0 CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA CURSO DE PSICOLOGIA SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM VIGOREXIA Itaperuna/RJ Dezembro/2012 1 SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM VIGOREXIA Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para obtenção do título de Psicólogo. Orientador: Profa Esp. Ieda Tinoco Boechat. Itaperuna – RJ Dezembro/2012 2 SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM VIGOREXIA Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para obtenção do título de Psicólogo. Orientador: Boechat. Profª Itaperuna 05 de dezembro de 2012. Banca Examinadora: Profa Esp. Ieda Tinoco Boechat (Orientador) UNIFSJ – Itaperuna Profa Esp. Fátima Aguiar Faria Ximenes (Examinador 1) UNIFSJ – Itaperuna Prof. Esp. Carlos Eduardo Corrêa de Oliveira (examinador 2) UNIFSJ – Itaperuna Esp. Ieda Tinoco 3 Vigorexia Shusana Aparecida Berardi Alvim1* Ieda Tinoco Boechat2 Resumo: O conceito de beleza no universo masculino é bastante antigo e remonta aos tempos das civilizações antigas, egípcia, grega e romana, em que além de se dedicarem à prática de exercícios, os homens preocupavam-se com a cultura e a politização. Historicamente, esses conceitos passaram por diversas mudanças. Na Idade Média, o belo incluía atributos espirituais. Já na Idade Moderna, consolidou-se na transitoriedade e no consumismo. Na Idade Contemporânea, o universo masculino foi marcado por dois conceitos de beleza: o metrossexual, que compreendia uma preocupação maior com a beleza, chegando o homem a realizar depilações, fazer uso de cremes e maquiagem e o überssexual que valoriza mais os caracteres masculinos e utiliza menos artifícios de embelezamento. A vigorexia corresponde a uma percepção distorcida da imagem corporal, em que a pessoa se acha mais magra ou fraca do que realmente é, levando-a a praticar exercícios de maneira abusiva e a utilizar anabolizantes esteroides. A patologia estudada entre os transtornos alimentares traz sérias consequências psicológicas, físicas, sociais e ocupacionais. Atualmente, não existe um tratamento específico para o Transtorno Dismórfico Muscular, sendo indicada a combinação de métodos utilizados para o tratamento do Transtorno Dismórfico Corporal e transtornos alimentares. Palavras-chave: Vigorexia. Anabolizantes. Exercícios. Beleza. Introdução A vigorexia é conhecida clinicamente como transtorno dismórfico muscular. O indivíduo que apresenta esse transtorno em geral demonstra um vício exagerado pela prática de exercícios físicos, principalmente a musculação, excedendo a capacidade de o corpo recuperar-se do esforço no qual é submetido. O público masculino é atingido em maior escala por esse transtorno que comumente encontrase associado a distorções psicológicas a respeito da autoimagem, transformando-se em um quadro patológico. Inicialmente a vigorexia foi diagnosticada como uma espécie de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Contudo, posteriormente, observaram-se especificidades desta patologia que levaram a uma classificação especifica como Transtorno Dismórfico Muscular, que popularmente ficou conhecido com Síndrome de Adônis e 1 * Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna – RJ. Psicóloga, Terapeuta de Família, Psicopedagoga, Professora do Curso de Psicologia do UNIFSJ, Professor-orientador do CEJA-Itaperuna. 2 4 Vigorexia, nomenclatura esta amplamente utilizada e difundida pelo pesquisador americano Harrison Granham Pope Junior. É crescente o número de vigoréxicos e não é incomum o uso de anabolizantes esteroides por essas pessoas, devido a sua busca incansável por um corpo perfeitamente esculpido, em que todos os músculos sejam trabalhados e desenvolvidos através de exaustivas séries de exercícios de resistência, a fim de atingirem a autoimagem idealizada. Eis a justificativa desse estudo. A presente pesquisa busca, conceituar vigorexia e compreender como essa patologia se desenvolve na pessoa, quais prejuízos é capaz de trazer à saúde do indivíduo, sobretudo, quando associada à utilização de anabolizantes e quais as possíveis formas de tratamento utilizadas atualmente. A pesquisa se apoia em revisão literária a evolução do conceito de beleza masculina e ao longo da história e o surgimento da vigorexia, que tem sido estudada entre os transtornos alimentares, por outros autores como: Ana Beatriz, Sheila Assunção e Cristiane Martins. 1 Breve histórico sobre as representações do belo masculino Ao abordar a história e os conceitos de beleza masculina, tem-se a Vigorexia como centro da pesquisa. Segundo Andreola (2000, p. 01), a vigorexia surgiu na literatura científica no ano de 1993, descrita pelo psiquiatra americano Harrisom Pope, que a tratou inicialmente como Anorexia Reversa e, posteriormente, como complexo de Adônis, devido a sua similaridade com a história do herói grego. Para uma melhor compreensão do surgimento da vigorexia, importa abordar a temática do surgimento do conceito social de beleza entre os homens e sua evolução ao longo da história da humanidade. Segundo Silva (2005, p.33), os relatos mais antigos encontrados referentes à preocupação com a aparência física remontam às antigas civilizações egípcia, grega e romana. De fato, a batalha por um corpo bonito e saudável é bem antiga. Contudo, de acordo com Fernandes Filho (2010), na Grécia Antiga a beleza do corpo não se resumia apenas à estética, compreendendo esta expressão o modo de vida do cidadão grego. Na cultura grega, o homem belo, além de dominar a prática de exercícios físicos, também deveria conhecer a música e ser politizado. 5 Foucault mostra que ao analisar os textos dos primeiros séculos produzidos na Grécia, mais do que interdições sobre os atos sexuais, o que aparece é a insistência com o que ele chamou de “cultura de si”. Tal prática envolvia, por um lado, um rigoroso treinamento e constituição corporal; e por outro, o cuidado com a alma, realizado através da filosofia. Constituía-se num “privilégio-dever”, um domobrigação que nos assegura a liberdade, mas ao mesmo tempo obriga-nos a tomar-nos nós próprios como objeto de toda nossa aplicação. Assim, para os Epicuristas, a filosofia deveria ser considerada como o exercício permanente dos cuidados consigo. E cuidar de si significava manter o corpo e a mente em constante exercício, aspecto ressaltado também por Sennet (1997), para quem, na Grécia Antiga, cidadania, nudez e corpo em forma eram indissociáveis. O autor comenta que as figuras escavadas em pedra nos mármores de Egin, no Parthernon, retratavam pessoas jovens, exibindo corpos perfeitos e nus. A nudez tinha total relação com a forma como os gregos concebiam o corpo, em especial o masculino, que por ter a possibilidade de gerar e manter calor, não necessitava de roupas. Para os gregos, um corpo musculoso nunca estava totalmente nu. Mas, para que o corpo e a própria alma se mantivessem aquecidos, duas práticas eram fundamentais: a primeira, exercitar o corpo nos ginásios; e a segunda, aquecer a alma e a fala através da filosofia e da oratória. Desta maneira, mostraremos que os cuidados com o corpo no período helênico grego configuravam–se como práticas sociais, tomando forma em estruturas institucionalizadas, que contavam com autoridades reconhecidas, que, por estarem mais avançadas, conduziam os neófitos na prática dos exercícios da mesma maneira que fazem os instrutores de ginástica e os personal trainers da atualidade. (BERGER, 2007, p. 03). Um dos maiores símbolos da preocupação dos gregos com a perfeição de seus corpos se traduz na academia, que, segundo Santos ; Salles (2009, p. 89), compreendia “um local de aperfeiçoamento tanto corporal quanto civil e a ginástica afirmou-se como um sistemático exercício de elevação espiritual, sendo, ainda, vinculada ao desenvolvimento da verdadeira nação”. A respeito da beleza na civilização egípcia, Fernandes Filho (2010, p. 63) explica que existiam dois termos que eram usados como adjetivos e compreendiam objetos e pessoas: "n" e "NFR2". Nfrw3 indicava sempre a beleza de um homem jovem, pois nesta cultura o jovem esbelto de quadris estreitos expressava o quanto a fisionomia deveria ser valorizada. O corpo masculino devia ser demarcado por dois triângulos, ombros largos e uma cintura fina. 2 Compreende o conceito de beleza utilizado como adjetivo, em geral utilizado no Egito antigo para fazer referência a objetos e pessoas. 3 Compreende o conceito de beleza utilizado como adjetivo, em geral no Egito antigo era utilizado para indicar a beleza masculina. 6 A beleza, pouco discutida no meio acadêmico e, portanto, timidamente abordada em textos de cunho científico, aparece em publicações relacionadas à cosmética e vestuário, como traz, numa interessante contribuição Charlotte Kuchinski. Kuchinsky (2007) expõe que a preocupação com a beleza no Egito Antigo estava voltada para o corpo, em que o peso constituía-se motivo de atenção. Este era controlado e os egípcios seguiam uma rigorosa dieta de frutas e verduras, evitando o consumo de carnes. Os egípcios ainda depilavam todo o corpo, pois acreditavam que os pelos eram um sinal de impureza; a maquiagem era usada por mulheres e por homens, porque possuía uma importante função repelente: afugentava as moscas no deserto. Interpretando Sobol e Vicentino, Fernandes Filho (2010) diz que, durante a Idade Média, a sociedade europeia se organizou em um regime feudal temendo as invasões bárbaras e foi nesse período que se criou a cavalaria medieval que tinha por ideal a honra, lealdade e heroísmo; pertencer à cavalaria equivalia, mais que à aspiração de um nobre, a um código de condutas que abrangia a proteção da honra feminina e dos fracos, e limitavam-se aos condes, barões e o título de cavaleiro, que deveria ser conquistado. Dessa forma, não é uma tarefa muito simples discorrer sobre o conceito de beleza que prevaleceu durante a Idade Média, uma vez que, nesse período, observou-se a predominância das vontades e conceitos impostos pela religião Católica, que previa a dominação dos corpos, gestos e costumes morais e, mais ainda, ditava as normas de conduta. Devido à forte influência exercida pela religião sobre a sociedade, alguns conceitos como os referentes à beleza física limitavam-se, segundo Fernandes Filho (2010) ao interpretar Eco e Isidoro de Sevilha, a delinear a beleza do corpo como uma pele rosada, olhos luminosos, principalmente verde-azulados e considerado a uma aparência sã. Isto porque a Idade Média foi um período marcado por diversas crises e guerras reduzindo substancialmente a expectativa de vida e com uma alta taxa de mortalidade entre os jovens. A ditadura imposta pela Igreja Católica na Idade Média começa a perder força com a Reforma Protestante de Lutero e com o surgimento do Movimento Renascentista que se originou na Península Itálica, de acordo com Mota e Braick (apud FERNANDES FILHO 2010,p). Todo o mundo ocidental começa a ter uma 7 nova perspectiva sobre a beleza promovida pelos ideais do antropocentrismo e disseminada pelo movimento artístico que se propagava pela Europa. Tal momento é importante na desconstrução das ditaduras de normas e condutas religiosas. Diante desses novos ideais renascentistas, o homem passa a ser expresso nas artes com seu poder e uso dos prazeres, daí a representação através da robustez e gordura. Fernandes Filho (2010) aponta as observações de Novaes; Vilhena, ao fazerem menção às peças de Shakespeare, sinalizando a valorização à gordura corpórea: a magreza apontava maldade e astúcia, poderia ser perigosa e traiçoeira; a gordura estava ligada à saúde. A Idade Moderna segue e consolida os padrões de beleza firmados durante o renascimento. No século XX, a grande característica da beleza retrata-se exatamente por sua transitoriedade supervalorizando o consumismo. Até o final do século XIX e até metade dos anos 60 (século XX) houve uma luta entre a beleza provocativa (trazida pelo movimento vanguarda que quebrou a harmonia) e a beleza de consumo, a qual propõe uma beleza calcada nos ícones da moda (modelos) expostos nas capas de revistas, cinema e televisão (mass media), mas nenhum ideal em específico, devido justamente a essa plasticidade e efemeridade das formas ou beleza – um ícone pode servir de inspiração por uma semana e modificar na outra. (FERNANDES FILHO, 2010, p. 72). No que diz respeito aos conceitos de beleza no universo masculino, atualmente, são encontrados dois conceitos que mostram relevância social, o do metrossexual e do überssexual. É possível observar atualmente que o conceito de homem metrossexual extrapolou as barreiras que limitam as tendências e os modismos, transformando-se em um estilo de vida, conforme elucida Fernandes Filho ao mencionar a obra de Michael Flocker. O metrossexual: guia de estilo, um manual para o homem moderno trata-se de uma descrição detalhada e uma atualização para que o homem possa se “tornar um atleta na nova era do homem metrossexual” [...] para tornar-se um metrossexual necessita de conhecimento em diversas áreas, sendo elas: arte, cozinha, etiqueta, vinhos, moda e estilo. (FERNANDES FILHO, 2010, p. 74). É possível fazer uma descrição minuciosa do homem metrossexual – palavra que representa a contração de heterossexual com metropolitano – como aquele que 8 se preocupa excessivamente com a aparência chegando ao extremo de fazer uso de cremes antirrugas e também tratamentos de pele, mudanças no corte e cor do cabelo, maquilagem, definição de sobrancelhas, musculação em busca de formas corporais perfeitas; entretanto, outros ousam ainda mais e se utilizam de cosméticos, roupas caras e bebidas requintadas, mostrando um lado delicado sem exibir uma postura feminina, consoante Garcia (2004). Mais recentemente, Fernandes Filho (2010, p. 74) ressalta que: Está surgindo um novo conceito, o de ‘überssexual’ – termo alemão para definir a nova tendência de masculinidade, uma tendência da masculinidade que se aproxima de homens como Bill Clinton, George Clooney – símbolo da überssexualidade - e Arnold Schwarzenegger, que encaram uma imagem muito mais clássica do homem. Tal termo foi descrito pelos autores Marian Salzman, Ira Matathia e Ann O'Reilly, no livro intitulado The Future of men (O futuro dos homens). Assim, podemos destacar que über em alemão significa acima e em inglês, nesse caso, o equivalente, super; por conta disso, trata-se de um homem decidido, menos preocupado com o cuidado com a beleza como o metrossexual, mas com aspectos mais masculinos (ou do estereótipo de macho). Fernandes Filho (2010) explica que, no estilo überssexual, a moda voltada para a depilação e ao uso de cremes cede lugar a um estilo mais clássico de masculinidade, preocupa-se com a aparência, mas sem exageros; contudo, ainda afirma que esse conceito não atingiu as mesmas proporções do conceito de metrossexual. 2 CONCEITO DE VIGOREXIA Em fevereiro de 2011, o Jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre os excessos de exercícios físicos e o fato de que em geral as pessoas que sofrem de vigorexia não percebem que estão doentes. A matéria revela que A doença faz a pessoa se achar mais magra ou fraca do que é – enquanto seus músculos incham – vem sendo subdiagnosticada, conforme especialistas. Essa falsa percepção caracteriza o transtorno da vigorexia, leva o doente a abusar de exercícios físicos, e às vezes anabolizantes. Diferentemente do paciente anoréxico, o vigoréxico raramente procura ajuda, segundo a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, da Associação Brasileira de Psiquiatria. 9 “Quando um chega ao psiquiatra é porque foi encaminhado por um cardiologista ou urologista, procurado para solucionar problemas causados pelo uso de esteroides”. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2011, p. 01). Pope et al (apud PEREIRA, 2009, p. 07) comentam que as pessoas que desenvolvem a vigorexia tornam-se obsessivas por sua imagem corporal, focandose no desenvolvimento muscular e a sua definição. Para alcançarem o resultado desejado, submetem-se à prática de exercícios de resistência de forma compulsiva, com uso, às vezes, abusivo de anabolizantes. Em 1993, Pope et al, analisando uma amostra de 108 fisiculturistas (com e sem uso de esteróides anabolizantes), descreveram o que foi denominado na época de anorexia nervosa reversa. Nesta amostra, foram identificados nove indivíduos (8,3%) que se descreviam como muito fracos e pequenos, quando na verdade eram extremamente fortes e musculosos. Ademais, todos relatavam uso de esteróides anabolizantes e dois tinham história anterior de anorexia nervosa. Pope et al, revisando seus conceitos, publicou artigo posterior sobre o assunto no qual renomearam o quadro, que passou a ser chamado de dismorfia muscular, enquadrando-o entre os transtornos dismórficos corporais (TDC). Ao contrário dos TDCs típicos, nos quais a preocupação principal é com áreas específicas, a dismorfia muscular envolve uma preocupação de não ser suficientemente forte e musculoso em todas as partes do corpo. Além disto, os indivíduos acometidos passam a ter uma importante limitação de atividades diárias, dedicando muitas horas a levantamento de peso e dietas para hipertrofia. (ASSUNÇÃO, 2002, p. 81, 82). As pesquisas de Assunção (2002) revelam que a dismorfia muscular ainda não foi inserida nos manuais de diagnóstico de psiquiatria, ou seja, no CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Sobre o conceito de dismorfia muscular, Silva (2005, p. 108) também afirma que O recente conhecimento da dismorfia muscular (DM), anteriormente denominada anorexia nervosa reversa – quadro no qual o indivíduo pensa ser pequeno, frágil e fraco quando na realidade é grande, forte e muito musculoso – e também a constatação de qual situação ocorre quase exclusivamente em homens começam abrir a discussão sobre a imagem corporal masculina e suas interligações com transtornos alimentares. Estarmos atentos para os transtornos alimentares em homens é de vital importância para que possamos oferecer um melhor 10 atendimento aos indivíduos acometidos e, também, para termos um melhor entendimento das causas dessas alterações comportamentais que acometem as pessoas nos dias de hoje em caráter quase epidêmico. Muito embora a dismorfia muscular ainda não figure nos manuais de diagnóstico, estudiosos a vêem como uma patologia. Conforme afirma Silva (2005, p. 111), a “vigorexia ou complexo de Adônis são nomes coloquiais para o que a medicina chama de dismorfia muscular (DM)”: esta corresponde a um transtorno da imagem corporal, onde a pessoa, geralmente do sexo masculino, apesar de serem musculosos, não conseguem mostrar aos outros a massa muscular que gostaria de ter; obcecados por exaustiva atividade física, fazem uma dieta alimentar rigorosa com suplementos energéticos que não os permita ganhar gordura nem perder a “massa magra”. Em relação à etiologia, Assunção (2002) sugere que os aspectos socioculturais encontram-se na gênese de tal transtorno, dada a relevância que a sociedade dá à aparência física nos dias atuais. Graves; Welsh (apud PEREIRA, 2009, p. 07) apontam que a etiologia da vigorexia “[...] parece ser multifatorial, incluindo predisponentes genéticos, socioculturais e de personalidade. Não obstante, é inegável o papel dos padrões de beleza atuais na insatisfação dos indivíduos com a sua aparência física”. Assunção (2002) ainda descreve como característica principal dos vigoréxicos a manifesta preocupação com o corpo que vêem como delgado, quando, na verdade, não o é. Eles experimentam um prejuízo no relacionamento social, ocupacional e recreativo do indivíduo, pois chegam a dedicar de 4 a 5 horas diárias do seu tempo à prática de exercícios. “Pensamentos intrusivos de que estão fracos ou que precisam se tornar mais fortes são vivenciados por mais de 5 horas diárias em levantadores de peso com dismorfia muscular” (ASSUNÇÃO, 2002, p. 82). 3 VIGOREXIA ASSOCIADA AO USO DE ESTERÓIDES E ANABOLIZANTES Conforme já mencionado é comum o portador de vigorexia utilizar anabolizantes e demais substâncias que sejam capazes de promover aumento na massa muscular. 11 A obsessão por um corpo perfeito a qualquer custo leva pessoas de todas as classes sociais a tomarem diversas medidas que põem em risco à integridade de sua saúde. Os praticantes de musculação, principalmente os homens, normalmente recorrem à utilização de hormônios sintéticos que são capazes de estimular o crescimento de vários tecidos do corpo e que se destinem ao tratamento de algumas doenças como dizem Silva; Danielski; Czepielewisk, 2002, Tokish; Kocher; Hawkins, 2004 (apud SANTOS et al, 2006, p. 26): “na medicina, os anabolizantes são utilizados no tratamento de sarcopeniais, hipogonadismo, câncer de mama, osteoporose, deficiências androgênicas e déficits no crescimento corporal, dentre outras. Apesar disso, não raro encontram-se pessoas que fazem uso dessas substâncias com o fim de aumentar o volume dos músculos e a força física. Marques; Pereira; Aquino Neto (apud SANTOS et al, 2006, p.372) explicam que “os hormônios esteróides anabólicos androgênicos, popularizados como anabolizantes ou ‘bombas’, compreendem esteróides derivados da metabolização do colesterol, dentre eles a testosterona”. Geralmente as pessoas que praticam musculação estão mal orientadas e fazem uso de anabolizantes de forma perigosa e exagerada, administrando altas doses ou ainda em associação com outros hormônios, com intuito de obter resultados mais rápidos sem se preocupar com os efeitos colaterais indesejados. Nesse sentido, Silva (2005, p. 111) comenta que, na busca pelo físico perfeito, muitos homens utilizam substâncias ergogênicas, como os esteróides e anabolizantes andrógenos, cujo uso abusivo pode desencadear ou manter o transtorno dismórfico corpóreo, além de causarem diversos outros problemas de saúde. O abuso de anabolizantes acarreta nos seus usuários acne, tumores hepáticos, riscos de diabetes, aumento de LDL (mau colesterol), diminuição do HDL (bom colesterol), atrofia testicular, ginecomastia (desenvolvimento de tecido mamário em homens) e convulsões. Também pode desencadear o aparecimento de transtornos sérios de comportamento como psoríases, episódios de euforia, ansiedade, crises de pânico, comportamento violento e depressões na retirada ou redução das doses. (SILVA, 2005, p. 111). 12 Iriart e Andrade (2002, p. 1382) informam que: Os esteróides anabólico-androgênicos, comumente chamados simplesmente de anabolizantes, são substâncias sintetizadas em laboratório, relacionadas aos hormônios masculinos (androgênios). Essas substâncias aumentam a síntese protéica, a oxigenação e o armazenamento de energia resultando em incremento da massa muscular e de sua capacidade de trabalho. Na gíria popular, os anabolizantes são vulgarmente conhecidos pelo nome de ‘bomba’ (em referência ao efeito de inchaço muscular por eles produzido), e é também comum que fisiculturistas sejam chamados pejorativamente de ‘bombados’. [...] Entre os esteróides androgênicos, os mais utilizados são: Durateston (Testosterona), Stradon P (Testosterona + Estradiol) e Deca-durabolim (Nandrolona). Os hormônios femininos mais mencionados pelos informantes foram os anovulatórios Uniciclo (Algestona e Estradiol) e Premarim. O baixo poder aquisitivo dos fisiculturistas dos bairros populares, leva à opção pelos produtos mais baratos, incluindo nessa categoria os de uso veterinário. Entre esses, os mais frequentemente mencionados foram o ADE (vitaminas A, D e E), Potenai (complexo vitamínico à base de vitamina B) e o antiparasitário Ivomec (Ivermectina). Ainda, segundo as pesquisas de Iriart e Andrade (2002, p. 1382), o consumo de anabolizantes inicia-se logo após os primeiros meses de academia: os colegas mais experientes estimulam os novatos a fazerem uso dessas substâncias ou os novatos constatam que companheiros desenvolveram massa muscular consideravelmente maior, mesmo tendo iniciado as atividades físicas à mesma época. “A escuta e participação nas conversas entre os fisiculturistas veteranos, onde o uso de anabolizantes é um tema muito frequente, cria a curiosidade e facilita a inserção do iniciante nos meandros de seu consumo”. (IRIAT; ANDRADE, 2002, p. 1382). O mal uso de anabolizantes é capaz de proporcionar diversas consequências psicológicas, sendo comum observar desde oscilações de humor até quadros de transtorno bipolar. Silva e cols (apud MARTINS et al., 2005, p. 86) afirmam que o uso indiscriminado de anabolizantes pode levar o indivíduo a desenvolver um comportamento agressivo, apresentando mudanças súbitas de temperamento, síndromes comportamentais e crimes contra a propriedade. Pode, também, ser constatada exacerbação da irritabilidade, raiva, hostilidade, ciúme patológico, alterações da libido e sentimentos de invencibilidade. 13 Além dos problemas específicos ora citados vislumbra-se também o fato de que anabolizantes e esteróides são drogas, e como o tal exercem dependência sobre seus usuários, e períodos de abstinência podem desencadear crises comportamentais, seguidas de perda de controle, fadiga, inquietação, perda de apetite, insônia, decréscimo da libido e dores de cabeça. O uso abusivo de esteróides e anabolizantes pode trazer consequências psicológicas ainda mais graves, ocorrendo quando o usuário passa a apresentar sintomas de um transtorno dismórfico corporal, a disformia muscular. 4 TRATAMENTO DA VIGOREXIA Olivardia 2001 (apud.Pereira et al., 2009, p. 14) esclarece que não há atualmente um tratamento específico para o Transtorno Dismórfico Muscular (TDM), sendo indicada a combinação de métodos utilizados para o tratamento do Transtorno Dismórfico Corporal e transtornos alimentares. Assunção (2002, p. 83) comenta ser extremamente importante para uma boa resposta ao tratamento, a boa relação entre o médico e o paciente. O paciente deve ser informado acerca dos prejuízos que sua patologia pode lhe causar e, se usa esteroides anabolizantes, o médico deve sugerir sua suspensão imediata. Afirma, ainda, que: A terapia cognitivo-comportamental parece ser útil no tratamento da dismorfia muscular. Suas estratégias incluem a identificação de padrões distorcidos de percepção da imagem corporal, identificação de aspectos positivos da aparência física e confrontação entre padrões corporais atingíveis e inatingíveis. Os comportamentos compulsivos relacionados ao exercício, dieta ou de checar o grau da musculatura devem ser inibidos. Da mesma forma, o indivíduo deve ser encorajado a gradualmente enfrentar sua aversão de expor o corpo. Alguns aspectos obsessivos e compulsivos destes indivíduos podem ser minimizados com o uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina. (ASSUNÇÃO, 2002, p. 83). Pope et al. 2000 (apud PEREIRA, 2009, p. 15) entendem que a terapia freudiana convencional não parece surtir efeito na resolução de problemas mais graves de dismorfia muscular, embora não desconsiderem a relevância das experiências infantis e a utilidade da “terapia do diálogo” no que se refere à imagem 14 corporal. Entendem, então, que a terapia adequada seria a cognitivo- comportamental, pois tem se mostrado mais eficaz em estudos clínicos de transtornos alimentares mais graves. Nesses casos, os autores afirmam ser indicada a utilização de antidepressivos que, no entanto, deve ser acompanhado de perto por psicofarmacologista experiente no tratamento de distúrbios alimentares. No que compete à forma mais branda do transtorno, os referidos autores afirmam que a utilização de cinco conselhos básicos costuma surtir bons efeitos, sendo estes conselhos os seguintes: Não “comprar” as imagens veiculadas pela Mídia; Lembrar-se de que muitos corpos masculinos e supermusculosos são apenas produtos de drogas; Lembrar-se de que a indústria lucra fazendo o homem se sentir-se inseguro em relação ao corpo; A masculinidade não é definida pela aparência física; É bom ter um aspecto saudável e não existe nenhum problema em se ter uma aparência “normal”. (POPE et al. apud PEREIRA, 2009, p. 15, grifo dos autores). Dessa forma, nota-se que a informação e a conscientização são capazes de contribuir singularmente para a prevenção e o tratamento da vigorexia, devendo a intervenção medicamentosa ser utilizada apenas em casos graves. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa pode observar que desde a Idade Antiga as pessoas se preocupam com sua aparência física, e que essa preocupação sofreu e sofre modificações conforme o contexto sócio-histórico e cultural de cada povo. Embora a idealização de um corpo perfeito assombre perversamente o universo feminino, também pode ser constatado que os homens há muito tempo se preocupam com a aparência, sendo capazes de atingir os mesmos atos extremados que as mulheres em busca da perfeição. Atualmente, existe uma tendência marcante acerca do conceito de beleza masculina denominada metrossexualismo, além de outra denominada überssexual. Contudo, o desejo de perseguir um determinado padrão de beleza faz com que diversos homens atinjam um quadro patológico. 15 Dentre os distúrbios mais comuns entre homens que desejam insistentemente atingir um determinado padrão de beleza, encontra-se a Dismorfia Muscular, popularmente conhecida como Vigorexia, cujos estudos vêm aumentando significativamente em todo o mundo. A pesquisa notou, ainda, que a Vigorexia é estudada entre os transtornos alimentares que atingem os homens. Nesse tipo de transtorno, o indivíduo embora possua um bom desenvolvimento físico, cria uma autoimagem comprometida e distorcida, em que o corpo é percebido como fraco, franzino e raquítico, o que, por sua vez, leva à prática excessiva de exercícios físicos e ao uso abusivo de drogas como esteroides anabolizantes e andrógenos. Por fim, a pesquisa observou que não existe, atualmente, um tratamento específico para o Transtorno Dismórfico Muscular, sendo indicada a combinação de métodos utilizados para o tratamento do Transtorno Dismórfico Corporal e transtornos alimentares. O tratamento medicamentoso somente se aplica aos casos graves. A terapia cognitivo-comportamental é apontada como a mais adequada, devido a sua eficácia demonstrada por estudos clínicos. REFERÊNCIAS ANDREOLA, Nívea Manoela. O culto ao corpo sob o olhar da Psicanálise. Especialização em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, 2000. Disponível em < http://www.ajepsi.com.br/anexosanais/O_culto_ao_corpo_sob_o_olhar_da_Psicanalise.pdf> Acesso em 20 de set de 2012. ASSUNÇÃO, Sheila Seleri Marques. Dismorfia Muscular. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2002. FERNANDES FILHO, Aurivar. Breve histórico da beleza masculina. Revista Brasileira de Psiquiatria, Ano 3, no6, jul-dez 2010. FOLHA DE SÃO PAULO. Viciados em exercícios físicos não percebem que estão doentes. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/876424-viciados-em-exercicios-fisicosnao-percebem-que-estao-doentes.shtml > Acesso em 02 de out de 2012. GARCIA, Wilton. O corpo contemporâneo: a imagem do metrossexual no Brasil. Publicação do Departamento de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus de Caicó. V. 05, no 11, jul./set. 2004. 16 IRIART, Jorge Alberto Bernstein; ANDRADE, Tarcísio Matos de. Musculação, uso de esteróides anabolizantes e percepção de risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, set./out. 2002. KUCHINSKY, Charlotte. Beauty through the ages - Ancient Egypt: A history of beauty, looking at the clothing, cosmetics and styles of the Ancient Egyptians. Disponível em <http://www.thebeautybiz.com/67/article/history/beauty-through-agesegypt>. 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