1.ª República e Republicanismo: Congresso Histórico
Internacional - Call for papers -
Cultura, movimentos culturais e memória:
“A saudade de Pascoaes e o destino colectivo de Portugal
– uma abordagem ao pensamento de Teixeira de Pascoaes
através do Livro de Memórias”
Elisabete Correia Campos Francisco
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Rua Eng.º Ferreira Dias, Lote 107, 3.º A
1950-119 Lisboa
[email protected]
A saudade de Pascoaes e o destino colectivo de Portugal – uma abordagem ao
pensamento de Teixeira de Pascoaes através do Livro de Memórias
Considerado um dos mais fecundos escritores da literatura portuguesa do século XX,
Teixeira de Pascoaes ficou conhecido pela sua filosofia da saudade. O amor que consagrou
à terra e às gentes e a apologia ao simples e humilde, tornaram-no um dos mais humanos –
e humanistas – pensadores nacionais.
A sua extensa obra é complexa, carregada de misticismo. A uma primeira fase, num
tom poético de intervenção cívica da Renascença, seguiu-se uma segunda e última fase
literária, bem distinta da primeira, e que foi caracterizada, por António Cândido Franco,
como “avassaladora” e “torrencial”. Aspirando ao universal e não ao particular, o poeta
solitário do Marão, deixou uma obra muitas vezes incompreendida e arrumada como a
última síntese romântica portuguesa. Contudo, intelectuais como Afonso Lopes Vieira,
Jaime Cortesão, António Correia de Oliveira ou uma segunda geração de modernistas
como José Gomes Ferreira e Florbela Espanca, devem-lhe muito do seu saudosismo. Não
menos o deve Fernando Pessoa, que teve no poeta de Sempre o ponto de partida para a
criação de uma nova poesia.
Recuperando o passado para o futuro, Teixeira de Pascoaes viu na saudade o impulso
para a esperança messiânica que acreditou ser regeneradora. Por isso, a sua saudade, foi
também a saudade da alma portuguesa. Coincidiram no seu destino. A sua maior quimera,
o sonho de poeta, foi ver a luz nas trevas e a vida, na morte. Foi acreditar no Encoberto e
numa manhã de nevoeiro. Ou não tivesse sido Pascoaes o poeta das sombras…
Através do Livro de Memórias, registo autobiográfico do autor, de um lirismo
comovente, propomo-nos compreender de que forma a saudade para o poeta, carregada de
dimensão ontológica, se cruzou com o destino colectivo de um Portugal que esperava o
que permanecia ausente…
O poeta da luz e das sombras, da vida e da morte, que desenvolveu a filosofia da
saudade, fez parte da “Renascença Portuguesa” (a partir de 1911) e foi dirigente do seu
órgão principal, a revista Águia (entre 1912 e 1916). Os anos anteriores tinham sido
conturbados e agitaram o país: o Ultimatum, o regicídio, a queda da Monarquia, a aurora da
República…sonhos que caíram e novas esperanças que surgiam, envoltas em ideais de
ressurgimento pátrio. A literatura da época era carregada de messianismo. E o povo
português esperava, ainda, a vinda do “Encoberto” que o arrancasse da “noite lusíada”.
O grupo da Renascença, de cariz republicano, pretendia o ressurgimento nacional e,
apesar das divergências posteriores entre homens do grupo (como o caso de António Sérgio
e Teixeira de Pascoaes), a ideologia base permanecia a mesma: tendo em conta as anteriores
conjunturas, era necessário agir – agitando a cultura portuguesa -, com o propósito de
restituir a Portugal a consciência e o desejo de um possível renascer da pátria. Essa
renascença estaria na saudade.
A saudade teve, para Teixeira de Pascoaes, uma dimensão ontológica, que revestiu de
vida e de esperança todos os seres, paisagens, a sua pátria e a si próprio. Ele foi o poeta que
existiu através da memória e deu existência às ausências. O destino colectivo de Portugal
cruzou-se com a saudade do poeta, que foi esperança ou, talvez, apenas uma quimera: “ O
Desejado regressa da ilha encoberta para as almas dos poetas e não ainda para o trono que
perdeu…”1
A ideia criadora de um novo Portugal – ou o seu ressurgimento -, defendido pela
geração de Pascoaes e pela elite intelectual republicana que o acompanhou, esteve no
optimismo que irradiou das palavras – paradoxalmente tristes e saudosas – da obra de
Pascoaes. Por isso, a sua obra só pode ser verdadeiramente compreendida, como diria Jorge
de Sena, numa perspectiva histórica.
O poeta viveu na esperança que a saudade traz. Viveu na esperança que a pátria
esperou. E nessa espera, poeta e a pátria eternizaram aquilo que é a saudade portuguesa.
Dos finais da Monarquia ao advento da República, e às próprias transições que se lhe
seguiram, Teixeira de Pascoaes simbolizou as suas ideias políticas e a sua cruzada
saudosista em filosofia, e tornou metafísico o drama da Vida. Pelo cunho da memória. Pelo
cunho da eternidade ….
1
‐ Teixeira de Pascoaes, cit. in Fernando Pessoa e outros lusíadas, “ A essência poética do
sebastianismo”, Regresso ao sebastianismo, [s.l.], 1950, p. 210.
Pascoaes’ saudade and Portugal’s collective destiny – an approach to Teixeira de
Pascoaes’s thinking through the Livro de Memórias
Considered one of the most productive writers of the Portuguese Literature in the
nineteenth century, Teixeira de Pascoaes has become known by his philosophy of the
saudade. The love that he devoted to his country and to the people and the apology of
the simple and humble, made of him one of the most human – and humanist – national
thinkers.
His numerous works are complex, full of mysticism. To a first phase, in a poetical tone
of civic intervention of the Renaissance, followed a second and last literary phase, far
different from the first one, and that was characterized by António Cândido Franco as
“overpowering” and “torrential”. Aspiring to the universal and not to the particular, the
solitary poet of the Marão, has left works many times misunderstood and seen as the
last romantic Portuguese synthesis. However, intellectuals like Afonso Lopes Vieira,
Jaime Cortesão, António Correia de Oliveira, or a second modernist generation like José
Gomes Ferreira or Florbela Espanca, owe him much of their saudosismo. Fernando
Pessoa owe it him as well, he who had in the poet of Sempre the beginning point to the
creation of his new poetry.
Recuperating the past to the future, Teixeira de Pascoaes has seen in the saudade the
impulse to the messianic hope that he believed to be regenerative. So, his saudade, was
also the saudade of the Portuguese soul. They coincided in their destiny. His biggest
chimera, the poet’s dream, was to see light in the darkness, life in the death. It was to
believe in the Encoberto and in a misty dawn. Pascoaes was the poet of the shadows...
Through the Livro de Memórias, autobiographical register of the author, in a moving
lyricism, we propose to understand in which way, to this poet, the saudade, charged
with an ontological dimension, crossed with the collective destiny of a Portugal that was
expecting that who was absent...
The poet of the light and the shadows, of life and death, that developed the philosophy
of the saudade, belonged to the “Renascença Portuguesa” (since 1911), and was
principal of its main organ, the Águia magazine (from 1912 to 1916). The previous
years had been difficult and agitated the country: the Ultimatum, the regicide,
Monarchy’s fall, the dawn of the Republic... dreams that fell and new hopes that were
coming to light, full of ideas of resurrection of the nation. The literature of theses times
was full of messianism. And the Portuguese people were hoping, yet, the Encoberto’s
arrival, that would rescue them from the lusíada night.
The Renaissance group, republican, wanted the national resurrection, and in despite of
the previous disagreements among the men in the group (like António Sérgio and
Teixeira de Pascoaes), the main ideology remained the same: having in mind the
previous conjuncture, it was necessary to act – agitating the Portuguese culture - , with
the purpose of giving back to Portugal the consciousness and the wish of a possible
resurrection of the nation. That resurrection would be in the saudade.
The saudade had, to Teixeira de Pascoaes, an ontological dimension, filling with life
and hope all the beings, landscapes, his nation and himself. He was the poet who existed
through memory and who gave existence to the absence. The collective destiny of
Portugal crossed with the poet’s saudade, that was hope or, maybe, only a chimera:
“The Desejado returns from the island hidden to the poets’ souls and not yet to the
throne that he had lost.”2
The creative idea of a new Portugal – or its resurrection - , defended by Pascoaes’
generation and by the republican intellectual elite that followed him, remained in the
words – paradoxically sad and full of saudade – of Pascoaes’ works. So, his works can
only be really understood, as Jorge de Sena would say, in an historical perspective.
The poet lived in the hope brought by the saudade. He lived in the hope that the nation
expected. And, in that waiting, poet and nation perpetuated what the Portuguese
saudade is.
From the end of the Monarchy to the rising of the Republic, passing through the
transitions that followed it, Teixeira de Pascoaes symbolized his political ideas and his
crusade of saudade in philosophy, and rendered Life’s tragedy metaphysical. He made
this by the imprint of memory, by the imprint of eternity...
2
Teixeira de Pascoaes, cit. in Fernando Pessoa e outros lusíadas, “ A essência poética do sebastianismo”,
Regresso ao sebastianismo, [s.l.], 1950, p. 210.
Dados sobre a autora: Elisabete Correia Campos Francisco Doutoranda em História Contemporânea, na F.L.U.L. Mestre em Património Cultural, pela Universidade Católica Portuguesa. Licenciada em História, pela FLUL. Colaboradora no CEHR, UCP. Professora de História no Colégio Cesário Verde. 
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