Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo é uma idealização do que acontece em equipamentos que os termodinamicistas chamam de máquinas térmicas (motores de combustão interna, turbinas a vapor, turbinas a gás...). Estas máquinas usam uma fonte de energia e convertem parte da energia em trabalho mecânico. Nos motores de ignição por centelha a fonte de energia é um combustível químico, normalmente gasolina, que quando é combinado com o oxigênio do ar, na combustão, libera calor. Então a expansão dos gases aquecidos executa o trabalho mecânico. Para entender o ciclo ideal, imagine um pistão em um cilindro. O pistão está conectado ao eixo de manivelas pela biela. O eixo gira e o pistão percorre um caminho alternativo. Há duas válvulas, uma de admissão e outra de exaustão, e um sistema para as abrir e fechar. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Note que o pistão não percorre o curso total até o final do cilindro. Sempre resta um espaço acima do pistão quando ele chega ao fim do curso, no seu Ponto Morto superior, que corresponde ao volume da câmara de combustão. No início do ciclo, o pistão encontra-se no PMS, na posição 0. Inicialmente a válvula de admissão está aberta e a de exaustão fechada. No ciclo ideal, o eixo gira e o pistão sai do PMS para o Ponto Morto Inferior, correspondendo ao percurso de 0 a 1 na figura. Neste percurso, o cilindro admite uma carga de ar à pressão atmosférica. O percurso de 0 a 1 é chamado de curso de admissão. Quando o pistão chega no PMI, no ponto 1, a válvula de admissão fecha e o eixo que continua a girar empurra o cilindro no sentido contrário, agora comprimindo a carga de ar admitida. O percurso de 1 a 2 corresponde ao curso de compressão. O fechamento da válvula é outra idealização, pois as válvulas não fecham instantaneamente. O ar é aquecido pela compressão mas, idealiza-se novamente que esta compressão ocorre sem troca de calor com as paredes do cilindro, ou seja, ocorre uma compressão adiabática. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Quando o pistão chega ao ponto 2, após a compressão adiabática, uma certa quantidade de calor é transferida ao ar toda de uma vez. Este calor corresponderia ao calor que seria liberado pela combustão da mistura combustível-ar admitida nos motores reais. No ciclo ideal, substituímos este processo de combustão, que é muito complexo e acontece gradualmente, por um processo imaginário, sem gasolina, e onde todo o calor é liberado de uma só vez. Esta adição de calor corresponde à linha 2-3 na figura. E, ainda por cima, imaginamos que não há troca de calor com as paredes do cilindro. O eixo continua a girar e o pistão agora viaja do PMS ao PMI, agora com os gases aquecidos se expandindo. Este percurso corresponde ao curso de expansão, ou curso útil (de 3 para 4 na figura). Ao pistão chegar no ponto 4, a válvula de escape abre-se (também instantaneamente) e a pressão no interior do cilindro cai, instantaneamente para a pressão atmosférica (de 4 para 1 na figura). Finalmente, com o eixo continuando a girar, o pistão volta novamente para o PMS, para 0, expelindo os gases remanescentes através da válvula de escape. Este é o curso de exaustão. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Como a pressão é maior no curso de expansão (devido à adição de calor no PMS) do que no de compressão, resulta um trabalho líquido realizado pelo cilindro durante o ciclo. O trabalho é dado pela área no interior do diagrama da figura. Ao mesmo tempo, nem todo o calor que foi adicionado no PMS (2 para 3) foi convertido em trabalho. Note-se que o ar no interior do cilindro, na posição 4, permanece mais quente do que quando se encontrava na posição 1. Quando a válvula de escape abre-se este calor é perdido junto com os gases. Termodinamicistas sabem que isto é inevitável, algum calor sempre tem que ser rejeitado. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Nós podemos definir eficiência para o processo do ciclo ideal de ar Otto. Para tanto façamos uma breve revisão de conceitos termodinâmicos: Comecemos pelas definições de calor específico a volume constante e à pressão constante: u Cv T v h Cp T p Como a energia interna de um gás perfeito não é função do volume, é função apenas da temperatura, podemos escrever para um gás perfeito: Cvo du dT du Cvo dT Onde o índice 0 indica calor específico de um gás perfeito. Para uma dada massa m: dU mCvo dT Da equação de estado de um gás perfeito e da definição de entalpia: Pv RT h u Pv h u RT Como R é uma constante e u é função apenas da temperatura, segue-se que a entalpia h de um gás perfeito é função apenas da temperatura. E então da mesma forma com o calor específico a pressão constante, chegamos a: dh C podT Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Uma relação muito importante entre os calores específicos, à pressão constante e a volume constante, de um gás perfeito pode ser desenvolvida a partir de: h u Pv u RT dh du RdT du Cvo dT C podT Cvo dT RdT R C po Cvo dh C podT Uma outra relação bem importante é a razão entre calores específicos, k: k C po Cvo Pode-se mostrar (Van Wylen and Sonntag, 1976) que a equação abaixo caracteriza um processo adiabático reversível que envolva um gás perfeito com calor específico constante. Pv k P1v1k P2v2k cte Desta equação e da equação de estado dos gases perfeitos pode-se deduzir as seguintes equações que relacionam os estados inicial e final de um processo isoentrópico. k P2 v1 V1 P1 v2 V2 k T2 P2 T1 P1 k 1 / k v 1 v2 k 1 Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Agora podemos voltar à definição da eficiência do ciclo ideal de ar Otto: Admitindo-se constante o calor específico do ar: T T1 4 1 T mCv T4 T1 Q QL Q t H 1 L 1 1 1 QH QH mCv T3 T2 T T2 3 1 T2 QH QL Além disto, para processo adiabático, observa-se que: V1 V4 T2 V1 T1 V2 Finalmente: V2 V3 T2 V1 T1 V2 k 1 1 k V T t 1 1 1 1 T2 V2 Onde r é a razão de compressão (r = V1/V2). 1 1 r k 1 k 1 V 4 V3 k 1 T3 T4 T3 T4 T2 T1 Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Então: 1 ac 1 r k 1 QH QL Onde r é a taxa de compressão e k é a razão entre os calores específicos. O índice ac refere-se ao ciclo de ar. Para gases diatômicos a temperaturas normais, k= 1,4 , e a eficiência varia de 0,42 para taxa de compressão de 4 até 0,56 para taxa de compressão de 8. Rendimento 0.8 0.6 0.4 0.2 0 0 5 10 Taxa de compressão 15 20 Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Eficiência utilizando o fluido de trabalho real: A eficiência que calculamos antes é muito diferente da eficiência do processo real. Muitas coisas que acontecem no motor real não foram consideradas quando calculamos ac. Em primeiro lugar, o fluido de trabalho não é o ar. Nos tempos de admissão e compressão o ar é misturado com o combustível e nos tempos de expansão e descarga o gás é uma mistura de C, CO, CO2, H, OH, H2, H2O, N, NO, NO2, O E O2. A mistura estequiométrica da gasolina tem uma razão entre calores específicos de 1,35 em vez de 1,4. Pode-se calcular uma eficiência levando em conta apenas o fato de se trabalhar com o fluido de trabalho real, ignorando as perdas de calor e o fato de que a combustão não acontece instantaneamente. Muito grosseiramente, a partir de dados experimentais, pode-se considerar, para = 1 ( é a razão combustível/ar em relação à razão estequiométrica): gr 0,69 ac Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Eficiências: Eficiência indicada: Agora vamos considerar os efeitos das perdas de calor, do fato de que a combustão não ocorre instantaneamente, e de se trabalhar com o fluido de trabalho real. A eficiência real que leva em conta todos estes efeitos é chamada de eficiência indicada, significando que a mesma é obtida por meio de um equipamento chamado indicador. Este equipamento conectado ao cilindro registra pressões e volumes no seu interior. A eficiência indicada traduz a eficiência do processo real mas, medida no cilindro e não no volante do motor. Isto é, não leva em conta a eficiência mecânica: que corresponde a energia despendida no bombeamento dos gases, a movimentação de alguns acessórios, e o atrito em geral. A determinação da eficiência indicada é muito complexa e esta deve ser obtida de dados experimentais. De dados experimentais para = 1,13: i 0,59 ac Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Agora iremos detalhar como o processo real difere do ciclo ideal de ar, ou seja, quais fenômenos são responsáveis pela diferença entre i e ac. Para isto observemos na figura o ciclo real sobreposto ao ciclo ideal. A curva y-z é uma curva isoentrópica que passa no ponto b. No ponto a ocorre a ignição. O ponto b marca o final da combustão e o ponto c a abertura da válvula de exaustão. A área hachurada à esquerda da curva a-b e abaixo da curva y-b corresponde à perda por tempo (time loss). A área hachurada acima da curva b-c é chamada de perda de calor (heat loss). A área pontilhada à direita de c-1 é chamada de perda pelo fluxo de exaustão (blowdown loss) Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Time loss: Combustão não é uma explosão. Não ocorre de uma vez. Ela é, de fato, uma queima ordenada da mistura do vapor de combustível com o ar. A ignição acontece nas proximidades dos eletrodos da vela e a frente da chama avança expandindo-se esfericamente a partir deste ponto. A frente da chama propaga-se com velocidade mais ou menos uniforme determinada pelas velocidades turbulentas do gás. À frente da chama está a mistura não queimada e atrás ficam os produtos da combustão. A frente da chama leva um certo tempo par se deslocar do ponto inicial até a superfície mais distante da câmara de combustão. Quando a frente da chama se desloca ela converte energia química em calor sensível e assim a pressão e temperatura no interior do cilindro cresce continuamente. É necessário iniciar a combustão consideravelmente antes do Ponto Morto Superior e a combustão termina substancialmente após o PMS. As maiores eficiências são obtidas quando o ponto de ignição e o instante em que a combustão é completada ocorrem aproximadamente de forma simétrica em relação ao PMS. A área em vermelho na figura representa trabalho que não pode ser extraído. Esta é conhecida como time loss, significando que é uma perda devida ao tempo finito que a frente da chama leva para atravessar a câmara de combustão. Da diferença entre i e gr, cerca de 30% deve-se à perda por tempo (time loss). Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Heat loss: Quando a mistura admitida é comprimida, no curso de compressão, sua temperatura aumenta e há conseqüentemente perda de calor para as paredes do cilindro. Isto não é tão relevante porque a temperatura não está já tão alta e a redução na pressão e temperatura no ponto de ignição é desprezível. Entretanto, depois da combustão, sua temperatura é considerável e quando ela se expande, no tempo de expansão, sua temperatura cai e há perda de calor para as paredes do cilindro e da câmara de combustão, resultando em uma substancial redução de pressão e temperatura no final do curso. A região em azul na figura representa as perdas de calor (heat loss) proveniente das diferenças entre o processo real e o ciclo ideal. Cerca de 60% da diferença entre i e gr é atribuída às perdas de calor. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Blowdown loss: Quando o pistão se aproxima do Ponto Morto Inferior no tempo de expansão a válvula de admissão é aberta. Geralmente, no motor de um carro de passeio, a válvula de escape abre-se a cerca de 47º antes do PMI. Imediatamente a pressão começa a cair assim que a válvula descola de sua sede. Esta diferença de pressão entre o processo real e o ciclo ideal representa trabalho indisponível e é chamado de exaust blowdown loss (região em vermelho na figura). Da diferença entre i e gr 10% deve-se a estas perdas. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Outras perdas: A figura mostra de forma ampliada o que ocorre com a pressão nos tempos de admissão e exaustão, com a válvula borboleta parcialmente aberta. Note que a pressão cai abaixo da atmosférica, quando o pistão está descendo no tempo de admissão, induzindo a mistura para dentro do cilindro. E a pressão está acima da atmosférica no tempo de exaustão para expulsar os gases queimados. Isto representa trabalho que deve ser realizado nos gases e, consequentemente representa perda de energia. Estas perdas são conhecidas como perdas de bombeamento (pumping losses). Por convenção, estas perdas são incluídas na potência de atrito e influencia na eficiência mecânica. Máquinas Térmicas I – Prof. Eduardo Loureiro O Ciclo Ideal OTTO Um ciclo mais realista: Outras perdas: Há outras duas perdas que são pequenas em circunstâncias normais. A primeira deve-se ao fato de que nem todo o combustível que entra no cilindro é queimado. Uma pequena fração do combustível que entra no cilindro não é queimado e sai junto com os gases na exaustão. Estes hidrocarbonetos não queimados são os maiores contribuintes para a poluição do ar e também contribuem para o decréscimo da eficiência, pois representam energia que não foi transformada em trabalho. A eficiência de combustão é definida como a razão entre a energia liberada pela queima e a energia que foi admitida no cilindro. Para misturas estequiométricas ou um pouco pobres esta eficiência é de cerca de 0.98. Por fim, existem as perdas por vazamentos. Os anéis dos pistões e às vezes as válvulas não selam perfeitamente e conseqüentemente as pressões no cilindro não crescem tanto quanto deveriam, contribuindo para pequenas perdas.