integraÇÃo da aMériCa Latina
Valter Pomar
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Valter pomar
Graduado em História pela Universidade de São Paulo (1996), mestre em História Econômica pela Universidade
de São Paulo (2000) e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (2006). Técnico industrial
em Artes Gráficas, com especialização em Produção Visual Gráfica, formado pelo Senai. Foi secretário municipal
de Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura de Campinas, SP (dezembo de 2001 a dezembro de 2004); terceiro
vice-presidente nacional (1997-2005) e secretário de Relações Inernacionais (2005-2010) do Partido dos Trabalhadores. Membro do conselho editorial da revista Contexto Latinoamericano. Integra o Conselho Curador do Memorial da Anistia Política no Brasil. Atualmente é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e
secretário-executivo do Foro de São Paulo.
INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA
integraÇÃo da aMériCa Latina
A região que hoje conhecemos como América Latina contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo e, mais especificamente, para a riqueza das potências ainda hoje
dominantes: os Estados Unidos e alguns países europeus.
Numa primeira etapa, o saque e a exploração da região cumpriu um papel decisivo
na acumulação de riquezas que precedeu a industrialização capitalista das metrópoles
europeias. Numa segunda etapa, os países da região serviram como fonte de matérias
primas, mercado consumidor de produtos industriais e espaço receptor dos capitais
exportados pelas metrópoles.
Esta relação de exploração se manteve, independente de quem hegemonizava o
pólo metropolitano: Portugal, Espanha, Holanda, França, Inglaterra ou Estados Unidos.
A exploração pelas metrópoles não impediu o desenvolvimento da região, mas gerou
um tipo de desenvolvimento que reproduzia as condições geradoras da exploração,
da dependência externa e da desigualdade.
No limite, as metrópoles aceitavam e até estimulavam o desenvolvimento, desde
que fosse associado, subalterno, dependente, periférico. Tanto a exploração quanto o
desenvolvimento assumiram diferentes formas nacionais, a depender: a) das condições naturais; b) das características das sociedades pré-colombianas e das respectivas metrópoles; c) dos diferentes tipos e níveis de exploração; d) do comportamento
da forças sociais exploradas.
As diferenças nacionais e sub-regionais, inclusive étnicas, culturais e linguísticas
são frequentemente utilizadas para questionar a própria existência de uma América
Latina e Caribenha. Foi assim no início do século XIX e continua assim no início do
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século XXI, como se pode verificar no discurso dos que discordam das políticas de
integração impulsionadas desde 1998 e plasmadas em instituições como a Alba, Unasul, Celac etc.
Não cabe desconhecer, nem minimizar, as diferenças profundas existentes entre
os países da região latino-americana. Até porque estas diferenças decorrem, ao menos
em parte, da ação das metrópoles e de seus aliados na região.
FUtUros possÍVeis
Do que se trata é perceber que, ao longo da história, a região sempre manifestou,
simultaneamente, um potencial de integração; mas também um potencial de desintegração em unidades nacionais autônomas e às vezes enfrentadas entre si, mas igualmente subordinadas a centros metropolitanos. Ambos destinos, portanto, estão
inscritos entre os futuros possíveis da América Latina: ou bem se tornar uma região
integrada a partir de fora, a partir dos interesses das potências centrais; ou bem se
tornar uma região integrada a partir de dentro.
Neste segundo futuro possível se inscreve um leque de alternativas, que vai desde
a integração impulsionada por uma nação da região, em benefício dos interesses de
sua própria classe dominante; até uma integração de corte democrático-popular e, no
limite, socialista. Ao longo dos últimos cinco séculos, prevaleceu a variante dependente,
associada e periférica de integração, combinada com desenvolvimentos nacionais marcados pela desigualdade e por reduzidas liberdades democráticas. Dada as conexões
já indicadas, cada vez que ocorria uma crise nas metrópoles, acentuava-se na região
a disputa sobre a natureza do desenvolvimento nacional, da integração regional e das
relações com o restante do mundo.
Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, o ciclo de revoluções burguesas na Europa criou um contexto favorável às independências latino-americanas. Mas
as repúblicas independentes, assim como a monarquia brasileira, escaparam da hegemonia ibérica em direção à hegemonia britânica. Na primeira metade do século XX,
o conflito interimperialista abriu as portas para a fase de industrialização substitutiva
de exportações, processo este vinculado tanto ao ciclo revolucionário e populista dos
anos 30-50, quanto ao ciclo de golpes e ditaduras iniciado nos anos 60. Mas esta etapa
corresponde, também, ao fim da hegemonia britânica e a consolidação da hegemonia
estado-unidense.
A crise dos anos 70, mais exatamente a atitude dos Estados Unidos para enfrentar
esta crise, desencadeou no mundo e na região um processo regressivo, caracterizado
pela crise da dívida externa; pelo colapso da social-democracia europeia, dos nacio-
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INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA
nalismos africanos, dos desenvolvimentismos latino-americanos e do socialismo de
tipo soviético; e pela ascensão do neoliberalismo. Nas décadas de 1980 e 1990, o neoliberalismo tornou-se hegemônico na América Latina, acentuando a desigualdade, o
conservadorismo político e a dependência tão características do período anterior. Na
América Latina, desde o final dos anos 80, a defesa dos interesses nacionais, populares, democráticos e socialistas entrou numa etapa de defensiva estratégica. Noutras
palavras: tratava-se de defender as conquistas obtidas no período anterior.
Paradoxalmente, a partir da segunda metade dos anos 90, a defensiva das forças
populares coincidiu com um período de grande instabilidade internacional, decorrente
da combinação entre duas variáveis principais: a crise capitalista internacional e o declínio da hegemonia estado-unidense. De um lado temos uma típica crise de acumulação, que se manifesta direta ou indiretamente em todos os terrenos: financeiro,
comercial, cambial, energético, alimentar, ambiental. De outro lado temos uma reacomodação geopolítica, resultante: das dificuldades que os Estados Unidos enfrentam
para manter seu suposto império mundial; do aguçamento das contradições intercapitalistas, crescentes após a derrota do bloco soviético; e do fortalecimento de potências
concorrentes, cujo principal exemplo é a China.
O período de instabilidade causado pela combinação entre declínio da hegemonia
dos EUA e crise capitalista internacional, é marcado por crises, guerras e grandes revoltas sociais. Não é possível saber quanto tempo durará este período de instabilidade.
Isto, bem como o que ocorrerá depois, dependerá da luta política, dentro de cada país,
e da luta entre Estados e blocos regionais. A luta internacional entre Estados e blocos
regionais é, hoje, travada entre dois grandes pólos: de um lado, os Estados Unidos e
seus aliados europeus e japoneses; de outro lado, os países que integram os BRICS
e seus aliados. Diferente do que ocorria antes de 1945, trata-se de uma disputa entre
a antiga periferia e o antigo centro. Diferente do que ocorria antes de 1990, trata-se de
uma disputa nos marcos do capitalismo.
A América Latina é um dos cenários da disputa entre os Estados Unidos e os Brics.
No fundamental, trata-se de saber se a região continuará sendo hegemonizada pelos
EUA; ou constituir-se-á em uma região integrada, com política própria. Apesar de ser
uma disputa nos marcos do capitalismo, há um dado fundamental a ser levado em conta:
na América Latina e Caribe, há forte presença e até mesmo hegemonia política de partidos de esquerda em vários países da região. Assim como está presente uma importante
oposição de esquerda naqueles países onde a direita neoliberal segue controlando o
governo nacional. Os países latino-americanos onde governam forças marcadamente
de direita são: México, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Peru, Chile e Honduras.
No caso de Honduras, o atual governo é beneficiário do golpe de Estado que derrubou o anterior presidente, Manuel Zelaya. No dia 5 de junho, ocorrerá o segundo
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turno das eleições presidenciais no Peru, entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori. Esses
governos de direita buscam consolidar um eixo próprio no continente, em concorrência
com a União das Nações da América do Sul (Unasul) e com a Comunidade de Estados
Latino-americanos e caribenhos (Celac). Guatemala, Belice, Jamaica, Suriname, as
duas outras Guianas, as Antilhas Menores e o Haiti, ainda que não sejam governados
por partidos de esquerda, tampouco estão alinhados com a direita, com o elemento
adicional de que uma das Antilhas (Dominicana) pertence à Aliança Bolivariana para
as Américas (ALBA).
Partidos de esquerda apoiam, participam ou dirigem os governos de Cuba, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, Brasil, Equador, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Argentina
e República Dominicana. Tirante Cuba – cujo governo é resultado de uma luta armada
revolucionária, num processo que, em 1961, assumiu um caráter socialista –, os demais governos resultam de vitórias eleitorais, numa onda iniciada em 1998 com Hugo
Chavez (Venezuela) e que se estendeu até 2009, com Maurício Funes (El Salvador).
Todos estes governos têm em comum três coisas: a) a herança do neoliberalismo, do
desenvolvimentismo conservador e colonial (como o racismo na Bolívia e no Brasil);
b) a oposição radical que um setor da elite faz a qualquer tipo de política redistributiva,
seja de poder, seja de riquezas, seja de acesso a direitos sociais; c) o conflito das
metrópoles contra governos que priorizam as relações entre si e os processos de integração regional.
Ao mesmo tempo, estes governos mantêm importantes diferenças, que vão das
diferenças naturais e geográficas, históricas e sociais, até aquelas produzidas pelas
diferentes linhas políticas, tanto da esquerda que chegou ao governo, quanto da direita
que passou à oposição. Uma das diferenças políticas mais relevantes está relacionada
ao impacto do neoliberalismo sobre a estrutura política nacional. Naqueles países em
que o neoliberalismo foi mais destrutivo, ele solapou inclusive as bases de sustentação
da direita clientelista e dissolveu todo o espectro político, inclusive a esquerda tradicional. Por isto, quando se esgota a hegemonia neoliberal e a oposição vence as eleições, os novos presidentes antineoliberais têm um perfil diferenciado do “político
profissional”; e são apresentados por formações políticas recentes, como o MVR venezuelano, o MAS boliviano, o PAIS equatoriano. Não se trata apenas de uma diferença de perfil partidário ou pessoal: os novos governantes encontram a necessidade
e ao mesmo tempo dispõem dos meios para convocar processos constituintes, radicalizando o processo do ponto de vista retórico, político e institucional.
A radicalidade politica não implica que, nesses países, as condições macro e microeconômicas sejam propícias à construção de um modelo econômico pós-neoliberal. Esta contradição entre as condições subjetivas e objetivas torna estes países
alvo de campanhas de desestabilização e golpes. Que não tiverem sucesso, em
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INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA
parte devido à força interna dos governos antineoliberais; mas também em parte graças ao apoio obtido dos demais governos da região. Neste sentido, pode-se dizer
duas coisas: primeiro, que existem não uma, nem duas, mas várias esquerdas na
América Latina e Caribe; e que o sucesso de cada uma depende, em grande medida,
do apoio e do sucesso das demais. Outra maneira de dizer isto é afirmar o seguinte:
a diversidade foi uma causa do sucesso das esquerdas latino-americanas e caribenhas. Se fosse apenas uma, se seguisse um único modelo, a esquerda latino-americana não teria conseguido vencer as eleições em países tão distintos. Mas, ao
mesmo tempo que adota estratégias nacionais distintas, a esquerda latino-americana
e caribenha necessita de uma estratégia continental comum, que se traduz no processo de integração regional.
Há diferentes processos de integração. Alguns precedem a onda de governos progressistas e de esquerda. É o caso do Mercosul e de outros acordos comerciais subregionais, que em parte respondiam ao propósito da integração, mas em parte eram
vistos como passos para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Outros processos de integração são iniciativa dos governos progressistas e de esquerda: é o
caso da Unasul, da Alba e da Celac. A Alba não é propriamente um projeto de integração, mas sim um enquadramento institucional para a cooperação entre governos ideologicamente afins. Já a Unasul e a Celac são projetos de integração regional, que
buscam envolver as nações latino-americanas e caribenhas, independente da orientação político-ideológica de seus governos.
A influência da esquerda faz com que a América Latina seja palco de dois combates
simultâneos: o primeiro, de natureza geopolítica, a respeito da relação entre a região e
o restante do mundo; o segundo, acerca da natureza político-social do desenvolvimento
dos países da região. Noutras palavras: a influência da esquerda na América Latina e
Caribe tornou possível combinar, de maneira mais efetiva que nunca em nossa história,
soberania nacional e integração regional, desenvolvimento econômico, igualdade social
e democratização política. Para transformar esta possibilidade em realidade, a esquerda
política e social latino-americana e caribenha terá que enfrentar seis desafios fundamentais. O primeiro destes desafios é derrotar o contra-ataque promovido pela direita
latino-americana e seus aliados metropolitanos. Este contra-ataque inclui: a) uma campanha midiática permanente contra a esquerda; b) a tentativa de colocar uma cunha
entre os governos de esquerda na região, dividindo-os entre “moderados” e “radicais”
e jogando-os uns contra os outros; c) a promoção de campanhas de desestabilização
e inclusive golpes, dos quais até agora teve sucesso apenas o de Honduras; d) o lançamento de candidaturas eleitoralmente competitivas, tática que teve êxito no Panamá,
Costa Rica e Chile; d) a pressão militar, através do relançamento da IV Frota e da ampliação do número de bases militares dos EUA e aliados europeus na região.
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Vale dizer que este contra-ataque da direita é favorecido por dois fatores: por um
lado, a eleição de Obama; por outro, a crise internacional. Obama, embora não tenha
alterado a política dos EUA para a região, gerou, quando de sua eleição, enormes expectativas, que dão ao mandatório estado-unidense um capital político de que Bush
não dispunha. A crise internacional causou dificuldades imensas para alguns países
governados pela esquerda, especialmente aqueles fortemente dependentes das exportações, caso de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador. O segundo e o terceiro desafio
da esquerda político-social latino-americana são os seguintes:
a) não perder os governos nacionais conquistados até agora;
b) conquistar novos governos nacionais.
As próximas eleições na região são: Peru, Guatemala, Argentina e Nicarágua. Portanto, três países governados pela centro-esquerda e um país governado pela direita.
Se Ollanta Humala for eleito no próximo 5 de junho, teremos duas novidades importantes:
será a primeira vitória da esquerda em um país governado pela direita, desde El Salvador; terá sido quebrado o eixo de centro-direita, impulsionado por Chile, Peru, Colômbia
e México. Posteriormente, teremos duas eleições fundamentais: Venezuela e México. O
quarto desafio da esquerda político-social é, nos países onde controla o governo nacional, impulsionar mudanças estruturais de natureza democrático-popular. Aqui é preciso
levar em consideração o seguinte: a) em âmbito mundial, a esquerda ainda se encontra
numa etapa de defensiva estratégica; b) eleger governos e realizar revoluções são coisas
distintas; c) é preciso criar as condições para sustentar politicamente as reformas estrutrurais necessárias; d) os governos de centro-esquerda enfrentam a oposição não apenas da direita, mas também uma oposição de esquerda (vide a mobilização em curso,
no mês de abril, na Bolívia); e) parte desta oposição tem uma causa estrutural: nesta
fase, os governos de esquerda são obrigados a estimular o desenvolvimento capitalista,
o que gera conflitos com parte da base popular dos governos de esquerda.
Um bom exemplo disto é a situação brasileira. No Brasil continua a disputa entre
duas grandes alternativas de desenvolvimento: a conservadora e a progressista. A alternativa conservadora é aquela onde o capitalismo se desenvolve sem reformas estruturais, com baixos teores de democracia e mantendo o Brasil alinhado aos Estados
Unidos. A alternativa progressista é aquela em que o desenvolvimento capitalista é
combinado com reformas, democratização e soberania nacional. Ao longo de grande
parte do século XX, a alternativa conservadora foi hegemônica, o que explica a coexistência de crescimento rápido, num ambiente de ditaduras e desigualdade social
crescente. Durante quase todo o século XX, a alternativa progressista, além de minoritária, foi hegemonizada por forças capitalistas, tendo algumas forças socialistas como
aliadas. No final dos anos 80, as forças socialistas, encabeçadas pelo PT, passaram
a dirigir o bloco de forças políticas e sociais defensor da alternativa progressista.
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Por um breve momento, pareceu que passaríamos a ter uma disputa entre duas
grandes alternativas: a capitalista-conservadora e a democrático-popular & socialista.
Mas este momento durou pouco: num ambiente internacional e nacional marcado pela
crise do socialismo e pela ofensiva neoliberal, o Partido dos Trabalhadores e grande
parte da esquerda brasileira rebaixaram seus objetivos programáticos e estratégicos.
Assim, os anos 90 seguiram marcados pela disputa entre a alternativa conservadora
(agora sob hegemonia neoliberal) e a progressista (agora encabeçada pelo PT). O período neoliberal acentuou as tendências mais conservadoras do padrão tradicional do
desenvolvimento brasileiro, a tal ponto que ocorreram cisões no bloco hegemônico,
cisões que foram fundamentais para a eleição de Lula à presidência da República.
Uma vez conquistada a presidência, o grande desafio tático da esquerda brasileira
continuou sendo a superação da herança neoliberal, que continua extremamente influente. E o grande desafio estratégico consistia em, mantendo o governo nacional e
a hegemonia do PT sobre as forças progressistas, fazer da alternativa democráticopopular & socialista um dos pólos da disputa. A vinculação entre o desafio tático e o
desafio estratégico está na realização das chamadas reformas estruturais, que alterem
a concentração de renda, propriedade e poder. Noutras palavras: reforma tributária,
reforma agrária, reforma urbana, reforma do sistema financeiro, reforma política, democratização da comunicação etc. Se um governo de esquerda não realiza estas reformas, ele não possui significado estratégico, por mais que ele tenha contribuído para
melhorar a vida do povo. Mas para realizar estas reformas, um governo de esquerda
precisa de sustentação política, sem o que ele pode ser derrubado, como ocorreu com
o governo de Honduras.
O quinto desafio político-social da esquerda latino-americana é acelerar o processo
de integração regional, fundamental para reduzir a ingerência imperialista. Enfrentar
exitosamente este desafio depende, em primeiro lugar, da força que a esquerda política
e social tenha em cada país; mas depende, também, em grande medida, do que ocorra
no conjunto da região, a começar de alguns países estratégicos, entre eles o Brasil. O
Brasil ocupa um lugar contraditório no processo de integração da América Latina. Por
um lado, ele é o principal protagonista da integração. Por outro lado, corremos o risco,
permanentemente, de o Brasil assumir um papel “subimperialista” em relação a seus
vizinhos. O risco do subimperialismo é decorrente, principalmente, do peso relativo da
economia brasileira em relação aos demais países da região.
Tal risco não é evitado, nem denunciando-o, nem desconhecendo-o. O risco do subimperialismo é evitado na medida em que se construa, no Brasil, apoio para um projeto de integração com duas características fundamentais: a) primeiro, alto grau de
institucionalização; b) segundo, alto grau de investimento brasileiro a fundo perdido na
economia dos países vizinhos, em particular na infraestrutura e nas políticas públicas.
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Sem um alto grau de institucionalização, que inclui a eleição, pelo voto direto, de um
parlamento latino-americano e caribenho, o processo de integração será no máximo
uma vontade da cúpula dos governos e de setores das burocracias estatais, ambas
altamente suscetíveis aos interesses das grandes empresas capitalistas existentes na
região, inclusive as brasileiras, motivadas pelo objetivo do lucro. Sem um imenso investimento em infraestrutura, investimento que deve ser sustentado a fundo perdido
pelos países mais fortes da região (como Brasil, Argentina e Venezuela), a região continuará especializada na exportação de produtos primários, de baixo valor agregado.
Deste ponto de vista, é importante perceber o papel contraditório da abundância
de recursos naturais na América Latina. Pois embora sejam uma riqueza potencial, estimulam uma exploração predatória, de curto prazo e extensiva em mão de obra. O
sexto e último desafio político social da esquerda é tornar hegemônica, na região, uma
cultura popular latino-americana e caribenha. Ainda não existe uma consciência latinoamericanista de massa na região. Apesar de tudo, o american way of life segue hegemônico. E isto possui uma base material, que reside principalmente na hegemonia
privada e no peso do capital metropolitano na indústria cultural e de telecomunicações.
Ao lado disto, existe o déficit teórico das esquerdas latino-americanas, no enfrentamento de três grandes temas: o balanço das experiências populares do século XX
(entre os quais o socialismo e o desenvolvimentismo progressista), a análise do capitalismo do século XXI e o debate sobre as estratégias.
Especificamente sobre as estratégias, é preciso tomar nota de que vivemos, hoje,
em larga escala, aquilo que se tentou fazer nos anos 70, especialmente através da experiência do governo da Unidade Popular no Chile. Como dissemos antes, a atual conjuntura latino-americana e caribenha é distinta de outros momentos da história e muito
mais favorável, tanto ao projeto de integração e desenvolvimento autônomos, quanto
aos projetos democrático-populares e socialistas. Entretanto, os desafios também são
imensos, pois no atual quadro de instabilidade mundial, não se deve descartar nenhum
cenário, nem mesmo o de uma regressão similar ao que vivemos nos anos 80 e 90.
Neste sentido, é preciso todo o esforço para que o processo de integração ora em
curso deixe de ser uma iniciativa principalmente das burocracias estatais, dos governos
e dos partidos; e passe a ser uma iniciativa dos movimentos movimentos sociais, das
centrais sindicais, da intelectualidade progressista e das juventudes.
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