TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM HEMOTERAPIA: ESTUDO EXPLORATÓRIO DE UMA PROFISSÃO Autoras: Daiana Crús Chagas Márcia Raposo Lopes Janete G. Evangelista Isis P. Coutinho Roberta C. Corôa Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/ Observatório dos Técnicos em Saúde Objetivos da Investigação Analisar e compreender aspectos relacionados ao processo de qualificação dos trabalhadores técnicos em Hemoterapia: 1. Em qual contexto histórico-social se estabeleceu o campo de trabalho deste profissional? 2. Como se deu o processo de institucionalização da formação técnica em hemoterapia? 3. Como se dá a organização do trabalho deste profissional ? Desafios da Investigação Quem é o trabalhador técnico em hemoterapia? Aonde encontrá-lo? Onde este trabalhador é formado? Como é o seu processo de trabalho? Bibliografia insuficiente, aborda prioritariamente aspectos da doação e/ou transfusão de sangue ou enfoca o trabalho realizado pelos profissionais de nível superior (biomédicos, biólogos, hematologistas, etc); Caminhos da Investigação Revisão bibliográfica e documental acerca da história da hemoterapia no Brasil; Entrevistas com informantes-chave; Identificação dos marcos regulatórios da formação deste profissional; Pesquisa de campo junto ao Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti (Hemorio): observação participante e entrevistas com trabalhadores. A Constituição da Hemoterapia no Brasil Século XX: Especialidade Médica. Médicos-cirurgiões, trabalhadores da enfermagem e, posteriormente, trabalhadores de laboratórios; Década de 1940: primeiros bancos de sangue; amplo uso da doação remunerada; 1º Congresso Paulista de Hemoterapia; fundação da Sociedade Brasileira de Hemoterapia e Hematologia (SBHH); Década de 1950: Tecnologia de fracionamento do sangue; multiplicação de pequenos bancos de sangue; comércio do sangue; utilização do sangue total; A Constituição da Hemoterapia no Brasil Características do período (Primeira metade século XX): - Máximo de lucro e mínimo de investimento; -“Era do Dinheiro do Sangue”; - Ausência de normas reguladoras; - Número insuficiente de pessoal especializado de nível técnico e superior; - Atraso na implementação de terapias para tratamento do sangue; A Constituição da Hemoterapia no Brasil Década de 1960 e 1970: Primeiras normatizações do sangue; criação da Comissão Nacional de Hemoterapia; Política Nacional de Sangue e Hemoderivados; INPS e pequenos bancos de sangue ; Cooperação-Técnica Franco-Brasileira; Relatório Cazal; Década de 1980: Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados (Pró-Sangue); o clamor social da Aids; “Salve o Sangue do Povo Brasileiro” e o “Tribunal do Henfil”; a Constituinte e os debates pela privatização X estatização do sangue; CF 88 e a proibição do comércio do sangue; Plano Nacional de Sangue e Hemoderivados (Planashe); A Constituição da Hemoterapia no Brasil Características do período (Décadas de 1960 a 1980): - Sangue como questão de segurança nacional; -Tentativas de regulamentação do setor e a ausência de poder de execução e fiscalização; - Tentativas de reestruturação do campo e influência do modelo francês: hemocentros e formação de pessoal; - Aumento do processamento in vitro, predominância da separação dos componentes do sangue ao invés do uso do sangue total - A busca da qualidade do sangue: controle de qualidade, testes sorológicos e cadastro de doadores; -Estatização do sangue e estruturação de um sistema hemoterápico brasileiro; -Consolidação da hemoterapia como atividade médico-sanitárias, sem fins lucrativos. A Constituição da Hemoterapia no Brasil Década de 1990 : Expansão da hemorede nacional (hemocentros); Anvisa e a Política Nacional de Sangue; produção nacional de hemoderivados; Década de 2000: Plano Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados; Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás); Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio (Profaps). A Constituição da Hemoterapia no Brasil Características do período (Décadas de 1990 a 2000): - Conformação de uma rede hemoterápica nacional; - Busca da autosuficiência nacional na produção de insumos hemoderivados; - Reunião das duas faces da atividade hemoterápica: • Captação/processamento/distribuição e transfusão do sangue; • Produção de hemoderivados e produtos industrializados do sangue para abastecer o SUS; -Busca pela maior qualidade do plasma nacional. Preocupação com a formação de recursos humanos para atuar especificamente no trato do sangue; Formação Técnica na área de Hemoterapia Até a década de 1960 não havia exigência de formação específica para atuar na área de hemoterapia; Conforme foram se dando as regulamentações do setor sangue foi-se explicitando qual deveria ser o nível (médio ou fundamental) e o tipo de formação necessária para o serviço: enfermagem (atendentes, auxiliares e técnicos), e laboratórios (auxiliares e técnicos); Formação Técnica na área de Hemoterapia Resolução CFE nº 2/ 72: habilitação de “Auxiliar técnico de banco de sangue” afim à habilitação de “Técnico de laboratórios médicos”; Parecer CFE nº 59/ 90: habilitação técnica em hemoterapia e em hematologia e seus currículos específicos; Cursos de atualização/qualificação profissional em hemoterapia para técnicos em laboratório, análises clínicas e categorias afins, no local de trabalho, em hemocentros de referência, ou por treinamento à distância; Formação Técnica na área de Hemoterapia Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (2008): habilitação em hematologia agregada à habilitação em hemoterapia; Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio (2011): Técnico em Hemoterapia: diretrizes e orientações para a formação. Regulamentação e Organização do Trabalho O trabalho do técnico em hemoterapia não é regulamentado. Embora exista a regulamentação da formação, não há exigência formal para o exercício da atividade; há registro de concursos públicos para o cargo, com exigência de experiência na função; A configuração do campo faz com que os trabalhadores que atuam no ciclo do sangue estejam inscritos nos Conselhos de Enfermagem (técnico de enfermagem) ou de Farmácia (técnico em análises clínicas); Condições da organização do trabalho Formação específica em hemoterapia predominante no trabalho, com supervisores, colegas ou em cursos de curta duração; “Até entrar aqui eu nunca tinha feito nenhum curso da área da hemoterapia. Aqui temos os treinamentos e outros cursos que a instituição oferece para conhecermos o trabalho, porque realmente não temos nada assim na nossa formação de técnico de laboratório. Nós não aprendemos rigorosamente nada da área de hemoterapia. Tudo que eu aprendi sobre hemoterapia foi aqui” (Técnico no setor de fracionamento). Condições da organização do trabalho Ausência de ethos profissional comum: trajetória profissional atrelada à incorporação das inovações tecnológicas e aos interesses de quem os contrata e treina; “Não existe essa identidade [técnico em hemoterapia]. Eu sou técnico em laboratório, acho que é uma questão de formação. É a formação que você tem. É o título que você tem. Quando eu me formei nem existia essa questão de técnico em hemoterapia. No meu caso específico – que também é o meu cargo – sou técnico em laboratório” (Técnico no setor de fracionamento). Condições da organização do trabalho Predominância de vínculo trabalhista precarizado; instabilidade, alta rotatividade e baixos salários: “Não existe essa questão do funcionário que é certo de estar ali. Ainda que eles possam permanecer bastante tempo, há uma boa rotatividade, um entra e sai, até pela situação salarial problemática. Então, qualquer outra coisa que se consiga, acaba levando o funcionário a sair. Eu acho que prejudica o bom andamento. Se tivesse menos rotatividade seria melhor. (...) Não pretendo continuar na hemoterapia. Principalmente, porque não é vantajoso financeiramente. Especialmente, no serviço público. Eu não tenho grandes pretensões de seguir estudos na área de hemoterapia” (Técnico no setor de fracionamento). Considerações finais A hemoterapia nacional se originou tendo em vista a dicotomia entre o lucro do comércio do sangue e a prática médica. Após a regulamentação e a estatização do campo, a autosuficiência em hemoderivados e a qualidade do plasma são o novo objetivo das políticas públicas; Embora exista uma política específica para a formação de trabalhadores do setor público, permanece a ausência de regulamentação do trabalho do técnico em hemoterapia; O reconhecimento e a regulamentação da profissão podem contribuir para a construção de uma identidade profissional de grupo, fortalecendo o conhecimento existente sobre a atividade, a sensação de pertencimento, de autovalorização e, consequentemente, tornando possível a luta por reconhecimento, salários e direitos trabalhistas específicos. Referências Bibliográficas • DIAS, A. G. Hemoterapia no Brasil, 1942 a 1947. Revista Médica. Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, (1): 34 jan.-mar. 2000. Disponível em: <www.hse.rj.saude.gov.br/profissional/revista/34/hemote.asp> . Acesso em: 15 jun. 2011. • EPSJV. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Org.). Textos de Apoio em Hemoterapia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000a. (Série Trabalho e Formação em Saúde) v. 1 e 2. • JUNQUEIRA, P. C.; ROSENBLIT, J. & HOMERSCHALAK, N. História da Hemoterapia no Brasil. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, 27(3): 201-207, jul.-set. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-84842005000300013. Acesso em: 30 jun. 2011. • LIMA, J. C. F. A formação dos trabalhadores técnicos em saúde no Brasil. In: PRONKO, Marcela et al. (Orgs.). A Formação de Trabalhadores Técnicos em Saúde no Brasil e no Mercosul. Rio de Janeiro: EPSJV, 2011. • PIMENTEL, M. A. A Questão do Sangue: rumos das políticas públicas de hemoterapia no Brasil e no exterior, 2006. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Referências Bibliográficas •SANTOS, L. A. de C.; MORAES, C. & COELHO, V. S. P. A hemoterapia no Brasil de 64 a 80. Physis – Revista de Saúde Coletiva, I(I): 161-182, 1991. SANTOS, L. A. de C.; MORAES, C. & COELHO, V. S. P. Os anos 80: a politização do sangue. Physis – Revista de Saúde Coletiva, 2(1): 107-149, 1992. • SANTOS, L. A. de C.; MORAES, C. & COELHO, V. S. P. A politização do sangue no primeiro mundo. Physis – Revista de Saúde Coletiva, 3(2): 165-192, 1993. • SILVA, C. et al. A clínica da atividade: dos conceitos às apropriações no Brasil. In: BENDASSOLLI, P. & SOBOLL, L. (Org.). Clínicas do Trabalho: novas Perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Editora Atlas, 2011. • TARTUCE, G. L. B. P. Algumas reflexões sobre a qualificação do trabalho a partir da sociologia francesa do pós-guerra. Educação e Sociedade, 25(87): 353-382, maio-ago. 2004.