ROGÉRIO DUPRAT E A TROPICÁLIA
Regiane Sanches Gaúna
FUNDARTE (Fundação das Artes de São Caetano do Sul)
Professora de História da Música Européia e Brasileira
[email protected]
Resumo: Rogério Duprat é um dos compositores mais importantes no
cenário da cultura brasileira a partir da década de 1960, até os dias de hoje.
Sua atuação se deu no âmbito da música erudita, popular e na criação de
trilhas sonoras, principalmente para o cinema. A trajetória artística do
compositor foi marcada, fundamentalmente, pela participação em dois
movimentos culturais de vanguarda: Música Nova e Tropicália, que
marcaram o Brasil, assim como alguns países da América Latina. Sendo
assim, o ponto central desta comunicação é abordar e elucidar a
contribuição de Duprat como, um dos principais, arranjador e orquestrador
da Tropicália. Sua presença na cultura brasileira caracterizou-se por seu
perfil renovador, e isso não se deve apenas ao fato de ter integrado esses
movimentos culturais, mas em especial por ter transitado em diferentes
faces musicais. Além de fazer parte da primeira geração de compositores
brasileiros a utilizar o computador em experiências musicais, foi um dos
pioneiros na adoção do happening como expressão e na utilização de
elementos da música concreta e eletrônica como possibilidade de criação.
Palavras-chave: Duprat, Tropicália, arranjos.
Abstract: Rogério Duprat is one of the most important composers in the
Brazilian musical scene from the 60's until today. His works go from classical
and popular music to the creation of soundtracks, mainly for movies. His
artistic journey was determined mainly by his participation in two vanguard
cultural movements: New Music (Música Nova) and Tropicália, important in
Brazil and some Latin American Countries. Therefore, discussing and
clarifying Duprat´s contribution as one of the central arranger and composer
of Tropicalia is this Seminar's main point. His presence in the Brazilian
cultural scene was characterized by his refreshing spirit, and not only
because of his participation in the art movements mentioned above, but also
for having moved through different musical aspects. Aside from being part of
the first generation that used the computer in musical experiences, he was
one of the first musicians to adopt the concept of the happening as a way of
expression and to use elements of concrete and electronic music as a
creative possibility.
Key Words: Duprat, Tropicália, arrangements.
ROGÉRIO DUPRAT E A TROPICÁLIA
A Tropicália foi um movimento artístico divulgado em nível nacional nos
festivais de música popular brasileira, sobretudo, entre os anos de 1967 e 1968,
através das músicas “Alegria, alegria” e “Domingo no parque” de Caetano
Veloso e Gilberto Gil, respectivamente. Apesar deste movimento ter se
estendido à literatura de vanguarda, à estética de filmes como Macunaíma, de
Joaquim Pedro de Andrade, peças de teatro como O rei da vela, de Oswald de
Andrade, dirigida por José Celso Martinez Corrêa e às artes plásticas com os
Parangolés, de Hélio Oiticica, a música popular tem sido considerada o seu
maior expoente, dada a larga adesão por parte de diversos músicos, a exemplo
de Tom Zé, Capinam, os integrantes do grupo Os Mutantes, Torquato Neto, Gal
Costa e outros.
O ideário estético da Semana de Arte Moderna de 22 foi uma das
principais influências sofridas pelos tropicalistas. Para uma mistura de
conteúdos singulares da cultura, tratada por eles como "geléia geral", somaram
aos tradicionais instrumentos elétricos os ritmos brasileiros, elementos da bossa
nova, o happening, o samba, a poesia concreta, The Beatles, literatura de cordel
às letras das canções, sem, contudo, deixar de lado a crítica social introduzida
pelo humor, paródia, alegoria e o cafonismo. Segundo Favaretto, além da
Tropicália elaborar uma nova linguagem para a canção a partir da tradição da
música popular brasileira e dos elementos que a modernização fornecia, "a
prática tropicalista incorporava o caráter expressivo do momento às
experiências culturais e artísticas que vinham se processando no Brasil e
internacionalmente; trabalhava essas informações segundo a vivência do
cosmopolitismo dos processos artísticos e com atinada sensibilidade pelas
coisas do Brasil" (1987: 20).
Assim como os maestros Julio Medaglia, Damiano Cozzella e Sandino
Hohagen, Rogério Duprat participou deste movimento como arranjador. No
entanto, no início da década de 1960, antes de sua participação no
Tropicalismo, Duprat já havia atuado em diferentes campos musicais. Como
arranjador, em 1962, assinou três discos: Natal bem brasileiro (coletânea de
temas natalinos arranjados ao estilo de marcha rancho) e, no ano seguinte, os
discos Dedicado a você (novos arranjos para o repertório popular da década de
1960) e Clássicos da bossa nova (temas de música erudita arranjados ao estilo
de bossa nova). Ainda em 1963, além de sua participação no movimento Música
Nova, havia sido premiado com o filme A ilha, como melhor trilha sonora, e
também incursionado na música para computador com a peça Klavibm II.
A partir da segunda metade da década de 1960, a aproximação de Duprat
com a música popular tornou-se mais acentuada. Desestimulado a compor
música erudita para uma pequena elite, passou a intensificar seus trabalhos no
âmbito popular: "Chega desse negócio de coisinha da música erudita enfiada só
dentro do teatro, para meia dúzia de milionários e tal. A gente tem é de sair,
fazer música na rua com o meios que houver. Foi aí que cheguei perto da
música popular" (ShowBizz, 2000: 57).
Nessa época, vislumbrou juntamente com o produtor Solano Ribeiro a
possibilidade de realização de um projeto musical popular que se diferenciasse
dos demais. Segundo Calado, eles "pretendiam adaptar a música sertaneja ao
ritmo do rock (1995: 103). No entanto, Duprat afirma que o projeto não se
restringia apenas à música sertaneja, mas,"todo e qualquer ritmo brasileiro
passível de integrar-se com as guitarras", ou seja, seu objetivo era transferir o
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html
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instrumental do rock para a música popular brasileira: "Seria uma 'injeção' de
modernidade. A 'bronca' era que só se fazia sambas e tocados com os
instrumentos acústicos brasileiros" (Entrevista, nov.,1999). O uso da guitarra
não era apenas um novo recurso dos instrumentos eletrônicos ao ambiente
acústico musical da música popular brasileira. Duprat acrescenta que "um novo
tipo de comportamento se apresentava nos anos 60 e incluir a guitarra, à nossa
música, era fazer valer os elementos desse novo comportamento" (Idem). Para
que seu projeto se realizasse, Duprat observou diversas bandas derock da
época, no entanto, apenas uma chamou-lhe a atenção. Tratava-se do grupo
O'Seis que costumava apresentar-se em alguns programas de TV e ensaiavam
no fundo de um quintal, num bairro da Pompéia, em São Paulo. Apesar desse
projeto não ter se concretizado, para Duprat, o grupo O'Seis era melhor do que
tudo o que tinha visto: "Parecia com os The Beatles, com seu humor e seu jeito
de cantar" (Vibrations, 1999: 43). Posteriormente, esse grupo tornou-se
conhecido como Os Mutantes.
As preocupações de Duprat acerca das renovações na música popular
abriram espaço para uma aproximação com os compositores baianos,
inicialmente Gilberto Gil e, posteriormente, aqueles que integrariam o que seria
chamado movimento Tropicalista.
No ano de 1967, Rogério Duprat fora indicado, como arranjador, pelo
maestro Julio Medaglia, ao cantor e compositor Gilberto Gil,
que colaborava com a equipe de produção do festival
da TV Record - a seleção das canções para as três
eliminatórias aconteceu na casa do maestro, no bairro
da Lapa. Na verdade, Medaglia até já começara a
escrever o arranjo orquestral de “Domingo no Parque”,
mas ao ser convocado para integrar o júri do evento,
teve que interromper o trabalho. Assim, acabou
indicando Duprat, assegurando que ele tinha bagagem
musical e criatividade de sobra para desempenhar o
papel de George Martin, na linha beatle que Gil
imaginara para sua composição. (Calado, 1997: 123)
Gilberto Gil idealizava um arranjo para sua canção “Domingo no parque”
que se assemelhasse ao estilo da banda inglesaThe Beatles. Calado diz que
ele "pretendia combinar a sonoridade nordestina do quarteto com uma
orquestra, porém dando à música um tratamento sonoro mais pop, exatamente
como o produtor George Martin fizera nos arranjos de Sgt. Pepper`s Lonely
Hearts Club. Para isso, observou, uma guitarra elétrica seria essencial no
arranjo da canção" (Calado, 1997:122). A fim de tornar possível a idéia de Gil,
Duprat o apresentou aos integrantes do grupo Os Mutantes que, de fato,
participaram desse arranjo.
No livro Balanço da bossa e outras bossas, Gilberto Gil tece comentários
sobre o processo criativo do arranjo de “Domingo no parque”ao lado de Duprat:
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Rogério tem, em relação à música erudita, uma
posição muito semelhante à que nós temos em
relação à música popular. Essa posição de
insatisfação ante os valores já impostos. Ele quer
desenvolver a música erudita, ele não quer sujeitá-la a
um sentido acadêmico. Eu acho que é, precisamente,
por essa coincidência de propósitos, que a
aproximação era inevitável. Por exemplo: quem
procurar saber como foi feito o arranjo de “Domingo no
parque”, fica sabendo que ele se processou nesse
nível de aproximação, de programação conjunta, por
nós dois. Eu mostrei a Rogerio a música e as idéias
que eu já tinha e ele as enriqueceu com os dados
técnicos que ele manuseia e eu não: a orquestração, o
conhecimento da instrumentação. Mas a decupagem
do arranjo, a determinação de que climas funcionariam
em determinadas partes, que tipos de instrumento,
que tipos de emoção, todas essas coisas foram
planejadas juntamente por mim e pelo Rogério.
Inclusive, o arranjo foi feito gradativamente. Nós nos
sentamos, durante 4 ou 5 dias, em tardes
consecutivas e fomos discutindo, formulamos,
reformulamos e até no estúdio ainda fizemos
modificações em função das sonoridades que
resultavam. Foi um trabalho realmente feito em
conjunto. (Campos, 1993: 195)
Para Favaretto, “Domingo no parque” causou impacto pela complexidade
construtiva do arranjo que ele e Rogério Duprat realizaram, segundo uma
concepção cinematográfica:
[...] assim como a interpretação contraponteada
de Gil. Aquilo que se poderia tornar apenas a narração
de uma tragédia amorosa, vivida em ambiente popular,
tornou-se uma féerie em que letra, música e canto
compõem uma cena de movimentos variados, à
imagem da festa sincrética que é o parque de
diversões. O processo de construção lembra as
montagens eisensteinianas; letra, música, sons,
ruídos, palavras e gritos são sincronizados,
interpenetrando-se como vozes em rotação. (1979: 9)
Augusto de Campos também esteve atento à riqueza de informações
presente no arranjo de “Domingo no parque”, quando observou que a junção
de fragmentos documentais (ruídos no parque) com o uso de instrumentos
orquestrais somada ao ritmo marcadamente regional, a exemplo da capoeira,
com o berimbau associado aos instrumentos elétricos e à vocalização típica de
Gil, deu origem a um arranjo bastante complexo e assinala que,
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html
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[...] aqui deve ser lembrada a contribuição do
arranjador, Rogério Duprat, no caso, essencial, e em si
mesma um ma rco para a música popular brasileira.
Marco de uma colaboração que muitos julgariam
impossível entre um compositor de música popular e
um compositor de vanguarda (embora Rogério não
goste de ser chamado assim, seus conhecimentos e
sua prática de alta cultura musical contemporânea não
suportam outra classificação). Esse encontro, tão bem
sucedido, mostra que já não há barreiras
intransponíveis entre a música popular e a erudita.
(1993: 154)
Fruto de uma colaboração inusitada entre um compositor popular
preocupado com a reformulação da canção e um músico com formação
suficiente para traduzir tal reformulação. O arranjo da canção “Domingo no
parque” pode ser considerado, não apenas um marco para a música popular
brasileira, como Campos sugeriu, mas um marco na carreira de Duprat a
inauguração de um estilo sincrético que ele adotaria, a partir de então, na
maioria de seus arranjos. Ruídos, gritos e instrumentos regionais somados a
instrumentos elétricos e orquestrais compõem o ambiente sonoro de “
Domingo
no parque”. Esse recurso de fazer coexistir elementos aparentemente
disparatados, em uma mesma canção, tornou-se uma de suas marcas
estilísticas como arranjador. E além disso, não se pode esquecer que Duprat,
como compositor de trilhas sonoras, trouxe a seu trabalho de arranjador
influências dessa experiência. É possível que Favaretto, ao relacionar o arranjo
de “Domingo no parque”a concepções cinematográficas, tenha percebido tais
influências.
Junto com seus trabalhos ao lado dos tropicalistas, veio o reconhecimento
de um público cada vez maior. Sua notoriedade como arranjador deveu-se
especialmente a este trabalho ao lado de Gilberto Gil pelo qual obteve o prêmio
de melhor arranjo do III Festival Música Popular Brasileira, da TV Record, em
1967, destacando-se, ainda, diversos prêmios recebidos, o prêmio Roquete
Pinto de melhor arranjador do ano de 1967 e o Troféu André Kostelanetz, como
melhor arranjo do Festival Internacional da Canção (TV Globo), nos anos de
1968 e 1970.
Rogério Duprat foi o diretor musical e arranjador da grande maioria dos
trabalhos tropicalistas, e isso inclui Tropicália ou Panis et Circensis, de1968,
disco coletivo que os tropicalistas gravaram em São Paulo, comumente
associado ao ápice musical do movimento Tropicalista. Caetano Veloso
coordenou o projeto e selecionou o repertório, que também destacava canções
inéditas de Gilberto Gil, Torquato Neto, Capinam e Tom Zé, com a produção de
Manoel Barenbein (Calado, 1997: 194). Nesse mesmo ano, Duprat assinou o
arranjo da canção “É Proibido proibir” e, no ano seguinte, o arranjo da canção
“Baby”, ambas de Caetano Veloso que considera esta última um sucesso pelo
fato de ter sido revelada na "voz de Gal Costa e no arranjo de Duprat, uma
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obra-prima do tropicalismo" (Veloso, 1997: 280). A respeito da atuação de
Duprat como arranjador, o maestro Julio Medaglia diz:
Realmente ele não foi fazer 'média' com a música
popular. Foi levar todo o seu talento, a sua inteligência
brilhante e a sua capacidade técnica que trazia de
outras faces culturais e sobretudo, o espírito da época,
daquela década de 1960, onde ele atuou. Tudo isso
prevê um gigantesco caldeirão orquestrado, tão bem,
talvez como nenhum outro tenha feito. (Entrevista à TV
Cultura, série Arranjadores, agosto, 1992)
Seus arranjos refletem um estilo bastante personalista. Esse aspecto
pode ser percebido, por exemplo, na música “Coração Materno”, uma das
faixas incluídas no álbum Tropicália ou Panis et Circensis, anteriormente
mencionado. Calado a considera como uma clássica canção-dramalhão do
cantor e compositor Vicente Celestino que "resultou em um dos mais bemacabados produtos da tática tropicalista de reler obras cafonas. Caetano
conseguiu isso com uma interpretação suave, que atenuou a pieguice original
da canção, criando um contraste com o tom melodramático do arranjo de
cordas de Duprat" (1997: 194). Caetano Veloso impressionado com o arranjo
dessa canção, tece comentários:
Salve o arranjo de “Coração Materno”, que coisa
deslumbrante ele fez! Sabe, que eu na hora de gravar
fiquei comovido, impressionado...é lindo aquilo!
Porque mantém a grandiosidade de idéia, tem a dose
de irônia exata e ao mesmo tempo, você sente uma
cultura de orquestração operística. Era uma coisa, que
na verdade, um desejo do Vicente Celestino, que não
estava bem realizado no Vicente Celestino, quer dizer,
numa versão que deveria ser uma versão caricata que
era a minha, estava muito menos caricata. Muitos dos
elementos constitutivos daquele estilo estavam
melhores representados no arranjo de Rogério, do que
na gravação do Vicente Celestino, mais a sério, indo
mais fundo naquilo. (Entrevista ao programa Ensaio,
out., 1992)
A necessidade de colocar em prática tudo o que sabia fazer em música
fez com que Duprat fundisse diferentes estilos, muitas vezes, em um só
arranjo. Dessa forma, acrescentava às canções, para as quais o arranjo estava
sendo elaborado, uma forma muito particular de compor as cordas e os metais,
ou seja, suas orquestrações ganhavam praticamente uma autonomia paralela,
permanecendo ao mesmo tempo integradas harmoniosamente às estruturas
das canções. Muito embora vinculados às canções, seus arranjos, muitas
vezes, assumiam um caráter composicional. O compositor Tom Zé, em
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html
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entrevista, mostra a correspondência existente entre os arranjos de Duprat e as
canções tropicalistas:
Durante toda a atuação do Rogério no
Tropicalismo era como se houvesse uma alma única
que trabalhasse todas as coisas. Aquilo estava de tal
modo enriquecido, ritmado, em todos os sentidos.
Como música popular de ter charme, balanço, de ter
tantas coisas bem colocadas instrumentalmente na
parte de sopros, de cordas, de coisas da banda e com
a linguagem das bandas daquele tempo. Tudo muito
bem adequado, como também na inteligência dos
arranjos. Aí, nesse sentido, da inteligência mais
universitária, oficial que eram as citações, o vestir, o
botar dentro de uma moldura. Parecia que a música
não existia sem aquela roupa. Quando fomos colocar
a voz no disco Tropicália eu me lembro que comentei
com os meninos, o Gil e o Caetano: "Vocês são uns
caras de uma sorte que não tem tamanho. Entregar as
músicas para uma pessoa e a pessoa entregar essa
coisa tão brilhante". Essa colaboração tão importante é
que nunca ouvi falar. A relação do Rogério em ouvir a
canção e procurar uma moldura, enriquecendo com
citações da linguagem nacional ou internacional. Se as
citações não fossem muito bem feitas tornavam-se
banais. O Gil e os Mutantes encontravam no Rogério o
pensamento criativo para orquestra. Isso é muito difícil
entre a sensibilidade das pessoas. (Entrevista,
outubro, 1995)
Em seguida, Tom Zé comenta a importância da presença de Duprat,
assim como dos maestros Damiano Cozzella e Julio Medaglia para o
enriquecimento do tipo de linguagem utilizada pelos tropicalistas:
No disco Tropicália ele fez o arranjo da minha
música “Parque industrial”. Nós combinamos quais
músicas íamos botar no disco e depois mandamos
para Rogério. Era fácil lidar com ele porque estava
sempre bem humorado, pedia sugestões, estava
sempre disposto a remodelar o que ele fazia. Os
primeiros arranjos, mandamos para arranjadores do
Rio. Quando as músicas voltaram arranjadas a
impressão que dava é que essas músicas eram
outras. Nunca conversei com o Caetano sobre isso,
mas ele fez um comentário na contracapa de um de
seus discos: "Estas músicas que um dia foram
minhas". Não vejo outra referência sobre isso. Quando
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não era o caso do Cozzella, do Julio ou do Rogério, o
susto que a gente tomava era muito grande.
O tropicalismo deve ao Cozzella e principalmente
ao Duprat e ao Medaglia, mais do que se credita a
eles. Acho que se não tivessem presentes naquele
momento com aquela formação do pós-moderno e
com o mesmo espírito crítico que foi uma das
prerrogativas
estéticas
mais
praticadas
no
tropicalismo, não teria sido tão rico de linguagem e de
força como foi. (Idem)
De maneira geral, a maioria dos álbuns dos anos 60 ou 70 arranjados por
Duprat são imediatamente reconhecíveis por suas interferências sonoras,
citações de músicas já conhecidas, ruídos, diálogos, mudanças de andamentos,
enfim, um mund o de colagens sonoras que revela algo de novo a cada escuta, e
como ele mesmo acrescenta:
Coisas que faziam parte da música erudita, a
desordem sonora, todos os valores de Cage. Eu fazia
happening com partituras escritas para aparelhos
domésticos, com coro lendo jornais do dia. Era tudo o
que os tropicalistas esperavam e que nós já
praticávamos há 10 anos. (Vibrations, 1999: 42)
No final da década de 1960, Duprat chegou a ser bastante conhecido por
um público mais abrangente e foi nesse período que gravou, no estúdio
Scatena, com produção de Manoel Barenbein, o LP A banda tropicalista do
Duprat (1968). Contando com a participação do grupo Os Mutantes, esse disco
destaca, além de algumas orquestrações para clássicos da MPB, como “
Chega
de saudade”de Tom Jobim e músicas do tropicalismo, como “Baby”de Caetano
Veloso e “Bat macumba” de Gilberto Gil, músicas de John Lennon e Paul
McCartney. Ao contrário do que se poderia pensar, Duprat não ficou satisfeito
com o resultado:
Não gosto muito daquilo. Eles forçaram muito,
aquela foto... O pai de Edu Lobo era produtor
[executivo]- já falecido, Deus o tenha em bom lugar-,
mas não entendia as coisas. Então me fizeram subir
em cima da mesa para bater fotografia... Coisa tão
boba, ingênua, cretina, mas, enfim, acabei fazendo
porque queria, tem umas coisas que eu gosto. Mas ele
sofreu um pouco do efeito desse negócio do
repertório, de me forçarem um pouco alguma música
internacional, mais comercializada (Showbizz, 2000:
59).
Surpreendentemente, no mesmo ano em que seu disco fora gravado,
Duprat declarou, em uma entrevista ao Jornal da Tarde, que o movimento
tropicalista era "coisa encerrada, um rótulo que não lhe interessava mais, uma
etapa superada" (1968: não p.).
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html
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Quanto aos festivais, declarou à imprensa da época ter desistido devido à sua
péssima qualidade, acrescentando, ainda, o fato de não suportar mais os
discursos solenes das entregas de prêmios. É importante lembrar que o prêmio
de melhor arranjador, em 1968, do Festival da Globo, Duprat não foi recebê-lo,
atribuindo sua atitude à sua opinião de que "para fazer 'média' com Os
Mutantes o júri agiu assim," e que, além do mais, para ele, esse título
temporário nada significava (Jornal da Tarde, 1968: não p.).
Muitos autores referem-se ao ano de 1968 como o auge do movimento
tropicalista. Onze anos depois, em 1979, Duprat dá uma Palestra no Festival
de Cinema em Gramado, que não trata especificamente do tropicalismo, mas
pode ser considerada uma espécie de balanço do que representaram os anos
60 para a cultura em geral e, mais especificamente, nacional. Nessa palestra,
ele diz que os anos 50 representaram para os músicos "a restauração dos
dodecafonistas, principalmente Webern, e um momento dos trabalhos super
ordenados, até matematicamente, das músicas concreta, serial e eletrônica,
com complicadíssimas estruturas e sistemas de notação, para circular entre
duas ou três pessoas". Em oposição a essa tendência estruturalista da música
dos anos 50, nos anos 60 iniciou-se o "'desbunde', inicialmente com a tímida
incorporação de irracionais extraídos de teorias probabilísticas, e logo
formando o cordão aleatório, com o sensacional John Cage de baliza"
(Gramado, 1979). Duprat destaca como elementos caracterizantes da cultura
dos anos 60, os "Beatles, cabelos, papos de comunidades não alinhadas,
hippies e contestação". Esses elementos representavam um distanciamento
com o que ele chamou de "Kultura com K maiúsculo", ao referir-se ao que
considerava uma cultura reacionária, e uma aproximação com a antiarte e a
contracultura:
Fomos ficando de mal com a 'Kultura' e
chegando mais à de massa. Os do K maiúsculo, que
não tinham visto passar nem a primeira banda
estruturalista dos 50, pegos de calças curtas, ficaram
berrando em defesa da ordem, da estrutura e da
grande arte, vejam só! Mas já era a era do grande
sonho, caminho sem retorno. O sonho acabou, mas já
tinha devastado tudo, demoliu o sistema, gerando
terrível abalo cósmico, para a perplexidade das novas
gerações dos dancing days de hoje. (Gramado, 1979)
Em 1983, num artigo escrito para a revista Leia, Duprat volta a tratar
desse assunto, expondo uma versão mais politizada acerca dos anos 60. Para
ele, o AI-5 foi instituído como uma reação do sistema ao descobrir que a
verdadeira subversão estava aliada a uma revolução no nível comportamental
e no campo da linguagem. A partir disso, o Brasil assistiu a "um verdadeiro
rapa, uma atroz e impiedosa caça às bruxas de que não se livraram nem os
aparentemente inofensivos Gil e Caetano engaiolados feito bichos nos sujos
porões da repressão, junto com outras centenas de cabeças que, cada uma à
sua moda, sabiam que tinha que ocorrer mudanças". (Leia, 1983: não p.)
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Duprat é comumente considerado o principal arranjador do tropicalismo.
Isso se deve, provavelmente, por ter sido capaz de transitar por diferentes
gêneros musicais de maneira singular e, além disso, ter encontrado meios de
aliá-los. Ao se tomar contato com seus arranjos, a impressão que fica é a de
que ele soube realmente traduzir, por intermédio de seus sons, o conteúdo
estético do tropicalismo.Talvez essa seja uma de suas contribuições, ter sido,
de fato, um artesão que compilou sonoridades que comungam com as canções
do repertório tropicalista, num tipo de união que resultou em um legado para a
música popular brasileira.
Assim como os tropicalistas encontraram em Duprat os elementos
necessários para as transformações que desejavam operar na música popular
brasileira, este por sua vez encontrou um ambiente propício para a viabilização
de muitas de suas concepções estéticas, ou como ele mesmo comenta: "Foi a
união da fome com a vontade de comer". Entretanto, ele diz humildemente:
"Não fui eu que fiquei dando aula para eles; ao contrário, eu aprendi comOs
Mutantes, com o Gil, com o Caetano..." (ShowBizz, 2000: 59). Sua postura
pode nos levar a pensar que seu papel no tropicalismo era apenas o de um
técnico musical a serviço dos ideais estéticos do movimento. Porém, essa
visão, difundida muitas vezes por ele próprio, deve ser redimensionada, pois
como visto anteriormente, ele foi um dos idealizadores dos princípios estéticos
que fundamentaram o movimento Música Nova. Ao apresentá-lo a Gilberto Gil,
Julio Medaglia conhecia a potencialidade de Duprat, não apenas no que se
referia a seus conhecimentos técnico-musicais, atributo que poderia ter sido
encontrado em outro profissional, mas sobretudo, sua concepção estética
voltada para a vanguarda, e sua vivência nessa área, estes sim, atributos que
somados aos ideais de transformação dos tropicalistas contribuíram para o
redirecionamento da música popular brasileira.
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Anais do V Congresso Latinoamericano da
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ROGÉRIO DUPRAT E A TROPICÁLIA Regiane Sanches