacitações, “reciclagens e treinamentos”, caracterizando, na maioria das vezes, um trabalho superficial e fragmentado. 4 Formação continuada do professor, com visão de mundo holística, valoriza o saber e a experiência docente, relaciona a prática centrada na reflexão ativa sobre essa mesma prática. Segundo Coelho (2002) é preciso ressaltar o tempo que deve ser despendido para essa formação, para que a mesma possa ser viabilizada. Para a autora, o tempo ampliado, em um único local de trabalho possibilita aos professores esses momentos de reflexão pedagógica, educacional, institucional e social. O professor, com aulas em várias escolas, como forma de preencher a sua carga horária fica impossibilitado de tecer qualquer relação entre o seu “fazer cotidiano”, os “fazeres coletivos” e suas “condições para o exercício profissional”. Investir na formação do docente, como alerta Moraes (2003), é relevante porque é na prática do professor que se encontram as sementes da mudança. “Uma mudança implica em ruptura de hábitos, de padrões ou rotinas e pressupõe a revisão de um conjunto de crenças que dão suporte a nossas ações”. (MORAES, 2003, p.185). A realidade, como reflexo do jeito de pensar, resulta de ações educacionais e atitudes pessoais para realizar ações convertidas em formas de viver. Cada ser humano carrega dentro de si o mundo em que vive e que pretende viver. A educação é elemento fundamental da dinâmica da vida, por isso, voltada para a compreensão da vida. Porém, ainda existem aqueles que acreditam que a educação e a escola estão separadas da vida. Importa que a criança goste da escola e deseje estar nesse ambiente. A escola sendo convidativa torna-se um local de encontro. A escola em tempo integral, por ter um tempo ampliado para alunos e professores, cria condições de maior convivência entre as pessoas, e essa convivência transforma-a num laboratório de atitudes humanas. Escola: espaços de convivência, de formação humana e diálogo A escola, como espaço educativo, configura um mundo que será vivido, segundo a qualidade dessa convivência e a qualidade das conversações que aí se estabelecerem. Maturana (1999) reconhece que a educação tem tudo a ver com o tipo de mundo que queremos, sendo que essa construção se dá em comunhão. Um mundo que se configura no viver e conviver entre os seres humanos. A Educação Integral, favorecida pelo maior tempo de permanência na escola, amplia os espaços de convivência, a discussão sobre a formação humana permite considerar a pessoa como um ser inteiro, não mutilado pela fragmentação. Formação humana e/ou capacitação humana, dois fenômenos distintos, são desafios educacionais que envolvem muita discussão. Para Maturana e Nisis (1997, p.11), “a formação 5 humana tem a ver com o desenvolvimento da criança como pessoa capaz de ser co-criadora com os outros de um espaço humano de convivência social desejável”. A capacitação, segundo Maturana e Nisis (2000), tem a ver com a consolidação de habilidades e capacidades de ação no mundo no qual se vive como recursos operacionais que a pessoa tem para realizar o seu modo de viver. Para isso, a tarefa educacional consiste na criação de espaços de ação para exercitar as habilidades que se deseja desenvolver. A tarefa da formação humana implica em oportunizar a criança para que viva “como um ser socialmente responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade e seu refletir, capaz de ver e corrigir erros, capaz de cooperar e de possuir um comportamento ético [...] uma criança que cresce no respeito por si mesma pode aprender qualquer coisa e adquirir qualquer habilidade se o desejar” (MATURANA e NISIS, 2000, p.12). A tarefa educacional consiste na criação das condições que guiam e apoiam a criança em seu crescimento como ser capaz de viver no auto-respeito e no respeito pelo outro. É nesse contexto que Maturana e Nisis (1997) renovam os grandes questionamentos da educação: A vida é aprendizagem? Ou aprendizagem encontra-se separada da vida? Pensando de forma simplista, a aprendizagem como um processo mental está separada da vida, já que a preocupação maior reduz-se a, supostamente, desenvolver a inteligência e não a vivência. Será a aprendizagem intrínseca ou extrínseca a vida? Será que nascemos, crescemos, vivemos e depois aprendemos? Será que em determinado momento estamos estudando e aprendendo e depois sendo preparados para a vida? Então e de forma profunda: educação é preparação para a vida? O que é e como viver a vida plenamente? Com o avanço das biociências, como se refere Assmann (1998), a concepção de vida foi alargada, sem, no entanto, dar-se por definida. Para as biociências a vida é essencialmente aprender e isso se aplica aos mais diferentes níveis distinguíveis no complexo fenômeno da vida. É hora de reconhecer que, diferentemente das apostas de postergação e de visualização de resultados, em detrimento do sentido da educação, educar é viver e não preparar para a vida. Educar é permitir o vivido e não a expectativa do viver, lançado num futuro ainda inexistente. Educar é viver, em sua plenitude, todos os momentos do presente e ter a certeza de que as coisas tem sentido enquanto em processo de realização. Aprender para viver bem todos os dias, como algo que vale a pena, uma vida em realização. Uma aposta bem diferente do aprender projetando para, no futuro, viver e ser feliz. Para desfrutar, no futuro, as coisas maravilhosas que a vida oferece. Educar, desenvolvendo o potencial humano, é realizar a convivência humana enquanto 6 educando. O professor, como mero transmissor de conteúdos, não entende essa abrangência do processo educativo. A reorientação de seu fazer pedagógico convida-o para falar da vida e do aconhego em vida. Possibilita o reconhecimento e o respeito pela valorização como ser humano ao construir-se como pessoa e ao construir compromissos e responsabilidades para com a comunidade. Para Assmann (1996), o professor quando passa a sentir-se responsável, muda seu jeito de agir pedagogicamente. Ao fazê-lo, segundo o autor, significa o sentido do Paidagos como um cuidador, um cuidador de nichos vitais. O cuidado é, para Boff (1999), o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra o ethos fundamental do humano. Para Boff, o significado grego da palavra Ethos tem a ver com toca de animal ou casa humana. Ethos é um conjunto de princípios que rejem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja humano no sentido de ser consciente, livre e responsável; o ethos constrói, pessoal e socialmente, o habitat humano. No cuidado, indentificamos os princípios, os valores e as atitudes que permitem, em vida, um bem-viver por meio de ações. Ou seja, “cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro”. (BOFF, 1999, p. 33). O cuidado leva ao pensar sistêmico e à fuga do fragmentário e disciplinar. Ele aspira a transdisciplinaridade, como atitude de simplicidade ao convidar e permitir o diálogo. “Existem muitos caminhos para o conhecimento a construir, em direção à transdisciplinaridade”. (ROCHA FILHO, 2007, p. 36). Eis uma alternativa epistemológica à compartimentalização da educação. Ela é um complexo de atitudes diferentes em níveis diferentes da realidade. A organização sistêmica efetiva a comunidade escolar como um todo. A educação integral remete a ideia de educar no todo, numa visão holística, percebendo a inteireza da pessoa, assumindo uma multiplicidade de tarefas articuladas pelo diálogo constante. A transdisciplinaridade tem papel fundamental na educação e, mais ainda, na educação integral. A escola em tempo integral O alargamento do tempo e compromissos educacionais na escola está sendo defendido e argumentado a partir de diversas vozes. Destacamos a entrada maciça das mulheres no 7 mercado de trabalho, a ausência de espaços públicos nas cidades para as crianças, a desorientação dos pais em relação a valores e expectativas na educação das crianças, as transformações na instituição familiar, entre outras. Aumentar o tempo de permanência da criança na escola é condição para que a organização escolar se realize enquanto projeto educacional democrático. Significa possibilitar espaços educacionais e de aprendizagem que ultrapassam os limites do mero cumprimento da lei. A jornada escolar ampliada, prevista na LDB nº 9394/96, preconiza a ampliação gradativa do tempo de permanência na escola com implantação progressiva a partir do ensino fundamental. A LDB deixa a critério dos níveis de ensino as decisões quanto a implantação dessa proposta de ampliação do ensino fundamental para o tempo integral, porém que, preferencialmente, ocorra nos limites da Década da Educação (1997-2007). Outra medida que merece destaque foi a aprovação do FUNDEB pelo Congresso Nacional em 2007 estabelecendo um financiamento diferenciado para matrículas em escolas de tempo integral, cujo turno escolar seja igual ou superior a sete horas diárias. É um dispositivo que destina recursos para o ensino fundamental em tempo integral. Na realidade da escola pública brasileira, a escola em tempo integral é algo novo, diferente do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos como também em relação ao setor privado, especialmente nas escolas que atendem a elite, onde o horário integral já é corriqueiro. Várias experiências brasileiras são registradas como a do Rio de Janeiro, que no decorrer de duas gestões de governos estaduais (1983/86 e 1991/94) criaram 500 escolas em tempo integral: os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública). A estrutura criada é extraordinária, conforme Cavaliere (2002), com concepção administrativa e pedagógica própria e pretensão de promover um salto de qualidade na educação fundamental do estado. Após 15 anos e, nos dois governos que se sucederam, os programas em curso foram praticamente interrompidos, sendo que a maior parte das escolas foi descaracterizada em relação a proposta original. Apesar das dificuldades, Cavaliere (2002) mostra que o programa de escolas em tempo integral “trouxe inovações importantes relativas à estrutura e à cultura organizacional da escola. O horário integral, associado a uma proposta de escola que se pretende democrática, impõe soluções estruturalmente inovadoras” (p.101). Nos CIEPs foram experimentadas duas concepções diferentes de horário de atividades. Uma parte do dia concentrava atividades de sala de aula, com a professora da turma (núcleo comum). A outra agrupava as atividades complementares de cultura, esporte e 8 lazer. Essa fórmula, conforme Cavaliere (2002), apesar de prática para a organização dos horários e deslocamentos, reafirmou a hierarquia entre as atividades por considerar as atividades de sala de aula mais importantes. A segunda forma consistiu no intercalamento, durante o dia, dos diversos tipos de atividades, favorecendo igual valorização. Conforme Cavaliere (2002), apesar dessa fórmula também trazer problemas, tais como a maior dificuldade na montagem dos horários e quantidade de deslocamentos, mostrou-se mais adequada à criação, dentro da escola, de um processo de valorização e ressignificação das atividades artísticas, esportivas e culturais, em geral. Diversas outras experiências, com diferentes concepções, foram criadas no país, como a implantação, no Estado de Santa Catarina, de 119 escolas estaduais para oferecer educação em tempo integral. (SANTA CATARINA, 2006, p. 88). Essas e várias outras experiências alimentam a possibilidade da construção de outro patamar de educação, no compromisso de “promover uma educação de qualidade para todos e todas, mais democrática, mais humana, capaz de ampliar as oportunidades de aprendizagem a partir do reconhecimento das diferenças e ritmos e estilos de aprendizagem”. (SANTA CATARINA, 2006, p. 71). Apesar de avanços na educação brasileira, como a universalização do acesso ao ensino fundamental, não há respostas favoráveis para as demandas de aprendizagem e sociabilidade requeridas na contemporaneidade. O sistema educacional continua apresentando fraco desempenho. As causas são muitas, entre elas, o tempo de permanência das crianças e jovens nas escolas, como sinaliza o Caderno de Modelos Diferenciados de Escolas de Santa Catarina. Dados indicam que no Brasil a média de horas-aula do ensino fundamental fica em torno de 4 horas, e em alguns municípios essa média cai, ficando abaixo de 4 horas por dia. Os sistemas de ensino têm sido convocados a se prepararem para garantir aos alunos pelo menos 5 horas por dia na escola e, nesse caso, torna-se fundamental que os educadores pensem e organizem formas de ampliar o tempo de permanência das crianças e jovens na escola, para qualificar melhor as propostas de aprendizagem ofertadas nesse tempo ampliado. (2006, p. 72). Com esse propósito e desafio, o Estado de Santa Catarina possibilitou a ampliação da jornada escolar, com o projeto “Escola Pública Integrada: Educação em tempo Integral”. Destacaremos alguns aspectos que integram esse projeto, a estrutura física, aspectos pedagógicos, educacionais e de alimentação. 9 Escola pública integrada - educação em tempo integral no Estado de Santa Catarina Com objetivo de ampliar as oportunidades de aprendizagem para milhares de crianças e adolescentes, que frequentam a escola pública catarinense, conforme o Caderno Pedagógico de modelos diferenciados de Escola, o Governo do Estado de Santa Catarina, por intermédio da Secretaria de Estado da Educação formulou e implantou programas denominados modelos diferenciados de escola. Entre eles, a EPI (Escola Pública Integrada) que oferece educação fundamental em tempo integral. Os projetos propõem mudanças profundas no espaço e no tempo pedagógico da escola. Atividades disciplinares se integram com atividades de natureza lúdica, com arte, com a música, com a tecnologia, com o esporte e com várias possibilidades de aprendizagem e interação coletiva, na tentativa de aproximar cada vez mais a escola da vida cotidiana (SANTA CATARINA, 2006, p. 9). O projeto catarinense busca consolidar um conceito de escola pública que responda substantivamente às exigências sociais do século XXI. Para tanto, a função social da escola se amplia, aumentando as possibilidades de participação e de interação. A Escola Pública Integrada vem se consolidando em Santa Catarina, num contexto em que a temática educação integral ganha relevância, ocupando destaque na agenda nacional. Com esse dimensionamento fica evidenciado que uma proposta de educação integral deve dar atenção a todas as potencialidades de cada indivíduo, não apenas às dimensões físicas e mentais, como também à emocional e espiritual, procurando não separar nem hierarquizar essas dimensões humanas. A intenção de uma educação integral caminha, portanto, lado a lado com a formação integral, salientando a necessidade de uma formação do indivíduo compreendido como ser multidimensional. E nesse sentido, por mais que variem os formatos e arranjos das experiências em curso no país, não podemos perder de vista a concepção que circula nas produções acadêmicas e nos programas políticos na área, sob pena de incorrermos em erros já cometidos no passado (SANTA CATARINA, 2006, p. 70). O projeto da Escola Pública Integrada tem a intenção de se apresentar como educação integral, deixando evidenciadas as concepções que consideram primordiais, mas também percebe as dificuldades do sistema de se organizar efetivamente em prol dessa educação integral. Mesmo assim, o Estado traz algumas experiências que alimentam a possibilidade de apostar na construção de outro patamar de educação. A justificativa de implantação da Escola Pública Integrada no Estado atribui ênfase aos princípios já anunciados na Proposta Curricular de Santa Catarina e que se traduzem em três pontos fundamentais: “qualidade de ensino-aprendizagem como garantia; ampliação das 10 oportunidades oferecidas pela escola para apropriação do conhecimento historicamente produzido; e gestão compartilhada como processo de construção do Projeto Político Pedagógico da Escola.” (SANTA CATARINA, 2006, p. 72). A Escola Pública Integrada é uma realidade experienciada por 119 escolas estaduais que, ao longo desses últimos quatro anos, ampliaram o tempo de permanência do aluno na escola. Nesse cenário nos deparamos com novos desafios no campo educacional, pensar numa educação integral, no sentido de alcançar uma educação mais ampla, mais completa, que “procura desenvolver na criança uma série de hábitos sadios, inteligentes e belos”. (CHAVES 2002, p. 46). Para poder avaliar a educação em tempo integral, entende-se como necessário conhecer e entender os projetos presentes na comunidade local. Afinal, o entendimento sobre o que perpassa na escola que trabalha em tempo integral nos faz refletir sobre o que isso significa, bem como o que acontece nessa escola. Conhecendo a escola pesquisada: Escola de Ensino Fundamental Porto Novo Essa escola da rede estadual, foi a primeira da região do extremo-oeste catarinense a aderir ao projeto de Escola em Tempo Integral. Implantada em 2005, o Projeto Escola Pública Integral, atende em 2009 a 181 alunos de 1ª a 7ª séries. Atende também alunos no ensino regular. Está localizada na cidade de Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina, na divisa com o Estado do Rio Grande do Sul e com a República Argentina. Para a implantação a justificativa forte utilizada foi o número reduzido de alunos matriculados na escola. Na época, muitos alunos eram atraídos para a escola municipal localizada no bairro o que diminuía, a cada ano, o número de alunos. A Escola Porto Novo precisava procurar uma alternativa, pois estava no caminho de fechar, se o quadro não fosse revertido. A adesão ao projeto apresentado pelo Governo do Estado tinha como perspectiva matricular novos alunos. O projeto, atualmente, no quinto ano de implantação, tem grande procura de vagas, gerando inclusive, lista de espera. Essa escola trabalha o Currículo Normal1 intercalado com o Currículo Complementar pelo qual oferece atividades como Jogos Matemáticos - Xadrez; dança e Ginástica Artística; estudos sobre a História Local e Regional; ambientes para trabalhos de Artesanato; prática de Esportes e aperfeiçoamento em Informática; aprendizagem em instrumentos de Música, de 1 Currículo Normal: as disciplinas que pertencem a base comum da série. 11 Língua Estrangeira, Inglês e Alemão e de Literatura Infantil; uma Brinquedoteca, orientação de aprendizagem e oportunidades para realização de atividades em horta. Foram realizadas 08 (oito) entrevistas, envolvendo o gestor, professores, pais e alunos, com o objetivo de conhecer e entender melhor o projeto da escola em tempo integral. A organização dos dados resultou nas seguintes categorias de reflexão: A escola em tempo integral na concepção da comunidade escolar; a escola em tempo integral e a formação humana/relações de convivência; dificuldades para a consolidação da escola em tempo integral. Com relação à escola em tempo integral, na concepção da comunidade escolar percebeu-se que a participação da comunidade foi e é um fator decisivo para implantação e para consolidação do projeto. Essa integração dá suporte para que se efetivem anseios da comunidade escolar, como mostra a fala do Pai “um grupo de pais foi chamado [...] tivemos duas ou três reuniões, ele (gestor) foi explicando e motivando a comunidade a participar e responder ao convite em matricular os filhos nessa escola, dando credibilidade ao projeto [...] Nós ficamos uma semana para pensar se iria colocar ou não [...] a gente pesquisou o que seria essa escola integral [...] deu até um pouco de medo [...] não se tinha nenhum modelo de escola integral”. Atualmente, os níveis de satisfação em relação à escola são grandes. Essa constatação parte dos pais e é partilhada pelos alunos. Um dos alunos entrevistado afirma “adoro estudar aqui [...] ficar o dia inteiro com os amigos e estudar”. Para os alunos a função da escola, para além de um local de estudos, oferece também possibilidades diferenciadas de atividades e, consequentemente, maiores oportunidades educativas. Uma das mães pesquisada afirma que seu filho tem “interesse em aprender além [...] ele tem uma visão mais ampla [...] isso porque tem muito mais atividades”. Para os professores esse projeto exigiu e continua exigindo muito empenho, dedicação e vontade de inovar. Uma das professores entrevistada afirma “você tem que ir a busca o tempo todo, principalmente nas disciplinas diversificadas [...] o que falta na formação é nas disciplinas específicas”. Coelho (2002) ressalta que para pensar em educação integral é necessário pensar também numa política de formação continuada para o profissional da educação e não se pode descuidar do tempo que deve ser despendido nessa formação. A autora defende que o tempo ampliado em um único local de trabalho pode possibilitar, aos professores, esses momentos de reflexão pedagógica, educacional, institucional e social. Existe, assim, uma possibilidade maior de troca de experiências entre os professores. 12 Na posição do gestor “Existe a necessidade de planejamentos mais seguidos e com a participação coletiva dos educadores e equipe pedagógica”. O horário integral exige e permite que os professores tenham tempo para encontros de planejamento de atividades, para estudo e desenvolvimento de práticas reflexivas que possibilitem o aprofundamento de sua reflexão e visão sobre o trabalho desenvolvido. A pesquisa mostra, com destaque, que o aluno gosta da escola e deseja estar nesse ambiente escolar. A escola em tempo integral cria condições de maior convivência entre as pessoas, oportuniza a adoção de atitudes mais humanas. Outra mudança importante foi em relação à estrutura física. A consolidação do projeto resultou na ampliação do espaço físico. Segundo o Gestor “teremos em breve uma estrutura também com uma piscina olímpica que vai ser referência, acho que isso é resultado de todo o trabalho desenvolvido coletivamente”. Unânimes foram o gestor, professores e alunos ao fazerem referência às mudanças na instalação dos sanitários e lavatórios para cuidados essenciais com a higiene. Também destacam a renovação do espaço da biblioteca, anteriormente ocupando uma sala improvisada e agora com espaço próprio. Também falam com entusiasmo da sala de informática que foi ampliada e melhor equipada. Registram ainda que quase todos os ambientes estão climatizados, fruto de uma parceria com a empresa localizada próximo a escola. Outra categoria de reflexão, resultante das entrevistas trata da escola em tempo integral e a formação humana/relações de convivência. Ficou constatado que, para os professores, esse tema é complexo pois exige visualizar o aluno como um todo e como um ser humano. Uma professora afirma que a “Educação integral é um acompanhamento do todo do aluno”. Questionados sobre educação integral, um dos pais enfatiza que “as aulas de tarde, não vou dizer que isso é um reforço, é uma coisa a mais”. A Educação integral fundamenta-se na relação de convivência dos educadores com os alunos, para construir espaços onde a congruência e a afinidade entre ambos se tornem cada vez mais efetivas. Para um dos professores entrevistados “a verdadeira educação é dada conversando, conviver um com o outro, ter o professor que interage com os alunos.” Educar significa levar a concepção sistêmica para a sala de aula. Superar o individualismo e pensar o aluno como ser vivo, como ser por inteiro, com potencialidades e fragilizadas que, constantemente, se entrecruzam. A concepção sistêmica tem sua aposta no respeito e na integração dos diferentes modos de pensar, como mais abrangentes, mais articulados em busca de uma melhor compreensão dos significados do aprender e da complexidade das relações intra e entre humanos. 13 A terceira categoria refere-se às dificuldades para consolidar uma escola em Tempo Integral. As dificuldades foram destacadas considerando as dimensões pedagógicas e adiministrativa/financeiras. Segundo uma das professoras entrevistadas e considerando as disciplinas diversificadas faltam materiais para aplicações práticas tanto em quantidade quanto em qualidade: “ainda falta material para dar uma aula melhor”. Para o Gestor “falta investimento, falta prioridade para escola integral”. Ainda o Gestor afirma “o grande desafio sempre é o lado humano [...] cada um tem a sua individualidade é difícil conciliar essa diversidade de interesses...”. Em relação à dimensão pedagógica uma das deficiências graves é a falta de articulação entre as disciplinas. Para um dos professores entrevistados essa articulação precisa acontecer por meio de conversas entre os professores “nós já conversamos bastante, mas ainda faltam organizar e realizar ações mais convergentes”. É nesse diálogo que podem surgir idéias e sugestões práticas para consolidar um trabalho coletivo a ser desenvolvido de forma conjunta. Uma das professoras entrevistadas afirma ser relevante o perfil do profissional para atuar na educação integral. Para ela, um professor que “esteja sempre em busca, sempre em busca de algo diferente, pesquisando, procurando, sempre interagindo com os alunos, ser bem dinâmico”. A Escola em Tempo Integral precisa repensar-se constantemente em relação aos aspectos metodológicos e pedagógicos para que a dinamização dos mesmos seja fruto do diálogo amplo e profundo. Significa afirmar a importância da gestão democrática. É ela que oportuniza o diálogo, na escola e fora dela, acolhe e discute suas sugestões, e com isso reafirma um compromisso coletivo de atuar e ajudar nas diversas ações da escola. Considerações finais Como modelo diferenciado de organização, a Escola em Tempo Integral é uma alternativa rumo à melhoria qualitativa da educação e do processo de formação humana. A Escola em Tempo Integral sonha e realiza atividades que dinamizam o processo de formação humana integral. O grande diferencial dessa escola, foi a articulação, nos termos da Lei, com o comprometimento da comunidade escolar. Gestor, professores, alunos, pais e líderes da comunidade, assumiram o projeto e deram a ele a dinâmica necessária para que a Escola em Tempo Integral fosse construída como local público destinado a garantir o desenvolvimento 14 das crianças e dos jovens. Dentre as conquistas da escola está a melhoria e ampliação da estrutura física, o baixo índice de evasão a grande procura por vaga e o reconhecimento como um modelo diferenciado de escola que oferece uma alternativa de qualidade na consecução do processo de educação. Dentre os inúmeros ganhos para os alunos, professores e comunidade escolar está a percepção de que o mundo relacional pode ocorrer como um processo harmonioso e integrado; a escola em tempo integral é um espaço no qual, para além do aprender a pensar e aprender a aprender, permite vivenciar mais intensamente a dimensão social: aprende-se a viver convivendo; a vivência das experiências educacionais, em ambientes propícios ao desenvolvimento da aprendizagem, também facilita o cultivo da alegria e da realização como seres humanos; uma educação realizada num ambiente que favorece a alegria do aprender assegura o desejo de continuar aprendendo ao longo da vida; a escola em tempo integral com educação integral possibilita qualidade de vida em vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação. Piracicaba: Unimep, 1996. _____________. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. BOFF, Leonardo. 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