FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA
MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA
O DEBATE SOBRE O DESTINO DOS EGRESSOS DE LONGAS INTERNAÇÕES
PSIQUIÁTRICAS
O caso do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira
Luciana Massad Fonsêca
Dissertação
apresentada
como
requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Saúde Pública,
área de concentração Políticas
Públicas e Saúde.
ORIENTADORA: Prof. Dra. Maria Eliana Labra
Rio de Janeiro
2005
LUCIANA MASSAD FONSÊCA
O DEBATE SOBRE O DESTINO DOS EGRESSOS DE LONGAS INTERNAÇÕES
PSIQUIÁTRICAS
O caso do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira
Dissertação
apresentada
como
requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Saúde Pública,
área de concentração Políticas
Públicas e Saúde da Escola Nacional
de Saúde Pública/FIOCRUZ.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dra. Maria Eliana Labra
Orientadora
_________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Duarte de Carvalho Amarante
Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ
_________________________________________________
Prof. Dr. Luis Antonio Baptista
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2005
2
A todos os pacientes do CRIS, sem os
quais este trabalho não seria possível.
3
AGRADECIMENTOS
À Naiana e Andréa Marcolan, que tantas vezes compartilharam as mesmas inquietações em
relação à saúde mental e, em especial, ao trabalho na Colônia, e por serem, acima de tudo,
minhas amigas.
À toda equipe do CRIS, em especial à Vanessa, Marina, Carla e Bruna, que tornaram-se
muito mais do que colegas de trabalho.
À Ana Paula Sanzana, pelas informações preciosas, pela força em todos os momentos e
pela amizade.
A minha família, em especial a minha mãe, e aos meus queridos amigos Beto e Jorge, pela
paciência e pela torcida.
À professora Eliana, por toda a ajuda durante esses dois anos, e pela forma especial de
orientar seus alunos.
E ao querido Rodrigo, por me apoiar e me incentivar sempre.
4
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................
10
1. COLÔNIA JULIANO MOREIRA: UM POUCO DE HISTÓRIA
1.1. Um “novo” hospício para os loucos no Rio de Janeiro .............................. ......
1.2. A década de 80 e as tentativas de transformação do asilo ..
1.3. Contexto atual: o Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano
12
15
Moreira .....................................................................................................................
17
2.
A
POLÍTICA
DE
SAÚDE
MENTAL
E
A
QUESTÃO
DA
(RE)INSERÇÃO SOCIAL
2.1. Resenha da Reforma Psiquiátrica Brasileira .....................................................
2.1.1. Os serviços substitutos do manicômio .................................................
2.2. Política de Saúde Mental e (re)inserção social ..................................................
2.3. Abordagens sobre o tema da inserção social .....................................................
20
22
23
27
3. O “DESTINO” DOS INTERNOS DAS INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS:
A EXPERIÊNCIA DA CJM
3.1. Estratégias assistenciais da CJM: o CRIS, os Lares de Acolhimento e o
32
Programa de Residências Terapêuticas ...................................................................
3.2. Projeto Terapêutico do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS)
34
Juliano Moreira: uma instituição dividida? ..............................................................
41
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................
BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................
ANEXOS
1. Portaria nº106/MS, de 11 de fevereiro de 2000 ........................................................
2. Portaria nº1220/MS, de 7 de novembro de 2000 ......................................................
3. Lei nº 3.400, de 17 de maio de 2002 .........................................................................
4. Lei nº 10.708/MS, de 31 de julho de 2003 ................................................................
5. Proposta do seminário interno do Instituto Municipal de Assistência à Saúde
72
83
89
92
95
97
(IMAS) Juliano Moreira, realizado em dezembro/2004, sobre a reestruturação da
assistência oferecida pelo CRIS ....................................................................................
99
5
6
LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS
CAPS – CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
CJM – COLÔNIA JULIANO MOREIRA
CRIS – CENTRO DE REABILITAÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL
ECT – ELETROCONVULSOTERAPIA
HMJM – HOSPITAL MUNICIPAL JURANDYR MANFREDINI
IMASJM – INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE JULIANO
MOREIRA
IPP – INSTITUTO PHILIPPE PINEL
IPUB – INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO
PSM – POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL
RT – RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA
SRT – SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO
7
RESUMO
Esta dissertação discute como o “retorno à sociedade” dos egressos de longas
internações psiquiátricas tem sido tratado e que tipo de estratégias assistenciais voltadas
para este fim foram adotadas nos últimos 20 anos. Para tal, foi realizado um estudo de caso
no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, hospital psiquiátrico
localizado no Rio de Janeiro, no qual coexistem estratégias formuladas ainda durante a
década de 80 com aquelas fundamentadas nos princípios da atual Política de Saúde Mental.
Os resultados deste estudo apontaram para uma mudança no significado atribuído aos
termos ressocialização, reabilitação, reintegração e reinserção social no período estudado,
ocasionado transformações importantes na prática assistencial: num primeiro momento, o
“trabalho” era visto como única via para possibilitar a saída dos internos da instituição e,
atualmente, a construção de uma “rede social” capaz de sustentar o sujeito fora do asilo
vem se tornando ponto central desta discussão.
Palavras-chave:
inserção
social,
Política
de
Saúde
Mental,
psiquiatria,
desinstitucionalização.
8
ABSTRACT
This dissertation discusses how the "return to society" of patients who have spent
long periods in psychiatric hospitals has been approached and what kind of related
assistance strategies were adopted in the last 20 years. With this purpose, a case study was
carried out in the "Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira", a
psychiatric hospital located in Rio de Janeiro, where coexist strategies formulated during
the 1980s together with those grounded on the principles of the current Mental Health
Policy. The results of the study show a change in the meaning of the terms resocialization,
rehabilitation, reintegration and social reinsertion in the considered period, causing major
transformations in the assistance of mental patients practice: in the past, finding a job was
seen as the only way for a patient to leave the institution. Nowadays, however, the
construction of a "social network", capable of supporting the individual when outside the
hospital is becoming the central point of this discussion.
Key-words: social reinsertion, Mental Health Policy, psychiatry, desinstitucionalization.
9
INTRODUÇÃO
O hospital psiquiátrico, recurso central do modelo de assistência prestada aos
portadores de transtornos mentais, bem como as práticas e discursos que o fundamentam,
vêm sendo questionados desde o fim da década de 70, sob a influência de diversas
experiências internacionais, em especial a italiana. Estes questionamentos constituíram o
início, no Brasil, do movimento pela Reforma Psiquiátrica que tem como uma de suas
conquistas a formulação de uma política de saúde mental centrada na substituição do
aparato asilar por serviços de base territorial, legitimando as inúmeras experiências
assistenciais inovadoras ocorridas em diversas regiões do país ao longo da década de 1990.
Questões
como
o
isolamento
do
louco
do
convívio
social,
a
longa
institucionalização e seus efeitos têm sido enfrentadas mediante estratégias assistenciais
voltadas para a substituição do asilo como local de moradia dos pacientes que perderam os
vínculos sociais e/ou familiares ao longo dos anos de internação.
O objetivo desta pesquisa foi o de desvendar tais estratégias a partir da análise dos
conceitos nos quais estavam fundamentadas. Trata-se de investigar como a questão da saída
dos internos dos grandes hospitais psiquiátricos e seu conseqüente “retorno à sociedade”,
hoje geralmente denominada (re)inserção social, vem sendo tratada e que tipo de
estratégias assistenciais voltadas para este fim vêm sendo adotadas nos últimos 20 anos. O
estudo foi realizado no IMASJM, hospital psiquiátrico localizado no Rio de Janeiro, que
conta atualmente com aproximadamente 700 pacientes, onde coexistem formas
assistenciais formuladas ainda durante a década de 80 com as fundamentadas nos princípios
da atual Política de Saúde Mental, situação esta que tem gerado posicionamentos os mais
diferenciados entre os profissionais que compõem o quadro da instituição. Elucidar as
contradições daí advindas foi um dos propósitos centrais do nosso estudo.
Para fins de exposição da investigação realizada, esta dissertação foi dividida em
quatro capítulos.
No Capítulo I apresentamos um breve histórico do IMASJM com o intuito de
analisar os pressupostos conceituais que, em diferentes momentos, fundamentaram a
assistência que tem sido prestada aos seus internos.
10
No Capítulo II abordaremos as circunstâncias de emergência dos primeiros
movimentos para a transformação da Colônia Juliano Moreira (CJM) no final da década de
1970. Acompanha essa exposição uma resenha da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus
principais fundamentos para, em seguida, destacarmos alguns pontos da Política de Saúde
Mental (PSM) vigente, dada a importância nesta atribuída à (re)inserção social, também
referida pelos termos reintegração e ressocialização, dos egressos de longas internações
psiquiátricas. Sobre este tema, procedemos a uma revisão bibliográfica que permitiu
fundamentar nossas análises.
O Capítulo III enfoca as estratégias assistenciais desenvolvidas no IMASJM ao
longo das três últimas décadas, denominadas reintegração/ ressocialização ou (re)inserção
dos pacientes. Mostraremos que a adoção de cada uma destas denominações correspondeu
a uma prática assistencial diferente. O estudo deste período da história institucional apontou
para a transformação na visão sobre o destino dos pacientes cuja internação se justificasse
apenas pela precariedade ou inexistência de suporte social que lhes garantisse viver fora
dos muros do hospital.
O Capítulo IV descreve a metodologia adotada, explicitando as razões que levaram
à escolha do estudo de caso como forma de investigação, apresenta os instrumentos
utilizados para a coleta de dados e analisa os resultados obtidos, referentes à caracterização
do Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM e de sua clientela, e à visão de
alguns dos profissionais dessa instituição acerca do fenômeno estudado.
Nas Considerações Finais, são articulados os resultados obtidos na pesquisa de
campo com as contribuições teóricas apresentadas nos capítulos anteriores. Assim, são
ressaltadas as transformações vividas no IMASJM no que se refere à formulação e
implementação de propostas assistenciais voltadas para pensar o destino da clientela
internada e sua relação com o significado atribuído aos termos (re)inserção, ressocialização
e reabilitação ao longo das últimas três décadas.
11
CAPÍTULO I
COLÔNIA JULIANO MOREIRA: UM POUCO DE HISTÓRIA
Neste primeiro capítulo, apresentaremos um pouco da história do IMAS Juliano
Moreira: seus pressupostos e objetivos quando da fundação em 1924, bem como as
transformações administrativas, técnicas e discursivas pelas quais vem passando ao longo
dos seus 80 anos de existência.
1.1. Um “novo” hospício para os loucos no Rio de Janeiro
A antiga Colônia Juliano Moreira (CJM), hoje denominada Instituto Municipal de
Assistência à Saúde Juliano Moreira, localiza-se numa área estimada em 7 milhões de m2
onde funcionava um dos mais antigos engenhos da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro,
o Engenho Novo de Jacarepaguá.
Segundo Rebouças (2001), em 1909, João Augusto Rodrigues Caldas - então diretor
das antigas colônias de alienados Conde de Mesquita e São Bento, situadas na Ilha do
Governador – pressionado pelas condições inadequadas em que se encontravam os doentes
nestes estabelecimentos, teria encontrado nas terras do Engenho Novo o local ideal para um
novo asilo. Três anos depois, durante o governo do Presidente Marechal Hermes da
Fonseca, o Engenho Novo de Jacarepaguá foi desapropriado pela União e em 1919 iniciouse a construção dos pavilhões que, a partir de 1924, iam abrigar os doentes para lá
transferidos. Dessa forma, foi inaugurada a Colônia de Alienados de Jacarepaguá,
posteriormente denominada Colônia Juliano Moreira (CJM).
Segundo Venâncio e Delgado (1989, p.8), para o novo asilo foi transferido não
somente o “velho e imenso material existente na Ilha [do Governador], mas também os
doentes, empregados e famílias destes”, iniciando assim a formação do que hoje se
convencionou chamar “comunidade interna”1 da CJM.
1
O termo “comunidade interna” foi utilizado por Venâncio e Delgado (1989) para referir-se à população que
reside na área da antiga CJM, excluindo-se os pacientes que ainda encontram-se nas enfermarias da
instituição.
12
A criação da Colônia de Alienados de Jacarepaguá está intimamente relacionada a
uma nova concepção da psiquiatria que surgiu na virada do século XIX para o século XX,
concepção esta que pressupunha um modelo de assistência fundamentado no trabalho
terapêutico e na assistência hétero-familiar. Segundo Venâncio e Delgado (1989, p.7), o
surgimento deste novo modelo assistencial no Brasil “articula-se ao próprio período de
transformação do saber psiquiátrico, no início do séc. XX, quando se procurava a
construção de outros sistemas assistenciais que dessem conta dos problemas trazidos pelo
hospício do fim do século passado, já obsoleto e inchado”. Desta forma, a criação das
Colônias de Alienados foi pautada pelo princípio “da máxima liberdade proporcionada pelo
trabalho ao ar livre e pelo tratamento hétero-familiar” (Venâncio e Delgado, 1989, p.7),
este último entendido como um tipo de assistência que incentivasse o contato freqüente
entre os doentes e as pessoas ditas normais. O asilo deveria ser, desta forma, “mais que um
sítio distante do incipiente caos urbano; era a aspiração de uma comunidade continente,
acolhedora, modelar e especializada – pelo engenho da ciência e pela arte da paciência –
em circunscrever paradigmaticamente os loucos”. (Venâncio e Delgado, 1989, pág.7).
Segundo as palavras do Dr. Juliano Moreira2, em 1910:
“Anexo ao hospital-colonia, em seus limites, deve o governo construir
casinhas hygiênicas para alugar às famílias dos bons empregados que
poderão receber pacientes susceptíveis de serem tratados em domicílio. Farse-á assim assistência familiar. Se nas redondezas da colônia houver gente
idônea a quem confiar alguns doentes poder-se-á ir estendendo essa
assistência hetero familiar e até tentar a homo familiar”. (Moreira, 1910
apud Venâncio e Delgado, 1989, p.7)
2
Juliano Moreira (1873-1933), é freqüentemente apresentado como fundador da disciplina psiquiátrica no
Brasil. Mestiço de família pobre, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia aos 13 anos, graduando-se aos
18 anos (1891). Em 1896, era professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola.
Até 1902, freqüentou cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa. De 1903 a 1930 dirigiu
o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Foi membro de diversas sociedades médicas e
antropológicas internacionais; fundou, em colaboração com outros médicos, diversos periódicos,
especialmente nas áreas de psiquiatria e neurologia e em 1907 a “Sociedade Brasileira de Psiquiatria,
Neurologia e Medicina Legal”. Segundo Oda e Dalgalarrondo (2000), “para melhor entender a atuação de
Juliano Moreira deve-se recordar que, nas primeiras décadas do século XX, a medicina brasileira acreditava
ser capaz de dirigir o processo de modernização e sanitarização do país. Assim, a atuação de Juliano Moreira
foi coerente com esta visão; para ele, o principal papel da psiquiatria estava na profilaxia, na promoção da
higiene mental e da eugenia”.
13
Trinta anos após essas palavras de Juliano Moreira, em trecho extraído de um artigo
dos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, o doutor Flavio de Souza (1942), então
docente e chefe da Clínica Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria, discorre sobre a
assistência hetero-familiar:
“Devemos entender por assistência hetero ou extra-familiar3 a internação de
doentes mentais ou pacientes com deficiência mental, em casas de famílias
que não sejam as suas próprias. (...) Vive o paciente com uma família que
não é evidentemente a sua, mas que segue com devoção a instrução do
médico. (...) Devemos escolher uma família harmoniosa e com certa rotina
estável nos hábitos de viver.
Um tipo de doente usualmente selecionado para o tratamento da assistência
hetero-familiar é este cujo estado mental agudo já cessou. É, portanto,
inofensivo para si e para os outros, estando em condições satisfatórias, não
exigindo um cuidado constante médico e psiquiátrico. Quando os pacientes
já quase restabelecidos, têm necessidade de voltar ao ambiente familiar
(assistência homo-familiar), mister se torna a existência de pessoas aptas a
vigiá-los. Estes são tratados por seus parentes, sem a interferência da ajuda
do Governo” (Souza, 1942, p. 49).
Com base nestas concepções, durante anos incentivou-se a construção, no interior
do espaço asilar (ou seja, em terras pertencentes à Colônia), de casas para funcionários
“idôneos” que constituíssem família, pois acreditava-se que os padrões morais “higiênicos”
daqueles poderiam ser transmitidos aos doentes a partir não somente do convívio
sistemático mas também da vigilância. Para Venâncio e Delgado (1989, p.9), “além dessa
sua representação ‘higiênica’, a família era necessária enquanto transmissora de costumes e
regras sociais” 4.
3
Sobre este tema, consultar Echebarrena, R. (2004) e Venâncio e Delgado (1989).
Conforme citado em nota anterior, o principal papel atribuído à psiquiatria nas primeiras décadas do século
XX era o de contribuir para o “processo de modernização e sanitarização do país” por meio de ações voltadas
para a profilaxia, a promoção da higiene mental e da eugenia. Desta forma, em 1923 é criada a Liga Brasileira
de Higiene Mental que, segundo Echebarrena (2004, p.8), irá se ocupar de “prevenir a doença mental através
de intervenções fora do hospício, [ou seja] pela vigilância das uniões, dos costumes e dos hábitos, (...) através
da fiscalização dos indivíduos. Desta forma, “uma família saudável, higienicamente tratada e regulada seria
4
14
Para Milagres (2002, p. 41), apesar de ter sido fundada sob a égide de uma “nova
psiquiatria”, o que ocorreu não só na antiga CJM mas em todos os demais asilos fundados
sob moldes semelhantes, foi um movimento de ampliação do campo asilar, pois “ao mesmo
tempo em que se retira o doente do meio social externo, cria dentro do seu espaço uma
‘comunidade asilar’ interna que se constitui sob a tutela normalizadora e moralizadora da
psiquiatria”.
1.2 A década de 1980 e as tentativas de transformação do asilo
As propostas de trabalho agrícola e assistência hétero-familiar, alicerces do novo
modelo assistencial acima descrito, nunca chegaram a funcionar da maneira como foram
idealizadas (Delgado e Venâncio, 1989). Os pacientes internados na antiga CJM
dificilmente recebiam alta e a população de internos da instituição só cresceu nos anos que
se seguiram.
Um aumento expressivo do número de internações marcou as décadas de 50 e 60,
como mostram os prontuários dos pacientes que ainda se encontram na instituição. Durante
a década de 70 começaram a surgir as primeiras denúncias – por parte dos próprios
funcionários da instituição - de maus tratos, abandono e desassistência. Finalmente, na
década de 80, quando inicia-se o processo de redemocratização do país, instaura-se um
período de mudanças institucionais importantes na CJM.
Segundo Lougon (1984, p. 19-22), o “marco zero” para o início do processo de
transformação do asilo se deu a partir das denúncias, amplamente veiculadas pela imprensa,
da precariedade das condições de vida e assistência dos internos da CJM. A permissão da
entrada da imprensa na instituição indicou uma “disposição prévia” dos dirigentes para a
mudança. Com a divulgação do material coletado pela imprensa a partir da abertura dos
portões da CJM e a conseqüente comoção gerada na opinião pública, foi instaurada uma
comissão com membros do alto escalão do Ministério da Saúde, cujo relatório propôs como
um ambiente desfavorável para a manifestação de qualquer doença. A higiene impunha às famílias a educação
física, moral, intelectual e sexual”. Segundo Costa (1984, p.72), os psiquiatras da Liga transformaram em
dogma a tendência da psiquiatria da época em entender que “os fenômenos psíquicos e culturais explicavamse unicamente pela hipótese de uma causalidade biológica o que, por sua vez, justificava a intervenção médica
em todos os níveis da sociedade”.
15
estratégia “capacitar seus hospitais psiquiátricos, a fim de que estes alcancem seus
propósitos fundamentais, assim como se reposicionem diante da necessidade de
racionalização e integração das ações de saúde para a melhoria da qualidade do
atendimento e expansão da cobertura” (Lougon, 1984, p.19).
A década de 80 é marcada por algumas medidas práticas de grande significado
simbólico para a mudança, tais como a suspensão dos eletrochoques e a abertura dos
quartos-fortes. Sobre os primeiros, relata Lougon:
“Este tratamento, bastante temido pelos internos, tinha também um uso
disciplinar, além da assim chamada indicação médica, podendo ser aplicado
naqueles que transgrediam as regras de conduta. Comumente os pacientes
eram colocados deitados lado a lado no piso de um salão especialmente
designado para este fim, e eletrochocados um após o outro. (...) os
enfermeiros antigos relatam uma finalidade variante, de finalidade punitiva,
conhecido como ‘miudinho’. Neste caso os eletrodos eram aplicados
sucessivamente em outras partes do corpo que não a cabeça, e não
provocavam senão a percepção dolorosa dos choques” (Lougon, 1984, p.20)
Os quartos fortes, “conjunto de celas individuais dotadas de um catre, uma latrina de
cimento e fechadas por uma porta gradeada de ferro ou de madeira espessa” de onde,
através de uma fenda, eram vigiados e alimentados os internos que ali estivessem, também
eram mais uma medida disciplinar amplamente utilizada por funcionários da instituição
que, na prática, não necessitavam de autorização médica para fazê-lo. (Lougon, 1984, p.
20).
É interessante ressaltar que estas duas medidas – o fim dos eletrochoques e a
abertura dos quartos fortes - dividiram opiniões quanto à possível perda, por parte dos
funcionários, de dispositivos de controle dos internos, e também evidenciaram que “a
instituição dispunha de outros dispositivos de controle como a introjeção, pelos internos,
das normas da instituição, menos concretas que as grades, mas igualmente eficazes; não
16
bastaria eliminar o isolamento para transpor os limites da colônia velha como instituição
total5” (Lougon, 1984, p. 20).
Uma terceira medida dotada de menor significado simbólico, mas de extrema
importância para o futuro da instituição, foi o fechamento da CJM para novas internações
(a instituição contava nesta época com aproximadamente 2.600 pacientes). Ainda como
conseqüência deste movimento voltado para a transformação do asilo, foram contratados
novos profissionais de formação universitária que realizaram uma pesquisa junto à clientela
da instituição. Esta pesquisa, ao evidenciar a heterogeneidade da população ali internada
em média há 20 anos, forneceu dados importantes para a elaboração de novas modalidades
assistenciais voltadas para dar conta do destino da clientela da instituição. Este ponto será
detalhado no capítulo III.
1.3. Contexto atual: o IMAS Juliano Moreira
A década de 1990 foi marcada pela municipalização de alguns hospitais
psiquiátricos, incluindo a CJM. Tal fato estava vinculado à tentativa de reestruturação da
assistência no sentido da substituição do modelo centrado no hospital psiquiátrico pelo
cuidado comunitário, reestruturação esta que figurava como a principal vertente do
Programa de Reabilitação Psicossocial desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde do
Rio de Janeiro.
Com a municipalização, em 1997, a CJM foi desmembrada em três instituições
administrativamente independentes: o IMAS Juliano Moreira (onde encontram-se os
pacientes remanescentes da antiga CJM), o Hospital Municipal Jurandyr Manfredini
(HMJM), pólo de emergência psiquiátrica da Área Programática 4.0. do município, que
conta ainda com ambulatório em saúde mental, e o Hospital Municipal Álvaro Ramos,
estabelecimento clínico de referência para a mesma área. Quanto as suas terras, foram
5
O conceito de instituição total foi introduzido por Goffman (1974, p.11) e pode ser definido como “um local
de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da
sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada”. O autor afirma a existência de cinco tipos de instituições totais, dentre as quais destacamos
aquelas destinadas para “cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são também
uma ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional” (Goffman, 1974, p.17), tais como os
leprosários e os hospitais para doentes mentais. A característica central das instituições totais seria a ruptura
entre as barreiras que comumente separam as esferas do lazer, do trabalho e da moradia, dado que todas estas
esferas são realizadas no mesmo local e sob a mesma autoridade.
17
redistribuídas, estando neste momento grande parte dos 7.000.000 m2 sob responsabilidade
da Fundação Oswaldo Cruz 6.
O Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira é hoje um complexo
hospitalar formado por cinco núcleos ou pavilhões, nos quais encontram-se internados
aproximadamente 700 pacientes. Estes núcleos guardam diferenças importantes entre si: os
Núcleos Rodrigues Caldas e Ulisses Viana, por exemplo, acolhem apenas pacientes do sexo
masculino, enquanto nos núcleos Franco da Rocha e Teixeira Brandão permanecem apenas
pacientes do sexo feminino. Em processo de fechamento - já que se encontra em terreno
hoje pertencente à Fundação Oswaldo Cruz - há ainda o Pavilhão Agrícola, cujos internos
estão sendo aos poucos transferidos para os demais setores da instituição.
Além destas unidades, o IMAS Juliano Moreira conta ainda com o Museu Artur
Bispo do Rosário, que guarda o acervo de diversos artistas descobertos na instituição e
onde são realizadas atividades abertas à comunidade da região; o Clube de Lazer, também
voltado para os internos e comunidade em geral, e o Centro de Reabilitação e Integração
Social – CRIS – unidade que merecerá detalhamento no capítulo III.
Como verificamos até aqui, a CJM, hoje denominada IMAS Juliano Moreira,
passou por muitas transformações ao longo de sua história. A sua fundação marca o que
seria uma nova fase da psiquiatria no Brasil, fazendo parte de um movimento maior de
modernização e sanitarização do país e da Europa. Ao longo dos anos, porém, a instituição
passou a servir como destino final para uma população que, por razões várias que serão
explicitadas ao longo desta pesquisa, não conseguiu retomar sua vida fora dos muros do
hospital. As décadas de 1970 e 1980 marcaram o início do questionamento sobre a
assistência prestada a esta população e sobre os efeitos subjetivos causados pela longa
institucionalização em grande parte dos internos. Nesses anos foram propostas mudanças
que iam desde a proibição de medidas coercitivas aplicadas aos pacientes até a criação de
novas unidades assistenciais e seus projetos de “ressocialização”, entendida como a
possibilidade de alguns internos voltarem a viver fora da instituição. Sobre este último
ponto, ressaltamos que ele surgiu no debate institucional muito antes da existência de uma
A Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) é responsável pela administração de um setor formado por 500 dos
732 hectares da Colônia, onde será construído um centro de pesquisas aberto ao público.
6
18
Política de Saúde Mental (PSM) como a vigente nos dias atuais. As estratégias assistenciais
adotadas naqueles anos sofrem hoje a influência desta mesma política. Por este motivo, o
debate atual se dá sob termos diferenciados, os quais serão aprofundados no capítulo que se
segue.
19
CAPÍTULO II
A POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL E A QUESTÃO DA (RE)INSERÇÃO SOCIAL
O presente capítulo procura dar um panorama do contexto nacional na época dos
primeiros movimentos para a transformação da CJM, demonstrando sua relação com uma
discussão maior, levada a cabo por meio de experiências internacionais de crítica ao
modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico, assim como fazer um recorte sobre
como a questão da (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas tem
surgido nas políticas de saúde mental hoje vigentes.
Desta forma, será inicialmente traçada uma resenha da Reforma Psiquiátrica
brasileira e seus pressupostos principais para, em momento posterior, destacarmos alguns
pontos da PSM vigente relacionados ao tema do nosso estudo. Ao final do capítulo, será
apresentado um resumo da bibliografia sobre o tema da inserção social, que fornecerá o
fundamento teórico das análises empreendidas nesta pesquisa.
2.1. Resenha da Reforma Psiquiátrica Brasileira
A Reforma Psiquiátrica, inspirada na experiência italiana, aponta para a necessidade
de mudança do paradigma médico-psiquiátrico que tem no isolamento – e conseqüente
exclusão do louco do convívio social – uma de suas principais premissas7.
Segundo Amarante (1995), pode-se dizer que o movimento da Reforma Psiquiátrica
no Brasil teve início durante os anos de 1978 e 1980 contando, neste momento, com a ativa
participação do MTSM (Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental), ABP
(Associação Brasileira de Psiquiatria), FBH (Federação Brasileira de Hospitais), entre
outras instituições, destacando-se a primeira delas que, posteriormente, vai perdendo um
pouco seu caráter de questionador das políticas de saúde então vigentes para assumir uma
7
Diversos trabalhos já foram realizados sobre o processo, ainda em curso, da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Para mais detalhes, consultar Amarante (1995), Tenório (2001), entre outros. Sobre o movimento italiano
que tem inspirado tal processo consultar, entre outros, Basaglia (1979) e Nicácio (1990).
20
posição mais reivindicatória de direitos trabalhistas. Constituiu-se, através do MTSM, um
espaço de luta, debate e formulação de propostas para a transformação da situação precária
em que se encontrava a assistência psiquiátrica. A principal reivindicação era a
humanização dos serviços e, em conseqüência desta, muitas outras, tais como a crítica à
cronificação do manicômio e ao uso de eletrochoque.
O modelo assistencial centrado no hospital, por ser cronificador, tornou-se alvo de
intensas críticas, fazendo com que a desinstitucionalização fosse o conceito norteador de
todas as práticas inseridas na nova proposta. Diferentemente da desospitalização, que pode
ser entendida como mera questão burocrática, a desinstitucionalização é entendida como
um questionamento das práticas, da instituição médica, das relações de poder e da própria
concepção do que seja a loucura, rompendo com a noção de causalidade única
(biológica/psicológica/social) para o adoecimento psíquico e trazendo para a clínica uma
visão bem mais complexa e articulada.
No marco da Reforma Psiquiátrica, foi formulada a PSM visando o
redirecionamento do modelo assistencial no sentido da desinstitucionalização e da
(re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas. Nessa direção, têm
sido desenhados dispositivos substitutivos dos manicômios, tais como os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), os Clubes de Convivência e de Lazer Assistidos, as
Cooperativas de Trabalho Protegido, as Oficinas de Geração de Renda e os Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT).
De acordo com Milagres (2002), os chamados serviços substitutivos teriam como
pressuposto básico “o atendimento territorial, com o objetivo de manter o usuário em sua
rede de relações sociais e referências subjetivas. (...) O processo de criação [destes novos
serviços] produziria um ‘deslocamento’ do locus da assistência – antes centrado no hospital
psiquiátrico e no sistema de internações – do hospital para o território. (...) Pretende-se que
este ‘deslocamento’ no campo da assistência venha também a estabelecer novas relações da
sociedade com a loucura, retirando desta a sua caracterização puramente patológica,
inserindo novas representações e ‘modos de lidar’ com o louco”. (Milagres, 2002, p.14).
Apesar de a lei 10.216, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental, ter
sido promulgada em 2001, várias portarias ministeriais, ainda durante a década de 90,
criaram e regulamentaram o funcionamento dos chamados serviços substitutivos em saúde
21
mental, visto que diversas experiências inovadoras vinham sendo desenvolvidas em todo o
país. Para Carvalho (2002), ainda que diferenças importantes - principalmente no que se
refere à omissão quanto à criação de novos leitos nos hospícios - sejam observadas entre o
projeto original encaminhado ao Congresso em 1989 (Lei Paulo Delgado) e a lei 10.216, de
2001, esta última representaria “um importante fortalecimento dos ideais da Reforma
Psiquiátrica, uma vez que confere ao tratamento na comunidade e ao combate à exclusão a
qualidade de princípios com força de lei” (Carvalho, 2002, p.42).
2.1.1. Os serviços substitutos do manicômio
No marco desta nova proposta para a assistência aos portadores de transtornos
mentais graves, podemos sublinhar a importância dos CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial) e NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) como organizadores da demanda,
servindo de referência “tanto para aqueles que têm indicação estrita de acompanhamento
em atenção diária quanto para a rede como um todo” (Tenório, 2001, p.123). Exercem,
desta maneira, papel estratégico no que concerne à reorganização da rede de saúde mental
pois têm como função evitar que a clientela mais grave seja absorvida pelo circuito
ambulatório-enfermaria. É importante destacar, porém, que o que preservará a capacidade
dos CAPS e NAPS como estruturas mais complexas, destinadas ao acompanhamento da
clientela mais grave, será “o bom funcionamento do ambulatório no manejo do fluxo de
pacientes e na absorção de uma parte expressiva da clientela – que por ser menos grave não
é menos merecedora de tratamento de qualidade”. (Tenório, 2001, p.127).
Um segundo ponto importante para a reestruturação da assistência psiquiátrica diz
respeito às ações voltadas para a clientela residente nos asilos, ou seja, pessoas cuja
situação de abandono familiar e ausência de suporte social fez com que não lhes fosse
possível a vida fora da instituição asilar. Para esta clientela - estimada atualmente em
12.000 pacientes em todo o Brasil, estando 2.000 só no município do Rio de Janeiro8 -,
serviços de atenção diária como os CAPS e NAPS não seriam suficientes, já que uma
questão anterior – a da moradia – não havia sido ainda problematizada. Desta maneira, ao
longo dos anos 1990 assistimos à diversas iniciativas de (re)inserção desta clientela na
8
Segundo dados da Coordenação de Saúde Mental da SMS/RJ.
22
comunidade, a partir de experiências de sucesso realizadas em Campinas (SP), Rio de
Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Ribeirão Preto (SP) e Santos (SP), as quais geraram
subsídios para a elaboração das portarias nº106/2000 e nº1220/2000 que criam o Serviço
Residencial Terapêutico e regulamentam seu funcionamento.
O recorte aqui realizado para situar o surgimento destes novos serviços privilegiou
as diretrizes mais gerais da reestruturação da assistência prestada aos portadores de
transtornos mentais graves. Outras questões conceituais adicionais, referentes aos
princípios norteadores da Reforma Psiquiátrica, serão retomadas ao longo deste estudo.
2.2. Política de Saúde Mental (PSM) e (re)inserção social
Quadro 1
Principais temas tratados na Legislação em Saúde Mental
1989
ANO
LEGISLAÇÃO
Projeto de lei nº 3.657
“Lei Paulo Delgado”
1992
Portaria nº 224/MS
2000
Portaria 106/MS e 1220/MS
2001
Lei nº10.216
ASSUNTO
Redireciona o modelo
assistencial em saúde
mental. É a chamada “Lei da
Reforma Psiquiátrica”.
Define e regulamenta o
funcionamento das novas
modalidades assistenciais
em saúde mental:
núcleos/centros de atenção
psicossocial, hospitais-dia e
serviços de urgência
psiquiátrica em hospital
geral. Regulamenta, ainda, o
funcionamento dos hospitais
psiquiátricos.
Cria e regulamenta o
funcionamento dos serviços
residenciais terapêuticos em
saúde mental. Define o
financiamento dos SRT por
meio da inclusão deste
procedimento na tabela do
SIA/SUS.
Redireciona o modelo
23
(substitutivo do senado à
chamada Lei Paulo
Delgado)
2002
Lei nº3.400, Legislação
Municipal/RJ
2002
Portaria/GM nº 336
2003
Lei nº 10.708
(Lei De Volta para Casa)
2004
Portarias nº53/GM e nº
54/GM
assistencial em saúde mental
e prevê punição para a
internação involuntária
arbitrária e/ou desnecessária
Cria no município do Rio de
Janeiro, a bolsa de incentivo
à desospitalização para
portadores de transtornos
mentais com história de
longa internação
psiquiátrica.
Estabelece que os Centros
de Atenção Psicossocial
poderão constituir-se nas
modalidades de serviços
CAPS I, CAPS II e CAPS
III, definidos por ordem
crescente de
porte/complexidade e
abrangência populacional.
Institui o auxílio-reabilitação
psicossocial, em âmbito
nacional, para pacientes
acometidos por transtornos
mentais egressos de longas
internações.
Institui o Programa Anual de
Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica
Hospitalar no SUS – 2004,
visando a redução dos leitos
psiquiátricos, com
planificação e construção
concomitante de alternativas
de atenção no modelo
comunitário. Cria novos
procedimentos no âmbito do
Plano Anual de
Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica
Hospitalar do SUS – 2004
na tabela do SIH/SUS.
Fonte: Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental – 1990-2004. Brasília: 5ª edição
ampliada; 2004.
24
O quadro 1 apresenta alguns aspectos tratados pela Legislação em Saúde Mental,
destacando leis e portarias que relacionam-se com o nosso objeto de estudo. A partir deste
ponto, iremos ressaltar seus tópicos mais importantes.
Podemos observar no quadro 1 que a instituição dos SRT foi normatizada apenas
em 2000, através da Portaria nº106/MS, apesar das já citadas experiências inovadoras que
vinham sendo implementadas desde a década de 1990. Nesta portaria foram tratados
aspectos relacionados às estratégias para a (re)inserção social dos ex-internos, bem como
ao funcionamento dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), cabendo então à Portaria
1220/MS, de 7 de novembro de 2000, regulamentar a forma pela qual os procedimentos
desenvolvidos nesta nova modalidade assistencial passariam a ser cadastrados no Sistema
de Informações Ambulatoriais do SUS, garantindo assim seu financiamento. A Portaria
nº106/MS, em seu artigo primeiro, define o novo dispositivo como “moradias ou casas
inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de
transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não
possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social”. Seus
objetivos centrais, tratados no artigo 4º, são definidos como a “construção progressiva da
autonomia [do usuário] nas atividades da vida cotidiana e a ampliação da inserção
social” e a construção, junto ao usuário, de “um amplo projeto de reintegração social, por
meio de programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de
recursos comunitários, de autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de
estímulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários”.
Além das normas acima citadas, merecem ainda destaque no que se refere à
regulamentação dos SRT a já citada lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo
assistencial em saúde mental; as diretrizes que estabelecem a redução progressiva de leitos
psiquiátricos no país, constantes nas Portarias GM nº52/2004 e 53/2004, do Ministério da
Saúde; a lei nº 10.708/2003, que institui o auxílio-reabilitação para pacientes egressos de
internações psiquiátricas e, no caso específico do município do Rio de Janeiro, a lei nº
3.400/2002, que cria a Bolsa de Incentivo para Assistência, Acompanhamento e Integração
25
fora de unidade hospitalar de paciente portador de transtorno mental com história de longa
permanência institucional em unidade hospitalar psiquiátrica.
Devido à importância que a introdução do “auxílio-reabilitação” e a “bolsaincentivo” (conforme são geralmente chamados os auxílios financeiros concedidos por
meio das leis MS nº10.708/2003 e lei nº3400/2002) têm adquirido no cotidiano de vida dos
moradores das RT, destacaremos a partir deste ponto os principais aspectos tratados por
essas normas.
O auxílio-reabilitação psicossocial de que trata a lei MS nº10.708/2003, conforme
disposto em parágrafo único, é “parte integrante de um programa de ressocialização de
pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado “De Volta Para
Casa”, sob coordenação do Ministério da Saúde” e consiste em pagamento mensal de
auxílio pecuniário, fixado inicialmente no valor de R$240,00, pagos diretamente ao
beneficiário ou a seu representante legal, em caso de incapacidade de exercer pessoalmente
os atos da vida civil, tendo a duração de um ano, podendo ser renovado “quando
necessário aos propósitos da reintegração social do paciente” (artigo 2º, parágrafos 1º, 2º
e 3º). Destacam-se como requisitos para a obtenção do benefício criado por essa lei,
descritos no artigo 3º, entre outros: (1) que o paciente seja egresso de internação
psiquiátrica com duração igual ou superior a dois anos; (2) que a situação clínica e social do
paciente não justifique a permanência em ambiente hospitalar, indique tecnicamente a
inclusão em programa de reintegração social e a necessidade de auxílio financeiro. A
suspensão do benefício procede quando o beneficiário for reinternado em hospital
psiquiátrico ou quando são alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do
paciente.
No que se refere à lei municipal nº3400/2002-RJ, os critérios de elegibilidade para a
obtenção do auxílio financeiro diferem apenas no que diz respeito ao tempo mínimo de
internação psiquiátrica, estipulado em três anos (artigo 2º). Esta lei estabelece ainda
diferenças no valor das bolsas concedidas aos pacientes que retornarem ao convívio com
seus familiares ou família acolhedora (2 salários mínimos) e aos pacientes que ingressarem
em um SRT (1 salário mínimo).
Pela legislação acima citada, evidencia-se que os SRT estão acompanhando os
ideais da Reforma Psiquiátrica no que diz respeito à reorientação do modelo assistencial em
26
Saúde Mental. Algumas das diretrizes aqui destacadas, principalmente aquelas referentes
aos conceitos de “reintegração social”, “ressocialização” e “(re)inserção social” – usados de
forma indiferenciada nas citadas normas - serão posteriormente retomados à luz de
reflexões teóricas.
2.3. Abordagens sobre o tema da inserção social
Os novos dispositivos assistenciais criados a partir da tentativa, ainda em curso, de
reformulação do modelo assistencial psiquiátrico teriam como função “reinscrever” ou
“reinserir” no corpo social os sujeitos que estiveram confinados nos manicômios. Ainda
que uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de (re)inserção social seja feita ao
longo deste trabalho, faz-se necessário desde já ressaltar que não se trata pura e
simplesmente de “incluir” aqueles que supostamente estariam “à margem da sociedade”, ou
como argumenta Foucault:
“O hospital psiquiátrico não exclui os indivíduos; liga-os a um aparelho de
correção, a um aparelho de normalização dos indivíduos. (...) Mesmo se o
efeito dessas instituições seja a exclusão do indivíduo, elas têm como
finalidade primeira fixar os indivíduos em um aparelho de normalização dos
homens. (...) Trata-se, portanto, de uma inclusão por exclusão”. (Foucault,
1979, p. 92)
A idéia aqui defendida é a de que, ainda que tenha como seu efeito a exclusão, o
internamento no manicômio ocorre, antes de tudo, com o objetivo de normalizar a vida do
indivíduo ou “ordenar a desordem do louco”.(Saraceno, 1999). O desafio atual seria então
o de construir uma nova forma de o louco estar nessa sociedade, sabendo-se que
“incluídos” nela estes indivíduos sempre estiveram – o que Foucault denominou “inclusão
por exclusão”.
Para Tykanori (1996, p.55) a reinserção social pode ser entendida como “um
problema de produção de valor, referido aos pacientes. (...) No caso particular da pessoa
que recebe o
atributo
de
doente
mental, enuncia-se
simultaneamente
a
sua
27
negatividade (...), anula-se o seu poder de contrato: os bens dos loucos tornam-se
suspeitos, as mensagens incompreensíveis, os afetos desnaturados (...). Em suma, anula-se
qualquer valor da pessoa que o assegure como sujeito social”.
A (re)inserção social poderia assim ser entendida como um processo de restituição
do poder contratual do usuário. Apesar de ser esta uma questão que permeia a prática de
todos os novos serviços, as armadilhas por ela impostas são, ainda hoje, de difícil
superação, visto que a (re)inserção proposta pode tornar-se apenas uma adaptação pura e
simples destes sujeitos ao “mundo extra-muros” do manicômio.
Não podemos deixar de mencionar que a questão da (re)inserção social está referida
a um debate maior vinculado ao fenômeno social da exclusão, apontada como uma das
características estruturais do sistema capitalista e expressão de suas contradições. A
utilização recorrente da expressão “exclusão social” na atualidade tem a ver, porém, com
um certo consenso sobre as relações existentes entre este fenômeno e dois outros: o da
adoção, em termos hegemônicos, de políticas neoliberais em nível mundial, e a
internacionalização dos mercados/economia, no que se convencionou chamar globalização
(Bogado, 2003). A explicitação da relação entre estes três fenômenos não será aqui
realizada, dado não ser este o foco da presente pesquisa. O que se quer aqui ressaltar é que
a forma pela qual a expressão “exclusão social” vem sendo hoje empregada remete a uma
nova manifestação da questão social relacionada à criação, em nível internacional, de
“indivíduos inteiramente desnecessários ao universo produtivo”(Wanderley, 2002, p. 25),
podendo ser entendida não como falha mas sim como produto do funcionamento do
sistema.
A imprecisão conceitual atribuída à expressão “exclusão social” tem sido alvo de
críticas de diversos autores. Segundo Sawaia (2002), a “exclusão social” deve ser entendida
como processo multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas,
relacionais e subjetivas, de modo que, dada a complexidade do fenômeno, a análise deve
levar em conta todas essas dimensões. Quanto à relação entre exclusão e inclusão, tratariase de uma relação dialética, ou seja, “a sociedade exclui para incluir e esta transmutação é
condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos
estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo
das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da
28
insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico” (Sawaia, 2002,
p.8).
Vale ressaltar ainda que a utilização indiscriminada do termo “excluído” para
designar as mais diferentes parcelas populacionais (pessoas idosas, deficientes, minorias
étnicas, desempregados de longa duração, entre outros), cobrindo assim realidades
heterogêneas, contribui para a banalização e mesmo a naturalização do fenômeno,
fortalecendo a idéia de que se trata de algo inevitável com o qual os sujeitos precisam
aprender a conviver.
Diversos autores chamam a atenção para a estreita relação que haveria entre a
exclusão e a pobreza. Para Castel (1991), a pobreza ou, como ele prefere denominar, as
“situações de privação”, ao invés de serem entendidas como “estados” cujas referências
seriam dadas em termos de falta – de ganhos, de cuidados, de poder –, deveriam ser
tratadas como “efeitos” da conjunção de dois vetores: um eixo de integração/não integração
pelo trabalho e inserção/não inserção em uma sociabilidade. Dito de outra forma, a
ausência de redes relacionais tecidas pelos sujeitos teria peso semelhante ao papel que a não
integração pelo trabalho tem na determinação da exclusão social. Seguindo este argumento,
o autor propõe um modelo para medir o grau de coesão/vulnerabilidade social
experimentada pelos sujeitos a partir do entrecruzamento dos escores obtidos em cada um
dos eixos anteriormente citados. Desta forma, estabelece a existência de quatro zonas de
interesse: (1) zona de integração, onde combinam-se a integração pelo trabalho e a
existência de suportes sociais sólidos; (2) zona de vulnerabilidade, caracterizada pela
precariedade da inserção no trabalho e a fragilidade relacional; (3) zona de assistência,
onde a incapacidade para trabalhar seria compensada pela permanência de um bom suporte
social; e, 4) zona de desfiliação, onde à ausência de trabalho somar-se-ia o isolamento
social.
A partir desse modelo, Castel (1991, p.63) argumenta que “a dimensão econômica,
longe de ser negligenciável, não é entretanto fundamentalmente determinante. Dito de
outra forma, a pobreza como tal conta menos que este acoplamento entre a relação
trabalho e o coeficiente de inserção social”. Vale ainda ressaltar que, incluídas na
avaliação das redes de sociabilidade, encontram-se as dimensões familiar e cultural, esta
última entendida como a partilha de modos de vida, a participação e o sentimento de
29
pertencer a uma comunidade, fatores estes responsáveis pela estruturação e reprodução da
vida cotidiana. Desta forma, prefere Castel usar termos como “precariedade”,
“vulnerabilidade”,
“desfiliação”
aos
seus
supostamente
substitutos
“pobreza”,
“marginalidade”, “exclusão” para sugerir que se está frente a processos e não a estados,
numa perspectiva dinâmica, possibilitando, desta forma, uma intervenção anterior ao
congelamento de tais situações em destino. Dito de outra forma, a partir desta perspectiva,
abre-se caminho para pensar o processo de surgimento das situações de exclusão, e não
apenas seus resultados ou “estados-limite”.
Por último, alguns autores sugerem uma diferenciação entre os termos “integração”,
“inclusão” e “inserção”. Donzelot (1996, apud Bogado, 2003, p. 47), afirma que a
“integração” refere-se a uma submissão às regras já impostas pela sociedade, sob a ameaça
da exclusão; a “inserção”, por sua vez, levaria em conta a idealização de um projeto pessoal
e sua posterior execução, numa negociação permanente entre o sujeito e a sociedade, sem
submissão de uma das partes pela outra. Ambas, “integração” e “inserção” poderiam ser
então pensadas como “técnicas de inclusão”: a opção por uma delas teria a ver com a forma
pela qual se quer fazer participar da vida social os sujeitos ditos excluídos, ressaltando,
porém, que não se trata propriamente de estarem “à margem” ou “fora” da vida social, mas
sim incluídos de forma perversa no circuito das trocas sociais.
Neste ponto é importante ressaltar a análise feita por Martins (2003), quando afirma
não existir uma “exclusão em si”. O que se tem por hábito denominar exclusão é aquilo que
constitui “o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão
precária e instável, marginal, [ou seja], a inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela
nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os
quais não há senão, na sociedade, lugares residuais” (2003, p.26). Para este autor, o
capitalismo exclui a todos, e o faz para incluir de outro modo, segundo sua própria lógica, e
o problema estaria exatamente nessa inclusão: “o período da passagem do momento da
exclusão para o momento da inclusão está se transformando num modo de vida, está se
tornando mais do que um período transitório” (Martins, 2003, p.32), acrescentando ainda
que este novo ‘modo de vida’ geralmente implica certa degradação. O autor afirma que o
processo que chamamos de exclusão cria “uma sociedade paralela que é includente do
ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político”
30
(Martins, 2003, p.34). O dinheiro – muitas vezes decorrente de atividades ilícitas – “faz do
mundo do excluído um mundo mimético, de formas que ganham vida no lugar da
substância. É o mundo do imaginário, da consciência fantasiosa e manipulável. Engana.”
(Martins, 2003, p.36). Ou seja, uma falsa sensação de inclusão poderia ser dada pela
participação destes sujeitos na esfera do consumo, ainda que este se contente com a
imitação, a reprodução e a falsificação. Consumir, neste caso, sugeriria uma ilusória
igualdade entre os ditos “excluídos” e o restante da sociedade.
As reflexões até aqui apresentadas sobre o tema da inserção social visam fornecer
subsídios para o desenho do marco referencial de análise das estratégias voltadas para a
desospitalização e desinstitucionalização dos pacientes com longa história de internação
psiquiátrica no IMAS Juliano Moreira, estratégias estas que serão aprofundadas no próximo
capítulo.
31
CAPÍTULO III
O “DESTINO” DOS INTERNOS DAS INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS: A
EXPERIÊNCIA DA CJM.
Neste capítulo aprofundaremos o tema das estratégias assistenciais voltadas para a
ressocialização, num primeiro momento, ou (re)inserção social, num segundo momento, da
clientela internada no IMASJM, ocorrida nas últimas três décadas. Ao final do capítulo,
serão apresentados alguns pontos do Projeto Terapêutico da instituição demonstrando que,
ainda nos dias de hoje, os diferentes pressupostos que o fundamentam parecem concorrer
entre si, contribuindo assim para uma divisão dos profissionais entre aqueles mais aderidos
às estratégias formuladas na década de 1980 e os defensores do atual programa de
residências terapêuticas em desenvolvimento no IMASJM.
Conforme disposto no capítulo I, os anos 80 foram marcados por uma série de
mudanças institucionais na antiga CJM. A contratação de novos funcionários e a execução
de uma pesquisa para conhecer as características da clientela internada na instituição,
denominada Levantamento Psico-Físico- Social, realizada ainda no ano de 1980 por meio
de entrevistas com a totalidade dos então 2.600 pacientes, revelou dados que serviram
como base para a implantação de novos programas institucionais e para a reformulação da
assistência até então prestada aos internos. Alguns destes dados merecem destaque e são
apresentados no quadro a seguir.
Quadro 2
Perfil da clientela da CJM, 1980
Total de pacientes com idade superior a 40 anos
1.820 (70%)
Total de pacientes que não recebiam visita
1.560 (60%)
Total de pacientes sem justificativa clínica para internação
650 (25%)
Tempo médio de internação da clientela
21 anos
Fonte: CJM. Projeto do Centro de Reabilitação e Integração Social – CRIS. (mimeo). Rio
de Janeiro: 1982b.
32
A análise de Camarinha (1984) desses dados destaca que a população que não
apresentava quadro psiquiátrico que justificasse a internação ainda se subdividia entre
aqueles que tinham vínculos familiares e os que não os possuíam. Para o autor, o que
marcava essa população era “a indigência material e os vícios deixados pela longa
institucionalização, fato este que não era privilégio apenas dos internos, mas também de
suas famílias” (Camarinha, 1984, p. 5). Ainda segundo o mesmo autor, três fatores
impediriam o retorno destes sujeitos ao convívio familiar: (1) quebra dos vínculos afetivos
após tantos anos de hospitalização; (2) a acomodação das famílias em ter um de seus
membros sob a guarda do Estado juntamente aos preconceitos/estigmas em relação à
doença mental e (3) a alegação, pelas famílias, de precariedade de recursos materiais. A
conclusão que se chegou após o levantamento era a de que existia uma “demanda
reprimida de egressos que permaneciam institucionalizados pela falta de recursos
materiais e não propriamente por alguma patologia psiquiátrica” (Camarinha, 1984, p.5).
Dito de outra forma, grande parte dos internos da instituição lá permaneceria não pela
gravidade de seu quadro psiquiátrico mas sim como meio de sobrevivência, através da
realização de tarefas em troca de pequenas recompensas. O fato é que entendia-se que a
CJM deveria oferecer um outro destino a essas pessoas, “exercendo um papel que fosse
além da mera função custodial” (Camarinha, 1984, p.6).
Desta maneira, profissionais da CJM elaboraram um Programa de Ressocialização
voltado para o contingente de internos com possibilidade de alta médica. Segundo
Camarinha, este programa tinha como objetivo “estimular o egresso ao convívio social e à
busca da saúde”, incluindo um auxílio financeiro, estipulado em três diferentes valores que
variariam de acordo com o grau de ressocialização atingido pelo paciente
(Camarinha,1984, p.6). Este programa incluía ainda a criação do Centro de Reabilitação
e Integração Social – CRIS – unidade assistencial que iremos detalhar no próximo tópico.
Em relação às bolsas concedidas aos pacientes, foram divididas em:
• Etapa I, para os pacientes que exerciam pequenas tarefas tais como faxina, copa e capina
nos núcleos ou pavilhões onde eram residentes;
• Etapa II, para os pacientes que trabalhavam fora do núcleo e que demonstrassem
interesse em residir no CRIS ou que lá já se encontrassem;
33
• Etapa III, para os pacientes que já estivessem no CRIS e que exercessem trabalhos com
vínculo empregatício, não necessitando de uma “intermediação do monitor que
‘protegesse’ o trabalho executado” (Camarinha, 1984, p.24).
Para os defensores do programa, o pagamento de tais bolsas contribuiria para alterar
o quadro de dependência institucional dos pacientes que “mantinham com a CJM uma
relação simbiótica historicamente determinada: aceitavam a condição de pacientes
psiquiátricos em troca de condições de sobrevivência.” (CJM, 1982a, p.1).
O Programa de Ressocialização tinha como alvo de sua intervenção aqueles
pacientes aos quais fosse possível a inserção em uma atividade laborativa dentro ou fora da
CJM, contingente este estipulado em aproximadamente 25% da população total internada,
ou seja, 650 pacientes. Para os demais, não foi elaborado um programa específico nem
ações de tanto impacto; a ênfase permanecia na melhoria de suas condições gerais de vida,
passando por readequação do espaço hospitalar e participação em grupos nos pavilhões
(onde ressaltava-se a importância de “dar voz aos pacientes”). Estes pacientes estariam
incluídos na “etapa 0” “aguardando vagas em outras etapas” (Corrêa, Abreu e Moura,
1984, p.23).
3.1. Estratégias assistenciais da CJM: o CRIS, os Lares de Acolhimento e o Programa de
Residências Terapêuticas
a) O Centro de Reabilitação e Integração Social (CRIS)
Quando de sua criação, foi pensado para acolher aqueles pacientes cuja
problemática de saúde não justificasse a internação hospitalar, ou seja, pacientes em
condição de alta médica. A esta população seria “reservado na instituição um espaço físico
separado e identificado com o nome de Centro de Reabilitação e Integração Social (CRIS).
Sua finalidade [seria] “servir de ponte para a ressocialização” (Andrade, 1992).
Em seu projeto original, datado de 1982, a exclusão do louco do convívio social era
entendida menos pela presença de uma psicopatologia produtiva ou um desvio de conduta
do que pela deterioração de sua força de trabalho, daí depreendendo que “somente com a
34
recomposição da capacidade produtiva o indivíduo encontrará instrumentos para negociar
suas demandas ou outra destinação social” (CJM, 1982b, p.3).
Desta maneira, fica explícito ao longo de todo o projeto – e ainda mais evidente no
trecho que se segue -, a importância do trabalho como único possibilitador da saída efetiva
dos pacientes do asilo e retorno ao convívio social:
“O Programa pretende que o cliente retome seus vínculos perdidos, através
da ‘PRÁXIS’ social assistida, desenvolvida a partir da intensificação das
relações interpessoais e ‘políticas’ nos alojamentos onde residirem, como
também na apropriação consciente de sua profissionalização nas unidades de
trabalho protegido, através da ‘reestruturação’ da capacidade laborativa, que
consideramos ser o único elemento capaz de devolver ao doente seu poder
de barganha social” (CJM, 1982b, p.8) (grifo nosso).
Desta maneira, o CRIS funcionaria da seguinte forma: primeiro, o interno com
condições de alta hospitalar inserido na Etapa II seria alocado em trabalho protegido no
programa para a reabilitação profissional, passando posteriormente à Etapa III. Após a
profissionalização do interno, este seria alocado numa espécie de sub-programa
denominado Bolsa de Emprego, onde sua relação com o trabalho se daria de forma menos
protegida. O Bolsa de Emprego pressupunha uma busca, por parte dos profissionais do
CRIS, de empresas interessadas em contratar os ex-internos que já tivessem passado pela
reabilitação profissional. A partir do cadastro neste programa, o cliente aguardaria sua
recolocação no mercado de trabalho.
Os conceito de “reabilitação”, diversas vezes citado no projeto original, é entendido
como a “devolução e desenvolvimento pleno de capacidade laborativa do interno e
recomposição de sua força de trabalho” (CJM, 1982b, p.11). A “ressocialização” é tida
como o objetivo último do programa, alcançável somente por meio do que se entendia por
reabilitação. Em diversos momentos enfatiza-se que somente o “cidadão socialmente
produtivo” (CJM, 1982b, p.13) poderia viver fora da instituição, daí entendendo-se o peso
que a oferta de diversas modalidades de trabalho protegido (vime, cana-da-índia, sapataria,
gráfica, cerâmica, costura, colchoaria, capina, horta, pomar, pocilga e criação de coelhos)
35
assumiu no cotidiano do CRIS. Apesar de reconhecerem que a formação profissionalizante
nestas atividades não se adequaria ao perfil de mão-de-obra requerida numa cidade
urbanizada como o Rio de Janeiro, entendiam os profissionais que a questão principal,
anterior ao aprendizado de uma profissão, seria o “aprendizado das relações sociais
necessárias ao exercício de qualquer profissão ou serviço” (CJM, 1982b, p.23).
O Plano Terapêutico do CRIS enfatizava o trabalho em grupo, e as intervenções
feitas pelo coordenador deste “ocorreriam através do esclarecimento e não da
interpretação” (CJM, 1982b, p.14). O alojamento era entendido como uma espécie de
“reprodução da sociedade”, onde o sujeito reaprenderia as regras do convívio social a
partir dos atendimentos em grupo. Por este motivo, o atendimento individual era indicado
somente quando fosse necessário “vencer dificuldades de relacionamento, não sendo
sobrevalorizados problemas psicológicos que possam ser resolvidos em grupo” (CJM,
1982b, p.21).
A inserção efetiva do cliente do CRIS na comunidade dar-se-ia numa primeira
etapa, necessariamente, na chamada “comunidade interna” da CJM. Uma “reintegração
externa” seria feita baseada em solicitações individuais, funcionando o CRIS como apoio
necessário à adaptação social do sujeito (CJM, 1982a, p.4).
Em documento datado de 1989, resultado de um colóquio interno dos profissionais
do CRIS, surgem duas novas preocupações: a satisfação dos desejos dos clientes, suas
preferências e interesses pessoais, de lazer e alternativas de vida, e o sofrimento psíquico
(exemplificado pelas reinternações e recaídas dos alcoolistas), que parecia não ter sido
apagado pelo trabalho reabilitativo que vinha sendo colocado em prática.
Para o encaminhamento de pacientes ao CRIS, eram adotados critérios nosográficos
e também outros relacionados a aspectos como autonomia, entendida como possibilidade de
engajamento em alguma atividade laborativa mais livre trânsito pela instituição mais
capacidade de cuidar de si e dos seus pertences.
Desde a sua criação até os dias atuais, o CRIS passou por diversas reestruturações,
tendo sido algumas delas denominadas “momentos de crise” pelos profissionais envolvidos
no projeto. Muitas discussões envolvendo o problema da ocupação das terras da CJM (a
esta altura habitada por milhares de invasores) levantavam a possibilidade de construção de
uma “Vila de ex-internos” nesse mesmo espaço. O sub-programa “Bolsa de Empregos”
36
nunca foi posto em prática, porém alguns pacientes conseguiram inserir-se no mercado
formal de trabalho, especialmente em firmas de limpeza e alimentação que prestavam
serviços à instituição.
b) Os Lares Alternativos
Durante a década de 1990, a CJM passou por novas transformações que tiveram
como marco a elaboração, em 1994, do documento intitulado “Proposta de Reformulação
do Projeto Assistencial da CJM – Complexo Multiassistencial”, destinado a reorientar o
processo, já tratado neste estudo, de transformação institucional desencadeado na década
anterior. A proposta central era a criação de cinco estruturas autônomas, responsáveis cada
qual por uma tarefa específica, identificada através das categorias “moradia”, “trabalho”,
“assistência”, “apoio sócio-jurídico” e “avaliação-pesquisa”. Devido aos propósitos do
presente estudo, apenas o primeiro tema merecerá destaque.
Já influenciado pela discussão maior que vinha ocorrendo em âmbito nacional e
internacional no sentido da crítica ao modelo hospitalocêntrico, o debate principal estava
focalizado na substituição deste por um “modelo multi-assistencial, centrado na oferta de
serviços com distintos perfis em função da heterogeneidade de demandas expressa pelas
pessoas com sofrimento psíquico” (CJM, 1994, p.2). Este novo modelo tomaria corpo
dentro da instituição asilar, daí advindo que a questão em pauta não era a do fim do asilo,
mas sim de sua transformação, opção esta muito bem definida como registra o trecho que
se segue:
“É possível pensar que, não obstante os enormes prejuízos trazidos pelo asilo
psiquiátrico, em sua forma mais tradicional, este possui o inegável interesse
de oferecer abrigo àqueles que já se encontram em desvantagem na luta por
um futuro mais digno. É neste contexto que se insere a perspectiva que ora
esboçamos. Optamos por efetuar uma ampla transformação em nossas
instalações, de forma a garantir condições adequadas no que tange à
habitação e reavaliar, seriamente, nossas práticas terapêuticas, com vistas a
um maior aprofundamento das possibilidades que vislumbramos em relação
à transformação do espaço asilar” (CJM, 1994, p.7) (grifo nosso).
37
A crítica ao modelo vigente era a de que este não atendia à heterogeneidade das
demandas da clientela, sendo que a resolução do problema passaria por transformar a
instituição, até então com características notadamente hospitalares, em um complexo
multi-assistencial, tendo ainda como justificativa para tal transformação o “fantasma” da
desassistência aos pacientes uma vez que estes obtivessem alta hospitalar, demonstrando
certa “confusão” entre desinstitucionalização e desospitalização.
A conseqüência mais importante dessa proposta foi a
criação dos Lares
Alternativos, pensados como “serviços calcados numa lógica não asilar, combinando
moradia com tratamento” (CJM, 1994, p.7), que tinham como perspectiva “oferecer um
ambiente institucional capaz de acolher as manifestações psicóticas e neuróticas num
espaço onde diversas trocas pudessem acontecer” (CJM, 1994, p.7). A privacidade dos
internos era tida como questão merecedora de atenção especial, devendo ser a rotina diária
do lar “determinada por questões subjetivas dos pacientes” e não por uma lógica asilar
alheia aos mesmos (CJM, 1994, p.10-11).
O projeto dos Lares Alternativos subdividia-se em duas vertentes:
• Lares Assistidos, voltados para a clientela em condições de alta hospitalar, devendo
incorporar todos os pacientes atendidos pelo Projeto de Etapas II e III, prevendo a
transformação do espaço físico do CRIS em espaços de moradia. Essa modalidade
incluía também os Lares Avançados para a clientela com possibilidade de moradia
independente, previstos para funcionarem inicialmente em casas no interior da CJM, e
posteriormente em casas alugadas, de acordo com a dotação orçamentária futura;
• Lares de Acolhimento, onde seriam realizadas atividades terapêuticas, culturais e de
lazer, voltadas para a clientela “menos independente” não inserida no projeto de etapas,
mas com condições de cuidar de sua higiene pessoal, seus pertences e alimentação, e que
não apresentasse problemas de deambulação. Entretanto, algumas equipes envolvidas na
implantação destes Lares passaram a questionar os critérios de elegibilidade de novos
moradores, assim como a possibilidade de o lar se constituir como um dispositivo de
passagem, trabalhando com seus moradores a construção da demanda de saída do asilo,
e não uma estrutura definitiva para aqueles que dele se beneficiassem.
38
Os lares de acolhimento, atualmente em número de oito, abrigam 173 pacientes e
estão implantados em todos os núcleos do IMAS Juliano Moreira, tendo sido o Núcleo
Franco da Rocha o primeiro a sediar este tipo de dispositivo.
Da data da criação do CRIS até o final da década de 1990, ou seja, passados quase
20 anos, aproximadamente 11 pacientes saíram desta unidade para residirem em moradias
localizadas no interior do bairro Colônia, nos chamados “Lares Avançados”.
c) O Programa de Residências Terapêuticas
Como foi possível verificar até aqui, a discussão principal que orientou a
reformulação, ocorrida em 1994, do projeto assistencial da antiga CJM referiu-se à
avaliação de que a transformação do espaço asilar - a partir da humanização da assistência
– seria o objetivo a ser alcançado por meio das diversas mudanças propostas desde a década
de 80. O fim da década de 90, no entanto, trouxe para a cena institucional um novo debate,
já influenciado pelas diversas experiências inovadoras que vinham ocorrendo no país: a
substituição/superação do asilo, e não apenas sua transformação num espaço mais
humanizado, deveria ser alcançada a partir da construção de dispositivos substitutivos do
manicômio, evitando assim que a desinstitucionalização se resumisse a uma mera questão
burocrática, entendida como desospitalização, e que esta, por sua vez, fosse percebida como
sinônimo de desassistência.
Neste contexto, o CRIS sofre nova reformulação com a uma mudança radical no seu
projeto original, a começar pela substituição de quase toda a equipe profissional antiga,
passando a ser responsável pela implantação do Programa de Residências Terapêuticas do
IMAS Juliano Moreira.
Uma das principais mudanças observadas na postura do CRIS diz respeito ao
questionamento do perfil exigido para encaminhamento de pacientes à unidade. Neste
momento, optou-se por voltar os esforços dos profissionais para a construção da demanda
de saída do asilo junto aos pacientes que permaneciam no CRIS e também aos que até
então não haviam sido “elegíveis” para o programa. Esta construção deveria dar-se,
preferencialmente, de forma individualizada, ainda no núcleo de origem do paciente,
devido ao entendimento de que neste local o sujeito possuiria vínculos já estabelecidos com
39
os profissionais. A partir daí, então, e sem um perfil pré-estabelecido, começariam os
encaminhamentos para as RT. O acompanhamento terapêutico no território, os
atendimentos individuais, as oficinas expressivas e as de geração de renda passaram a
ocupar lugar central no projeto terapêutico desenvolvido pelo CRIS, em substituição à
reabilitação profissional. O conceito de “autonomia” com o qual passaram a trabalhar os
profissionais foi redefinido, sendo desvinculado da idéia de “independência”, aproximando
sua definição daquela estabelecida por Tykanori, que assim a define como “a capacidade de
um indivíduo gerar normas, ordens para a sua vida, conforme as diversas situações que
enfrente” (Tykanori, 1996, pág.57). Este autor localiza a questão principal dos portadores
de transtornos mentais na dependência excessiva de poucas relações/coisas. Em outras
palavras, afirma que os sujeitos são mais autônomos à medida que puderem ser
dependentes de mais coisas/relações, o que ampliaria suas possibilidades de estabelecer
novos ordenamentos para a vida.
Desta forma, de 1999 a 2003 foram encaminhados ao CRIS novos pacientes dos
núcleos e do HMJM que, somados aos que lá já residiam desde os anos 80 e aos pacientes
provenientes de clínicas psiquiátricas conveniadas com o SUS, compuseram a clientela
total sob os cuidados da unidade. Desta, 27 pessoas foram morar nas sete residências
terapêuticas habilitadas, localizadas fora da área da Colônia, em bairros que formam a
região de Jacarepaguá9. Em 2004, ocorreram novas mudanças na direção e na equipe do
CRIS, mas as diretrizes gerais do trabalho foram mantidas.
Ainda que os profissionais do CRIS afirmem a inexistência de critérios de
elegibilidade para o encaminhamento de pacientes ao Programa de RT, a clientela que hoje
reside fora da instituição não necessita de equipamentos mais complexos para garantir sua
permanência nos espaços da cidade. O que se observa, porém, é que muitos daqueles
pacientes que foram encaminhados ao CRIS nos anos 1980 lá permanecem ainda porque,
ao longo tempo, tiveram sua condição clínica agravada e não encontraram nos serviços
residenciais de que hoje se dispõe uma estrutura adequada para responder as suas
necessidades.
9
Há além destas sete residências a “Casa do Diretor”, com oito moradores, e duas RT com dois moradores
cada, localizadas no bairro Colônia, além das residências implantadas ainda sob a antiga gestão do CRIS, os
já citados lares avançados. Tal denominação, porém, não é mais utilizada pelos profissionais da instituição.
40
Até novembro de 2004, o CRIS contava com 22 residentes em suas instalações e 53
clientes morando fora do espaço hospitalar – dentro e fora da antiga Colônia -, conforme
será detalhado posteriormente.
3.2. Projeto Terapêutico do IMAS Juliano Moreira – uma instituição dividida?
A exposição deste tópico baseia-se em informações colhidas durante os dois últimos
Seminários Internos do IMAS Juliano Moreira, ocorridos nos meses de dezembro de 2003 e
de 2004. Este último foi um evento aberto ao público porque comemorava os 80 anos da
instituição.
O Projeto Terapêutico hoje desenvolvido pelo IMAS tem como eixo central a
Reabilitação Psicossocial, pensada como um meio de possibilitar aos sujeitos novas formas
de estar no mundo e com ele relacionarem-se, a partir da construção de projetos/planos
centrados no estímulo ao que há de positivo nas relações que o paciente já construiu, por
um lado, e na superação das dificuldades que ele apresenta, por outro. Desta forma, a
reabilitação não se voltaria apenas para o interior da instituição - o que poderia resumir-se à
humanização do atendimento e melhoria das instalações hospitalares - e pressuporia que as
equipes que trabalham sob esta lógica tenham disponibilidade suficiente para estar com os
pacientes em outros espaços, produzindo junto aos primeiros novos nexos e novas relações
com o contexto.
Dado que a maioria dos pacientes do IMASJM é bastante idosa, o trabalho de
reabilitação passaria muitas vezes por uma melhoria nas condições gerais de vida daqueles,
respeitadas as suas limitações e idiossincrasias.
As equipes dos já mencionados núcleos, assim como a equipe do CRIS, devem
orientar seu trabalho a partir de tais idéias. No entanto, uma questão hoje divide os
profissionais do IMASJM: o futuro da instituição e de seus pacientes. Podemos identificar
duas posições opostas: para um grupo, a saída do asilo poderia ser pensada para a totalidade
dos pacientes hoje internados na instituição, passando pela adequação dos serviços
residenciais ao perfil da clientela em questão, qual seja, idosa, pouco autônoma e com
condições clínicas gerais desfavoráveis; para o outro grupo, parte-se do princípio que
41
apenas os mais autônomos (autonomia aqui entendida como “independência”) poderão sair
do asilo e somente para estes será possível a chamada (re)inserção social.
A discussão institucional gira em torno de algumas perguntas. A primeira delas
refere-se à possibilidade de saída do pacientes do asilo e estaria relacionada (1) às
características dos pacientes (como limitações impostas pela doença ou pela
institucionalização) ou (2) aos equipamentos de que hoje dispõe-se para responder às
necessidades dessa clientela. Uma segunda pergunta, conseqüente da primeira, também
muito cara ao tema em estudo, estaria relacionada ao fato de ser ou não a desospitalização
uma condição necessária ao processo de (re)inserção social dos pacientes da instituição.
Esta última pergunta leva-nos à questão central deste estudo: de que forma a saída dos
pacientes da instituição e seu conseguinte “retorno à sociedade” vem sendo pensada pelos
profissionais do IMASJM e quais estratégias assistenciais vêm sendo desenhadas?
No Capítulo IV, serão apresentados e analisados os dados coletados durante a
pesquisa de campo.
42
CAPÍTULO IV
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Aspectos Metodológicos
a) Considerações Iniciais
Como foi possível observar até aqui, o debate sobre as estratégias assistenciais no
IMASJM visando possibilitar aos pacientes com longa história de internação psiquiátrica a
saída da instituição asilar e o retorno ao convívio social, ocorreu num momento anterior à
implementação da PSM hoje vigente. Esta política, por sua vez, ao legitimar experiências
tidas como pioneiras durante a década de 90, trouxe para o centro da discussão sobre a
(re)inserção social novos elementos que contribuiriam para o estabelecimento de bases
conceituais diferenciadas no que diz respeito às modalidades assistenciais a serem
implementadas.
Reiterando, o objetivo desta pesquisa foi investigar como a saída dos pacientes da
instituição asilar - e o retorno dos mesmos ao convívio social - vem sendo tratada e que tipo
de estratégias assistenciais esta mesma questão produziu ao longo das últimas décadas.
Entre os motivos que levaram à escolha do IMASJM como campo de pesquisa, destacamos
os seguintes fatos: é um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil; iniciou a discussão e
a elaboração de estratégias inovadoras no início da década de 80, com a criação do CRIS,
antes mesmo da existência de uma política nacional voltada para este fim, e implementou
um amplo programa de residências terapêuticas nos moldes do estabelecido nas normas
relativas à (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas. A
coexistência de estratégias assistenciais formuladas ainda durante a década de 80 e aquelas
fundamentadas numa discussão atual, gerando posicionamentos os mais diferenciados entre
os profissionais envolvidos na assistência, fez do IMASJM um campo fértil para a
investigação cujos resultados serão aqui apresentados.
A pesquisa teve caráter exploratório e utilizou dados de natureza quantitativa e
qualitativa. A abordagem qualitativa foi essencial não somente devido à complexidade do
43
fenômeno em estudo mas, principalmente, por se mostrar mais adequada a trabalhar com
“o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis." (Minayo et al., 1996, p. 2122).
O tipo de pesquisa escolhido para empreender tal investigação foi o Estudo de
Caso. Para Yim (1994), o Estudo de Caso é uma abordagem adequada quando o tipo de
questão da pesquisa é da forma “como” e “por quê ?”; quando o controle que o investigador
tem sobre os eventos é muito reduzido; ou quando o foco temporal está em fenômenos
contemporâneos dentro do contexto de vida real. Quanto à validade e possibilidade de
generalização dos resultados obtidos a partir deste tipo de pesquisa, Yim (1994) ressalta
que não se deve confundir “generalização analítica” – própria do Estudo de Caso – com
“generalização estatística”, dado que o “caso” estudado não é um elemento amostral.
Desta maneira, os resultados aqui apresentados são válidos para o universo
estudado. Todavia, revelam dois pontos extremamente relevantes, quais sejam: o peso que
as iniciativas pioneiras da CJM tiveram para transformar a realidade asilar ainda quando a
discussão sobre a Reforma Psiquiátrica era incipiente no Brasil, bem como a dissonância
que, ainda hoje, estas iniciativas produzem no seio da instituição devido, em boa medida, à
ambigüidade da noção de (re)inserção social.
b) Instrumentos de Coleta de Dados
Num estudo de caso, é fundamental que múltiplas fontes de evidência sejam
utilizadas, permitindo assim investigar vários aspectos de um mesmo fenômeno. Desta
forma, várias técnicas de coleta de dados foram combinadas, entre elas a pesquisa
documental, a observação participante e as entrevistas.
A pesquisa documental se deu a partir do acesso a diferentes documentos
consultados na biblioteca e nas unidades do IMASJM, tais como ordens de serviço,
projetos, relatórios, normas técnicas e prontuários, sendo colhidas nestes últimos
informações relativas a sexo e idade do paciente, procedência institucional, diagnóstico
psiquiátrico principal, data da primeira internação psiquiátrica, tipo de atividade realizada
44
no CRIS, inserção no mercado de trabalho, referência familiar (entendida como pelo menos
um contato pessoal estabelecido nos últimos dois anos) e suporte financeiro.
Em relação à observação participante, esta se deu nas reuniões semanais de equipe
do CRIS e nas reuniões de freqüência variável do Centro de Estudos, nas quais todas as
unidades assistenciais têm participação representativa. As observações colhidas nestas
ocasiões foram registradas em um diário de campo.
No que diz respeito às entrevistas, foram realizados encontros com três profissionais
familiarizados com o nosso objeto de estudo. As entrevistas foram abertas, com base em
uma lista de perguntas previamente formuladas e em depoimentos trazidos pelos
entrevistados. Os pontos indagados foram os seguintes:
•
Entendimento do significado da (re)inserção social;
•
Opinião sobre o projeto terapêutico do IMAS: relações entre o projeto atual do CRIS e
os Lares de Acolhimento, qualificado segundo grau de complementaridade, de oposição,
ou de superposição;
•
Condições necessárias e suficientes para que uma pessoa possa sair do asilo, ser
desospitalizada.
Os dados coletados foram divididos em dois grupos de resultados, de forma a facilitar sua
compreensão e análise:
• Primeiro grupo: caracterização do Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM e
de sua clientela.
• Segundo grupo: destaca os depoimentos dos profissionais entrevistados no que diz
respeito à forma pela qual entendem e trabalham com a (re)inserção social no cotidiano
e o que pensam sobre as estratégias assistenciais produzidas na instituição ao longo dos
últimos 20 anos.
c) Etapas da pesquisa
45
A primeira etapa da pesquisa consistiu em revisão bibliográfica visando resenhar a
literatura especializada sobre o tema da inserção social.
A segunda etapa consistiu na pesquisa de campo propriamente dita, com a coleta de
informações por meio das diferentes técnicas anteriormente explicitadas.
A compilação e análise dos dados colhidos na fase anterior consistiu a terceira etapa
da pesquisa. Nesta, os conceitos que fundamentaram teoricamente o estudo serviram como
base para a análise dos dados.
I. CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS
DO IMASJM E DE SUA CLIENTELA
a) O Programa de RT
Segundo dados do Ministério da Saúde, até o mês de setembro de 2004 existiam no
Brasil 262 SRT distribuídos por 45 municípios, perfazendo um total de 1.363 beneficiários.
Destes, 1.020 usuários residem nos 194 SRT localizados na região sudeste.
No município do Rio de Janeiro,10 contamos atualmente com 16 SRT onde residem
71 usuários. O primeiro deles foi criado pela equipe do Instituto Philippe Pinel em 1997,
antes mesmo da regulamentação deste tipo de dispositivo assistencial.
O Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM é o maior em funcionamento
no município do Rio de Janeiro e um dos maiores do Brasil, quer em número de residências
sob sua supervisão (12), quer pelo número de usuários beneficiados (47). O município
conta ainda com 1 SRT com oito moradores sob os cuidados do Instituto Philippe Pinel,
dois SRT com oito moradores sob a supervisão do IMAS Nise da Silveira, um SRT sob
supervisão do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) com oito moradores, e um SRT
referenciado à Clínica Amendoeiras, com nove moradores.
Todas as RT do município do RJ são mistas, com exceção do SRT referenciado ao
IPUB, onde residem apenas mulheres. O tempo médio de internação psiquiátrica anterior à
10
Todos os dados referentes ao contexto municipal foram colhidos do pôster apresentado pela Coordenação
de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro no I Encontro Nacional dos Serviços Residenciais
Terapêuticos em Saúde Mental. Paracambi, Rio de Janeiro, setembro de 2004.
46
ida para os SRT varia de seis anos na residência do IPUB à 16 anos nas residências do
IMASJM.
Conforme mencionado, o Programa de Residências Terapêuticas do IMAS Juliano
Moreira está diretamente vinculado à equipe do CRIS, a qual cabe a supervisão do
programa e o acompanhamento não só dos usuários inseridos nos novos dispositivos
residenciais como daqueles que aguardam, nas instalações do próprio CRIS, a efetiva saída
do espaço hospitalar.
A partir deste ponto, caracterizamos o programa de acordo com as seguintes
dimensões:
(1) Complexidade das residências
Para Vasconcelos (2001), “as alternativas de estrutura organizacional e nível de
cuidado dispensado internamente aos dispositivos residenciais (...) podem variar de
serviços estatais permanentes para usuários muito dependentes, com supervisão interna 24
horas por dia e 7 dias por semana, até dispositivos mais flexíveis, como casas temporárias,
famílias substitutivas, moradias independentes próprias ou alugadas, ou mesmo lugares
independentes em pensão, com uma supervisão mínima por parte de trabalhadores de
saúde mental. O princípio básico que orienta a proposta deste leque mais amplo de
opções residenciais é ofertar dispositivos adequados à variedade de quadros
diferenciados de dependência e autonomia, à situação social, familiar e comunitária, e
ao desejo expresso de cada cliente singular” (2001, p. 68) (grifo nosso). Desta maneira,
identificamos no Programa de RT do IMASJM os seguintes tipos de residência:
a) Residências de cuidados semi-intensivos. Há oito residências deste tipo, abrigando 35
moradores. Contam com a presença de um cuidador que permanece na casa quatro horas
por dia, exceto nos feriados e finais de semana. O cuidador teria como função auxiliar os
moradores nas tarefas do dia-a-dia (cuidar dos pertences, administrar a medicação, cuidar
da limpeza da casa e da alimentação, entre outras). Este profissional também deve estar
atento às relações estabelecidas entre os moradores, respeitando suas singularidades e
agenciando com eles respostas às questões cotidianas. Deve ser necessariamente um
47
profissional sem formação em saúde mental ou enfermagem, é treinado no próprio serviço e
seu saber leigo é valorizado à medida que proporciona outras formas de lidar com estes
sujeitos, a princípio, menos contaminadas pela lógica asilar. A questão do
treinamento/capacitação destes profissionais foi apontada em uma das entrevistas como um
dos principais desafios a serem enfrentados para a continuidade do programa. Todas as RT
de cuidados semi-intensivos estão localizadas na Taquara, bairro da Zona Oeste do Rio de
Janeiro, à exceção da “Casa do Diretor”, na qual residem oito moradores, localizada em
área pertencente à antiga CJM.
b) Residências de baixa complexidade. São moradias onde a figura do cuidador não é
requerida. São as casas onde os moradores são, em sua maioria, casais que resolveram
dividir uma moradia após longos anos de convivência no espaço asilar. Atualmente,
existem sete residências desse tipo11.
Além destes dois tipos de RT, a equipe do CRIS tem proposto um terceiro tipo, as
chamadas Residências de Cuidados Intensivos, ainda não implantadas. Nestas, a presença
de um profissional 24 horas por dia, nos sete dias da semana seria requerida pelo grau de
dependência daqueles que nela residiriam, quer por sua fragilidade clínica (deficientes
visuais, idosos com dificuldades de deambulação) ou psiquiátrica (pessoas com agudização
freqüente do quadro psiquiátrico, com risco de suicídio, entre outras situações). A previsão
é que a primeira casa a ser montada nesses moldes inicie seu funcionamento até o fim do
primeiro semestre de 2005. Buscará atender a uma clientela total de oito moradores e
deverá localizar-se fora da área pertencente à antiga CJM.
A proposta de uma residência terapêutica de cuidados intensivos visa adequar estes
dispositivos às características da clientela que ainda encontra-se internada. Este ponto será
retomado posteriormente, quando da análise das entrevistas feitas com os profissionais da
instituição.
(2) Recursos Humanos
11
Nestas casas residem cinco casais (três deles no Condomínio Lar Feliz e dois em outras residências
também localizadas na área da antiga CJM) e dois clientes morando sozinhos (um deles, fora da área
pertencente à antiga CJM).
48
Quadro 3
Composição da Equipe do CRIS (novembro de 2004)
Número de
Profissão/Cargo
profissionais
Psicólogo
6
Psiquiatra
1
Clínico-geral
1
Nutricionista
1
Assistente social
1
Funcionários administrativos
3
Cuidador (com formação em enfermagem)
6
Cuidador (sem formação específica)
5
Estagiário (serviço social)
1
Fonte: anotações em diário de campo da pesquisa.
Carga horária semanal
30 horas
12 horas
4 horas
30 horas
30 horas
40 horas
Plantão 12h/36h
40 horas
20 horas
O quadro 3 apresenta a composição da equipe do CRIS responsável pela supervisão
das RT e acompanhamento dos clientes que ainda encontram-se em suas instalações.
Observa-se que os psicólogos são os profissionais em maior número (cinco), incluindo-se
entre eles a diretora da unidade. Quanto ao horário de funcionamento, vale ressaltar que o
CRIS conta com toda a equipe técnica das 9h às 19h e apenas com os cuidadores (com
formação em enfermagem), em plantões de 12/36 horas, durante a noite. Lotadas
exclusivamente nas RT encontram-se as cuidadoras sem formação específica, com carga
horária de oito horas diárias a serem distribuídas por duas RT. Apenas uma das casas,
localizada dentro da área territorial da antiga Colônia, conta com uma cuidadora durante
oito horas diárias.
A equipe do CRIS avalia que o número de profissionais hoje lotados na unidade não
é suficiente, o que dificultaria a ampliação do número de beneficiários do programa. No
seminário interno realizado em dezembro de 2004, foi proposta a constituição de uma
equipe de seguimento voltada exclusivamente para o acompanhamento dos clientes no
território, como forma de garantir que a ampliação do programa de RT não seja
acompanhada por uma queda da qualidade da assistência prestada aos usuários. Desta
forma, defende-se que a entrada de novos clientes no programa – quer oriundos dos
núcleos, quer provenientes das clínicas conveniadas – seja acompanhada da contratação de
49
novos profissionais que, aos poucos, irão constituir esta equipe de seguimento. O trabalho
desenvolvido dentro da unidade assistencial – ou seja, os atendimentos psiquiátricos e
psicoterápicos, do serviço social, as oficinas, entre outros deverão, ao menos até que estes
usuários sejam inseridos em outros serviços de saúde mental, continuar sendo de
responsabilidade da equipe já composta.
Os profissionais defendem que o papel central e, muitas vezes, tutelar hoje ocupado
pelo CRIS na rede de relações estabelecida por muitos de seus clientes precisa ser revisto, e
isto principalmente a partir da inclusão de novos e diferentes atores nesta rede. Desta forma
a equipe de seguimento, atuando exclusivamente no território, foi pensada para enfrentar
esta questão de forma mais contundente, ou seja, no lugar da função tutelar, a presença
mediadora da equipe no território teria por objetivo contribuir para a produção de um lugar
social onde o sujeito seja reconhecido não por sua doença ou limitações por esta impostas,
mas sim por sua capacidade de efetuar e sustentar escolhas. Desta forma, num primeiro
momento equipe e usuário explorariam o território de forma a identificar o que este pode
oferecer como campo de possibilidades para o cliente; num segundo momento, respeitados
seus desejos e idiossincrasias, o usuário seria ‘incentivado’ a escolher com quais destas
possibilidades oferecidas pelo território ele gostaria de se relacionar; o terceiro momento
consistiria na construção efetiva deste campo de relações.
As singularidades de cada usuário deverão definir em quais desses momentos estará
localizada a ênfase do trabalho: podemos supor que alguns clientes tenham grande
habilidade para explorar o território mas, no entanto, necessitem do acompanhamento da
equipe no momento da construção da rede de relações ou não se sentem ‘capazes’ de
efetuar escolhas. Desta maneira, o acompanhamento terapêutico deverá ser construído a
partir daquilo que é apresentado por cada sujeito, o que pressupõe uma reavaliação
constante do trabalho, dados os ‘avanços’ e ‘retrocessos’ vividos pelo cliente ao longo deste
processo.
(3) Financiamento
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estabeleceu, em 2000, um convênio com a
Associação de Parentes e Amigos do Complexo Juliano Moreira (APACOJUM)
50
organização sem fins lucrativos, que recebe verba mensal de R$41.000,00 para
pagamento/contratação de recursos humanos, aluguel e manutenção das casas (incluindo
pagamento de contas de água, luz e telefone e gás) e para o fornecimento de uma bolsa, no
valor de R$260,00 para aqueles usuários que ainda não foram beneficiados pelo auxílioreabilitação do Programa de Volta Para Casa ou pela Bolsa-Incentivo à Desospitalização.
Conforme disposto no artigo 2º da Portaria nº106/MS, já apresentada no capítulo II
deste estudo, à medida que as casas vão sendo cadastradas pela SMS, o recurso das AIHs
(Autorização para Internação Hospitalar) deve ser repassado aos tetos orçamentários do
estado ou município responsável pela assistência ao paciente, no caso, o Rio de Janeiro. No
entanto, este processo é longo e algumas RT em funcionamento há pelo menos três anos
ainda não foram cadastradas pela SMS e, conseqüentemente, não aparecem nas estatísticas
oficiais, embora recebam a verba mensal para seu custeio por meio do convênio acima
mencionado. No entanto, são freqüentes os problemas no repasse da verba pela prefeitura,
ocasionado atraso no pagamento dos profissionais e das bolsas dos usuários.
(4) Organização do Programa – estrutura do CRIS, atividades realizadas.
O CRIS funciona como uma unidade vinculada ao complexo do IMASJM. Seus
quartos acomodam de dois a cinco clientes e possuem banheiro para uso exclusivo dos que
ali residem. Como serviço de passagem12, lá encontravam-se até novembro de 2004 cinco
clientes provenientes dos diversos núcleos que compõe o IMAS Juliano Moreira,
encaminhados ao CRIS durante o
ano de 2004; 10 clientes remanescentes dos
encaminhamentos feitos ainda na década de 8013, e outros clientes provenientes de clínicas
conveniadas com SUS. Ainda durante o ano de 2004 foi registrado o óbito de uma paciente
encaminhada ao CRIS pelo HMJM. Residindo fora da estrutura do CRIS, mas sob os
cuidados da equipe deste serviço, encontram-se 53 clientes.
12
Os pacientes que atualmente residem em suas instalações estão aguardando a efetiva saída do espaço
hospitalar, a ser alcançada por meio da implantação de novas RT.
13
Um cliente que hoje encontra-se no CRIS já morou numa RT mas, devido à incapacidade deste dispositivo
oferecer respostas apropriadas às necessidades impostas pelo agravamento de sua condição clínica, o mesmo
foi novamente acolhido na estrutura hospitalar, onde aguarda a montagem da primeira RT de cuidados
intensivos.
51
Várias atividades são desenvolvidas no interior da unidade: atendimento
psiquiátrico e psicológico, grupos ligados à alimentação e à higiene, oficinas de pintura,
mosaico, tapeçaria e fuxico, trabalho protegido (na cantina da unidade, na cantina da sede e
na secretaria) e atendimento clínico de rotina. Todas essas atividades estão voltadas para a
clientela residente no CRIS e para aqueles que já encontram-se nas RT.
Também funciona dentro da unidade uma espécie de “banco” onde os clientes, com
a ajuda da equipe, manejam o dinheiro que recebem das Bolsas “Etapa”, “Incentivo à
Desospitalização” (municipal) ou “De Volta Para Casa” (federal). Participam do banco
apenas os clientes que assim desejem e aqueles que não conseguem sozinhos manejar o
próprio dinheiro. Estes últimos contam com a ajuda do técnico de referência 14 para
estabeleceram a quantia que será sacada semanalmente.
Os cuidados em saúde mental são oferecidos pelo próprio CRIS, diferentemente dos
demais programas de residências terapêuticas existentes no município do Rio de Janeiro.
Nestes, a equipe responsável pelo acompanhamento dos clientes no território não é a
mesma equipe responsável pela oferta de atendimentos psiquiátricos e psicoterápicos,
trabalhos protegidos e oficinas geradoras de renda, atividades estas geralmente realizadas
pelos moradores das RT nos CAPS e demais serviços voltados para a clientela portadora de
transtornos mentais graves. Sobre este último ponto vimos, no tópico referente aos recursos
humanos, que os profissionais envolvidos na assistência consideram que o CRIS muitas
vezes acaba por exercer uma função tutelar em relação a seus clientes e têm proposto
reformulações no desenho da equipe, por meio da constituição da já mencionada equipe de
seguimento.
b) A clientela das RT
Quadro 4
Distribuição da clientela do CRIS por local de moradia
Número de Clientes
31 usuários
15 usuários
Local de moradia
RT
RT
Observações
RT cadastradas pela SMS
RT em processo de
cadastramento pela SMS
14
O técnico de referência é o profissional responsável pela construção, junto ao usuário, de um projeto
terapêutico que leve em conta os desejos, as limitações e as necessidades deste último. Cabe ainda a este
profissional reunir informações suficientes sobre o usuário que acompanha, de forma que possa apresentá-las
aos demais membros da equipe, possibilitando uma discussão conjunta sobre as intervenções a serem
realizadas.
52
1 usuária
RT individual
A cliente recebe bolsa
municipal no valor de dois
salários mínimos e arca
sozinha com as despesas de
aluguel,
manutenção
e
contas da casa.
5 usuários
Imóveis pertencentes ao Residências não cadastradas
IMAS
pela SMS
1 usuária
Imóvel próprio
Reside com o companheiro
em área externa ao IMAS.
22 usuários
CRIS
Clientes aguardando
implantação de novas RT.
Fonte: prontuários dos clientes do CRIS e anotações em diário de campo (novembro de
2004)
O quadro 4 apresenta a distribuição da clientela do CRIS, hoje composta por 75
usuários, por local de residência. Destes, atualmente 53 residem fora do espaço hospitalar.
A população-alvo desta pesquisa é composta por 47 usuários: 31 residentes nas casas
cadastradas, 15 nas casas em processo de cadastramento e um que foi incluído no estudo
por assumir integralmente a manutenção de sua casa (aluguel, montagem e pagamento de
contas) com o dinheiro proveniente da bolsa-incentivo (municipal). Apesar de ainda não ter
sido cadastrada pela SMS, esta última residência é reconhecida publicamente como uma
modalidade residencial inovadora, dado que é a primeira RT com apenas um morador
localizada fora da área da CJM e cuja implantação só foi possível devido ao recurso
proveniente da bolsa municipal. Por estes motivos, foi incluída no estudo e será aqui tratada
como uma RT.
Os usuários que residem em imóveis não cadastrados pertencentes ao IMAS, a
usuária que reside em imóvel próprio junto com seu companheiro e os 22 usuários que
ainda permanecem no CRIS não serão caracterizados nesse estudo.
53
Gráfico 1
Distribuição dos moradores das RT segundo gênero.
Rio de Janeiro, 2004.
21
26
Masculino
Feminino
Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
O gráfico 1 mostra a composição da clientela hoje moradora das RT sob supervisão
do CRIS: dos 47 usuários estudados, 21 ou 45% são mulheres e 26 ou 55% são homens. A
composição de cada RT, no entanto, não obedece a critérios de gênero: algumas casas são
compostas apenas por homens, outras são mistas, e há ainda aquelas onde residem casais ou
mesmo uma só pessoa.
54
Gráfico 2
Distribuição dos moradores das RT
segundo faixa etária. Rio de Janeiro, 2004.
nº de moradores
25
21
20
15
8
10
5
4
3
9
2
0
Menos de 30 anos
de 31 a 40 anos
de 41 a 50 anos
de 51 a 60 anos
de 61 a 70 anos
mais de 70 anos
Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004
O gráfico 2 mostra que a maior parte da população estudada (36 pessoas ou
aproximadamente 76%) tem 60 anos ou menos. Isto mostra que a população atualmente
beneficiada pelas RT é, em sua maioria, mais jovem do que aquela que ainda encontra-se
internada nos diversos núcleos que compõe o IMASJM, cuja média de idade está em torno
dos 67 anos. Uma das hipóteses explicativas para este resultado pode ser a inexistência, até
o momento, de dispositivos residenciais mais complexos que respondam às necessidades de
uma clientela mais idosa ou mais dependente.
55
A média de idade dos que ainda aguardam, nas instalações do CRIS, a efetiva saída
do espaço hospitalar, é de 60 anos, tendo o paciente mais jovem 36 anos e o mais idoso 88
anos. Mesmo que esta clientela não tenha sido alvo direto da nossa investigação, até
novembro de 2004 existiam nas instalações do CRIS 22 pacientes aguardando transferência
para as RT. Importante destacar que destes, nove pacientes lá estão desde a década de 80,
ou seja, há mais de 20 anos. Acreditamos que a opção feita pela montagem de RT de menor
complexidade possa ter dificultado a saída destes pacientes do espaço hospitalar, visto que
as necessidades impostas pelo envelhecimento ou agravamento da condição clínica desta
população não puderam ser atendidas pelo tipo de RT hoje em funcionamento no Programa.
Gráfico 3
Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à procedência
dos encaminhamentos. Rio de Janeiro, 2004.
sem informação
5
instituições privadas conveniadas com o
SUS
1
HMJM e IPP
10
IMAS Juliano Moreira
31
0
5
10
15
20
25
30
35
Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
56
O gráfico 3 mostra a procedência institucional daqueles que hoje estão morando nas
RT. A maior parte (31 pacientes ou 66%) foi encaminhada ao CRIS pelas próprias unidades
assistenciais do IMASJM. Dez usuários ou 20% são provenientes de hospitais psiquiátricos
de emergência, tais como o HMJM e o IPP. Nestes casos, vemos que as RT tornaram-se
dispositivos assistenciais importantes não somente para os sujeitos com longa história de
institucionalização, mas também para aqueles que se encontram em situação de abandono
nas emergências psiquiátricas.
Gráfico 4
Distribuição dos moradores das RT segundo diagnóstico
psiquiátrico principal. Rio de Janeiro, 2004.
outros
2
sem inform ação
1
Oligofrenia
11
Transt. de personalidade/ transt. neuróticos
10
Esquizofrenia
19
Transtorno do Hum or
4
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
57
O gráfico 4 mostra a distribuição dos moradores das RT por diagnóstico psiquiátrico
principal. Alguns pacientes possuem mais de um diagnóstico psiquiátrico, sendo os casos
mais comuns aqueles em que esquizofrenia e oligofrenia estão combinados. É importante
ressaltar que muitos dos pacientes abarcados pelo diagnóstico esquizofrenia não
apresentam, nos dias de hoje, sintomatologia produtiva; são os chamados ‘residuais’ ou
‘crônicos’.
A contribuição deste gráfico é bastante relativa, visto ser extremamente difícil
avaliar se o embotamento afetivo, o hipopragmatismo e o isolamento social observados
nestes sujeitos são conseqüência dos anos de institucionalização ou fazem parte da chamada
sintomatologia negativa, considerada uma evolução esperada da esquizofrenia.
Gráfico 5
Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto ao início da
vida institucional / idade quando da entrada em instituição
asilar. Rio de Janeiro, 2004.
sem inform ação
11
>30 anos
2
25-30 anos
5
14
18-25 anos
9
11-17 anos
6
<10 anos
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
58
O gráfico 5 mostra um fato bastante relevante quando se pretende analisar as
estratégias institucionais voltadas para a (re)inserção social dos egressos de longas
internações psiquiátricas: a idade em que estes sujeitos iniciaram sua vida institucional.
Apresentamos no quadro a seguir dados mais detalhados sobre o grupo formado pelos
pacientes que sofreram a primeira internação psiquiátrica com idade inferior a 18 anos (15
pessoas ou 32%).
59
Quadro 5
Distribuição dos pacientes cuja primeira internação psiquiátrica ocorreu antes dos 18 anos
de idade
Cliente
A
B
C*
D*
E*
F*
G*
H
I
J*
L*
M*
N*
O*
P*
Data da 1ª Idade na 1ª
internação internação
1978
1982
1968
1956
1961
1953
1944
1970
1967
1961
1958
1955
1962
1967
1970
14
16
13
9
13
12
4
15
16
10
10
8
10
12
13
Data de início da
internação ininterrupta
anterior à ida para o CRIS
2002
2001
1968
1963
1965
1963
1967
1970
1967
1967
1965
1963
1969
1967
1979
Instituição de
procedência
HMJM
IPP
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
CJM
* Transferência direta FUNABEM-CJM.
Fonte: prontuário dos clientes do CRIS
Como podemos observar no quadro 5, apenas dois pacientes tinham idade inferior a
18 anos no momento da primeira internação e não permaneceram institucionalizados desde
essa época. Os demais (13 pessoas ou 27,6% do total da população estudada) tiveram uma
única e longa internação, que iniciou antes dos 18 anos e terminou apenas no momento da
saída para a RT. A consulta aos prontuários não nos permitiu estabelecer com precisão a
data em que estes usuários foram para as RT. Verificamos, porém, que destes 13 clientes,
quatro (E, H, I e J) receberam alta em meados da década de 1990 e foram residir nos
chamados Lares Avançados que hoje são cadastrados como SRT, ou seja, permaneceram
60
em média 30 anos internados; os outros nove foram para as RT durante ou após o ano 2000,
portanto estiveram institucionalizados em média por 40 anos.
Acreditamos que a longa institucionalização e a perda tão precoce dos vínculos
sociais/afetivos produziu nestes sujeitos marcas, comportamentos e posicionamentos
subjetivos muito mais difíceis de serem superados. Como cita Milagres (2002, p.23), “ao
romperem fisicamente e simbolicamente com o mundo familiar e social externo, os
internados se inserem num mundo institucional fechado e, conseqüentemente, produzem
respostas a este novo meio; este processo irá produzir no indivíduo uma subjetividade
específica da relação instituição-internado”.
Sobre esta institucionalização tão precoce, Bentes (1999) refere um estudo
epidemiológico, realizado em 1991, cuja população-alvo foram as crianças e adolescentes
internados na Colônia Juliano Moreira. Este estudo apontou para a existência de um
“convênio” entre a CJM e a FUNABEM, ocorrido possivelmente de 1966 à 1976, que
pressupunha uma transferência direta dos abrigados pela segunda instituição ao Pavilhão de
Adolescentes da primeira. Para Lima (1993, apud Bentes, 1999), autor da referida pesquisa,
“esses pacientes não tinham uma justificativa técnica para serem internados em um
hospital de crônicos, [e] sua internação [seria] o resultado de uma política de saúde que,
por seu caráter excludente, segregador e privatizante, transforma abandono, carência e
pobreza em doença mental."
Gráfico 6
Moradores das RT inseridos em atividades no CRIS. Rio de
Janeiro, 2004.
Atendimento Psiquiátrico
36
Oficinas
11
8
inseridos
39
não inseridos
Trabalho protegido
12
Grupos
35
4
Psicoterapia Individual
43
19
Acompanhamento Terapêutico
28
35
0
10
12
20
30
40
50
Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
61
O gráfico 6 apresenta a distribuição da população estudada nas atividades oferecidas
pelo CRIS. Podemos observar que atividades como atendimento psiquiátrico, oficinas,
trabalho protegido, grupos, psicoterapia individual e acompanhamento terapêutico, que
poderiam estar sendo desenvolvidas em outros serviços de base territorial (como os CAPS),
são oferecidas pela mesma equipe responsável pela montagem, manutenção e supervisão
das casas. Segundo observações registradas em diário de campo, em alguns casos os
moradores das RT são atendidos em outros serviços, tais como postos de saúde, sendo as
especialidades ginecologia, clínica médica, dermatologia e oftalmologia as mais
procuradas, porém ainda hoje muitos dos atendimentos clínicos de rotina são feitos nas
próprias instalações do CRIS. Também merece destaque a procura dos clientes por
consultórios privados, sobretudo de odontologia.
Acreditamos que a absorção destes pacientes por outros serviços de saúde mental
poderia contribuir para um melhor funcionamento do programa, que poderia concentrar
suas atividades na supervisão das RT e no acompanhamento dos clientes no território.
Desta maneira a concentração, no CRIS, de atividades assistenciais que vão desde o
acompanhamento clínico mais especializado até os projetos de geração de renda pode
reforçar o que anteriormente denominamos de postura tutelar deste serviço em relação a
seus clientes.
Gráfico 7
Inserção dos moradores das RT no mercado de trabalho. Rio
de Janeiro, 2004.
Trabalho Informal
4
inseridos
43
não inseridos
Trabalho Formal
2
0
45
10
20
30
40
50
Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
O gráfico 7 mostra a inserção dos moradores das RTs no mercado de trabalho. Este
tema, já abordado no capítulo III, pautou as primeiras discussões sobre o destino da
clientela internada e as estratégias para a sua ressocialização.
62
O gráfico mostra que dois usuários estão inseridos no mercado formal de trabalho
(ou seja, possuem seus direitos trabalhistas assegurados) e quatro no mercado informal
(realizando pequenos trabalhos na comunidade, ou biscates). Contudo, o gráfico 6 mostrou
que 12 pessoas estão inseridas em atividades denominadas “trabalho protegido”. Em suma,
18 pessoas ou 38% exercem alguma atividade laborativa, ainda que dentro do CRIS ou em
outros setores do IMASJM.
Os resultados obtidos neste campo reiteram aquilo que havia sido disposto no
capítulo III, ou seja, a saída dos pacientes do IMASJM hoje – em oposição a momentos
anteriores da história institucional - não está pautada pela inserção dos mesmos no mercado
de trabalho formal e nem poderia ser diferente, dado o perfil desta população.
Gráfico 8
Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à existência de
referências familiares. Rio de Janeiro, 2004.
11
19
com referências familiares
sem referências familiares
17
sem informações
* referência familiar: pelo menos 1 contato pessoal estabelecido nos últimos dois anos.
Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
O gráfico 8 mostra a distribuição da clientela das RT quanto à existência de
referências familiares. Um número significativo de pessoas (19 ou 41%) possui referências
familiares, o que não significa, no entanto, que as famílias tenham disponibilidade para
63
receber os ex-internos em suas casas. A ausência de suporte familiar parece intensificar a
dependência institucional, e vice-versa.
Gráfico 9
Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à procedência
do suporte financeiro individual. Rio de Janeiro, 2004.
acúm ulo de 2 fontes
5
benefício INSS
1
APACOJUM
19
Etapa
9
Bolsa federal
7
Bolsa m unicipal
6
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004.
O gráfico 9 relaciona os tipos de suporte financeiro com que contam atualmente os
moradores das RTs. Podemos observar que os 47 usuários estudados possuem algum tipo
de renda, e que a maior parte destes (19 ou 40%) são beneficiários das bolsas fornecidas
pela APACOJUM. Os demais usuários se dividem entre as bolsas federal e municipal, já
descritas no capítulo II, as etapas15, abordadas no capítulo III, benefício do INSS ou
acúmulo de duas fontes de renda (benefício do INSS mais bolsa municipal ou federal).
Segundo informações colhidas em diário de campo, a concentração de pessoas recebendo a
bolsa concedida pela APACOJUM justifica-se pelo fato de que, para ser inserido nas bolsas
15
Atualmente todos os clientes do CRIS estão inseridos na Etapa III, o que corresponde a uma renda
aproximada de um salário mínimo.
64
municipal ou federal, o usuário deve possuir documentação completa, o que não ocorre em
grande parte dos casos. Desta forma, as vias menos burocráticas para garantir o suporte
financeiro são a bolsa da APACOJUM e as etapas. À medida que são resolvidas as
pendências relativas à documentação, os antigos beneficiários das bolsas da APACOJUM e
etapas vão sendo inseridos nos programas municipal ou federal, de modo que o recurso que
a APACOJUM deixa de utilizar nesse fim possa ser gasto em outros itens, como melhorias
nas casas, compra de equipamentos, entre outros.
Acreditamos que a concessão da bolsa-etapa, hoje desvinculada do exercício de
alguma atividade laborativa, justifica-se pela idéia, considerada falsa por Martins (2003), de
que o consumo possa ser uma via pela qual o sujeito alcance sua (re)inserção na sociedade.
Este ponto, como veremos no próximo tópico, também foi ressaltado durante as entrevistas
com os profissionais da instituição.
Como observamos até este ponto, o programa de RT do IMASJM diferencia-se dos
demais programas em funcionamento no RJ pelo número de usuários contemplados e de
RT montadas, média de internação psiquiátrica dos beneficiários e estruturação do trabalho,
visto que o próprio CRIS e sua equipe funcionam como referência de tratamento para os
moradores das RT. Sobre este último ponto, vimos que os profissionais envolvidos na
assistência consideram que o CRIS muitas vezes acaba por exercer uma função tutelar em
relação a seus clientes e têm proposto reformulações no desenho da equipe.
No que se refere à caracterização das RT, vimos que o IMASJM conta com dois
tipos de residências em seu programa: as de cuidados semi-intensivos (cuidador quatro
horas por dia, exceto nos feriados e finais de semana) e as de baixa complexidade (sem
cuidador). Acrescenta-se a isso a proposta de montagem da primeira RT de cuidados
intensivos, voltada para a clientela mais dependente, com cuidador 24 horas por dia. O
financiamento do programa se dá por meio de convênio entre a Prefeitura do RJ e a
APACOJUM, que é responsável por custear o aluguel e manutenção das casas, bolsas para
alguns pacientes e contratação de recursos humanos.
Quanto à caracterização da população-alvo deste estudo, vimos que é composta por
45% de mulheres e 55% de homens, sendo que 76% deles têm idade igual ou inferior a 60
anos, com concentração de 44,6% na faixa etária entre 51 e 60 anos. Observamos ainda que
65
66% da população estudada é composta por ex-internos do próprio IMASJM, 40,4% tem
como diagnóstico principal a esquizofrenia e 27,6% sofreram a primeira internação
psiquiátrica antes dos 18 anos de idade e só receberam alta no momento da ida para a RT,
após período de institucionalização cuja média variou entre 30 e 40 anos. Em relação à
oferta de cuidados a estes usuários, observamos que muitas das atividades que poderiam ser
realizadas em outros serviços de saúde mental são desenvolvidas pelo CRIS devido
principalmente à deficiência da rede em absorver estes pacientes, o que reforça a posição
tutelar do serviço, percebida pelos profissionais e já mencionada anteriormente.
Vimos ainda que a inserção no mercado de trabalho não é condição para a saída dos
pacientes do asilo, conforme outrora defendido pelos profissionais e tratado no capítulo III
pois somente 12,7% dos moradores das RT exercem alguma atividade laborativa formal ou
informal fora do IMASJM. No entanto, observamos que 27,6% dos usuários exercem
dentro do IMASJM atividades denominadas “trabalho protegido”.
Por fim, destacamos que 41% da população estudada, apesar de morar numa RT,
conta com referência familiar, e que 100% destes sujeitos possuem renda própria, sendo a
maioria (40,4%) beneficiária da bolsa concedida pela APACOJUM.
Realizada a caracterização do programa de RT do IMASJM e de sua clientela,
iremos no próximo tópico destacar a visão de três profissionais por nós entrevistadas,
envolvidas na formulação e execução de propostas assistenciais de interesse para o nosso
estudo.
II – A VISÃO DOS PROFISSIONAIS
A partir deste ponto, serão analisados os principais tópicos abordados nas
entrevistas com os profissionais do IMASJM escolhidos para fazerem parte desta pesquisa
devido à familiaridade que têm com o nosso objeto de estudo. As três entrevistadas, que
chamaremos de A, B e C, são psicólogas, não fazem parte de nenhum movimento
organizado dentro da saúde mental e têm entre 28 e 35 anos. Uma delas trabalha no
IMASJM há seis meses e as demais há mais de três anos. Como vimos na metodologia, as
entrevistas foram abertas, mas baseadas em pontos de interesse para o nosso estudo. Assim,
buscávamos conhecer as posições das profissionais quanto a:
66
•
Entendimento do significado da (re)inserção social
Neste ponto observamos que as entrevistadas assumem posições bastante
semelhantes. A entrevistada A afirma que a (re)inserção social é algo que se inicia a
partir das relações que o sujeito estabelece consigo mesmo, com o outro e com o
ambiente, ressaltado que o papel do profissional de saúde mental deve ser o de oferecer a
este sujeito um campo ampliado de possibilidades – o que a mesma chama de “rede” – e
que a partir desta oferta o sujeito possa se posicionar, escolher com quais destas
‘possibilidades’ ele deseja se relacionar. Desta forma, a (re)inserção social dar-se-ia a
partir de uma afirmação do sujeito; ou seja, a partir do momento em que o
profissional deixa de dizer como cada pessoa será inserida e passe a aceitar a forma
particular que cada um encontra para fazê-lo. Também é abordado o fato de a
(re)inserção social ser muitas vezes pensada por duas vias: a do trabalho (como podemos
comprovar ao longo da história institucional) e a do consumo (conforme ressaltado por
Martins, 2003). A profissional acredita que as características atuais da clientela – muito
idosa e muito institucionalizada – fazem com que a avaliação da inserção social pela
via do trabalho torne-se muito frágil, e que neste momento a via do consumo – que se
daria por meio da concessão das bolsas-etapa - seja a mais utilizada. Ressaltamos ainda
neste ponto a avaliação de A no que se refere à necessidade de construção de outros
critérios para avaliar a (re)inserção social dos egressos de longas internações
psiquiátricas quando ela diz que “a maioria das velhinhas, de classe média e baixa, acorda
tarde e dorme depois do almoço de segunda a sexta-feira, mas as nossas velhinhas (as
pacientes), para estarem reinseridas, têm que conhecer todos os vizinhos, falar com o dono
da padaria, ser amigo do jornaleiro (...), ficar saçaricando por aí, fazer mil coisas”. Desta
maneira, A defende que a (re)inserção social não está necessariamente vinculada à
saída do paciente do espaço asilar – “para alguns pacientes, eu vou falar de
(re)inserção social ainda [em relação à] sociabilidade dentro do núcleo” (sic) – ainda
que a desospitalização produza ganhos importantes no que se refere ao
posicionamento do sujeito frente a sua vida.
67
A entrevistada B define (re)inserção social como “trânsito na sociedade e as
relações que estão sendo estabelecidas, constituídas neste trânsito” (sic). Desta maneira,
aproxima sua definição daquela defendida por A, pois também coloca a questão da
(re)inserção social como a possibilidade de construção de relações, não se restringindo
à saída do espaço asilar. B entende que o fato de algumas moradoras dos lares de
acolhimento possuírem esse “trânsito” faz com que estejam, cada qual com as suas
particularidades, inseridas socialmente. A questão do trabalho como uma via importante
para a (re)inserção aparece no discurso desta profissional quando ela diz acreditar ser
importante discutir sobre a ‘responsabilidade social’ e o papel das empresas no que se
refere à inserção – pelo trabalho - dos excluídos socialmente.
A entrevistada C também entende que a (re)inserção social não se restringe à
saída do paciente do espaço asilar, e também a relaciona à construção dos
profissionais, junto aos pacientes, de uma rede de relações frente a qual o os últimos
irão se posicionar, efetuar escolhas. No entanto, apenas esta profissional destaca as
limitações/dificuldades que a psicose pode trazer para o sujeito no momento da
construção dessas relações.
•
Opinião sobre o projeto terapêutico do IMAS, relações entre o projeto atual do CRIS e
os Lares de Acolhimento, qualificado segundo grau de complementaridade, de
oposição, ou de superposição.
Nesta questão, as três entrevistadas concordam que os programas se
sobrepõem ou funcionam de forma paralela. É digno de nota, porém, a insatisfação da
entrevistada B ao afirmar que o investimento institucional atual está no programa
residencial e não nos lares de acolhimento. A idéia de os lares serem pensados como
dispositivos intermediários entre a hospitalização e a efetiva saída do asilo é questionada
pois a profissional entende que isso poderia acarretar uma diferenciação entre o trabalho a
ser realizado nos pavilhões e aquele desenvolvido nos lares ocasionando, em última
instância, uma diminuição do investimento dos profissionais nos pacientes dos pavilhões16.
16
Os chamados núcleos ou pavilhões possuem estrutura física convencional, ou seja, constituem-se como
grandes enfermarias psiquiátricas onde muitos pacientes dividem o mesmo espaço e possuem pouca ou
68
Em outras palavras, B defende que o trabalho seja voltado para as demandas de cada
paciente, possibilitando que mesmo aqueles que encontram-se nos pavilhões, se assim
manifestarem desejo, possam sair do asilo sem que precisem passar, necessariamente, pelos
lares. Uma possível complementaridade entre o programa dos lares e o das RT seria
desenhada caso a caso.
• Condições necessárias e suficientes para que uma pessoa possa sair do asilo, ser
desospitalizada.
As maiores diferenças na visão das profissionais entrevistadas encontram-se neste
aspecto, pois embora em alguns pontos suas visões se aproximem, as discordâncias
referem-se principalmente ao investimento no espaço da CJM, visto como desejável
para as entrevistadas A e B, ainda que uma defenda a construção de estruturas não
hospitalares neste espaço e, a outra, a construção de novos lares de acolhimento nos
moldes dos atualmente em funcionamento.
A entrevistada A acredita que o desmonte da estrutura hospitalar é essencial
para produzir outras posições subjetivas tanto nos pacientes quanto nos profissionais.
A profissional entende que não se trata de uma‘transformação do espaço hospitalar no
sentido da humanização’, mas sim de uma transformação das relações estabelecidas
entre pacientes e comunidade dentro do espaço da Colônia pois, desta maneira, seria
possível investir na construção de estruturas não hospitalares neste mesmo espaço. A
dificuldade maior para a efetivação deste trabalho estaria, segundo a mesma, na visão
dos profissionais: de um lado, um apego à Instituição, que oferece segurança para quem
cuida (e segundo A, também para quem não cuida); e de outro uma dificuldade, imposta
pelo próprio saber da saúde, de apostar que pessoas mais fragilizadas possam viver em
espaços onde sejam oferecidos cuidados, mas que não funcionem sob a lógica asilar ou
possuam estrutura hospitalar. A efetiva saída dos pacientes do espaço asilar para uma
residência terapêutica estaria condicionada, por sua vez, à limitações estruturais do
Programa de RTs da instituição e não às limitações impostas pela condição
nenhuma privacidade. Os lares de acolhimento, ao contrário, abrigam um número menor de pessoas, divididas
em quartos com armários e banheiros para uso exclusivo daqueles que os dividem, e possuem cozinha
equipada e disponível para utilização dos seus moradores, embora a alimentação seja fornecida, tal qual como
ocorre no restante da instituição, por firma terceirizada.
69
clínica/psíquica destes sujeitos. Daí ressalta-se a necessidade de implantação/montagem
de casas, fora da área da antiga CJM, com cuidados intensivos (cuidador 24 horas) para
dar conta de uma clientela que, até o momento, não contava com recursos de moradia
adequados às suas necessidades. Para A, todos os pacientes podem estar fora da estrutura
hospitalar, sendo a sua internação, como a de qualquer outra pessoa, requerida apenas
pontualmente, em caso de agravamento ou agudização de uma condição clínica ou psíquica.
Para a entrevistada B, o discurso que sustenta a saída do asilo para todos os
pacientes está na ordem do que é “politicamente correto” (sic), e não está atento às
particularidades de cada sujeito que se encontra internado. Para ela, grande parte dos
pacientes encontra-se num estágio terminal da vida – o que ela chama de ‘sobrevida’ – e os
recursos financeiros disponíveis, por serem escassos, acabariam sendo investidos naqueles
que teriam mais chances, mais condições de viver fora de um ambiente hospitalar. Desta
maneira, B constrói seu argumento em favor da construção de outros lares de
acolhimento dentro do espaço da antiga CJM. Para ela, é uma questão ética oferecer
melhores condições de vida às pessoas que não conseguirão sair do asilo num curto espaço
de tempo: “vão ficando [no asilo] as pessoas que a gente sabe que não vão ter condições
de sair, e que a gente sabe que vão ter uma sobrevida de 2 ou 3 anos (...) mas essas
pessoas têm direito a viver melhor ...” (sic). Por outro lado, B reconhece que não se deve
estabelecer, a priori, critérios que definam quais pacientes sairão do asilo; como A, B
acredita que a desospitalização poderia se dar por meio de uma relação, um vínculo
bem estabelecido entre o sujeito e um outro - vínculo este que permita ao primeiro
dizer sobre o seu desejo de, por exemplo, morar fora do hospital. Neste sentido, B
aposta que o trabalho a ser feito é com cada um dos pacientes e não a partir de uma
resolução, uma diretriz política que diz que “todos devem sair do asilo”. Ainda que a
‘lógica asilar’ não tenha deixado de existir completamente nos lares de acolhimento, a
entrevistada defende que “uma mudança de cenário tende a produzir mudanças nas
relações que são estabelecidas nesse mesmo cenário”; ou seja, ao comparar as moradoras
dos lares de acolhimento com as que permaneceram nos pavilhões/núcleos, a profissional
nota que entre as últimas é mais comum observar comportamentos que ela chama de
“rudimentares”, típicos do hospital psiquiátrico, tais como guardar objetos debaixo do
70
colchão, manter postura indiferente quando alguém ao lado precisa de ajuda, entre outros
exemplos.
Para a entrevistada C, a saída do espaço asilar é entendida como possível para
todos os pacientes que hoje encontram-se internados na instituição, não havendo
critérios ou perfis pré-estabelecidos para que um paciente possa se inserir numa RT.
Mais uma vez é colocada a importância de os dispositivos residenciais adaptarem-se às
necessidades da clientela e a dificuldade encontrada pelos profissionais de outros núcleos
(profissionais estes responsáveis pelo encaminhamento dos pacientes ao CRIS) de
trabalharem com esta lógica. Tal qual a entrevistada A, C também defende a ênfase na
montagem de uma RT com cuidados intensivos, voltada para uma clientela bastante
diferente da que até hoje vinha sendo beneficiada pelo programa.
Como foi possível verificar até aqui, as profissionais entrevistadas têm
posicionamentos muito semelhantes no que se refere ao significado atribuído à (re)inserção
social. Esta é por todas entendida como a possibilidade de construção, pelo sujeito e com a
ajuda do profissional de saúde mental, de uma rede de relações onde o primeiro possa
efetuar e sustentar escolhas. Ainda que, entendida desta forma, a (re)inserção social não
esteja necessariamente vinculada à saída do paciente do espaço asilar, as entrevistadas
afirmam que o trabalho dentro deste ambiente é mais difícil do que aquele efetuado quando
o sujeito já se encontra desospitalizado.
Quanto à relação existente entre os programas dos Lares de Acolhimento e das RT,
todas as profissionais afirmam não existir complementaridade ou oposição, mas sim
superposição entre os mesmos. A complementaridade, quando existente, é construída em
casos isolados e não é uma regra do funcionamento dos programas.
Todas as entrevistadas afirmam não existirem critérios a serem preenchidos pelo
paciente no que se refere às condições necessárias para que o mesmo possa sair do asilo.
Aqui, ‘saída do asilo’ parece se confundir com ‘saída da Colônia’: esta última é entendida
como a totalidade do espaço habitado por pacientes e não pacientes, como vimos no
capítulo I. Desta forma, duas entrevistadas defendem o investimento na área da CJM: a
primeira, a partir da construção de estruturas não hospitalares para os muitos pacientes que
71
não conseguirão inserir-se nas RT devido às limitações estruturais do Programa
(financeiras, políticas, entre outras); a segunda, a partir da construção de novos lares de
acolhimento, nos moldes dos que atualmente estão em funcionamento. A terceira
entrevistada defende a reestruturação do programa de RT a partir da implantação de
dispositivos adequados às necessidades da clientela mais idosa e debilitada, e não fala a
respeito da construção de novos lares ou de outras estruturas dentro do espaço da CJM.
Visto que neste ponto finalizamos a apresentação dos resultados obtidos a partir da
pesquisa de campo, caracterizando o programa de RT e sua clientela e analisando a visão
dos profissionais entrevistados no que se refere à questões de interesse para o nosso estudo,
passamos em seguida às Considerações Finais, articulando a estes resultados as
contribuições teóricas apresentadas nos capítulos anteriores.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IMAS Juliano Moreira, ainda hoje chamado pela maioria de seus funcionários e
pacientes simplesmente por Colônia teve, ao longo de seus 80 anos de história, diferentes
formas de tratar a questão do destino de seus internos.
Iremos propor, neste ponto, um recorte na história da Colônia em três momentos
que julgamos exemplares para a abordagem do fenômeno em estudo, porém ressaltamos
que muitos dos conceitos, discursos e práticas se atualizam e se apresentam, sob diferentes
“roupagens”, ao longo de toda a história institucional.
Num primeiro momento, à época da fundação da CJM, as principais diretrizes
assistenciais se pautavam nos princípios da higiene e do tratamento moral, e se referiam à
ergoterapia e à assistência hétero-familiar. A doença mental era entendida em termos de
“agudização/remissão” dos sintomas, e apenas no segundo caso a convivência entre os
doentes e os ditos sãos era incentivada, ainda que para possibilitar aos últimos a
transmissão de padrões morais, costumes e regras sociais, de acordo com as premissas
higiênicas então vigentes. O asilo era entendido como o destino final dos doentes mentais e
a assistência hétero-familiar, quando adotada, deveria se dar a partir da vigilância e do
controle dos doentes e do aprendizado das regras sociais.
Num segundo momento, a partir das denúncias de maus tratos aos pacientes, da
constatação de que muitos ali permaneciam por total perda dos vínculos sociais fora do
asilo e também devido à obtenção das chamadas ‘vantagens ilícitas’ no próprio espaço
hospitalar, os destinos da clientela e da própria instituição passaram a ser rediscutidos,
agora sob novas premissas. Entendia-se que aqueles pacientes cuja permanência no asilo
justificava-se pelos motivos anteriormente citados deveriam ser preparados para novamente
poderem viver em sociedade. Esse preparo se daria por meio da recuperação de suas
habilidades laborativas, a partir de um amplo programa de profissionalização posto em
prática pela própria instituição asilar. Ou seja, uma vez recuperada a força de trabalho dos
internos, estes poderiam se beneficiar de moradias fora do espaço asilar, ainda que
primeiramente no bairro Colônia e depois, segundo o próprio desejo do paciente, fora deste.
O asilo – agora humanizado – era pensado como o destino daqueles pacientes cujas
habilidades laborativas não pudessem ser recuperadas.
73
Após aproximadamente 17 anos da implantação desse programa, verificou-se que
poucos pacientes puderam beneficiar-se das diversas atividades voltadas para a
profissionalização. Dentre os que se enquadravam no perfil dos pacientes a serem assistidos
pelo mesmo, um número muito pequeno conseguiu sair efetivamente do espaço hospitalar,
ainda que para residir em casas dentro da área da antiga Colônia. Junto a isso, a inserção no
mercado de trabalho formal – que para os idealizadores do projeto seria a única via que
possibilitaria devolver ao doente seu poder de barganha social - não foi alcançada na
maioria dos casos.
Um terceiro momento é marcado pela reavaliação daquilo que era tomado como o
eixo central do chamado Projeto de Ressocialização da Colônia: a recuperação das
atividades laborativas dos internos da instituição. Se a força de trabalho não poderia ser
recuperada na maioria dos casos, quer pela idade avançada dos pacientes, quer pelo longo
período de institucionalização, que via poderia ser pensada para possibilitar um outro
destino – que não o asilar – para estes sujeitos? Neste momento, influenciadas pelas
diversas experiências inovadoras em todo o país e pelas diretrizes de uma PSM ainda
bastante incipiente, novas estratégias assistenciais começaram a ganhar corpo na
instituição. A implantação do Programa de Residências Terapêuticas se deu neste contexto,
ainda que sua continuidade esteja submetida a uma constante tensão entre as premissas que
fundamentavam o trabalho durante a década de 80 e aquelas defendidas pela atual PSM,
dentre as quais destacamos, dados os objetivos desta pesquisa, a criação dos serviços
substitutivos ao manicômio e a ênfase na (re)inserção social dos egressos de longas
internações psiquiátricas.
Verificamos, por um lado, que os significados atribuídos aos termos
(re)integração, ressocialização, reabilitação e (re)inserção social, utilizados para
fundamentar o trabalho desenvolvido no IMASJM, sofreram modificações importantes e
corresponderam à práticas assistenciais diferenciadas no período estudado. Por outro lado,
observamos que estes mesmos termos foram utilizados de forma indiscriminada por alguns
dos profissionais entrevistados, e ambígua nas diretrizes da PSM vigente. Em relação a esta
última, destacamos primeiramente as normas do MS, que definem que as moradias
assistidas têm como objetivo, entre outros, viabilizar a ampliação da inserção social e a
construção de um projeto de reintegração social dos seus usuários não havendo, no
74
entanto, nenhuma explicação para o que se entende por “ampliação da inserção social”. Em
relação ao projeto de reintegração social, consideram que este deva se dar por meio de
programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos
comunitários, de autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à
formação de associações de usuários, familiares e voluntários. Já na proposta do “De
Volta para Casa”, ao invés de reinserção social, o termo utilizado é ressocialização,,
ressaltando que o auxílio financeiro do qual trata deva ser renovado quando necessário aos
propósitos da reintegração social do paciente, e suspenso quando alcançados os objetivos
de reintegração social e autonomia do paciente. Em nenhum momento, porém, são
definidos quais seriam esses objetivos ou propósitos da reintegração social, e desta maneira
fica difícil avaliar os critérios para a suspensão do benefício.
Retomando a história institucional e tendo como base de nossa argumentação a
revisão bibliográfica sobre a questão da inserção social, tecemos algumas considerações
sobre as estratégias assistenciais produzidas no IMASJM durante as últimas décadas e sua
relação com os significados atribuídos aos termos anteriormente citados. É importante
ressaltar que estes significados são aqueles descritos nos documentos institucionais
utilizados como fonte de dados nesta pesquisa e nas entrevistas realizadas com alguns dos
profissionais. Em nenhum momento pretendemos tomá-los como os únicos existentes;
estamos ressaltando apenas que os mesmos produziram as estratégias assistenciais ditas
oficiais.
Um termo cujo significado sofreu modificações ao longo do período estudado é o
de reabilitação. Na década de 80, este era entendido como a devolução e desenvolvimento
pleno de capacidade laborativa do interno e recomposição de sua força de trabalho, e a
ressocialização era tida como a meta a ser alcançada por meio da reabilitação, ou seja, era
a possibilidade do interno viver fora da instituição, alcançada a partir de sua inserção no
mercado de trabalho formal. É digno de nota que, nos poucos casos em que esta última
ocorreu, os ex-internos foram contratados pelas firmas que prestavam serviços à antiga
CJM. Ainda que fossem tratados como ex-pacientes, de uma forma ou de outra,
permaneciam dependentes da instituição, quer pelo vínculo empregatício, quer porque
moravam em residências custeadas pela mesma (os lares avançados no interior da CJM).
75
No momento atual, a reabilitação é entendida como a construção de projetos/planos,
a partir da relação estabelecida entre o paciente e o meio em que ele vive, não devendo
centrar-se na recuperação de habilidades, mas sim no estímulo ao que há de positivo nas
relações que o paciente já construiu, por um lado, e na superação das dificuldades que ele
apresenta, por outro. Apesar de as diretrizes da PSM vigente afirmarem que o trabalho a ser
realizado com os pacientes com longa história de internação psiquiátrica é o de (re)inserílos na comunidade, os profissionais entrevistados afirmam que o que hoje chamam de
(re)inserção social não está condicionado à saída do paciente do asilo, embora sua
permanência neste espaço imponha limites importantes ao trabalho. Entendem esses
profissionais que a (re)inserção social se refere à possibilidade de construção, pelo sujeito
e com a ajuda do profissional de saúde mental, de uma rede de relações onde o primeiro
possa efetuar e sustentar escolhas.
Desta forma entendemos que, tanto durante as décadas de 1980 e 1990 como no
momento atual, o caráter multifacetado do fenômeno da exclusão, dado por suas dimensões
materiais, políticas, relacionais e subjetivas (Sawaia, 2002), não foi colocado em questão. O
que vemos em ambos os períodos é a escolha de uma dessas dimensões em detrimento das
demais: no primeiro momento a dimensão material, representada pelo trabalho, e no
segundo, a dimensão relacional. Ou seja, no lugar central outrora ocupado pelo trabalho na
discussão travada durante as décadas de 80/90 aparece, no momento atual, a rede de
relações estabelecida pelo sujeito ao longo de sua vida.
Retomando a questão da saída dos pacientes do asilo, ressaltamos três pontos que se
complementam:
1) Se por um lado podemos apontar, no significado atribuído pelos profissionais
entrevistados ao termo (re)inserção social, uma ambigüidade no que se refere à superação
do asilo enquanto lugar de moradia para os pacientes com longa história institucional, por
outro avaliamos que este tipo de argumentação pode contribuir para validar o fato de que
todos os pacientes – inclusive aqueles com poucas chances de sair do espaço asilar num
curto período de tempo, pelas mais variadas razões que não iremos aqui abordar –
merecem projetos terapêuticos adequados às demandas que apresentam. Em outras
palavras, ao desvincular-se a questão da (re)inserção social da efetiva saída dos pacientes
76
do asilo, abre-se espaço para pensar naqueles internos com os quais a rede social
construída, muitas vezes de forma precária, ainda dentro da instituição, é o primeiro ponto a
merecer investimento e cuja ampliação para fora dos muros do asilo dar-se-á apenas em
momento posterior do trabalho.
2) Em relação a essa “sociabilidade interna”, os profissionais do IMASJM são unânimes ao
afirmar que as relações estabelecidas entre a comunidade que lá reside e os (ex)internos e
internos são, em grande parte, marcadas pela exploração, maus tratos, ou como dito por
uma das profissionais entrevistadas, por uma “menos valia” dos últimos em relação à
primeira. Por este motivo, os profissionais do instituto se dividem quanto as opiniões acerca
da possibilidade de construção de novas residências para ex-internos no espaço territorial
do IMASJM: os opositores entendem que, se a comunidade imprime uma lógica asilar em
sua relação com os internos ou ex-internos, continuar morando na Colônia após a alta
hospitalar pode dificultar que os últimos assumam posições subjetivas diferentes daquelas
apresentadas quando institucionalizados, dado que as relações com o contexto serão as
mesmas; os favoráveis afirmam que estas relações precisam ser transformadas, trabalhadas,
e que isto deve se dar a partir de um trabalho desenvolvido ou num espaço restrito da
Colônia, a saber, o clube, ou em toda a sua extensão territorial, sendo que em ambos os
casos outros atores não referidos à área da saúde atuariam como mediadores desta relação e
assim poderiam contribuir para a construção de um lugar menos tutelado para os internos e
ex-internos nesse contexto.
3) Em todo caso, transformar as relações entre comunidade e (ex)internos não deve ser
entendido como sinônimo de transformar a estrutura asilar no sentido da humanização. Se a
humanização do tratamento e a melhoria das instalações é defendida por alguns
profissionais como forma de responder às necessidades de uma população com pouca ou
nenhuma chance de sair do asilo, outros defendem que para esta população devam ser
criados dispositivos adequados as suas necessidades, tais como as residências terapêuticas
com cuidados intensivos, conforme apontado durante a caracterização do Programa de RT.
Entendemos que a transformação da relação comunidade-(ex)internos far-se-á necessária se
a meta for continuar investindo na estrutura da Colônia. Porém, ainda que tenhamos
apontado anteriormente algumas imprecisões conceituais na PSM, é evidente que o que esta
propõe é a superação do asilo – por meio da implantação dos dispositivos substitutivos ao
77
manicômio, como citado no capítulo II -, e não sua transformação/humanização. No
entanto, apesar do disposto nesta lei, não devemos desconsiderar que o tempo necessário
para retirar do IMASJM aproximadamente 700 pacientes não será curto; podemos supor
com isso que o investimento na relação comunidade-pacientes (e ex-pacientes) seja, de todo
modo, importante para aqueles que ainda necessitarão permanecer na instituição enquanto
não existirem condições para o financiamento de número suficiente de residências
adequadas as suas necessidades nos bairros adjacentes à Colônia, conforme entendemos ser
a diretriz do trabalho hoje realizado.
Neste ponto, acreditamos que alguns aspectos referentes à caracterização do
Programa de RT desenvolvido no IMASJM e sua clientela lançaram luz sobre outras
questões referentes à discussão que até aqui desenvolvemos.
Em relação aos tipos de residências terapêuticas em funcionamento, o programa de
RT do IMASJM conta, até este momento, com moradias de menor complexidade, e com
isto excluiu da possibilidade de inserção no programa um grande contingente de pacientes,
mais idosos e mais dependentes. Ressaltamos que a proposta atual de criação de uma
residência voltada para uma clientela mais grave, quer do ponto de vista clínico,
psiquiátrico ou da dependência institucional, possa ser uma resposta para o problema de
que as RT devam se adequar ao perfil dos pacientes e não o oposto. Muitos profissionais
encontravam na ausência de dispositivos residenciais mais complexos uma forma de
fortalecer o argumento de que deveria-se investir na melhoria da estrutura hospitalar onde
os pacientes mais graves encontravam-se internados, já que estes não encontrariam fora do
asilo estruturas adequadas as suas necessidades.
No que se refere à estrutura do CRIS e às atividades neste realizadas, acreditamos
encontrar-se uma questão fundamental no que se refere à discussão sobre a (re)inserção
social. Os moradores das RT fazem grande parte de suas atividades – quer assistenciais,
quer laborativas,– dentro do CRIS. O atendimento psiquiátrico e psicoterápico, as
avaliações clínicas, assim como as orientações prestadas pelo serviço social, bem como as
oficinas de geração de renda, o gerenciamento dos recursos financeiros de grande parte dos
pacientes e a inserção no trabalho protegido são atividades oferecidas pelo CRIS. Por que
estes sujeitos não se beneficiam da inserção em outros serviços assistenciais? Por que o
78
CRIS foi estruturado para dar conta dessas atividades se os demais programas residenciais
do município do Rio de Janeiro têm seus usuários inseridos nas diversas unidades
assistenciais espalhadas pela cidade – tais como os postos de saúde e os CAPS? Podemos
tecer algumas considerações sobre este fato. O Programa de RT do IMASJM é o único que
tem uma unidade assistencial estruturada responsável pela implantação, montagem e
supervisão das RT e de seus moradores. Todos os demais programas contam com equipes
que fazem o acompanhamento terapêutico dos moradores das RT, mas não contam com
uma estrutura, predial inclusive, de assistência. Retomando um pouco da história
institucional, a criação do CRIS em 1982 teve como propósito abrigar, sob condições mais
adequadas de moradia, os pacientes com maior autonomia17 e possibilitar a estes a saída
efetiva de seu espaço, entendido como intermediário entre a internação e a vida fora do
hospital. Ou seja, o CRIS enquanto unidade assistencial é muito anterior ao programa de
RT, e somente após 17 anos de sua criação é que ele foi reestruturado e passou a ser
responsável pela implantação deste último. Ainda que afirmemos que a história
institucional influenciou no desenho da assistência prestada, a questão que colocamos é a
seguinte: à medida que muitas das demandas dos moradores das RTs são respondidas pelo
CRIS, como se dá a tão propagada ampliação da rede social destes sujeitos? Estaria o
CRIS desempenhando um papel de “instituição total18” na vida de seus clientes?19 Se os
profissionais entrevistados são unânimes ao definirem o conceito de (re)inserção social
como a possibilidade do sujeito construir uma rede de relações com o outro e com o
ambiente em que vive, como pensar o papel central hoje ocupado pelo CRIS nesta rede de
relações?
Tendo como pano de fundo as questões até aqui apresentadas, propomos neste
momento retomar a discussão referente aos significados atribuídos aos conceitos de
(re)inserção social , “(re)integração” e “ressocialização” e sua relação com a elaboração de
17
Conforme definido no item “a” do capítulo III.
Entendemos que o modo de funcionamento atual do CRIS no que se refere à assistência prestada aos
moradores das RTs guarda semelhanças com o que Goffman (1974) ressaltou como sendo a característica
central das instituições totais (ver nota de rodapé nº5), principalmente no que se refere à esfera do trabalho e,
de certo modo, também à esfera do lazer.
19
Esta última pergunta foi amplamente debatida no seminário interno da instituição realizado em dezembro de
2004, gerando tensão importante entre o posicionamento da equipe do CRIS e a direção do instituto.
Inicialmente foi proposta a montagem de uma equipe de seguimento que servisse como mediadora das
relações que o sujeito viesse a estabelecer a partir de sua saída do asilo, contribuindo inclusive para que o
papel central ocupado pelo CRIS fosse aos poucos substituído pela participação de novos atores nesta rede de
relações, conforme disposto no item 2 do capítulo IV (ver também anexo nº5).
18
79
estratégias assistenciais voltadas para a população com longa história de internação
psiquiátrica no IMASJM ao longo das três últimas décadas.
Retomando Donzelot (1996, apud Bogado, 2003), consideramos que tanto o Projeto
de Ressocialização desenvolvido na década de 80, que culminou na criação do CRIS e
posteriormente, dos lares de acolhimento, bem como a reformulação do primeiro e
conseqüente implantação do Programa de RT no final da década de 90, podem ser
entendidas como “técnicas de inclusão” dos pacientes com longa história de internação
psiquiátrica no IMASJM: a primeira experiência teria optado por trabalhar naquilo que
Donzelot definiu como (re)integração, pois sua estratégia assistencial estava fundamentada
na adaptação do sujeito às exigências da sociedade a ser alcançada por meio da
recuperação de suas habilidades laborativas, vista como a única forma de garantir a este
sujeito um lugar/valor reconhecido na sociedade; a segunda experiência, por sua vez, ao
enfatizar a importância da construção de projetos individuais que tenham como eixo central
a construção/ampliação da rede social do sujeito e que levem em consideração suas
potencialidades e limitações, aproximaria-se mais da definição proposta por este mesmo
autor para o termo “(re)inserção”.
A combinação do que seria o ponto central de cada estratégia – ou seja, a ênfase no
trabalho, no primeiro caso, e na sociabilidade, no segundo – aproximaria a discussão
daquela desenvolvida por Castel (1991). Este autor propõe um modelo para medir o grau de
coesão/vulnerabilidade social experimentada pelos sujeitos – ressaltando, desta forma, o
caráter dinâmico do fenômeno – que leva em conta tanto a integração/não integração do
sujeito pelo trabalho como a inserção/não inserção em uma sociabilidade. Acreditamos que
seu modelo, exposto no capítulo II, possa ser útil para auxiliar os profissionais na
construção de projetos terapêuticos tanto para os moradores das RT como daqueles que
permanecem internados na instituição, já que entendemos a (re)inserção social como um
processo a ser construído cotidianamente com o paciente e não uma meta a ser alcançada
por meio de etapas pré-estabelecidas pelos profissionais ou até mesmo pelas diretrizes
políticas. Desta maneira, também a saída do asilo e conseqüente entrada na RT não deve ser
entendida como ponto de partida e nem sequer de chegada deste processo, mas sim como
uma etapa fundamental do mesmo, estando o momento de sua ocorrência subordinado às
singularidades de cada sujeito. Sobre este ponto, gostaríamos de acrescentar ainda a
80
importância de se problematizar a denominação “serviço residencial terapêutico”.
Acreditamos que este serviço deve ser entendido como um dispositivo, conforme definido
por Baremblitt (pág.151), ou seja, “uma montagem ou artifício produtor de inovações que
gera acontecimentos”. Em outras palavras, ele não deve ser resolutivo em si mas um
disparador de novas questões para o sujeito. Tenório (2001, p. 120) nos alerta sobre os
riscos de transformar um recurso terapêutico – no caso tratado pelo autor, a internação
psiquiátrica - em destino. Acreditamos que este argumento também pode ser utilizado no
caso das residências terapêuticas.
Defendemos então que, a partir de um estudo mais aprofundado sobre as
características da população residente nos grandes hospitais psiquiátricos, possam ao
modelo proposto por Castel ser acrescidos outros indicadores que levem em conta as
especificidades desta clientela, dentre as quais destacamos os limites impostos pela psicose
principalmente no que se refere à construção e sustentação, pelo sujeito, de um campo de
relações.
Ao analisarmos o que ainda hoje funciona na instituição como herança do projeto de
ressocialização desenvolvido em 1982 – ou seja, os lares de acolhimento – e o programa de
RT, concluímos que entre eles não existe uma relação de continuidade. Conforme disposto
no capítulo III , os lares de acolhimento foram pensados para dar condições de hotelaria
mais adequadas àqueles pacientes com capacidade de cuidar de seus pertences e higiene,
entre ouras habilidades, podendo funcionar como lugar de passagem entre a internação e a
vida na comunidade. O que se observou, contudo, foi que para a maioria de seus
moradores, os lares se constituíram como espaços de moradia definitivos, não sendo
trabalhada com os mesmos a saída da instituição. Sobre as possíveis razões que explicariam
este fato, ressaltamos a fala de uma das entrevistadas que afirma ser esta construção um
trabalho a ser realizado com cada paciente, individualmente, o que segundo ela vai no
caminho oposto do que seria a tradição da instituição, qual fosse, o atendimento em grupo.
De qualquer modo, podemos atribuir à escassez de encaminhamentos de pacientes dos lares
para o programa de RT, refletindo a não complementaridade entre os programas, a
ambigüidade dos profissionais quanto ao desmonte da estrutura manicomial; a descrença
destes mesmos profissionais no que se refere à possibilidade dos pacientes graves residirem
81
em estruturas com cuidados intensivos, porém não hospitalares, entre outras possíveis
razões.
Para finalizar, propomos duas questões: a primeira delas diz respeito ao fato de não
ser nossa proposta avaliar as estratégias assistenciais investigadas neste estudo. Não se
trata, ao nosso ver, de propor que uma experiência tenha sido mais bem sucedida que a
outra pois as mesmas trabalhavam com premissas e objetivos diferenciados e foram
implantadas em contextos bastante diversos. Entendemos que a possibilidade de desmonte
da estrutura do IMASJM por meio da inclusão da totalidade de sua clientela em
dispositivos residenciais terapêuticos, tal como prevê a PSM hoje vigente, traz para a cena
institucional uma tensão constante e difícil de lidar entre aqueles que defendem sua
humanização e, conseqüentemente, sua continuidade, e aqueles que optam por trabalhar no
sentido da sua superação. Podemos destacar, no entanto, um avanço no que se refere à
discussão sobre o trabalho como única via para possibilitar ao sujeito a vida fora da
instituição, já que o mesmo é entendido atualmente como um problema também
compartilhado por outras parcelas da sociedade.
A segunda questão diz respeito aos motivos que nos levaram a utilizar o prefixo
“re” entre parênteses ao longo de toda a discussão empreendida nesta pesquisa. Se levarmos
em conta os efeitos subjetivos produzidos pela institucionalização20, por um lado, e as
constantes transformações experimentadas pela sociedade ao longo dos anos, por outro,
vemos que o uso do termo (re)inserção precisa ser questionado. Visto que o prefixo “re”
indica fazer de novo ou repetir uma ação que já foi realizada, entendemos que o trabalho
não deve ser o de inserir novamente o sujeito na sociedade pois ambos – sujeito e sociedade
– se modificaram. O que deve ser buscado, em lugar disso, é a construção de um novo
20
Poderíamos apontar outros aspectos deste fenômeno a partir da análise mais aprofundada sobre as relações
de saber/poder dentro da instituição em estudo porém, dados os objetivos desta pesquisa, tal análise não foi
empreendida. No entanto, citamos Benelli (2003) quando este articula as contribuições de Goffman e
Foucault ao discorrer sobre os efeitos subjetivos produzidos pela institucionalização: “Goffman analisa as
práticas não-discursivas, o não-dito institucional, mas que é claramente visível (e não oculto) e, portanto,
dizível: ele os articula com grande sutileza. Goffman faz falar os “detalhes” aparentemente insignificantes do
cotidiano institucional: percebemos então o plano microfísico das relações intra-institucionais superando a
pura e simples dimensão organogramática e mergulhando nas diferentes estratégias nas quais o poder se
ramifica, circula, domina e produz saberes, práticas, subjetividade (...) A possibilidade de reduzir a identidade
social de um sujeito a um atributo estigmatizante ou a um único e exclusivo papel, que representa a categoria
social mais baixa dentro de um grupo fechado, é uma estratégia fundamental descoberta por Goffman nas
comunidades fechadas, que ele denomina de instituições totalitárias”.
82
lugar social21 para este sujeito, convidando a sociedade a produzir novas formas de
conviver com a loucura22, já que acreditamos que inseridos nela esses sujeitos sempre
estiveram, ainda que de forma precária ou instável.23 Em outras palavras, a importância
atribuída à convivência entre loucos e ditos sãos já era prevista no momento da fundação da
CJM, por meio do tratamento hétero-familiar, e também nas discussões travadas na década
de 80, que culminaram na criação do CRIS; podemos ressaltar que, em ambas as
experiências, uma espécie de reaprendizado das relações sociais estava na base do trabalho
a ser realizado, quer por meio da família higiênica e a transmissão, a partir da convivência
com os pacientes, de seus hábitos e costumes saudáveis; quer por meio do aprendizado das
relações sociais, a ser alcançado a partir das atividades profissionalizantes ou dos
atendimentos em grupo. A novidade que se quer introduzir nesta discussão, desta maneira,
não se refere à importância atribuída ao convívio entre doentes e os ditos sãos, mas sim a
forma pela qual esta convivência deverá ser construída: não mais pela adaptação do louco à
sociedade, mas sim pelo questionamento da própria sociedade e seus mecanismos de
exclusão de tantos outros diferentes.
21
Sobre este tema, ver Tykanori (1996)
Sobre este tema, cita Lobosque (1997, p.23): “questionar a exclusão não é o mesmo que incluir, pura e
simplesmente. Assim, ‘fazer caber’ o louco na cultura é também ao mesmo tempo convidar a cultura a
conviver com certa falta de cabimento, reinventando ela também os seus limites. Uma sociedade não tem
como desconstruir seus manicômios permanecendo intocada em sua estruturação: pensar, propor, sustentar
formas de contrato social nas quais não seja mortífera a presença da loucura é algo que faz parte de uma
clínica antimanicomial”.
23
Martins, 2001.
22
83
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89
Anexo 1: Portaria nº 106/MS, de 11 de fevereiro de 2000
O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, considerando:
a necessidade da reestruturação do modelo de atenção ao portador de transtornos mentais,
no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS;
a necessidade de garantir uma assistência integral em saúde mental e eficaz para a
reabilitação psicossocial;
a necessidade da humanização do atendimento psiquiátrico no âmbito do SUS, visando à
reintegração social do usuário;
a necessidade da implementação de políticas de melhoria de qualidade da assistência à
saúde mental, objetivando à redução das internações em hospitais psiquiátricos, resolve:
Art. 1º Criar os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental, no âmbito do
Sistema Único de Saúde, para o atendimento ao portador de transtornos mentais.
Parágrafo único. Entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou
casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores
de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência,
que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção
social.
Art.2º Definir que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental constituem uma
modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada, de maneira que,
a cada transferência de paciente do Hospital Especializado para o Serviço de Residência
Terapêutica, deve-se reduzir ou descredenciar do SUS, igual n.º de leitos naquele hospital,
realocando o recurso da AIH correspondente para os tetos orçamentários do estado ou
município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva de
cuidados em saúde mental.
Art. 3º Definir que aos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental cabe :
a) garantir assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência
institucional que não tenham possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não
possuam vínculos familiares e de moradia;
b) atuar como unidade de suporte destinada, prioritariamente, aos portadores de transtornos
mentais submetidos a tratamento psiquiátrico em regime hospitalar prolongado;
c) promover a reinserção desta clientela à vida comunitária.
Art. 4º Estabelecer que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental deverão ter
um Projeto Terapêutico baseado nos seguintes princípios e diretrizes:
a) ser centrado nas necessidades dos usuários, visando à construção progressiva da sua
autonomia nas atividades da vida cotidiana e à ampliação da inserção social;
b) ter como objetivo central contemplar os princípios da reabilitação psicossocial,
oferecendo ao usuário um amplo projeto de reintegração social, por meio de programas de
alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos comunitários, de
90
autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à formação de
associações de usuários, familiares e voluntários.
c) respeitar os direitos do usuário como cidadão e como sujeito em condição de desenvolver
uma vida com qualidade e integrada ao ambiente comunitário.
Art. 5º Estabelecer como normas e critérios para inclusão dos Serviços Residenciais
Terapêuticos em Saúde Mental no SUS.
a) serem exclusivamente de natureza pública;
b) a critério do gestor local, poderão ser de natureza não governamental, sem fins
lucrativos, devendo para isso ter Projetos Terapêuticos específicos, aprovados pela
Coordenação Nacional de Saúde Mental;
c) estarem integrados à rede de serviços do SUS, municipal, estadual ou por meio de
consórcios intermunicipais, cabendo ao gestor local a responsabilidade de oferecer uma
assistência integral a estes usuários, planejando as ações de saúde de forma articulada nos
diversos níveis de complexidade da rede assistencial;
d) estarem sob gestão preferencial do nível local e vinculados, tecnicamente, ao serviço
ambulatorial especializado em saúde mental mais próximo;
e) a critério do Gestor municipal/estadual de saúde os Serviços Residenciais Terapêuticos
poderão funcionar em parcerias com organizações não governamentais ( ONGs) de saúde,
ou de trabalhos sociais ou de pessoas físicas nos moldes das famílias de acolhimento,
sempre supervisionadas por um serviço ambulatorial especializado em saúde mental.
Art. 6º Definir que são características físico-funcionais dos Serviços Residenciais
Terapêuticos em Saúde Mental:
6.1 apresentar estrutura física situada fora dos limites de unidades hospitalares gerais ou
especializadas seguindo critérios estabelecidos pelos gestores municipais e estaduais;
6.2 existência de espaço físico que contemple de maneira mínima:
6.2.1 dimensões específicas compatíveis para abrigar um número de no máximo 08 (oito)
usuários, acomodados na proporção de até 03 (três) por dormitório.
6.2.2 sala de estar com mobiliário adequado para o conforto e a boa comodidade dos
usuários;
6.2.3 dormitórios devidamente equipados com cama e armário;
6.2.4 copa e cozinha para a execução das atividades domésticas com os equipamentos
necessários (geladeira, fogão, filtros, armários, etc.);
6.2.5 garantia de, no mínimo, três refeições diárias, café da manhã, almoço e jantar.
Art. 7º Definir que os serviços ambulatoriais especializados em saúde mental, aos quais os
Serviços Residenciais Terapêuticos estejam vinculados possuam equipe técnica que atuará
na assistência e supervisão das atividades, constituída, no mínimo, pelos seguintes
profissionais:
a) 01 (um) profissional de nível superior da área de saúde com formação, especialidade ou
experiência na área de saúde mental;
b) 02 (dois) profissionais de nível médio com experiência e/ou capacitação específica em
reabilitação psicossocial.
Art.8º Determinar que cabe ao gestor municipal /estadual do SUS identificar os usuários em
condições de serem beneficiados por esta nova modalidade terapêutica, bem como instituir
91
as medidas necessárias ao processo de transferência dos mesmos dos hospitais psiquiátricos
para os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental.
Art. 9º Priorizar, para a implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde
Mental, os municípios onde já existam outros serviços ambulatoriais de saúde mental de
natureza substitutiva aos hospitais psiquiátricos, funcionando em consonância com os
princípios da II Conferência Nacional de Saúde Mental e contemplados dentro de um plano
de saúde mental, devidamente discutido e aprovado nas instâncias de gestão pública.
Art. 10º Estabelecer que para a inclusão dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde
Mental no Cadastro do SUS, deverão ser cumpridas as normas gerais que vigoram para
cadastramento no Sistema Único de Saúde e a apresentação de documentação
comprobatória aprovada pelas Comissões Intergestores Bipartite.
Art.11º Determinar o encaminhamento por parte das Secretarias Estaduais e Municipais, ao
Ministério da Saúde Secretaria de Políticas de Saúde - Área Técnica da Saúde Mental, a
relação dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental cadastrados no estado,
bem como a referência do serviço ambulatorial e a equipe técnica aos quais estejam
vinculados, acompanhado das FCA- Fichas de Cadastro Ambulatorial e a atualização da
FCH- Ficha de Cadastro Hospitalar com a redução do número de leitos psiquiátricos,
conforme Artigo 2º desta portaria.
Art.12º Definir que as Secretarias Estaduais e Secretarias Municipais de Saúde, com apoio
técnico do Ministério da Saúde, deverão estabelecer rotinas de acompanhamento,
supervisão, controle e avaliação para a garantia do funcionamento com qualidade dos
Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental.
Art.13º Determinar que as Secretarias de Assistência à Saúde e a Secretaria Executiva, no
prazo de 30 ( trinta) dias, mediante ato conjunto, regulamentem os procedimentos
assistenciais dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental.
Art. 14º Definir que cabe aos gestores de saúde do SUS emitir normas complementares que
visem a estimular as políticas de intercâmbio e cooperação com outras áreas de governo,
Ministério Público, Organizações Não Governamentais, no sentido de ampliar a oferta de
ações e de serviços voltados para a assistência aos portadores de transtornos mentais, tais
como: desinterdição jurídica e social, bolsa-salário ou outra forma de benefício pecuniário,
inserção no mercado de trabalho.
Art. 15º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
JOSÉ SERRA
92
Anexo 2: Portaria nº 1.220/MS, de 7 de novembro de 2000
O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições legais,
Considerando a necessidade de implementar os programas terapêuticos na modalidade
de residências terapêuticas, destinadas a pacientes psiquiátricos com longa permanência
hospitalar, conforme o disposto na Portaria GM/MS nº 106, de 11 de fevereiro de 2000;
e
Considerando as orientações técnicas definidas na Organização Mundial de Saúde para o
cuidado extra-hospitalar dos pacientes institucionais; e
Considerando a existência de pacientes em internação hospitalar, para os quais o cuidado
psicossocial extra-hospitalar é o tratamento mais adequado; e
Considerando a necessidade de acompanhar e controlar a assistência prestada aos
pacientes nas residências terapêuticas, resolve:
Art. 1º Criar nas Tabelas de Serviços e de Classificação de Serviços do SIA/SUS, o
serviço e a classificação abaixo discriminados:
TABELA DE SERVIÇOS
Código
Descrição
50
Serviço Residencial Terapêutico em saúde mental.
TABELA DE CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇOS
Código
Descrição
128
Unidade com serviço próprio destinado a atendimento diário em
residência terapêutica a pacientes egressos de hospitais psiquiátricos
com a finalidade de reabilitação psicossocial.
Art. 2º Incluir na Tabela de Atividade Profissional do SIA/SUS o código 47 CUIDADOR EM SAÚDE.
Art. 3º As residências terapêuticas em saúde mental deverão estar vinculadas a unidades
com o serviço criado no art. 1º e terem a supervisão do Coordenador Estadual de Saúde
Mental que caberá verificar o cumprimento das normas estabelecidas pela Portaria
GM/MS nº 106, de 11 de fevereiro de 2000.
Art. 4º Incluir na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS o Grupo e Subgrupo de
procedimentos conforme discriminação abaixo:
Grupo 38.000.00-8 - ACOMPANHAMENTO DE PACIENTES.
Subgrupo
38.040.00-0
ACOMPANHAMENTO
DE
PACIENTES
PSIQUIÁTRICOS.
93
Art. 5º Incluir na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS o seguinte procedimento:
38.000.00-8 - Acompanhamento de Pacientes
38.040.00-0 - Acompanhamento de Pacientes Psiquiátricos.
38.041.00-6 - Residência Terapêutica em Saúde Mental
38.041.01-4 - ACOMPANHAMENTO DE PACIENTE EM RESIDÊNCIA
TERAPÊUTICA EM SAÚDE MENTAL - até 31 acompanhamentos/paciente/mês.
Conjunto de atividades de reabilitação psicossocial que tenham como eixo organizador a
moradia, tais como: auto-cuidado, atividades da vida diária, freqüência a atendimento em
serviço ambulatorial, gestão domiciliar, alfabetização, lazer e trabalhos assistidos, na
perspectiva de reintegração social.
Nível de Hierarquia
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
Serviço/Classificação
50/128
Atividade Profissional
01, 02, 39, 47, 57, 59, 62, 77, 90, 91
Tipo de Prestador
01, 03, 04, 05, 07, 11, 13, 14, 15, 17
Tipo de Atendimento
00
Grupo de Atendimento
00
Faixa Etária
00
CID 10
F00, F01, F03, F20, F21, F22, F23, F24, F25, F26, F27,
F28, F29, F31, F32, F44, F60.0, F60.1, F60.3, F71, F72
Motivo de Cobrança
6.3, 6.8, 6.9, 7.1, 8.1, 8.2, 9.2
Valor do Procedimento
R$ 23,00
Parágrafo Único - O procedimento descrito neste artigo deverá ser realizado em
conjunto com a equipe profissional dos Serviços Residenciais Terapêuticos e com os
cuidadores em saúde mental das residências terapêuticas.
Art. 6º Incluir no Sistema de Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta
Complexidade/Custo - APAC/SIA o procedimento definido no artigo 5º.
Art. 7º Regulamentar a utilização de instrumentos e formulários para
operacionalização do procedimento incluído por esta Portaria.
- LAUDO TÉCNICO PARA EMISSÃO DE APAC - documento que justifica perante ao
órgão autorizador a solicitação do procedimento, devendo ser corretamente preenchido pelo
profissional de saúde que acompanha o paciente. O Laudo será preenchido em duas vias,
sendo a 1ª via anexada ao prontuário do paciente juntamente com a APAC I - Formulário e
a 2ª via, arquivada no órgão autorizador (ANEXO I).
- APAC I - FORMULÁRIO - documento destinado a autorizar a realização dos
Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo, devendo ser preenchido em
duas vias pelos autorizadores. A 1ª via deverá ser anexada ao prontuário do paciente; 2ª via
deverá ser arquivada órgão no autorizador (ANEXO II).
- APAC II - MEIO MAGNÉTICO - instrumento destinado ao registro de informações e
cobrança dos Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo.
§1º A confecção e distribuição da APAC I - Formulário é de responsabilidade do
Gestor Estadual em conformidade com Portaria SAS/MS nº 492, de 26 de agosto de 1999.
§2º Os autorizadores deverão ser profissionais médicos não vinculados à rede do
Sistema Único de Saúde - SUS como prestadores de serviços.
94
Art. 8º Estabelecer que permanece a utilização do uso do Cadastro de Pessoa
Física/Cartão de Identificação do Contribuinte - CPF/CIC para identificar o paciente que
necessite realizar o procedimento de Acompanhamento em Residência Terapêutica em
Saúde Mental. Não é obrigatório o seu registro para os pacientes que até a data de início do
acompanhamento não possuam esta documentação, pois os mesmos serão identificados
nominalmente.
Art. 9º Determinar que a validade da APAC I - Formulário, emitida para realização
do procedimento descrito no artigo 5º desta Portaria, será de até 3 (três) competências.
Parágrafo Único - A cobrança deste procedimento é efetuada mensalmente por meio
da APAC II - Meio Magnético na seguinte forma:
APAC II - MEIO MAGNÉTICO - INICIAL - corresponde ao primeiro mês de tratamento
abrangendo o período da data de início de validade autorizada na APAC I - Formulário até
o último dia do mesmo mês.
APAC II - MEIO MAGNÉTICO - CONTINUIDADE - corresponde ao 2º e 3º mês
subseqüentes à APAC II - Meio Magnético inicial.
Art. 10º Estabelecer que a APAC - II Meio Magnético poderá ser encerrada
registrando-se no campo Motivo de Cobrança os códigos abaixo discriminados.
6.3 - Alta por abandono de tratamento;
6.8 - Alta por outras intercorrências;
6.9 - Alta por conclusão do tratamento;
7.1 - Permanece na mesma unidade com mesmo procedimento;
8.1 - Transferência para outra Unidade Prestadora de Serviços;
8.2 - Transferência para internação por intercorrência;
9.2 - Óbito não relacionado à doença.
Art. 11º Definir que para registro de informações serão utilizadas as Tabelas:
Tabela de Nacionalidade - Anexo III;
Tabela de Motivo de Cobrança - Anexo IV.
Art. 12º Estabelecer que as Unidades Prestadoras de Serviços deverão manter
arquivados: a APAC I - Formulário autorizada, Relatório Demonstrativo de APAC II Meio Magnético para fins de consulta da auditoria.
Art. 13º Definir que o Departamento de Informática do SUS - DATASUS/MS,
disponibilizará em seu BBS na área 38SIA o programa da APAC II - Meio Magnético a ser
utilizado pelos prestadores.
Art. 14º Esta Portaria entra em vigor a partir da competência dezembro de 2000.
JOSÉ SERRA
(*) Republicada por ter saído com incorreções do original, publicada no D.O. nº 218-E, de
08 de Novembro de 2000, Seção 1, pág. 16-.
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Anexo 3: LEI N.º 3.400, de 17 de maio de 2002.
Cria a Bolsa de Incentivo para Assistência, Acompanhamento e Integração fora de unidade
hospitalar de paciente portador de transtorno mental com história de longa permanência
institucional em unidade hospitalar psiquiátrica.
Autor: Poder Executivo
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Fica criada a Bolsa de Incentivo - Bolsa-Incentivo, para assistência,
acompanhamento e integração, fora da unidade hospitalar, de paciente portador de
transtorno mental com história de longa permanência institucional.
Art. 2º A Bolsa-Incentivo deverá ser concedida aos pacientes internados por um período
igual ou maior que três anos até a data da publicação da presente Lei, cujo quadro clínico
avaliado por instância revisora do Sistema Único de Saúde - supervisão hospitalar - não
justifique a permanência em ambiente hospitalar com internação mantida em função de
razões predominantemente sociais, embora se trate de pessoa portadora de agravo mental
severo e persistente.
Art. 3º Ficam definidos os seguintes critérios para a concessão da Bolsa-Incentivo para
assistência, acompanhamento e integração fora da unidade hospitalar de paciente portador
de agravo mental com história de longa permanência institucional:
I - que o paciente esteja de acordo com a alta;
II - que haja condições clínicas e de autonomia relativa para tal;
III - que a família ou responsável se incorpore ao Programa de assistência extra-hospitalar
ou que o paciente esteja integrado a um Serviço Residencial Terapêutico habilitado para
este fim.
Art. 4º A Bolsa-Incentivo terá o seguinte valor inicial :
I - dois salários mínimos para pacientes que irão retornar ao convívio com seus familiares
ou família acolhedora;
II - um salário mínimo para pacientes que ingressem em serviços residenciais terapêuticos.
Art. 5º O paciente beneficiado com a Bolsa-Incentivo deverá estar em programa de
cuidados permanentes inscrito para tratamento extra-hospitalar regular em uma das
Unidades da Secretaria Municipal de Saúde que deverá emitir relatórios bimensais acerca
do seu acompanhamento.
Art. 6º Em caso do beneficiário necessitar de internação psiquiátrica por período igual ou
superior a trinta dias, fica suspensa a concessão da bolsa-incentivo por igual período.
Art. 7º Fica definido que, no primeiro ano da implantação da Bolsa-Incentivo, poderão ser
inscritos duzentos pacientes no Programa e, nos quatro anos subseqüentes, duzentos e
cinqüenta por ano, totalizando, ao final de cinco anos, mil e duzentos pacientes.
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Parágrafo único. A cada lote de dez bolsas concedidas, a Secretaria
Municipal de Saúde deverá promover uma redução de dez leitos psiquiátricos em seu
cadastro de informações hospitalares.
Art. 8º Os recursos para custeio do procedimento Internação Domiciliar serão aqueles
remanejados de Autorização de Internação Hospitalar - AIH de hospitais psiquiátricos do
Município ou da Câmara de Compensação de AIH conforme definição da Comissão
Intergestores Bipartite - CIB.
Art. 9º Caberá à Secretaria Municipal de Saúde promover a ampliação dos serviços de
atenção diária para tratamento de pessoas portadoras de agravos mentais severos e
persistentes pelo menos nos primeiros cinco anos de implantação do Programa de
concessão da Bolsa-Incentivo para assistência, acompanhamento e integração fora da
unidade hospitalar de paciente portador de agravo
mental
com história de longa
permanência institucional.
Art. 10. Os gastos percentuais com a assistência psiquiátrica hospitalar no Sistema Único
de Saúde deverão diminuir progressivamente na mesma proporção do percentual que será
investido no Programa de concessão das Bolsas-incentivo.
Art. 11. Fica, ainda, o Poder Executivo autorizado a abrir crédito especial e a instituir o
Programa de Trabalho 1804.13754282.586 - Bolsa de Incentivo para Assistência,
Acompanhamento e Integração de Portador de Transtorno Mental e a Natureza da Despesa
3.2.5.9 - Outras Transferências a Pessoas.
Parágrafo único. Os recursos orçamentários para atender a abertura do
crédito especial de que trata o "caput" deste artigo serão provenientes do cancelamento de
dotações da Secretaria Municipal de Saúde, à conta das Fontes de Recursos indicadas no
art. 8º desta Lei, em conformidade, ainda, com o inciso III do §1º do art. 43 da Lei Federal
n.º 4.320, de 17 de março de 1964, conjugado com o inciso III do art. 112 da Lei n.º 207, de
19 de dezembro de 1980.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
CESAR MAIA
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Anexo 4: LEI Nº 10.708, DE 31 DE JULHO DE 2003
Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais
egressos de internações.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1 o Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência,
acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes acometidos
de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, nos termos desta
Lei.
Parágrafo único. O auxílio é parte integrante de um programa de ressocialização de
pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado "De Volta Para
Casa", sob coordenação do Ministério da Saúde.
Art. 2 o O benefício consistirá em pagamento mensal de auxílio pecuniário, destinado aos
pacientes egressos de internações, segundo critérios definidos por esta Lei.
§ 1 o É fixado o valor do benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), podendo ser
reajustado pelo Poder Executivo de acordo com a disponibilidade orçamentária.
§ 2 o Os valores serão pagos diretamente aos beneficiários, mediante convênio com
instituição financeira oficial, salvo na hipótese de incapacidade de exercer pessoalmente os
atos da vida civil, quando serão pagos ao representante legal do paciente.
§ 3 o O benefício terá a duração de um ano, podendo ser renovado quando necessário aos
propósitos da reintegração social do paciente.
Art. 3 o São requisitos cumulativos para a obtenção do benefício criado por esta Lei que:
I o paciente seja egresso de internação psiquiátrica cuja duração tenha sido,
comprovadamente, por um período igual ou superior a dois anos;
II a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em ambiente
hospitalar, indique tecnicamente a possibilidade de inclusão em programa de reintegração
socia l e a ne cessidade de auxílio financeiro;
III haja expresso consentimento do paciente, ou de seu representante legal, em se submeter
às regras do programa;
IV seja garantida ao beneficiado a atenção continuada em saúde mental, na rede de saúde
local ou regional.
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§ 1 o O tempo de permanência em Serviços Residenciais Terapêuticos será considerado
para a exigência temporal do inciso I deste artigo.
§ 2 o Para fins do inciso I, não poderão ser considerados períodos de internação os de
permanência em orfanatos ou outras instituições para menores, asilos, albergues ou outras
instituições de amparo social, ou internações em hospitais psiquiátricos que não tenham
sido custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS ou órgãos que o antecederam e que hoje
o compõem.
§ 3 o Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser igualmente
beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a decisão judicial.
Art. 4 o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será suspenso:
I quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico;
II quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do paciente.
Art. 5 o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será interrompido, em caso de
óbito, no mês seguinte ao do falecimento do beneficiado.
Art. 6 o Os recursos para implantação do litação psicossocial são os referidos no Plano
Plurianual 2000-2003, sob a rubrica "incentivo-bônus", ação 0591 do Programa Saúde
Mental n o 0018.
§ 1 o A continuidade do programa será assegurada no orçamento do Ministério da Saúde.
§ 2 o O aumento de despesa obrigatória de caráter continuado resultante da criação deste
benefício será compensado dentro do volume de recursos mínimos destinados às ações e
serviços públicos de saúde, conforme disposto no art. 77 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Art. 7 o O controle social e a fiscalização da execução do programa serão realizados pelas
instâncias do SUS.
Art. 8 o O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 9 o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 31 de julho de 2003; 182º da Independência e 115º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Humberto Sérgio Costa Lima
Ricardo José Ribeiro Berzoini
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Anexo 5: Proposta apresentada pela equipe do CRIS no seminário interno realizado em dezembro/2004.
LEGENDA
Desenho atual do CRIS
“Suporte” às
residências
Trabalho protegido
Oficinas terapêuticas
CRIS
Psicoterapia
Acompanhamento
Terapêutico
Acompanhamento
pelo serviço social
Desenho Proposto – Ênfase na inclusão de novos
atores/instituições na atenção
Acompanhamento
familiar
Atendimento
psiquiátrico
Atendimento clínico de
rotina/ encaminhamentos
Administração das
bolsas
Morador da RT
Gerenciamento dos recursos
financeiros
Equipe de seguimento
Rede de saúde mental
Rede de saúde
Lazer
Educação
Fonte: apresentação em PowerPoint, disponibilizada pela equipe do CRIS.
Trabalho
Download

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ