V SEMINÁRIO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - UFRB GT 3 - POLITICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO Integração a partir da cultura: a possibilidade de construção de uma nação latino-americana1 Maria Teresa Franco Ribeiro Profª. Dra. EAUFBA Andreia Nascimento Bomfim Discente IGEO/UFBA Marta Cerqueira Melo Discente IHAC/UFBA Resumo: O processo de integração da América Latina é relativamente recente e tem privilegiado a perspectiva econômica, a lógica do capital financeiro. Mesmo as iniciativas de cooperação e integração cultural são construídas a luz do mesmo projeto hegemônico, a partir de valores mercantis e da “economia criativa”, forma que o capital buscou capturar o conceito e abrir espaços para a valorização econômica. Nossa proposta nesse artigo é trazer o debate sobre a importância da cultura para os diálogos e aproximação entre povos da região. Discutir o conceito de cultura que vá além da visão colonialista, a parti de uma nova epistemologia, que permite transcender a colonialidade e que expresse o encontro de várias perspectivas e concepções do conhecimento e do poder, assim como a valorização da experiência do tempo, das diversas temporalidades, dos fenômenos e identidades dinâmicas de vários territórios. Territórios de saberes, de afetos, das manifestações artísticas da vida cotidiana. Para Celso Furtado, a cultura seria a dimensão qualitativa de tudo que o homem cria, e a essência do homem criador de cultura está na sua criatividade, na sua capacidade de ao mesmo tempo romper com o passado e dele se alimentar. Ou seja, segundo Olgária Matos, a arte nunca é o reflexo da vida social, mas a figura avançada daquilo que a vida social ainda não é capaz de pensar, daquilo que ainda não tem forma no interior das formas hegemônicas de vida. É a partir dessa perspectiva que trazemos a discussão da cultura no processo de integração não hegemônico. Palavras-Chave: América Latina; Integração; Cultura e Desenvolvimento. 1 Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil Introdução Todo dominio está vinculado a todos los demás y nada de lo que sucede en nuestro mundo ha estado alguna vez aislado y puro de alguna influencia externa. Necesitamos hablar de los temas de injusticia y sufrimiento dentro de un contexto que está profundamente situado en la historia, la cultura e la realidad social y económica. Nuestro rol es ampliar al campo de la discusión. (SAID, Edward, 20103:3) O processo de integração da América Latina é relativamente recente e tem privilegiado a perspectiva econômica, a lógica do capital financeiro. Mesmo as iniciativas de cooperação e integração cultural são construídas a luz do mesmo projeto hegemônico, a partir de valores mercantis e da “economia criativa”, forma que o capital buscou capturar o conceito e abrir espaços para a valorização econômica. O próprio termo integração segundo Bourdieu (1986) é disputado por várias correntes de pensamento, e, no fundo, expressa uma disputa por poder, por afirmação de cada ciência social. Nesse trabalho buscaremos compreender o fenômeno da integração em sua perspectiva cultural, política e socioespacial, procurando nos aproximar da complexidade envolvida nesse processo. A partir do entendimento das dinâmicas e dos processos de expansão capitalista, da inserção dos países da periferia compreender o significado da integração para os diversos grupos sociais. Privilegiamos a análise histórica, que nos permite captar as especificidades do subdesenvolvimento, expressas claramente, segundo Milton Santos (2008), na organização da economia, da sociedade e do espaço. Discutiremos, nesse sentido, um conceito de cultura que vá além da visão colonialista, a partir de outras - que existem e se reinventam apesar de séculos de negação, a partir das lutas de resistência - epistemologias que permitam transcender a colonialidade e que expresse o encontro de várias perspectivas e concepções do conhecimento e do poder, assim como a valorização da experiência do tempo, das diversas temporalidades, dos fenômenos e identidades dinâmicas de vários territórios, pois segundo Porto-Gonçalves: A visão unilinear do tempo silencia outras temporalidades que conformam o mundo simultaneamente. Sucessão e simultaneidade, sucessões simultâneas, eis o espaço-tempo. O mundo não tem um relógio único... o que significa abandonar uma visão linear do tempo...e se abrir para as múltiplas temporalidades que conformam os lugares, as regiões, os países, enfim, os territórios que as conformam. (PORTO-GONÇALVES, 2002, p. 38) Territórios de saberes, de afetos, das manifestações artísticas da vida cotidiana. Territórios e histórias de diversos povos originários e sua imensa biodiversidade invisibilizados, negados em prol do interesse maior do “desenvolvimento”. Assim, propomos pensar o sistema-mundo a partir de uma pluralidade epistêmica. Pensar desta forma é pensar de maneira verdadeiramente universal, pois como se vê, parte-se de um diálogo crítico entre realidades pluriversais ao contrário do que dita a espitemologia eurocêntrica. Pois temos que a Filosofia foi um tipo de pensamento que surgiu a partir do questionamento da realidade europeia. Essa ciência durante seu processo de evolução histórica virá a inaugurar um tipo de pensamento dito universal, que servirá como única fonte da Verdade para a produção do conhecimento, da própria ciência, olvidando outros tipos de pensamento existentes em outros lugares. A cerca disso nos fala PortoGonçalves (2002, p. 38): O que se critica aqui não é a ideia de pensamento universal, mas, sim, a ideia de que há Um e somente Um pensamento universal, aquele produzido a partir de uma província específica do mundo, a Europa e, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVIII, aquele conhecimento produzido a partir de uma sub-província específica da Europa, a Europa de fala inglesa, francesa e alemã, enfim, a segunda moderno-colonialidade, que teima em olvidar o conhecimento produzido na primeira moderno-colonialidade, aquela de fala espanhola e portuguesa. Assim, o autor afirma a possibilidade de que conhecimentos que partam de lugares diferentes são passíveis de serem universalizados. Faz-se assim necessário “proporcionar que outros modos de vida ganhem o mundo, mundializando o mundo” (Porto-Gonçalves, 2002:30). Daí podemos extrair a ideia de Sul-Global. Desta forma, acreditamos que pensar uma consciência, uma identidade latino-americana- o que permitirá pensar uma integração lato sensu- deva passar antes pelo próprio questionamento das bases do pensamento pelo qual vem se produzindo conhecimento, ciência, hegemonicamente, inclusive conhecimento sobre a história latino-americana. Entendemos que, só através do reconhecimento de sua própria história, se apropriando do conhecimento produzido tomando a própria América-Latina como lugar de enunciação, ou seja, conhecimento produzido a partir da própria América-Latina, num processo de descolonização do pensamento poderemos pensar em uma verdadeira integração. Através do reconhecimento e diálogo com o pensamento subalterno que vem sendo construído nesses 500 anos, como nos alertam os zapatistas, para usar as palavras de Porto-Gonçalves. É através do reconhecimento de nossa história que compreenderemos a conjuntura da nossa inserção no processo da divisão internacional do trabalho na sociedade capitalista, assim como compreender os limites estruturais dessa inserção e a reprodução dos espaços dependentes da periferia. E para Vladimir Safatle (2015), para que essa luta política seja verdadeira deverá ser baseada em uma mudança nos circuitos hegemônicos de afetos. Uma alteração na circulação desses afetos que ocasionará uma modificação na constituição dos vínculos sociais. Para o professor Boaventura de Sousa Santos (2007), o grande desafio dos movimentos, dos grupos silenciados é dar voz ao silêncio contido em anos de dominação e colonização, de tal forma que essa ação produza autonomia, o reconhecimento do outro e não a reprodução do silenciamento, da privação de humanidade. É nessa perspectiva que o sociólogo aponta a centralidade dos movimentos de resistência frequentemente enraizados em identidades históricas e culturais multisseculares. São movimentos de várias naturezas e com grandes diferenças entre eles, mas com uma particularidade fundamental, que provêm de racionalidades não ocidentais e se constituem como resistência do domínio ocidental. Para Celso Furtado, a cultura seria a dimensão qualitativa de tudo que o homem cria, e a essência do homem criador de cultura está na sua criatividade, na sua capacidade de ao mesmo tempo romper com o passado e dele se alimentar. Para o autor, criatividade é a visão histórica e filosófica do elo entre cultura e desenvolvimento. Mas, essa ligação com o presente se articula com a luta pela democratização, pelo direito de participar na invenção do próprio futuro. Como afirma a filosofa Olgária Matos, a arte nunca é o reflexo da vida social, mas a figura avançada daquilo que a vida social ainda não é capaz de pensar, daquilo que ainda não tem forma no interior das formas hegemônicas de vida.É a partir dessa perspectiva que trazemos a discussão da cultura no processo de integração não hegemônico. A desintegração da América: a constituição do colonialismo En 1492, los nativos descubrieron que eran indios, descubrieron que vivían en América, descubrieron que estaban desnudos, descubrieron que existía el pecado, descubrieron que debían obediencia a un rey y a una reina de otro mundo y a un dios de otro cielo y que ese dios había inventado la culpa y el vestido y había mandado que fuera quemado vivo quien adorara al sol y a la luna y a la tierra y a la lluvia que la moja. (Eduardo Galeano) Começa assim e ali o desmonte daquela mole imensíssima de povos, civilizações e culturas, enquanto formas próprias autônomas de ser, para sobre seus escombros se construírem eles próprios, como o oposto de si mesmos, sob a regência do dominador e estrangeiro e hostil. (RIBEIRO, 2010, p. 95) Conforme aponta Enrique Dussel (1993), o ano de 1492 é um marco de um processo de expropriação, violência e negação do outro, da outra cultura, dos outros costumes, outra civilização. Para o autor, a partir de 1942 a América Latina passa a fazer parte de um momento constitutivo da modernidade. A modernidade nasce, assim, no momento em que a Europa encontra o seu “outro”, confrontando-o, violentando-o, passando a ser o conquistador e colonizador da alteridade constitutiva da própria modernidade. Essa modernidade que aporta o espírito da racionalidade, do progresso, mas que produz também o irracional, a subjugação e o extermínio de vários povos aqui encontrados. O conquistador, ao mesmo tempo em que afirma o seu EU, nega o “outro”, como outro. A América Latina nasce, segundo Enrique Dussel, do encobrimento do outro. Por isso, esta região já vem à existência com um problema ético. As consequências desse problema não se fizeram esperar: em menos de um século de presença ocidental, a população originária foi dizimada e reduzida quase à metade. Isto foi um dos lados da destruição das “Índias Ocidentais”. As colônias do “novo” continente foram constituídas e integradas à lógica de expansão mercantil dos séculos XVI e XVII, como fornecedoras de alimento e matériasprimas aos países europeus, em seus processos de expansão e acumulação. O processo de colonização fragmentou territórios e nações originárias contribuindo para o enfraquecimento da união desses povos para enfrentar os colonizadores. O próprio conceito e denominações “América” parte de um ponto de vista particular dos colonizadores, em detrimento dos conceitos e designações originárias, fazendo com que as outras denominações dadas, pelos habitantes que aqui viviam, para esta região, tais como Tawantisuyu, Anáhuac e Abya-Yala fossem silenciadas (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012). Segundo Celso Furtado, a expressão América Latina, vulgarizada nos Estados Unidos, durante muito tempo foi utilizada apenas com um sentido geográfico, para designar os países situados ao sul do Rio Grande. Surgiram, posteriormente, outras denominações como “Novo Mundo”, que ao conceber o espaço em termos temporais, nega a antiguidade do continente, que aparentemente passa a existir apenas quando o contato com os colonizadores é estabelecido. É a partir dessa história que se constitui a América e é a partir daí que precisamos nos remeter para compreender os esforços de integração. Quando os europeus chegaram e “descobriram” a América, já existia aqui vários povos e civilizações com organizações extremamente complexas, como Incas e Astecas. Segundo Chaves (2006), o regime incaico desenvolveu e institucionalizou um processo orgânico de organização social e solidariedade com o objetivo de consolidar e proteger todas as regiões anexadas, muito além das suas diferenças e dificuldades. Sistema este que também se preocupava com a justiça social. Com a chegada dos colonizadores desintegram-se diversas civilizações, nega suas qualidades, saberes e práticas profundamente avançadas na agricultura, arquitetura, medicina e muitas outras, com base em outra cosmologia. A chegada dos colonizadores marca assim, um processo de desintegração das comunidades existentes e a imposição de práticas e saberes ocidentais. A colonização significou assim uma “expropriação epistêmica”, que condenou os conhecimentos existentes na colônia como sendo o passado da ciência moderna (Castro-Gómes 2015, apud Paredes, 2014). Ressaltamos assim a importância dos conteúdos históricos e culturais para se compreender os processos de integração recentes e outras integrações possíveis, tendo como pano de fundo, e base para a compreensão do domínio colonial, o processo de acumulação capitalista. Entendendo, assim como Vandana Shiva, (...) “que fue la violenta absorción de (sus) recursos y de los mercados lo que creó la riqueza en el Norte - pero simultáneamente - la pobreza en el sur” (2006:8). Como aponta com muita propriedade Francisco de Oliveira (2006), o debate sobre integração não pode deixar de registrar a inexistência no Brasil de culturas do porte e estatura equivalente aos impérios Incas e astecas e à civilização maia, que nos priva de um laço identitário. Essa diferença delineará outra forma de colonização e a formação de um sentimento mais forte entre as colônias espanholas. Os movimentos de integração das colônias espanholas: a busca da Pátria Grande Em finais do século XVIII e XIX, com a chegada do pensamento liberal, proliferará nas colônias o sentimento de independência que será a base da constituição dos estados nacionais. Em 1790, o venezuelano Francisco de Miranda propõe um projeto de integração e o estabelecimento de um governo livre e independente na América Meridional. Desenvolve-se a consciência hispânica que estimulará o processo de integração das colônias contra a Espanha. Mas foi Simon Bolívar quem desenvolveu o plano de integração da América Meridional, para diferenciar da América do Norte. A concretização do pensamento independentista se dá com a fundação da República da Colômbia que se uniu à Venezuela e Granada em 1819. Em 1821 São Domingo, Panamá e Quito solicitara sua inclusão na “grande Colômbia Bolivariana”. Em busca de consolidar o projeto independentista, sem tutela, foi assinado em 1856 o tratado Continental e o tratado de Aliança, que sustentaram as bases de união entre os países meridionais. Para Simón Bolívar, Arturo Andrés Roig, Leopoldo Zea, entre outros, o problema da América Latina é o problema do homem no sentido genérico; ou seja, o problema da alteridade. Segue-se considerando o outro como inferior, como subumano, como não cidadão ou cidadão de segunda categoria... Ainda estamos longe de sair dessa violência epistêmica que segue acometendo muitos países da região e, por conseguinte, freando o desenvolvimento harmonioso do subcontinente americano. Durante o processo de independência das colônias os Estados Unidos e os Ingleses tentaram esvaziar a união bolivariana, mas só nos anos oitenta do século XIX o pan-americanismo, promovido pelos Estados Unidos, coloca fim à experiência integracionista bolivariana. As lutas contra os colonizadores e depois contra Estados Unidos e Inglaterra favorecem a formação de uma consciência coletiva da necessidade de integração para a construção de uma nação independente. (CHAVES, 2006). Os processos de independência das colônias, entretanto, não favoreceu uma aproximação com o Brasil. As colônias acabaram fortalecendo os laços com as antigas metrópoles e/ou se voltaram para os Estados Unidos. O Brasil também, depois de sua independência fortaleceu os laços comerciais com os EUA. Sobre a conjuntura que envolveu a questão das independências e a posterior manutenção e fortalecimento dos laços com as respectivas metrópoles nos fala Porto-Gonçalves (2002, p. 40): Foi preciso outro Jean-Jacques, o Dessalines (1758-1806), para proclamar a independência do Haiti, e assim, expressar a vontade geral dos negros haitianos de promover a dupla emancipação: da metrópole e dos senhores locais que teimavam em manter a colonialidade. A América ainda hoje abriga essa contradição constitutiva [...] Os povos originários, os afro-americanos e mestiços continuaram submetidos à servidão e à escravidão mesmo após a independência. Celso Furtado (2007) cita os efeitos da crise de 1929 como responsável por uma certa mudança nos padrões tradicionais de intercâmbio entre alguns países da América Latina. Nos anos 1990, no contexto da força do projeto neoliberal na região, os países retomaram a discussão do processo de integração sul-americano, com a formação do acordo Mercado Comum do Sul - MERCOSUL, que enfrentará no mesmo período a proposta dos EUA de formação da Aliança dos Estados Americanos- ALCA. Para Sorj e Fauto (2011), em um primeiro momento, o Mercosul era visto pelo Brasil como um sistema de proteção, uma plataforma para respaldar as suas pretensões de Global Player. Para esses autores, as motivações do Brasil eram de natureza econômica e externas à região. Embora o MERCOSUL tenha possibilitado a ampliação das trocas comerciais e progressiva redução das taxas tarifárias entre os países membros quando de sua criação, na verdade não se constituiu em mecanismo de promoção da integração, especialmente no contexto de crise econômica enfrentada pelo Brasil e pela Argentina à época. Segundo Veiga e Rios (2011) o Mercosul não só não favoreceu a integração econômica da região, como reforçou padrão de desenvolvimento dependente e a inserção desses países na divisão internacional. Foi assim, uma integração voltada muito mais pelos interesses externos à região. Mais recentemente, em 2002, houve o relançamento do Mercosul com o intuito de converter o processo de integração em um espaço de unidade entre os povos, impulsionado principalmente pelos governos do Brasil e Uruguai. Nessa mesma ocasião esses governos, juntamente com o Chile, defenderam a criação de um parlamento do Mercosul com o objetivo de ampliar a participação social. A crise internacional, o acirramento do projeto neoliberal e as dificuldades internas de cada país e a necessidade de lidar com as suas contradições, têm dificultado o processo de integração. Frente aos interesses americanos de constituir um projeto de integração das Américas – ALCA, os países da região se uniram contra essa proposta em Cumbre de Mar Plata, em 2005. A partir dessa força criaram em 2006 a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América-ALBA. Cria-se também a União das Nações Sul-americanasUNASUR, com sede no Equador. Essas iniciativas se dão em um contexto de acirramento da competição internacional e fortalecimento do capital financeiro, que dificulta a aproximação econômica da região. Nesse momento avançam na America Latina governos com forte apoio social, que implementaram políticas mais inclusivas. Em 2011, o comércio intrarregional da UNASUL representou apenas 18% do comércio do comércio total da região. Esse valor é não apenas baixo, mas inferior aos 28% alcançado em 1998 (CEREZA, 2013). Esses dados apenas sinalizam a complexidade da integração econômica, tendo em vista as diferentes trajetórias de desenvolvimento de cada país, mesmo que todos tenham um padrão dependente de desenvolvimento. Para o professor Nildo Ouriques (2012), se, por um lado, a constituição do Mercosul foi um movimento de natureza mais defensiva, por outro, foi gradualmente valorizado e combinado com estratégias ofensivas, como a aliança Bolivariana para as Américas (ALBA). A própria expansão dos participantes, buscando a inclusão de Venezuela, Bolívia e Equador sinaliza uma estratégia destinada à completa integração dos países latino-americanos e caribenhos. Ressalta-se, entretanto, que a reação americana foi imediata, como a construção de tratados bilaterais e multilaterais com Colômbia, México, Chile e Peru. Mas, já parece ser um sentimento geral entre os países do “Sul” que o subdesenvolvimento e sua outra face, a dependência, não se superam apenas com políticas nacionais. Recentemente, os EUA na perspectiva de reverter o cenário de crise global construíram alguns acordos- que vinham sendo discutidos secretamente ao longo dos últimos anos-, entre estes ressaltamos o TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento). Um tratado de livre comércio, semelhante a ALCA, onde o principal beneficiário seria o conjunto das transnacionais estadunidenses e algumas europeias. Esse acordo significa uma intensa ofensiva contra os direitos sociais e a democracia. Quebra as defesas que protegem o setor de serviços, e abrem às corporações internacionais a imensa economia do imaterial. Quando forem adotados, os países que os firmarem deverão tratar como se fossem nacionais as empresas prestadoras de serviço com origem em qualquer outra nação signatária do mesmo acordo. Ele requer o fim das proteções nacionais a um leque de atividades que inclui “desde água e alimentação a saúde, educação, pesquisa científica, comunicações, correios, transportes, telecomunicações, comércio eletrônico, vendas no varejo e atacado, serviços financeiros e muito mais – inclusive os ‘serviços ambientais’ relacionados a florestas, sistemas hidrológicos e outras funções dos ecossistemas”. Alguns países da América do Sul, como o Chile, assinaram esse acordo, o que compromete a estratégia regional dos países do sul. Ainda segundo o professor Nildo Ouriques (2012), os efeitos destrutivos da globalização tendem a apontar que só nos resta uma alternativa: integração ou dependência. Para o autor, fora de uma alternativa emancipatória, em que a integração é parte fundamental, só nos resta o papel de exportadores de produtos agrícolas e minerais. Entende-se que a superação da dependência econômica, dentre vários outros fatores, se respaldaria também em um novo processo de integração. Na verdade, a integração inserida no processo de globalização reforça, inevitavelmente, a natureza dependente dos países do Sul. Seguir priorizando a integração física, via construção de infraestrutura para escoar a produção de commodities para exportação só acirra nossa dependência e dificulta a formação de uma estratégia regional ofensiva. Mas qual seria esse novo processo de integração? Que outros sentidos poderiam direcionar a integração dos povos? Outra integração possível: a cultura como espaço civilizatório Segundo a Professora Marilena Chauí (2008), a palavra cultura vem do verbo latino colere, que significa o cultivo, o cuidado. E para as comunidades antigas, o cultivo e cuidado com a terra, com as crianças, com os deuses e o sagrado eram as bases da vida em comunidade. “A cultura era concebida como uma ação que conduz à plena realização das potencialidades de alguma coisa ou de alguém; era fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios.” (Chaui, 2008:55). Esse sentido foi sendo enfraquecido, principalmente pela influência iluminista, associado ao sentido político e ideológico. Daí em diante, passa-se a comparar o grau de progresso de uma cultura a partir do padrão europeu. Assim, todas as organizações sociais que desenvolvessem um sistema de troca, comunicação e poder diferente do europeu eram considerados culturas primitivas, atrasadas. Introduziu-se assim, um juízo de valor entre diferentes formas culturais. Como já abordamos, embora as culturas sejam diferentes, elas não são menores ou maiores do que qualquer outra. São histórias e conhecimentos que traduzem experiências distintas. Nessa perspectiva, as colônias para se desenvolverem deveriam se espelhar nos valores ocidentais ou europeus. A cultura europeia passa a ser a cultura dominante, hegemônica, “lugar a partir do qual se legitima o exercício da exploração econômica, da dominação política e da exclusão social” (Chaui, 2008:59). A pluralidade é um fator constitutivo do sistema-mundo que não pode ser encoberto definitivamente pela cultura hegemônica dada a sua complexa magnitude. Negá-la se parece com “tapar o sol com a peneira”, a pluralidade explode pelas brechas. Assim, os espaços luminosos, nossos espaços, podem ser feitos opacos, mas essa condição não é permanente. Apesar das ações no sentido de silenciar tal pluralidade, resistimos e nos reinventamos na luta. Precisamente em razão da atitude hegemônica, a pluralidade emerge como caminho para pensar o novo, a criatividade, a inventividade, capaz de superar o conservadorismo e as consequências da lógica de acumulação que conduz às exclusões, às desigualdades, às injustiças de toda natureza. A criatividade é compreendida aqui tal como concebida por Celso Furtado como a “[...] faculdade humana de interferir no determinismo causal, enriquecendo com novos elementos um qualquer processo social” (2008, p.217). Para o autor, a civilização industrial, subordinada à lógica da acumulação, se constitui uma ameaça à liberdade e plena fruição humana. Ainda para Furtado, a cultura é a dimensão qualitativa de tudo que cria o homem. A crítica aos valores utilitários se articula à critica da racionalidade hegemônica, hoje direcionada pelos interesses do capital financeiro. Não reduzimos a importância da integração econômica, mas acreditamos que a formação de uma nação passa necessariamente pelo fortalecimento de suas identidades e da valorização de todas as formas de expressão. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos aponta a importância de uma nova base epistemológica que oriente uma sociedade solidária e comprometida com a vida em comunidade. O sociólogo abre o caminho para os diálogos transculturais, __sociologias das ausências e das emergências – que estimula os diálogos entre brancos e índios, ou, simplesmente, entre “os povos conhecidos” e “os povos desconhecidos”. Esta experiência de transculturalidade pode apresentar aspectos importantes que sinalizem mudanças na educação, na saúde e em várias outras áreas, que amplie o leque de saberes e práticas tão fundamentais para superação de problemas graves, como os ambientais. Nesses diálogos, a troca não é apenas entre diferentes saberes, mas também entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de sentido diferentes e,imensuráveis. Veja como a visão indolente da ciência, como fonte única de saber, produziu, por exemplo, a ausência do pensamento indígena, que pode ser fundamental na preservação da natureza. O Sociólogo ressalta os valores do Bien Vivir, dos povos andinos da Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e Argentina que podem favorecer a transformação social. Embora para cada comunidade esse conceito assuma suas especificidades, o Saber vivir significa, grosso modo, estar em harmonia consigo mesmo, estar em plenitude e, portanto, saber relacionar-se ou conviver com todas as formas de existência (MAMANI, 2010). Ainda para o professor Boaventura de Sousa Santos (2007), o grande desafio dos movimentos, dos grupos silenciados é dar voz ao silêncio contido em anos de dominação e colonização, de tal forma que essa ação produza autonomia, o reconhecimento do outro e não a reprodução do silenciamento, da privação de humanidade. É nessa perspectiva que o sociólogo aponta a centralidade dos movimentos de resistência frequentemente enraizados em identidades históricas e culturais multisseculares. São movimentos de várias natureza e muito heterogêneos, mas com uma particularidade fundamental, provem de racionalidades não ocidentais e se constituem como resistência ao domínio ocidental. Um processo de integração passa, necessariamente, também, por novas formas de participação e decisão dos grupos sociais. Boaventura propõe, assim, o pensamento pós-abissal, que significa pensar na perspectiva do outro lado da linha, além da perspectiva eurocêntrica. Um pensamento que se abra a aprender com o sul a partir do sul. Isso significa confrontar a monocultura da ciência moderna, por uma ecologia de saberes. Essa ecologia reconhece a pluralidade de conhecimentos em interação, sem comprometer a sua autonomia. A convivência, as experiências e o aprendizado de um conhecimento podem levar ao esquecimento de outros. Perceber as fronteiras na America Latina como espaços vivos e contínuos do exercício cotidiano da integração pode ser a chave para a construção de uma legitima integração, para Jorge Rojas (2006). A reivindicação de uma racionalidade diferente, isto é, uma cosmovisão diferente, uma maneira diferente de ver o mundo e de viver nele, é assumir-se simplesmente como humano e, por conseguinte, posicionar-se na existência. (Kashindi, 2015). Essa postura conduz a “um ser humano consciente de que a especificidade que o distingue de outros seres cósmicos (consciência, vontade, liberdade...) o torna mais responsável pelo cuidado e não pela destruição ou extinção desses outros que o constituem” (Kashindi, 2015). A luta contra o colonialismo a partir de outras racionalidades é que poderá descolonizar as mentes, “libertar não apenas os seres humanos, mas toda a natureza que está ameaçada pela lógica da exploração capitalista”. (Kashindi, 2015). Essa perspectiva da cultura vai muito além de sua percepção habitual de produção artística, literária, etc., acessível para muito poucos. Como afirma a filósofa Olgária Matos, a arte nunca é o reflexo da vida social, mas a figura avançada daquilo que a vida social ainda não é capaz de pensar, daquilo que ainda não tem forma no interior das formas hegemônicas de vida. Para a filósofa, o processo de apropriação da cultura é também um processo de autoconhecimento, agregador e civilizatório (MATOS, 2010). Conforme aponta, a indústria cultural e a cultura midiática encontramse nos fundamentos da violência contemporânea e nos diversos preconceitos, raciais, étnicos etc. que alimentam a sociedade contemporânea. A racionalidade ocidental chegou aos seus limites e está nos levando á autodestruição, veja o desastre do Rio Doce em Minas (2015), e tantos outras histórias em que os sabres ocidentais se impuseram em termos de eficiência e racionalidade. Fechamos essas reflexões com um texto de Bia Machado: “Os povos indígenas falam outras línguas, imaginam outras literaturas, têm outras matrizes de pensamento, colocam-se na arena pública a partir de outras (e ainda ignoradas) premissas. Os conhecimentos xamanísticos têm mesmo muito a ver com a proliferação de redes do mundo digitalizado, ou seja, com a quebra das verticalizações reguladoras via multiplicação intensiva de conexões e descentramento da figura do autor/criador. Os traços particulares de suas poéticas e demais expressões estéticas compõem um vigoroso panorama intelectual com o qual uma interlocução não é apenas possível, mas desejável. Referências BOURDIEU, P. The forms of capital. In J. Richardson, ed. Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education. New York: Greenwood, 1986; Castro-Gómes 2015, apud Paredes, 2014; CEREZAL, Manuel. Dialéctica de La Integración latinoamerican. In: Alternativas al Capitalismo/colonialismo Del siglo XXI. Quito: Fundação Rosa Luxemburgo. 2013. 101-127; CHAVES, Gérman Rodas. Avances y obstáculos de lós esquemas de integración. In: DELLO BUONO, R. A, (Editor). Diálogo Sudamericano: outra integración es possible. Ecuador: Ediciones La Terra, 2006; CARO, Ariela. 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