SEGURANÇA NO TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS:
FIM DOS ANOS DOURADOS?
A aviação em países do Primeiro Mundo tornou-se tão segura que um passageiro que voasse
em um vôo doméstico diariamente levaria em média 36.000 anos para morrer em um acidente
aéreo. No entanto, alguns tipos de acidentes que praticamente não ocorreram na década de
1990 podem voltar a acontecer. Dentre os principais motivos para acidentes, podem ser citados o terrorismo, colisões em pleno ar e colisões em terra. Neste trabalho, analisamos dados
recentes sobre o risco de mortalidade em viagens aéreas e discutimos algumas perspectivas
para o futuro.
Arnold Barnett
Massachusetts Institute of Technology
Cambridge, Massachusetts, USA
(palavras-chave: transporte aéreo; sistemas de segurança; estatísticas de risco)
Blackett Memorial Lecture, ano 2000
(Royal Aeronautical Society, 27 de Novembro de 2000)
SEGURANÇA NO TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS:
FIM DOS ANOS DOURADOS?
O título deste trabalho é adequado somente se forem consideras três premissas básicas. A primeira delas é que nós ainda estamos vivenciando “os anos dourados” na segurança da aviação,
e manter as taxas de risco de acidentes nos níveis atuais já poderia ser considerado como uma
perspectiva atrativa. A segunda premissa é que existem sérias razões para temer que as viagens
aéreas serão menos seguras nos próximos anos do que as viagens feitas nos anos anteriores.
Mas a terceira premissa, acompanhada por uma sólida marca de interrogação, é que podemos
esperar que a segurança das viagens aéreas não diminua apesar da existência de potenciais fatores que ameaçam a segurança dos vôos.
Nas páginas seguintes, serão discutidos alguns argumentos que suportam as três premissas mencionadas. Tais argumentos baseiam-se em evidências empíricas, acompanhadas de
um certo grau de análise e interpretação dos dados disponíveis. Dessa forma, o leitor poderá
considerar que alguns argumentos são mais convincentes do que outros, podendo eventualmente chegar a diferentes conclusões daquelas obtidas pelo autor deste trabalho.
No próximo item discutimos a respeito de maneiras para se medir a segurança na aviação. Em seguida, fazemos alguns cálculos a respeito dos níveis de segurança nos vôos. Identi-
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ficamos assim as três potenciais causas de acidentes aéreos nos países do Primeiro Mundo durante a década de 1990, e que ainda podem vir a causar mais fatalidades nos anos que virão.
Em seguida, sem contrariar esta última afirmação, apresentamos alguns aspectos que devem
ser levados em conta para que o cenário futuro não seja considerado tão pessimista. Finalmente, concluímos com alguns questionamentos sobre o que podemos esperar do futuro da segurança no transporte aéreo.
Formas de medir a segurança dos vôos
A segurança do passageiro do transporte aéreo está diretamente relacionada à sua preocupação
em morrer em um acidente em qualquer etapa do vôo. Baseado nessa suposição, é importante
obter informações que permitam estimar a probabilidade da ocorrência de acidentes no transporte aéreo. No entanto, muitas das estatísticas sobre segurança no transporte aéreo de passageiros tomam como base relações não muito claras a respeito do risco de mortalidade por vôo.
Para ilustrar a questão, são consideradas aqui duas dessas estatísticas, sendo que outras delas
são consideradas em maior detalhe por Barnett e Wang1.
Número de Acidentes Fatais por 100.000 Horas de Vôo
Esta estatística é uma das adotadas pelo Comitê Norte-Americano de Segurança nos Transportes para estimar o padrão de segurança no transporte aéreo de passageiros. Em 1997, essa agência divulgou que entre 1993 e 1996 ocorreram 0,2 acidentes fatais a cada 100.000 horas de
vôos domésticos, ou seja, metade da taxa observada num período de mesma duração, porém
10 anos antes.
Tal estatística, infelizmente, apresenta dois problemas: seu numerador e seu denominador. O termo genérico “acidentes fatais” inclui todos os acidentes que causam no mínimo uma
morte, de forma que não existe distinção entre um acidente em que somente 1 passageiro entre
250 morre, ou outro acidente que todos os 250 passageiros morrem. Esta estatística não é útil
para adoção de novas medidas de segurança (por exemplo, uso de materiais com menor poder
de combustão) que visem a redução do número de fatalidades em um acidente.
Além do mais, estatísticas baseadas no número de “horas de vôo” (ou seja, milhas voadas) são questionáveis porque a maioria dos acidentes com aeronaves ocorrem durante os processos de decolagem e aterrissagem. Se a quantidade de horas de vôo mudar de um período
para outro, as taxas de acidente podem ser menores ou maiores por motivos que não apresentam qualquer relação com a segurança.
Danos à Fuselagem para cada 100.000 Decolagens
Esta medida da segurança nos vôos é uma das mais utilizadas pelas fabricantes de aeronaves,
entre elas a Boeing. Ela define como acidente grave aquele em que a aeronave é suficientemente danificada de forma que não possa voar novamente. Em outras palavras, o acidente grave
refere-se a danos à fuselagem do avião. Utilizando as decolagens como denominador para cál-
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culo da estatística, a taxa obtida reflete a probabilidade de que um vôo programado termine
com a inutilização da aeronave.
Esta estatística, no entanto, não fornece qualquer indicativo da gravidade do acidente.
Não existe uma relação muita bem definida entre os danos causados à aeronave e os danos
causados aos passageiros. Existem eventos, tais como turbulências, que causam mortes de
passageiros sem causar qualquer tipo de dano à estrutura da aeronave. Os exemplos mostrados
a seguir ilustram a grande variabilidade no número de mortes resultantes de acidentes que ocorreram nas imediações de Los Angeles, em 2000, em que houve danos à fuselagem das aeronaves:
Southwest Airlines, Boeing 737, Burbank, California
•
Passageiros que embarcaram: 137
•
Passageiros mortos: 0
Alaska Airlines, MD-80, procedente de Malibu, California
•
Passageiros que embarcaram: 83
•
Passageiros mortos: 83
Existem ainda situações em que um avião aterrissa com danos substanciais à fuselagem,
mas nenhum passageiro morre em função da eficiência dos procedimentos de evacuação dos
passageiros antes que a aeronave seja incendiada. O fato de haver salvamento ou não dos passageiros é irrelevante para a estimativa da taxa de perdas de fuselagem, o que nos permite
questionar a representatividade desta estatística na avaliação do risco em viagens aéreas.
Risco de Morte por Vôo
Análises como as apresentadas nos itens anteriores produzem a seguinte conclusão: uma estimativa mais correta da taxa de risco de morte em vôos seria obtida diretamente a partir do
número de mortos em vôos, e não a partir de estimativas indiretas como as mencionadas. Uma
estatística só pode ser considerada útil se um número suficientemente grande de vôos passados
(por exemplo, vôos domésticos entre Estados Unidos e Inglaterra entre 1990 e 1999) forem
considerados. Dessa forma, a seguinte questão pode ser formulada: se um passageiro escolhesse um desses vôos de maneira completamente aleatória, qual seria a probabilidade Q desse
passageiro envolver-se em um acidente e vir a falecer? (nesse caso, consideramos vôo como
sendo uma viagem aérea, sem quaisquer escalas, entre dois pontos). Assim, Q é o produto da
probabilidade de que o vôo escolhido cause uma ou mais mortes de passageiros e da probabilidade condicional de que o passageiro em questão esteja entre as vítimas, considerando que
existam mortes. Se os vôos forem numerados de 1 até N, então Q é determinado da seguinte
forma
Q = Σxi/N
(1)
sendo considerada a soma de todas as xi porcentagens de passageiros mortos em cada um dos
N vôos considerados na análise. Para a maioria dos vôos, xi = 0; para um vôo em que, por e3
xemplo, 20% dos passageiros são mortos, xi = 0,2.
A estatística Q, considerada como a taxa de risco por vôo, apresenta uma série de propriedades interessantes. Ela pondera cada acidente pela proporção de passageiros mortos, o
que é mais informativo do que simplesmente perguntar se “algum passageiro morreu” ou “a
aeronave foi danificada gravemente”. Por basear-se completamente em evidências empíricas,
ignorando portanto a extensão ou duração do vôo, esta estatística não mascara os resultados,
além do que é fácil de entender e calcular (os leitores interessados em uma discussão mais detalhada sobre essa estatística, devem consultar Barnett e Higgins2).
Sendo assim, utilizaremos a estatística Q no decorrer deste artigo.
Vôos Domésticos em Países do Primeiro Mundo
Embora este número possa causar surpresa ao leitor, cerca de 2/3 dos vôos domésticos no
mundo são realizados em países do primeiro mundo. São considerados como países do primeiro mundo aqueles desenvolvidos em termos econômicos, tecnológicos e politicamente
democráticos, tais como África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, Dinamarca,
Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Inglaterra, Islândia, Israel,
Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Suécia e Suíça. Portanto,
vamos definir a estatística Q inicialmente para vôos domésticos realizados entre países do
primeiro mundo, baseando-se para isso nos vôos realizados na década de 1990. Nesse período,
foram realizados aproximadamente 75 milhões de vôos, sendo que a soma dos percentuais de
fatalidades para todos os vôos (ou seja, Σxi) foi igual 5,78. Utilizando a equação (1),
determinamos uma taxa de risco aproximada de 1 morte a cada 13 milhões de vôos realizados.
Uma morte a cada 13 milhões de vôos é claramente uma taxa muito baixa, mas o quanto pequena ela realmente é? Para se ter uma dimensão mais exata dessa taxa, imagine que se
um passageiro realizar um vôo por dia, ele poderia em média viajar por quase 36.000 anos até
que viesse a falecer em um acidente aéreo, considerando a taxa de risco mencionada. Ou seja,
é dez vezes mais provável uma criança que faz uso de um vôo doméstico ganhar uma medalha
nos Jogos Olímpicos do que não completar sua viagem. Outro exemplo: a chance de ganhar na
“Megabucks, a loteria de Massachusetts, é de 1 em 5,2 milhões. Assim, um apostador de Massachusetts tem 2,5 vezes mais chance de ganhar na loteria do que vir a falecer numa viagem
aérea”.
Um nível mínimo de risco – bem abaixo das estatísticas observadas antes da década de
1990 (tais como as fornecidas em Oster, Strong, and Zorn3, pág. 8, ou em Barnett e Higgins2)
– poderia seguramente caracterizar a década de 1990 como “os anos dourados” para a segurança no transporte aéreo de passageiros. Além do mais, esta taxa é tão baixa a ponto de ser
inviável em termos práticos preocupar-se em diminuir ainda mais seu valor. Quando comemos
um bolinho de milho, nunca questionamos a possibilidade dele estar envenenado ou não. Da
mesma forma, quando vamos a uma loja, não nos preocupamos com a remota possibilidade do
teto do estabelecimento vir a cair em nossas cabeças. Portanto, poderíamos considerar que a
segurança no transporte aéreo de passageiros é um problema devidamente solucionado, a tal
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ponto que qualquer pessoa que pensar o contrário deva ser considerada como tendo um distúrbio psicológico?
A resposta para tal pergunta é, obviamente, “não”, conforme discussão nos próximos
itens do trabalho.
VÔOS DOMÉSTICOS EM TODO O MUNDO
Existe um sério problema em considerar que o transporte aéreo de passageiros é efetivamente
seguro. A Tabela 1 mostra um aspecto alarmante: o mesmo nível de segurança nos vôos domésticos em países do primeiro mundo não é observado em outros tipos de vôo. O risco de
mortalidade, quando comparada à taxa de risco em vôos domésticos em países desenvolvidos,
é duas vezes maior em vôos internacionais entre países do primeiro mundo e vinte vezes maior
em vôos entre países do primeiro mundo e países em desenvolvimento ou em vôos entre dois
países em desenvolvimento. Da mesma forma que não é possível medir a eficiência do ensino
de uma escola tomando como base apenas os melhores alunos, não podemos simplesmente
ignorar os dados mostrados a partir da segunda linha da Tabela 1.
Tabela 1: Risco de mortalidade de passageiros de diferentes tipos de vôos na década de 1990
Tipo de Vôo
Taxa de Risco de Morte
Doméstico (países do primeiro mundo)
1 em 13 milhões
Internacional (entre países do primeiro mundo)
1 em 6 milhões
Internacional (entre um país do primeiro mundo
1 em 500.000
e um país em desenvolvimento)
Em países em desenvolvimento
1 em 500.000
Observações:
•
Os países considerados como pertencendo ao primeiro mundo foram mencionados no texto.
•
A taxa de risco de mortalidade reflete a probabilidade de falecer em um vôo (sem escalas) escolhido de forma aleatória durante o período entre 1990 e 1999.
•
O denominador da taxa de risco foi arredondado para o meio milhão mais próximo do resultado exato obtido.
•
A diferença entra as taxas de risco de mortalidade entre vôos domésticos e internacionais em países do primeiro mundo não é significante do ponto de vista estatístico. Se o número de acidentes fatais por milhões de vôos realizados aumentar segundo uma distribuição de Poisson, a diferença entre as mortes em cada tipo de vôo pode ser atribuída às eventuais flutuações no número de acidentes em torno de um valor médio. No entanto, o fato de que eventuais diferenças possam ser atribuídas à própria aleatoriedade do sistema não significa com certeza que isso seja a causa exata e
única das diferenças.
Além do mais, nada garante que as taxas de risco para os vôos domésticos em países
do primeiro mundo sejam mantidas, em função de alguns fatores potenciais de ameaças, tais
como sabotagem e possibilidade de colisões entre aviões em pleno ar.
Ameaças Potenciais à Segurança dos Vôos
Sabotagem
Na década de 1990, os atos criminosos e terroristas contra os passageiros do transporte aéreo
praticamente desapareceram dos céus, com exceção de um único caso isolado (veja a Tabela
5
2), em que 3 dos 267 passageiros morreram durante uma tentativa de sequestro de um avião na
Argélia. O resultado é ainda mais notável quando comparado às estatísticas referentes ao período anterior à década de 1990. Em 1987, um funcionário insatisfeito de uma companhia aérea
causou uma colisão de uma aeronave nos Estados Unidos após matar o piloto e o co-piloto;
em 1988, o avião que realizava o vôo no 103 da PanAM explodiu sobre a cidade de Lockerbie,
na Escócia; em 1989, uma bomba destruiu um DC-10 francês durante um vôo sobre a África.
Em todos os casos, nenhum dos passageiros sobreviveu aos acidentes.
Tabela 2: Risco de mortalidade de passageiros em função de atos criminosos ou terroristas
em vôos em países do primeiro mundo, entre 1990 e 1999
Tipo de Vôo
Taxa de Risco de Morte
Estados Unidos
Doméstico
0
Internacional
0
Países do primeiro mundo (exceto Estados Unidos)
Doméstico
0
Internacional
1 em 2 bilhões
Há duas possíveis explicações para os resultados da Tabela 2. Talvez o desejo de ameaçar os viajantes de paises do primeiro-mundo tenha efetivamente diminuído nos últimos anos.
Outra explicação mais provável que a primeira é que a melhoria nas medidas de segurança pode ter desestimulado alguns ataques potenciais e anulado completamente outros. O segundo
motivo é, sem dúvida, o mais reconfortante, indicando que estaríamos bem protegidos de
quaisquer novas tentativas de atentados contra aeronaves.
Infelizmente, não existem motivos suficientes para considerar que os sistemas de segurança adotados nos vôos de países do primeiro mundo são completamente infalíveis. O grau de
sofisticação dos equipamentos e procedimentos empregados não deixa de ser impressionante,
mas eventualmente existem diferenças entre aquilo que é previsto teoricamente e o que efetivamente acontece na prática. Para saber que as medidas atuais não são suficientes para prever
todos os tipos de ataques terroristas, basta ler um jornal4,5,6. Além disso, um terrorista nem
precisa ler os jornais, pois uma quantidade surpreendente de informações detalhadas está disponível na Internet.
Analisando de uma forma mais abrangente, a década de 1990 não indica uma redução
de fato dos índices de ameaça contra civis inocentes. Na verdade, o terrorismo cresceu em
algumas regiões de países do primeiro mundo, especialmente naquelas não acostumadas a lidar
com isso. Nos Estados Unidos, explosões de bombas em um edifício da cidade de Oklahoma e
o ataque às torres do World Trade Center em Nova Iorque causaram diversas mortes. No Japão, um gás tóxico foi espalhado numa estação do metrô de Tóquio. Esta década também presenciou um terrível plano de ataque contra a aviação civil. Em 1996, uma pessoa foi acusada
em Nova Iorque de planejar o ataque a doze aeronaves americanas voltando de países da Ásia
(como parte do esquema, os terroristas conseguiram explodir uma pequena bomba em um
Boeing 747 nas Filipinas). Um perito em ataques terroristas afirmou, de uma forma um pouco
6
mais “otimista”, que dificilmente esse plano produziria como resultado a queda de doze aviões,
mas sim de no máximo “quatro ou cinco”.
A suposição de que os dados da Tabela 2 não constituam um indício suficiente de que
estamos seguros contra atividades terroristas foi sugerida no Iêmen, em outubro de 2000,
quando terroristas colocaram uma bomba no navio USS Cole. Um dia depois, uma nota divulgada em Londres7 informou que o medo de ataques terroristas depois da explosão de violência
no Oriente Médio repercutiu de forma significativa nas linhas aéreas de todo o mundo. Um
analista declarou que, no momento, os aviões não são o alvo principal dos ataques, mas que
poderiam ser. Outro analista afirmou que é completamente plausível esperar que, após os recentes ataques terroristas, alguém possa fazer o mesmo contra uma aeronave. Um aspecto que
pode tornar as linhas aéreas como alvos tentadores é o fato de que existe a efetiva possibilidade de matar todos os passageiros causando um acidente com a aeronave. Esse aspecto contrasta com os atentados realizados no metrô de Tóquio e com o ataque ao World Trade Center,
nos quais o objetivo seria matar centenas ou milhares de pessoas, mas o número efetivo de
mortes foi muito menor, ou seja, doze e seis, respectivamente.
Colisões na Pista de Pousos e Decolagens
Somente duas colisões na pista de pousos e decolagens foram observadas na década de 1990
nos países desenvolvidos. Ambas aconteceram nos Estados Unidos, causando a morte de 30
passageiros. A Tabela 3 apresenta as taxas de risco de mortalidade baseadas nessas estatísticas.
Tabela 3: Risco de mortalidade de passageiros em função de colisões na pista de pousos e
decolagens em vôos em países do primeiro mundo, entre 1990 e 1999
Tipo de Vôo
Taxa de Risco de Morte
1 em 100 milhões
Estados Unidos
Doméstico
0
Internacional
0
Países do primeiro mundo (exceto Estados Unidos)
Doméstico
0
Internacional
0
Entretanto, o cenário futuro pode ser bem diferente, pelo simples motivo de que o tráfego de aeronaves nos aeroportos vem aumentando. Além do mais, é bem provável que o risco
de colisões nas pistas de pousos e decolagens possa aumentar proporcionalmente em função
do quadrado do volume de tráfego. Fazendo uma analogia com o tráfego rodoviário, considere
um cruzamento semaforizado de uma rua de sentido único de tráfego com uma via de pista
dupla com elevado volume de tráfego. Suponha que ocorra um aumento de 20% no volume de
tráfego que passa pelo local. Então, o número de infrações cometidas por veículos da via secundária ao cruzar a interseção no sinal vermelho deverá aumentar na mesma proporção. Da
mesma maneira, cada infração pode resultar num acidente devido ao conflito com o tráfego da
via principal, que também aumentou 20%. Dessa forma, o número provável de acidentes passaria a ser igual a 1,2 × 1,2 = 1,44 vezes o número atual, indicando um acréscimo de 44%.
7
É evidente que argumentos intuitivos como os apresentados podem levar a diferentes
interpretações, sendo que diferentes analistas poderiam definir diferentes relações funcionais
entre tráfego de aeronaves e taxa de risco de acidentes. Apesar da incerteza, existe uma base
sólida para admitir que a taxa de acidentes é função do quadrado do volume de tráfego. Barnett, Paull, e Iadeluca8 analisaram no ano de 1997 as 292 aterrissagens ou decolagens fora do
normal, enfocando principalmente 40 eventos que (i) poderiam resultar em acidentes, segundo
um grupo de pilotos e controladores de tráfego aéreo, (ii) e que ocorreram sob condições de
visibilidade reduzida (amanhecer ou anoitecer, noite ou neblina). Os pesquisadores investigaram se o número de operações perigosas nos aeroportos dos Estados Unidos era proporcional
ao quadrado do volume de tráfego de 1997. Ou seja, considerando uma análise per-capita, é
certo supor que em aeroportos com 500.000 operações por ano ocorram quatro vezes mais
incidentes potencialmente perigosos do que em aeroportos com 250.000 operações?
A resposta para tal pergunta pode ser “sim”, pois o modelo quadrático satisfaz todos os
testes estatísticos. Por outro lado, modelos que consideram que a taxa de risco de acidentes
varia linearmente ou mesmo de acordo com o cubo dos níveis de tráfego aéreo não são adequadas de acordo com os testes estatísticos. Sendo assim, é possível prever a partir do modelo
quadrático que um acréscimo de 50% no tráfego aéreo poderia causar um aumento de 125%
no risco de acidentes nas pistas dos aeroportos.
Levando em conta vários aspectos, Barnett et al.8 calcularam que o risco de colisão de
aeronaves nas pistas de decolagem e aterrissagem nos Estados Unidos pode chegar a 1 colisão
a cada 25 milhões de vôos entre 2003 e 2022, quatro vezes o valor da estatística mostrada na
Tabela 3. Em função da quantidade cada vez maior de passageiro, a taxa anual de mortes no
transporte aéreo pode aumentar de forma significativa, passando de três morte por ano no período de 1990 a 1999 para aproximadamente 30 por ano no período de 2003 a 2022. Parece
razoável supor esta tendência seja também observada na Europa ocidental, onde aconteceram
duas das piores colisões em pistas de pousos e decolagens já registradas na história (Tenerife e
Madri).
Colisões em Pleno Ar
A Tabela 4 apresenta estatísticas sobre o risco de morte de passageiros de vôos em países do
primeiro mundo, em decorrência da colisão de duas aeronaves em pleno ar.
Tabela 4: Risco de mortalidade de passageiros em função de colisões em pleno ar
em vôos em países do primeiro mundo, entre 1990 e 1999
Tipo de Vôo
Taxa de Risco de Morte
0
Estados Unidos
Doméstico
0
Internacional
0
Países do primeiro mundo (exceto Estados Unidos)
Doméstico
0
Internacional
0
8
A Tabela 4 fala para si própria, ou seja, nenhuma colisão aérea foi observada em aproximadamente 100 milhões de vôos. Este tipo de acidente seria assim um bom exemplo de problemas de aviação que foram plenamente solucionados.
Mas o perigo não está extinto, porque o controle de tráfego aéreo não é um sistema estático, imutável. Na Europa ocidental, por exemplo, existe uma forte pressão para substituir os
atuais sistemas nacionais de controle de tráfego por um sistema centralizado. Nos Estados Unidos, o sistema utilizado – no qual os vôos são delimitados a uma rede de rotas pré-definidas
– pode ser revisto e modificado de forma a adotar “vôos livres”, num esquema que permitiria
que os aviões voassem em linhas retas entre a origem e o destino do vôo, mas sem rotas prédefinidas como no sistema tradicional. A distância voada e o tempo de viagem no esquema de
vôo livre seriam menores, reduzindo assim o consumo de combustível e garantindo a economia
anual de bilhões de dólares.
Tais mudanças representam desafios para manutenção dos níveis atuais de segurança. A
fusão de diferentes sistemas de controle de tráfego aéreo em um único sistema não é um processo trivial, podendo gerar dúvidas em relação aos novos procedimentos empregados ou
mesmo eventuais falhas no início da operação do novo sistema, que certamente aumentariam o
risco de acidentes. A mudança seria ainda mais dramática em relação aos vôos livres, pois a
alteração nos padrões convencionais de vôo poderia reduzir o “senso de localização” dos controladores de tráfego aéreo. Assim, os pontos representando aviões em um painel de controle
de tráfego, que no sistema tradicional apresentam-se alinhados uns em relação aos outros, passariam a apresentar um padrão caótico, muito mais parecido com moléculas de gás espalhadas
no ar. Dessa maneira, todo o sistema de controle de tráfego teria que ser muito mais dependente de programas computacionais e equipamentos sofisticados, pois seria muito mais difícil ou
mesmo impossível para um controlador de tráfego aéreo identificar com antecedência suficiente os potenciais situações de risco de colisões aéreas, bem como adotar medidas necessárias
para evitar que a situação se torne crítica.
Portanto, é de se esperar que quaisquer mudanças significativas nos atuais procedimentos operacionais de controle do tráfego aéreo resultem num aumento na taxa de risco de
colisões aéreas, até porque os dados da Tabela 4 indicam que não há nenhum risco de colisões
aéreas para ser reduzido. Ou seja, os níveis de segurança no futuro podem somente continuar
como atualmente ou piorar. Essa expectativa vai de encontro a uma das noções básicas da sociologia industrial, que é a “curva de aprendizado”. Esta curva representa as dificuldades relacionadas a problemas não previstos e erros cometidos devido à implantação de novos procedimentos operacionais, que tendem a desaparecer ou ser minimizados quando os procedimentos foram completamente assimilados pelos funcionários da indústria.
Por Outro Lado…
Analisamos três possíveis fatores de ameaça à segurança no transporte aéreo em países do
primeiro mundo, que foram responsáveis pelo reduzido número de acidentes ocorridos no
transporte aéreo entre 1990 e 1999. Para dois desses fatores, ou seja, sabotagem e colisões em
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pleno ar, existe uma grande chance de que os riscos de acidentes aéreos aumentem nos próximos anos. Para o terceiro fator, ou seja, colisões em pistas de pouso ou decolagem, também
existem motivos para acreditar que o risco deste tipo de acidente possa aumentar no futuro. Os
níveis atuais de segurança aérea existentes em países do primeiro mundo ainda não são adotados por completo em outros países, além do que existem outras fontes de risco ainda não identificadas (antes de Agosto de 2000, quem imaginaria que o estouro do pneu de um avião pudesse causar sozinho a explosão de um Concorde SST?) Considerando todos os argumentos
apresentados, não se pode dizer que a segurança na aviação seja uma questão totalmente resolvida, e que não há necessidade de se preocupar com ela.
Apesar disso, a análise feita aqui ignora uma tendência já consolidada da história da aviação, ou seja, que de tempos em tempos, as ameaças aos vôos aéreos foram controladas ou
eliminadas por completo em função da adoção de avanços tecnológicos, treinamento e novos
procedimentos operacionais. Se fosse de outra forma, como as estatísticas de segurança nos
vôos de países do primeiro mundo poderiam indicar taxas tão pequenas ou mesmo nulas de
acidentes, algo próximo da perfeição? Quinze anos atrás, por exemplo, havia grande preocupação sobre correntes de ar decorrentes de tempestades, que causaram em uma década cinco
desastres em vôos realizados nos Estados Unidos. Uma série de medidas adotadas desde então
reduziu de maneira significativa o perigo, embora ainda hoje alguns aviões realizem manobras
de fuga ao primeiro sinal de ventos muito fortes.
Até mesmo para os fatores aqui analisados, existe solução à vista. Nos Estados Unidos,
o Comitê Nacional de Segurança dos Transportes a Administração Federal de Aviação identificaram as colisões nas pistas de pouso e decolagens como a principal ameaça para aviação norte-americana. Por conseguinte, organizações públicas e privadas estão buscando de forma intensiva o desenvolvimento de inovações tecnológicas que poderiam evitar tais tipos de acidente nos aeroportos. Considerando como verdadeira a premissa que metade da solução de um
problema consiste em identificar sua existência, então o problema das colisões nas pistas de
pousos e decolagens poderia ser considerado no mínimo 50% solucionado.
Igualmente, existe a preocupação de que a adoção de um sistema de vôos livres possa
dificultar seriamente o trabalho dos controladores de tráfego aéreo. No entanto, as rotas num
sistema de vôo livre também seriam definidas de forma a reduzir o risco de colisões em pleno
ar9. Tome como exemplo a Figura 1, que representa dois aviões, um deles voando de A para B
e outro de C para D. Considerando somente as rotas indicadas por uma única linha cheia, o
primeiro avião poderia utilizar a rota A-E-F-B e o segundo avião a rota C-E-F-D, entrando em
possível conflito no segmento E-F. Se, por outro lado, cada um deles pudesse voar diretamente de suas origens para seus destinos, não haveria qualquer possibilidade de que os aviões se
aproximassem demasiadamente um do outro.
De qualquer forma, nossa análise de risco não pode ser considerada completa, pois foram mencionados somente os principais fatores responsáveis pelas fatalidades que ocorreram
na década 1990. Não foram abordados os fatores secundários que, embora menos importantes,
podem eventualmente contribuir para que mais mortes ocorram nos próximos anos. Mesmo
assim, pode ser previsto que melhorias de segurança efetivamente devam ocorrer, apesar de
10
alguns retrocessos em setores específicos.
B
A
E
F
D
C
Figura 1: Substituição de rotas indiretas (sistema tradicional) por rotas diretas (vôo livre),
mantendo uma distância de segurança entre aviões de diferentes rotas.
Neste sentido, é interessante mencionar o único desastre num vôo doméstico que aconteceu na Europa ocidental durante a década de 1990. A colisão foi resultado, em grande parte,
por um erro na interpretação dos valores da taxa de descida do avião, lidos em um dos instrumentos da cabine: o piloto não tinha certeza se estava lendo um ângulo em relação ao horizonte ou a velocidade de descida, em metros por segundo. Atualmente, os usuários do transporte
aéreo não precisam se preocupar com esse tipo de confusão, porque os instrumentos das cabines das aeronaves são muito mais simples de entender do que os existentes antes do acidente.
Assim, é bem improvável que um erro semelhante volte a acontecer.
Apesar de algumas ambigüidades e outras dificuldades que ainda possam existir, existe
uma busca intensiva para identificar os problemas antes que eles possam causar algum tipo de
acidente. Os dados de todas as rotinas operacionais são coletados, compartilhados e analisados
de maneira sistemática, empregando técnicas muito mais sofisticadas que as utilizadas há 10
anos atrás. Quanto maior a possibilidade de identificar as possíveis causas das fatalidades antes
que elas ocorram, ao invés de identificá-las somente após o ocorrido, menor será a necessidade
de termos que lidar com tragédias dentro do processo identificação e compreensão dos riscos
no transporte aéreo. É esperado que, dessa maneira, possamos aprender cada vez menos a
partir das fatalidades que porventura ocorram.
Considerações Finais
Considerando todos os fatores mencionados, a que conclusões podemos chegar? Talvez os
mais pessimistas estejam certos, e a maior era em segurança de aviação acabou. No entanto,
devemos lembrar que, pelo menos nos países de primeiro mundo, as companhias aéreas, os
fabricantes de aeronaves e as agências reguladoras têm demonstrado uma habilidade espantosa
para continuar sempre melhorando os aspectos segurança e confiabilidade. Portanto, seria ainda muito precipitado dizer que não será possível lidar de forma adequada com as potenciais
fontes de risco de acidentes aéreos. Dessa forma, se os anos dourados da segurança no transporte aéreo acabaram, é porque talvez estejamos a ponto de entrar nos anos de platina.
11
Agradecimentos
Gostaria de agradecer Mike Pidd pela ajuda, incentivo e, principalmente, pelo convite para
ministrar esta palestra. Também agradeço a Sociedade de Pesquisa Operacional, a Academia
Real Aeronáutica e a British Airways pelo grande esforço e generosidade em proporcionar esta
esplêndida ocasião. Também agradeço John Ranyard por sua leitura cuidadosa deste texto e
por suas várias sugestões.
Referências
(1) Barnett, A. and A. Wang (2000), “Passenger-mortality Risk Estimates Provide Perspectives about Airline Safety,” Flight Safety Digest, April 2000
(2) Barnett, A. and M.K. Higgins (1989), “Airline Safety: The Last Decade,” Management
Science, November 1989
(3) Oster, C., J. Strong, and C. Zorn (1992), Why Airplanes Crash: Aviation Safety in a
Changing World, Oxford University Press
(4) Newsweek (1999),“The Inside Story of Flight 990,” November 21,1999 (reportagem de
capa, vários correspondentes)
(5) USA TODAY (2000), “Security Vows Sputter as Pan Am 103 Memories Fade,” May 15,
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(6) Scotland on Sunday (2000), “Undercover Team Finds Gaping Hole in Airport Security,”
November 19, 2000 (Peter Laing, correspondente)
(7) Reuters Limited (2000), “Terrorism Fears Hammer Global Airline Stocks,” October 14,
2000 (publicado por Bradley Perrett, correspondente da European Airlines)
(8) Barnett, A., G. Paull, and J. Iadeluca (2000), “Fatal US Runway Collisions Over the Next
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(9) Barnett, A. (2000), “Free-Flight and En Route Air Safety: A First-Order Analysis,” Operations Research, November-December 2000
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SEGURANÇA NO TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS