Artigo de Revisão OS DESAFIOS DA ENFERMAGEM FRENTE AOS AVANÇOS DA HEMOTERAPIA NO BRASIL NURSING CHALLENGES TOWARDS THE ADVANCES OF HEMOTHERAPY IN BRAZIL Otávia de Souza Fraga Faculdade do Futuro A qualidade alcançada pelos serviços de hemoterapia no Brasil e o desafio apresentado ao enfermeiro para se adequar a essa evolução, associados à carência de conhecimentos específicos motivaram essa revisão. Foi realizado um estudo de revisão bibliográfica, através da análise de artigos científicos já publicados, material disponível pela Internet, livros e periódicos dos últimos cinco anos, além de dissertações de mestrado e tese de doutorado do mesmo período. O estudo apontou necessidade de adequação do enfermeiro aos múltiplos desafios da moderna hemoterapia. A escassez de trabalhos científicos, que contempla o papel do enfermeiro na hemoterapia do séc. XXI, aponta para a necessidade de uma discussão junto às universidades/faculdades para uma assistência hemoterápica de qualidade. A inserção da hemoterapia transfusional dentro das disciplinas de semiologia e semiotécnica estaria preparando melhor o graduando, proporcionando segurança para trabalhar nessa área e assegurando a qualidade dos serviços prestados. Palavras chave: Hemoterapia; enfermagem; hemoterapia moderna. Abstract The quality achieved by the services of hemotherapy in Brazil and the challenge presented for the nurse so that he/she become able to deal with this evolution, associated to the lack of specific knowledge. It was made a bibliographical review study through the analysis of scientific articles, internet and books, besides master degree and PHD dissertations. The study pointed to the need for preparing the nurse for the multiple challenges in modern hemotherapy. The lack of scientific st publications discussing the role of nurse in 21 century hemotherapy reveals the need for publications in the universities for the development of hemotherapy assistance. The insertion of transfusioal hemotherapy into disciplines as semeiology Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 282 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. Resumo Alderinger Aparecida Tulher Florizano would be better preparing the student for dealing with this area and guarantying the quality of offered services. Key-Words: hemoteraphy, nursing, modern hemotherapy. Introdução A hemoterapia é uma especialidade da área da saúde que envolve conhecimentos específicos. É considerada como um dos ramos mais recente da ciência de laboratório, considerando que, somente há cerca de 80 anos atrás, os grupos sanguíneos foram descobertos e alguns deles foram identificados, apenas, nos últimos 30 anos. A hemoterapia, ou medicina transfusional, vem assumindo um papel de extrema importância na medicina moderna. O surgimento de uma legislação própria, que propiciou, entre outros fatores, o fim da doação remunerada de sangue, possibilitou o aparecimento dos hemocentros e da rede pública hemoterápica nos estados brasileiros. Dentre os fatores que contribuíram para o avanço da hemoterapia no país, podem-se citar os fatores econômicos, o desenvolvimento da genética molecular e biotecnologia, a terapia celular, a inovação de equipamentos, a automação e computação, os sistemas da qualidade e o interesse do hemoterapeuta por áreas científicas de ponta. Não se pode olvidar o impacto que a pandemia do vírus da imunodeficiência humana causou nos processos hemoterápicos, da seleção de doadores a testes laboratoriais. Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. O pioneirismo das transfusões artesanais realizadas por alguns cirurgiões, na tentativa de salvar vidas, marcou o início da história da hemoterapia. Hoje se vive uma prática comprometida com a excelência. Profissionais treinados em captação de candidatos trabalham enfatizando as doações voluntárias, altruístas e não remuneradas. São cuidadosos na ênfase dada aos comportamentos de risco para doenças sexualmente transmissíveis, ou contato com sangue contaminado (usuários de drogas ilegais injetáveis). O conceito de cidadania e responsabilidade social é trabalhado a cada contato com doadores em potencial e doadores habituais. Os programas educativos direcionados para crianças trabalham valores e a importância da doação, junto às escolas de primeiro grau (programa Doador do Futuro). Bolsas de sangue total são fracionadas para obtenção de diversos componentes hemoterápicos, como o concentrado de hemácias, concentrado de 283 Florizano, AAT e Fraga, O de S plaquetas, plasma fresco congelado, crioprecipitado, etc. Tal procedimento permite a otimização do produto e cada paciente recebe os componentes de que necessita. Mais de um paciente pode beneficiar-se de uma única bolsa doada. Testes sorológicos de última geração e alta sensibilidade permitem detectar patógenos passíveis de transmissão pelo sangue em tempo precoce. O controle de qualidade interna e externa é realizado de forma sistemática. A responsabilidade com os resíduos infectantes produzidos traduz-se na implementação do Plano de Gerenciamento de Resíduos em todas as unidades hemoterápicas14. O papel da enfermagem em hemoterapia era irrelevante no passado e os serviços prestados eram realizados por técnicos de laboratórios (dados não publicados). Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 90, houve profundas mudanças em relação à prática assistencial hemoterápica. A presença do profissional com conhecimento específico na área de atuação tornou-se fundamental. A enfermagem não ficou alheia a essa mudança e passou a desenvolver atividades em várias áreas: triagem clínica do doador, coleta de sangue, procedimento transfusional de hecomponentes e aplicação de hemoderivados. Um dos principais objetivos do enfermeiro é prestar assistência em todas as etapas do ciclo do sangue, ou seja, desde a captação e conscientização de potenciais doadores até junto ao paciente no processo de transfusão. A complexidade atingida pela hemoterapia exige profissionais, atualizados sobre o uso processo transfusional16. Diante das considerações expostas, da ausência de informações específicas durante o período de graduação e da constatação de escasso material na literatura científica sobre a enfermagem na hemoterapia, é que se justifica a importância desse estudo como maneira de alertar os profissionais da área a adequarem-se aos desafios resultantes da evolução da hemoterapia no Brasil. Os objetivos deste estudo foram avaliar o desafio apresentado ao enfermeiro pela evolução e qualidade alcançada pelos serviços de hemoterapia no Brasil; considerar as propostas hemoterápicas para o século XXI; e despertar o profissional para a necessidade de adequação do enfermeiro à nova realidade. Materiais e Métodos Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 284 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. do sangue e possíveis intercorrências, aptos a garantir segurança e eficácia no Foi realizada uma revisão bibliográfica de artigos científicos já publicados, material disponível pela Internet, livros, periódicos e dissertações de mestrado. Foram considerados os últimos cinco anos como critério para essa revisão. Referencial teórico Conceito Hemoterapia é o emprego terapêutico do sangue. Essa ciência vem sendo estudada há muitos anos, passando por várias fases, evoluindo rapidamente e apresentando uma grande perspectiva futura. A história da hemoterapia pode ser dividida em dois períodos: um empírico e outro cientifico9. Fases Fase empírica é também conhecida como fase heróica, estende-se até 1900. Esse período foi marcado por um grande número de mortes, causadas pela falta de conhecimento cientifico da transfusão. Existiam dúvidas sobre a quantidade ideal de sangue a ser coletada e muitas vezes os doadores ficavam anêmicos após a doação. Os grupos sanguíneos e a compatibilidade sanguínea eram desconhecidos acarretando grandes tragédias. Como os anticoagulantes também não eram Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. conhecidos, outro grande problema era manter o estado líquido do sangue fora do corpo13. Não se sabe ao certo a data da primeira transfusão de sangue no mundo. Provavelmente, foi a do Papa Inocêncio XV, em 1492. O paciente recebeu o sangue doado por três rapazes. O sangue não teria sido transfundido na veia, mas sim bebido por ele. O resultado foi desastroso: o Papa e os três jovens morreram13. Outro ponto marcante da história da hemoterapia foi à descoberta da circulação sanguínea e o papel central do coração, em 1627, por Willian Harvy. O fato foi considerado como a base verdadeiramente científica da transfusão. Tamanha descoberta trouxe experiências bem sucedidas e deu início a muitos desastres de incompatibilidade. Durante esse período, vários médicos de diferentes nacionalidades começaram a estudar a prática em animais e seres humanos. 285 Florizano, AAT e Fraga, O de S Nos meados do século XVII, as transfusões eram realizadas com sangue de animais, gerando grandes complicações e mortes. Em 1668, o grande número de insucessos relacionados à prática forçou o governo Francês a proibir novas transfusões. Isso foi seguido por diversos governos europeus. Depois desse fato, muito tempo se passou sem que quase nada fosse publicado. O avanço da medicina no que diz respeito à intervenção de instrumentos médicos, que facilitavam a retirada de sangue de um indivíduo para infundir diretamente em outro, fez com que a transfusão fosse retomada. Fase científica. Período de 1900 até os dias atuais. Essa fase foi iniciada com a descoberta dos grupos sanguíneos pelo pesquisador Lendesteiner. Ele permitiu a identificação dos diferentes tipos de sangue classificando-os de A, B, AB e O. Isso permitiu estabelecer as incompatibilidade e compreender por que tantas transfusões tiveram um fim trágico. Mas a descoberta não foi suficiente para tornar o procedimento seguro, pois não havia soluções de anticoagulantes que permitissem a estocagem do sangue coletado dos doadores. A regra continuava sendo a transfusão braço a braço, com todas as limitações que representava. Foi somente durante a primeira guerra mundial, em 1914, que surgiram os bancos de sangue. A guerra serviu de motivo para as primeiras campanhas de doação na Europa. Desde essa época, a questão do sangue seguro para transfusão tornou-se mais desafiadora7. Por volta dos anos 40, iniciou-se a doação de sangue no Brasil. No início, a forma e começaram a surgir os bancos privados que se tornavam cada vez mais numerosos e obtinham um grande número de doações9. O método de recrutamento permitia a doação de pessoas doentes, alcoólatras, anêmicos e que precisassem do dinheiro. Várias pessoas doavam sangue por causa da remuneração, estabelecendo no Brasil uma nova profissão: a de doador gratificado8. Na década de 70, os fiscais do Ministério da Previdência exigiam dos prestadores de serviços de hemoterapia apenas a apresentação de recibos que comprovassem o pagamento dos doadores de sangue. A realização de exames sorológicos quase nunca era exigida pela vigilância sanitária15. O grande número de contaminações devido à transfusão gerou uma considerável polêmica, culminando com a proibição definitiva da doação remunerada e com a inclusão do artigo 199 da Constituição Brasileira, aprovada em 1988, Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 286 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. doação era remunerada. Foram criados os bancos públicos que trabalhavam dessa proibindo toda e qualquer comercialização de sangue e hemoderivados. Hoje, a doação de sangue no Brasil é voluntária e não se admite nenhuma forma de ressarcimento. As principais mudanças no sistema hemoterápico brasileiro não ocorreram por intervenção de especialistas, nem pela influência direta do governo, e sim por causas aleatórias: o surgimento da Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida (AIDs) e razões socioeconômicas. O aparecimento da AIDs introduziu novos procedimentos, tais como a substituição da doação anônima pela personalizada e a disciplina do uso do sangue, de seus componentes e dos derivados através de judiciosa avaliação do trinômio riscos/ benefícios/ custos. Embora a doação remunerada seja proibida, em alguns países ainda persiste nela. Essa prática deve ser eliminada pela promoção do humanitarismo, da legislação e da educação sobre a importância do sangue seguro7. As principais razões para promover a doação voluntária baseiam-se na proteção do receptor de sangue, já que os doadores voluntários têm menor prevalência de infecções transmissíveis pelo sangue; pessoas que doam por recompensa monetária podem ocultar informações que os levariam a serem classificados como inaptos11. A chegada dos hemocentros e a sua política de doação baseada no voluntariado, além dos pesados investimentos governamentais, impactou o setor15. O controle da qualidade do sangue coletado nos hemocentro inicia-se na captação Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. dos doadores. Os candidatos mais seguros são aqueles que doam sangues regularmente como voluntários, não remunerados e de baixo risco12. História da Enfermagem A enfermagem é compreendida como arte e ciência de pessoas que convivem e cuidam de outras. É uma profissão dinâmica, sujeita às transformações permanentes, que está, continuamente, incorporando reflexões sobre novos temas, problemas e ações, porque seu princípio ético é o de manter ou restaurar a dignidade do corpo em todos os âmbitos da vida10. Nasceu como um serviço organizado nos primórdios do cristianismo. A prática era exercida no interior dos lares, em atendimento às necessidades dos membros da família. As práticas de saúde instintivas foram as primeiras formas de apresentação de assistência. 287 Florizano, AAT e Fraga, O de S A enfermagem passa a atuar como profissão quando Florence Nightingale é convidada pelo Ministro da Guerra da Inglaterra para trabalhar junto aos soldados feridos em combate na Guerra da Criméia. Ela é considerada a fundadora da enfermagem moderna. Com seu trabalho, lançou a base dos atuais serviços de enfermagem, ficando reconhecida como a fundadora da profissão de enfermeira e como reformadora do sistema de saúde. Desde então, a enfermagem vem passando por uma série de transformações e evoluindo rapidamente, tendo como direção a modalidade funcional e o trabalho em equipe com a divisão técnica. A Enfermagem é uma profissão com amplo campo de atuação. As áreas incluem assistência, administração, gerência, ensino e pesquisa. A atuação profissional é feita através de ações em conjunto com outros profissionais da saúde, seja em atividades preventivas, curativas ou de reabilitação. Os locais de atuação mais comuns são universidades, unidades de saúde, regionais de saúde, centro regional de especialidades, hemocentros, clínicas, indústrias, hospitais gerais e especializados. A Enfermagem na hemoterapia O ciclo do sangue é composto de várias etapas: a) captação de doadores; b) a recepção; c) triagem clínica; d) triagem hematológica; e) coleta de sangue de doador; f) fracionamento; g) testes sorológicos e imunoematológicos; h) distribuição O papel da enfermagem em hemoterapia era irrelevante no passado e os serviços prestados eram realizados por técnicos de laboratórios (dados não publicados). Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 90, houve profundas mudanças em relação à prática assistencial em hemoterapia. A presença do profissional, com conhecimento específico na área de atuação, tornou-se fundamental. A enfermagem não ficou alheia à mudança e passou a desenvolver atividades em várias áreas. Captação. É neste setor que se inicia a sensibilização do doador quanto à importância do ato praticado. O enfermeiro atua esclarecendo dúvidas, minimizando os seus maiores medos, proporcionando segurança aos doadores. Triagem clínica do doador: Em alguns estados brasileiros, pode ser realizada pelo enfermeiro. Essa prática não é adotada no estado de Minas Gerais1. É Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 288 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. e armazenamento; i) o processo transfusional2. importante salientar que a entrevista com o doador é um contato único, em que o profissional aborda questões desde a história clínica até o seu comportamento no que se refere ao uso de drogas ilegais e práticas sexuais. Dentre os dados colhidos na entrevista e no exame físico, o doador é classificado como apto ou inapto4. Triagem hematológica. Nesse setor é verificado o peso corporal que deve ser superior a 50Kg, a temperatura corporal e a dosagem de hemoglobina ou hematócrito. O enfermeiro exerce a função de organização, avaliação das técnicas e planejamento3. Coleta de sangue. É processada pela equipe de enfermagem (enfermeiros, auxiliares, técnicos de enfermagem e auxiliar administrativo). Na sala de coleta, o enfermeiro trabalha principalmente em atividades de supervisão e de liderança, garantindo a qualidade do sangue doado e visando à segurança do doador. Hemotransfusão. O ato transfusional é de responsabilidade médica. O trabalho do enfermeiro na sala de transfusão, ou à beira do leito do paciente receptor de hemocomponentes está relacionado com várias atividades. A atuação vai desde o critério com as anotações referentes ao procedimento como, por exemplo, conferência da identificação do paciente, do hemocomponente prescrito, do número e validade da bolsa. Ainda é função do enfermeiro o acompanhamento das atividades realizadas pelos técnicos e atenção especial aos minutos iniciais do procedimento transfusional, quando podem ocorrer intercorrências, muitas vezes graves. Para tanto, faz-se necessária capacitação específica em hemoterapia para Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. assegurar a qualidade de serviços e dos produtos oferecidos. Somente o zelo do profissional e o compromisso com a excelência permitirão a segurança necessária para a condução do complexo procedimento, diminuindo riscos potenciais inerentes à transfusão. A enfermagem conquistou um espaço significativo na hemoterapia e participa de maneira expressiva de equipe multidisciplinar; desenvolve diversas atividades relacionadas com o doador de sangue e presta cuidado ao paciente durante o período pré, intra e pós transfusional. A resolução do COFEN-3066 fixa as competências e atribuições do enfermeiro em hemoterapia, a saber: “a) Planejar, executar, coordenar, supervisionar e avaliar os procedimentos hemoterápicos e de Enfermagem nas Unidades, visando a assegurar a qualidade do sangue e hemocomponentes hemoderivados coletados e infundidos. 289 Florizano, AAT e Fraga, O de S b) Assistir de maneira integral os doadores, receptores e suas famílias, tendo como base o código de ética profissional de enfermagem e a legislação vigente. c) Promover e difundir medidas de saúde preventivas e curativas através da educação de doadores, receptores, familiares e comunidade em geral, objetivando a saúde e segurança dos mesmos. d) Realizar a triagem clínica, visando à promoção da saúde e segurança do doador e do receptor minimizado os riscos de intercorrência. e) Realizar a consulta de enfermagem, objetivando integrar doadores aptos e inaptos, bem como receptores no contexto hospitalar, ambulatorial e domiciliar, minimizando os riscos de intercorrências. f) Participar do programa de captação de doadores. g) Proporcionar condições para o aprimoramento dos profissionais de Enfermagem atuantes na área, através de cursos, reciclagem e estágios em instituições afins. h) Participar da elaboração de programas de estágio, treinamento e desenvolvimento de profissionais de Enfermagem nos diferentes níveis de formação. i) Participar da definição da política de recursos humanos, da aquisição de material e da disposição da área física, necessários à assistência integral aos usuários. j) Cumprir e fazer cumprir as normas, regulamentos e legislações vigentes. k) Estabelecer relações técnico-científicas com as unidades afins. integral ao doador, receptores e familiares. m) Assistir, orientar e supervisionar o doador, durante todo o processo hemoterápico, frente às possíveis intercorrências. n) Elaborar a prescrição de enfermagem, necessária para as diversas etapas do processo hemoterápico. o) Avaliar e evoluir doador e receptor, junto à equipe multiprofissional. p) Executar e/ou supervisionar a administração e a monitorização da infusão de hemocomponentes e hemoderivados, detectando as eventuais reações adversas. q) Registrar informações e dados estatísticos, pertinentes à assistência de Enfermagem ao doador e receptor. r) Manejar e monitorizar equipamentos específicos de hemoterapia. Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 290 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. l) Participar da equipe multiprofissional, procurando garantir uma assistência s) Participar de programas de conscientização de famílias e comunidade sobre importância da doação de sangue. t) Desenvolver pesquisas relacionadas à hematologia e à hemoterapia e participar delas”. A Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Superior (CNE/CES Nº3) institui as Diretrizes Curriculares Nacional do Curso de Graduação em Enfermagem a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior no País e estabelece que a formação do enfermeiro deve ser generalista, humanista, crítica e reflexiva. O artigo 4º cita que a formação tem como objetivo dotar os profissionais da enfermagem de conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: atenção à saúde; tomada de decisões; comunicação; liderança; administração e gerenciamento; educação permanente. Tal resolução não estabelece a formação do enfermeiro como especialista. Por esse motivo, falta o conhecimento necessário para o graduando qualificar-se para o exercício de atividades relacionadas à hemoterapia. Tal fato implica a necessidade de capacitação específica em nível de pós-graduação. Hemoterapia no século XXI O substituto ideal para o sangue humano é o produto que realize inteiramente a função do componente, seja de fácil obtenção, possa ser estocado por longos Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. períodos e facilmente transportado, não transmita agentes infecciosos e não desencadeie nenhuma reação adversa. O desafio da hemoterapia é preparar um produto que, além de mimetizar o comportamento do sangue humano não traga nenhum agravo ao organismo. Ainda não se chegou a esse ponto, mas alguns avanços nesse sentido já ocorreram. Alguns medicamentos e técnicas estão sendo adotados como, por exemplo, o uso de fatores de crescimento (eritropoetina, trombopoetina) que tem contribuído para a redução das transfusões, especialmente em pacientes nefropatas, que necessitam de hemodiálise periódica. Embora a terapia celular tenha se iniciado no século passado, o avanço dos estudos da nova técnica está relacionado a vários fatores: falta de doadores; validade limitada dos componentes; necessidade de compatibilidade em pacientes aloimunizados; grande avanço de doenças transmissíveis pelo sangue; reações adversas da transfusão; questões religiosas. Na década de 1990, foi introduzida de 291 Florizano, AAT e Fraga, O de S forma sistêmica a coleta de células tronco do sangue periférico e de linfócitos como importantes terapias para uma grande quantidade de doenças. O século XXI inicia-se com a possibilidade concreta de estabelecer as bases da medicina regenerativa, devido às propriedades das células tronco embrionárias e células tronco do indivíduo adulto que são capazes de regenerar todas as células e tecidos corporais. A capacidade de determinadas células de se diferenciarem para a formação de um outro tecido tem sido objeto de intenso estudo por parte dos cientistas, atentos à possibilidade de que venham a comportarem-se como substitutas de tecidos lesionados ou doentes. Pesquisas mostram que células-tronco podem recompor tecidos danificados. Se obtidas a partir de tecidos maduros, são mais especializadas e dão origem apenas a alguns tecidos do corpo, enquanto as embrionárias se mostram com maior eficácia para a formação de qualquer tecido, devido à sua pouca diferenciação. Espera-se que células lesadas, ou com função pouco eficiente, das mais variadas categorias, possam ser substituídas em qualquer órgão por células jovens induzidas a desempenhar as tarefas das células originais. Há necessidade de comprovação de vários conhecimentos e técnicas nessa área ainda incipiente. Os resultados com célula-tronco para transplante de medula são animadores (ainda no nível de pesquisas). Hoje é possível armazenar o cordão umbilical no momento do parto. Como nele se encontra um grande número de células-tronco hematopoiéticas, células de cordão ficariam imediatamente disponíveis e não haveria necessidade de localizar o doador compatível e submetê-lo à retirada da medula óssea. Estão em fase de teste três tipos de sangue artificial. Os cientistas sonham produzir um tipo que seja universal, acessível em grande escala, livre de contaminação e com um tempo de armazenamento superior aos 35 dias que o sangue natural normalmente dura nos bancos. As variedades de sangue artificial são injetáveis, como na transfusão normal. Feito à base de hemoglobina humana ou bovina - a substância é extraída do sangue natural e modificada com outros compostos químicos para eliminar reações adversas. O terceiro tipo é feito à base de perfluorocarbonos (PFCs) - um composto químico sintético à base de flúor que pode desempenhar o mesmo papel da hemoglobina na corrente sanguínea. Apesar de o futuro ser promissor, nenhum dos Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 292 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. em caso de necessidade do transplante de medula, em qualquer fase da vida, essas tipos de sangue artificial parece servir para transfusões constantes, pois eles não têm todos os componentes do sangue natural. Os bancos de sangue continuarão, portanto, dependendo de doações. Discussão e Resultados A hemoterapia é uma área complexa que necessita de conhecimentos específicos em todo seu processo, exigindo um profissional habilitado e capacitado para que os procedimentos sejam realizados com a máxima segurança. Existem muitos equipamentos especiais, sofisticados e de alto custo e a tecnologia aponta para a necessidade da qualificação profissional. O trabalho do enfermeiro no ciclo do sangue caracteriza-se por diversas atividades que necessitam de preparo teórico e prático, não oferecido nos cursos de graduação. Para o desempenho na enfermagem hemoterápica é necessária uma prática especialista que ainda não foi normatizada para a enfermagem. Os desafios são grandes. O conhecimento específico e atualizado proporcionará condições para o profissional atuar e intervir nas intercorrências que possam advir. Sem essa formação, é impossível garantir a qualidade dos serviços prestados nos hospitais, pronto atendimento e unidades hemoterápicas. Com o surgimento de novas técnicas em hemoterapia, o trabalho da enfermagem é confrontado com a necessidade de atualização do conhecimento acerca da terapia Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. com sangue, seus hemocomponentes e hemoderivados, mantendo padrão de qualidade crescente. A formação do enfermeiro é generalista, porém não deve ser esquecida a especialização, pois uma prática especialista não significa fragmentar-se e sim aprofundar os seus conhecimentos em uma área específica para atender as exigências do mercado de trabalho. A escassez de trabalhos científicos, contemplando o papel do enfermeiro na hemoterapia do séc. XXI, aponta para a necessidade de uma discussão junto às universidades/ faculdades para uma assistência hemoterápica de qualidade. A inserção da hemoterapia transfusional dentro das disciplinas de semiologia e semiotécnica estaria preparando melhor o graduando, proporcionando segurança para trabalhar na área e assegurando a qualidade dos serviços prestados. 293 Florizano, AAT e Fraga, O de S A resolução do COFEN-3066, que fixa as competências do enfermeiro em hemoterapia, surgiu em 18 de janeiro de 2007, confrontando-se com a Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Câmara Superior de Educação5 que já estava em prática desde sete de novembro de 2001. Isso leva a propor não só mudanças na grande curricular, mas também na resolução do COFEN. Para trabalhar em hemoterapia, é necessária uma especialização. Referências Bibliográficas 1. Borges TS, Vidigal DC. Avaliação da Divisão de Enfermagem da Fundação Hemominas no acompanhamento dos Serviços - Uma Estratégia de Ação. 63f. Monografia (Especialização em Qualidade e Vigilância em Hemoterapia) Escola de Saúde Publica; 2005. 2. Bordin JÔ, Langhi Júnior DM, Covas DT. 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Fazendo a diferença: captando doadores de sangue voluntários, não remunerados/Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho: coordenação da edição em português de Nelly Marin. – Brasília: Organização Pan – Americana da Saúde; 2004. Desafios da Enfermagem Frente aos Avanços da Hemoterapia 294 Rev. Meio Ambiente Saúde 2007; 2(1): 282-295. Hematologia e Hemoterapia 2004; 26(2):93-98. 8. Guerra CCC. Fim da doação remunerada de sangue no Brasil faz 25 anos. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia 2005; 27(1):1-4. 9. Junqueira PC, Rosenblit J, Hamerschlak N. Historia da Hemoterapia no Brasil. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia 2005; 27(3):201-207. 10. Lima MJ. O que é enfermagem. 3ª Ed. São Paulo: Brasiliense; 2005. 11. Ludwig ST, Rodrigues ACM. Doação de Sangue: Uma Visão de Marketing. Cadernos de Saúde Publica 2005; 21(3):932-939. 12. Moura AS, Moreira CT, Machado CA, Vasconcelos Neto JÁ, Machado MFAS. 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Janeiro; 2001. ____________________________ Endereço para correspondência Rua Duarte Peixoto 259 Manhuaçu MG CEP 36900 000 295 Recebido em 01/06/2007 Revisado em 11/07/2007 Aprovado em 02/08/2007 Florizano, AAT e Fraga, O de S