Roberto Amaral:
Tenho a satisfação de, em nome do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos-CEBELA,
agradecer ao dr. Carlos Mariani pelas suas palavras e à FIRJAN pela acolhida que nos
proporciona. Agradeço de forma muito especial aos nossos convidados por haverem aceito este
desafio de estar aqui conosco neste debate, construindo em comum novas reflexões sobre nosso
Continente e nossas responsabilidades na construção de seu futuro. A vocação do CEBELA – para
isso ele foi fundado--, é a integração latino-americana. Sem perder este Norte, todavia, estamos
presentemente voltados para o desafio da América do Sul. Priorizamos os estudos relativos ao
MERCOSUL, nomeadamente as relações e as interrelações entre Argentina, Brasil e Venezuela.
Acredito que o desafio que nos acicata não é mais o de nos perguntarmos ‘Para onde vamos?’.
Mas responder ‘Para onde queremos ir’. Esta é a oportunidade para uma reflexão um pouco
prospectiva. Para além da identificação do atual panorama de nossas relações -- relações que
foram construídas independentemente da nossa vontade e da vontade de nossos povos -- projetar
que relações precisamos construir, não apenas relações econômicas, mas igualmente relaçxões
culturais e políticas. A integração não pode ser apenas aduaneira ou de comércio, para efetivar-se
e consolidar-se haverá de ser um integração de povos. Entendo, essa deve ser a perspectiva a
presidir as políticas de nossos países.
Agradecemos a todos que contribuíram para a realização deste evento e esperamos que, sendo o
primeiro, seja o melhor possível, mas seja acima de tudo o momento inaugural de uma série de
iniciativas, um conjunto de reflexões sobre nosso continente. A todos muito obrigado, e sucesso
para nosso encontro!
Roberto Amaral:
Tentarei dar seqüência às três intervenções anteriores com as quais estou em inteiro acordo, por
isso mesmo sou obrigado a esforço redobrado para não repetir conceitos já enunciados. Meu
ponto partida é a observação do mestre Hélio Jaguaribe, segundo a qual a unipolaridade já é um
fato. Já a multipolaridade é apenas uma hipótese com a qual trabalhamos. Tanto em uma
alternativa quanto em outra, cumpre-nos escolher e definir qual deve ser nosso papel, se aquele
papel de agente, se aquele de coadjuvante, ou -para usar ainda expressão do Jaguaribe- se
nosso papel é de satélite. No nosso caso, no caso do Brasil e a América do Sul, aplica-se velho
chiste, originalmente construído para traduzir o drama do México: tão longe de Deus e tão próximo
dos EUA. Nada poderá ser feito se nossos países pensarem como unidades territoriais, se
pensarem como unidades políticas ou como unidades culturais. Só há uma alternativa para nosso
continente em qualquer das hipóteses da permanência da unipolaridade ou de sua mutação –
quando?-- em uma multipolaridade, e esta alternativa é a construção da comunidade de povos da
América do Sul. Quero dizer que permaneceremos sem horizonte se pensarmos em soluções
individuais, porque, nas condições atuais, resultante da associação do capitalismo monopolista
com a globalização-- não há mais oportunidade para soluções autárquicas, mesmo em se tratando
de países desenvolvidos. Está aí o exemplo da Comunidade Européia, consolidada, não como
fruto da vontade de meia dúzia de pregoeiros, mas porque atende a uma necessidade histórica.
Também a necessidade histórica impõe a associação sub-continental como instrumento de
fortalecimento e sobrevivência. Aos que apostam no gigantismo brasileiro é preciso lembrar que as
condições de recuperação da Rússia e as condições de crescimento da China, e talvez da Índia,
especialíssimas, não são reproduzíveis no Brasil, na Argentina ou na Venezuela. É fundamental
que as relações Brasil-Argentina se fortaleçam e saiam da retórica e que o Brasil tenha um pouco
mais de competência na sua diplomacia com o Sul. Se nossa política internacional, e continental, é
um dos pontos altos do governo do Presidente Lula, temos falhado com relação à Argentina e há
sinais de tropeços nas relações com a Venezuela. Faço essas observações porque é preciso que
nos advirtamos de que não há hipótese de integração continental ou sub-continental se não
ocorrer, antes, a integração Brasil-Argentina que é, aliás, também, o ponto de partida para uma
integração Brasil-Argentina-Venezuela, primeiro passo para a integração da América do Sul.
Quero tratar agora da questão cultural. Até este momento, quando se fala em integração, só nos
estamos referindo a mercado. É, portanto, uma integração das elites econômicas? A integração de
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que precisamos só será possível quando nossos povos estiverem convencidos de sua
necessidade. E esta é uma questão ideológica, contra a qual os grandes países, EUA à frente,
trabalham. Ou conquistamos a consciência da América do Sul, consciência dos nossos povos para
essa integração, ou ela não se realizará. No máximo conseguiremos bons acordos aduaneiros.
Ao contrário do que pensam os economistas de sempre, a imprensa de sempre, os financistas e os
monetaristas de sempre, a América do Sul precisa crescer. Brasil e América do Sul precisam
crescer em ritmo superior ao dos países desenvolvidos, porque, do contrário, o fosso se
aprofundará. É preciso que tenhamos consciência de que, na América do Sul, países como o
Paraguai, por exemplo, precisam, com nossa ajuda, crescer em nível superior ao nosso. E nem
uma coisa nem outra valerá se não enfrentarmos a brutal desigualdade social dentro dos nossos
países. Portanto, teremos que ter também, dentro de nossos países, uma política econômica de
desenvolvimento diferenciado. E não há alternativa para nossos países se não investirmos, de
forma permanente, massiva e sistemática em educação, ciência e tecnologia.
Roberto Amaral:
O que há de comum entre esses modelos mencionados da China e da Índia e em desacordo com
o que talvez pudéssemos chamar de ‘modelo brasileiro’, se é o que o há? Diria que é, entre nós,
falo do Brasil, a inexistência de um projeto nacional. E não existe projeto nacional. Como
exceção, toda a gente menciona projetos episódicos, como o projeto do Estado Novo, o segundo
Plano Vargas, e mesmo, o projeto de modernização autoritária da ditadura militar. Tudo isso pode
ser resumido assim: industrialização como fator de desenvolvimento, urbanização e integração
territorial. Reclamo um projeto de nação como entidade ideológica. Mas, como pensar em projeto
nacional com as elites que temos? Deixo para outra oportunidade a discussão, necessária mas
extemporânea neste momento, sobre o papel deletério de nossas chamadas elites, desde sempre
forâneas, desapartadas do interesse nacional, egoístas e perversas. Volto à minha tese: com as
ressalvas de praxe, reafirmo que a crise brasileira de hoje tem seu cerne na inexistência de um
projeto nacional, de um projeto de nação que unifique a sociedade brasileira, nada obstante suas
desigualdades, em torno de objetivos comuns, o que significa optar por um determinado projeto de
sociedade, um determinado projeto de país, um determinado projeto de desenvolvimento, um
determinado projeto de civilização.
Como enfrentar a desmontagem do Estado brasileiro se nós não temos ainda um projeto de
nação,? E como, na inexistência desse projeto, construir um projeto de América do Sul, projeto que
deveríamos haver construído antes mesmo do MERCOSUL, por enquanto um projeto de mercado,
um projeto aduaneiro? Qual é a nossa concepção de futuro para esta parte do continente, e qual
deve ser nosso papel? A tragédia brasileira de hoje, qual é? É de termos governante e não
soberano? Quem é o nosso Príncipe?
Tornou-se indiferente a alternância de partidos e a alternância de governo, porque a governança é
a mesma, porque o projeto é o mesmo. Eis por que estamos assistindo o governo de mudança
realizar o projeto da continuidade. Onde é que está a raiz disto tudo?
Somos, territorialmente, um arquipélago e um arquipélago pior do que os outros, porque temos
impedimentos físicos de contato. Não se trata apenas da parede andina. Trata-se da inexistência
de vias de transporte, de canais físicos de comunicação, pelos quais possam livremente transitar
nossos povos e nossas culturas, para o que, felizmente, parece estar atento nosso governo.
Por que não conseguimos construir um projeto comum de desenvolvimento científico e
tecnológico? Por que não ter projetos comuns na área de energia? A Venezuela está longe do Sul
do Brasil, mas está muito próxima do Norte brasileiro. A Argentina e o Brasil têm carência de gás,
como o Chile, gás que é abundante na Venezuela e na Bolívia. Qual o nosso projeto comum? Por
que Brasil e Argentina não se associam num esforço científico e tecnológico de exploração dos
recursos da energia nuclear, tendo em vista seus usos na medicina e na produção e conservação
de alimentos, por exemplo?
Facilmente, formou-se um consenso entre nós. Esse consenso nos diz que não há alternativa fora
do desenvolvimento, e que não se faz desenvolvimento sem crescimento econômico. Mas como
promover esse crescimento econômico se o Estado está proibido de investir e se proíbe o
empresariado de investir, mediante a política de juros e a carga tributária escorchante?
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06 de junho de 2006
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Venezuela - FIRJAN