PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA O SAMBA-EM-REDE: DA RUA AO CIBERESPAÇO JOSÉ MAURÍCIO CONRADO MOREIRA DA SILVA SÃO PAULO 2005 1 RESUMO A dissertação “O SAMBA-EM-REDE: DA RUA AO CIBERESPAÇO” é uma pesquisa teórico-prática que realiza uma análise dos processos comunicativos do carnaval, apontando o surgimento dos desfiles de escola de samba virtuais, um evento carnavalesco construído na Internet, mas, baseado nos desfiles de rua tradicionais. Este fato sugere algumas reflexões sobre comunicação, arte e cultura , consistindo estas no campo de saber que sustenta este trabalho. A pesquisa tem como ponto de partida o argumento de que corpo e ambiente são processos co-evolutivos estudados pelas teorias evolutivas da cultura (Katz&Greiner,2005). Para entender os significados de um evento carnavalesco na Internet, o trabalho faz uma proposta interdisciplinar, pois também utiliza conceitos oriundos das teorias contemporâneas da comunicação ( Sodré, 2002), da semiótica da cultura (Baitello, 1997), e da história do carnaval (Sebe,1997). Como parte fundamental do trabalho, a metodologia compreende a construção de um desfile virtual, fato que engloba as questões estudadas e aponta par o problema levantado: a Internet e as tecnologias comunicaionais interativas podem ser consideradas ambientes que propiciam a permanência e a evolução dos processos comunicativos, onde inevitavelmente corpo e ambiente estão envolvidos? Discussões contemporâneas como “real X virtual” foram levantadas como metáfora para a discussão “carnaval X realidade”. A partir daí, o trabalho discute os processos comunicacionais nas relações entre corpo e espaço, questionando as possibilidades comunicativas de um desfile carnavalesco em versão multimídia. As conclusões levantadas se referem à possibilidade de que o carnaval possa também se contaminar pelas possibilidades interativas da Internet, da mesma forma que está ocorrendo com jornais, revitas, obras de arte, etc. PALAVRAS CHAVE: COMUNICAÇÃO;CARNAVAL;CULTURA DIGITAL;CORPO 2 ORGANIZAÇÃO INTRODUÇÃO 1.1 - Olha a Internet aí, gente! 1.2 - Entrando em outro espaço: construindo outros mapas 1.2.1 - Bússolas 1.3 - Ponto de partida: o carnaval e seus processos de inversão MAPA I – O CARNAVAL E SUAS ESTRATÉGIAS COMUNICATIVAS DE SOBREVIVÊNCIA 2.1 – E no princípio 2.2 - Novos estranhos no carnaval: discutindo as críticas 2.2.1 – A cibercultura e seus paradigmas de realidade 2.3 – A virtualidade do jogo 2.4 – Unidos: comunidades e redes dentro e fora da Internet MAPA II – DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS 3.1 – Terremotos e mudanças nas performances do corpo 3.2 – Conexões entre linguagens 3.3 – Linguagens que “moram na rua” 3.3.1- Grandes sociedades, ranchos, blocos e cordões 3.3.1.2- Teatro de revista 3.3.1.3- Chanchadas 3.3.1.4- Ópera 3.3.1 – Linguagens que “moram em casa”: a televisão 3.3.2 – Imitando um desfile na Internet: outros acordos para o corpo folião em um novo ambiente MAPA III – CORPO COMO CARNAVAL: BUSCANDO OUTROS DESFILES 4.1 – Os carnavais do corpo: a operação de imagens 4.1.2 – Operando “mixagens” entre imagem e som 4.2 – Mais uma inversão: andando com as mãos sem “sentir” o chão 4.3 – Ciberbarracão: uma busca das imagens 4. 3. 1 – Hipertexto como carnaval 4.3. 2 – O enredo: A terra é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano 4.3.3 - A estrutura 4.4 – A inversão é cognição CONSIDERAÇÕES FINAIS 3 1. OLHA A INTERNET AÍ, GENTE! “As legendas dos mapas são tão belas que dispensam as viagens” Adélia Prado – Terra de Santa Cruz Esta dissertação é um estudo da co-evolução entre corpo e ambiente no contexto carnavalesco que permeia o início do século XX até os dias atuais. Para entender o que isto significa esta pesquisa propõe uma experiência comunicacional: o processo1 de construção de um desfile de escola de samba na Internet, um espaço diferente da rua onde o carnaval normalmente acontece. Longe de parecer alguma história de ficção científica, esta idéia não é inédita e baseia-se em uma brincadeira que “existe de verdade” e acontece neste espaço desde 2003: uma competição entre escolas de samba construídas exclusivamente 2 para a Web. Para a construção do nosso desfile foi montado um “Ciberbarracão”, com a participação dos alunos do curso de Design Digital do Centro Universitário Ibero-Americano. A questões referentes à experiência estão sendo discutidas no decorrer da pesquisa, e no final do trabalho há uma explicação do processo de construção da escola. Contextualizando-se dentro dos debates que discutem no fim do século XX e início do século XXI a emergência da chamada Cibercultura, tomamos a existência destes desfiles virtuais para refletir acerca da relação homem/tecnologia, no que diz respeito especificamente ao corpo, uma vez que o carnaval sempre foi considerado a “festa da carne” e como veremos adiante, a proposta de um desfile virtual ainda causa algum constrangimento. 1 Entende-se por processo uma ação em seu exercício contínuo 2 Este desfile não faz parte destas brincadeiras. É um releitura dos mesmos com propósitos acadêmicos. 4 Para esta discussão, nossa hipótese parte de alguns estudos das ciências cognitivas3, e das teorias evolutivas da cultura e seu argumento de que corpo e ambiente são processos co-evolutivos que se modificam mutuamente um pela ação do outro, sendo a cultura um sistema aberto, “... apto a contaminar o corpo e a ser por ele contaminado e não influenciá-lo ou ser a causa de mudanças visualmente perceptíveis nele” (Katz&Greiner) 1999:96. Para experimentar este processo, partimos da utilização de metáforas. “Em termos cognitivos, a metáfora configura-se como um conceito e pode ajudar a entender o processo evolutivo da comunicação (...) O conceito metafórico representa um modo de estruturar parcialmente uma experiência em termos de outra. A pergunta é: o que faz parte do domínio básico de uma experiência? As experiências são fruto de nossos corpos (aparato motor e perceptual, capacidades mentais, fluxo emocional, etc), de nossas interações com nosso ambiente através das ações de se mover, manipular objetos, comer, e de nossas interações com outras pessoas dentro da nossa cultura ( em termos sociais, políticos, econômicos e religiosos )e fora dela. Greiner (2005:131-132). Para entender os processos deste desfile virtual, partimos então da idéia de que estamos criando metáforas conceituais: experimentando o desfile de rua em termos de outro espaço, a Internet. Assim, este desfile virtual auxilia a esboçar algumas evidências: • Natureza e cultura são mapas em movimento se organizando no trânsito corpo/ambiente e as brincadeiras carnavalescas demonstram que o corpo e suas memórias se propagam pelo ambiente e deste não pode ser separado. • O espaço não é uma “coisa”, um mero objeto, mas é algo vivo e dinâmico. Assim, acordos com cláusulas visíveis e invisíveis são sempre organizados no trânsito de informações entre natureza e cultura, corpo e ambiente e no 3 Disciplina surgida em meados do século XX com o objetivo de descobrir e construir uma ciência geral do funcionamento da mente/cérebro. Ver Jean Pierre Dupuy em “Nas origens das ciências cognitivas”. 5 caso dos desfiles virtuais estes acordos se referem a como o corpo cria linguagens e pode se relacionar com o novo ambiente. • O próprio corpo é também um mapa em constante processo, desenhado pelo trânsito de informações entre mente e sistema sensório-motor. Locomover-se cria uma rede de informações corporais internas em co-relação com as realidades externas do ambiente. Esta articulação confere ao corpo suas singularidades. E, no caso do desfile virtual enfatiza que neste ambiente, o carnaval experimenta outros movimentos corporais diferentes daqueles do cotidiano. Tais observações sugerem duas questões: (1) tecnologias comunicacionais, como o ciberespaço, podem ser entendidas como soluções adaptativas do homem, na medida em que desdobram a permanência do corpo (re)criando sua rede de informações no espaço e no tempo. (2) neste sentido, o carnaval no ciberespaço é uma solução adaptativa do processo evolutivo que não elimina a “festa da carne tradicional” mas aponta mais uma possibilidade de inversão e recriação das brincadeiras e suas ações cognitivas. 1.2. ENTRANDO EM OUTRO ESPAÇO: CONSTRUINDO OUTROS MAPAS Um carnaval no ciberespaço pressupõe a criação de outras cartografias. “Uma das necessidades básicas da humanidade sempre foi a de representar visualmente questões que mexem com seus sentimentos profundos e complexos. Como atestam as pinturas de manadas encontradas em cavernas, desde a préhistória o ser humano registra em traços aquilo que considera importante. A cartografia, ciência e arte de elaborar mapas, cartas e planos, é uma das mais antigas manifestações da cultura”. Leão (2002:15) Mas, é possível mapear o ciberespaço? “Quando se pensa em cartografar o ciberespaço, o grande desafio parece ser: como representar este vasto e movediço território que se transforma a cada segundo? Esse desafio tem estimulado muitas 6 pessoas, entre elas cientistas, engenheiros e, como não poderia deixar de ser, os artistas” Leão (2002:21) Para pensarmos nas possibilidades de cartografar o ciberespaço consideramos esta fluidez, mas sobretudo que a Internet é também um ambiente que inaugura outras possibilidades de evolução das informações, mas que não significa instalar previamente um julgamento de valor do tipo “bom” ou “mal” para tal evolução, mas sim, outras estratégias para que o corpo possa “se tecer e tecer outros textos”4. Como mais uma rede, a Internet é um “habitat” onde sistemas de informações trabalham com a noção de interatividade, compreendida como possibilidade de extensão do corpo e seus sentidos no espaço-tempo: podemos estar em casa e simultaneamente conversando e vendo alguém que esteja em outro lugar5. No entanto, sabemos ainda muito pouco sobre outros mapas e futuras possibilidades deste “novo território”, sobretudo por que “tecemos” sua construção nestas explorações, ao mesmo tempo em que, nestas investigações, este espaço vai desdobrando a permanência de conhecimentos já organizados anteriormente. 4 Adotamos aqui o conceito de texto da cultura sublinhando que se trate da noção de “tecer” a cultura, fato que engloba não apenas a linguagem verbal, mas também performances, máquinas, imagens, gestos, palavras, tecnologias, etc. Tecer a cultura leva em conta o encadeamento espaço-temporal dos textos, a impossibilidade de separá-los de sua história. Assim, mitos, crenças, partidas de futebol, desfiles de escolas de samba, são todos textos da cultura entrelaçados a outros textos. Sobre este conceito ver “O animal que parou os relógios” de Norval Baitello Júnior (1997) 5 Harry Pross, comunicólogo alemão, desenvolveu uma teoria da mídia que estabelece que o corpo é a mídia primária da comunicação, é o corpo quem produz cheiros, sons, imagens como os sonhos. Amplificações do emissor para o receptor ,livros por exemplo, são mídias secundárias. Aparatos eletrônicos que amplificam tanto receptor quanto o emissor no espaço, como televisores, são mídia terciárias, caso também da Internet.. Ver Eugênio Menezes (2004). O conceito de corpo como mídia primária é diferente do conceito de corpo-mídia que também será utilizado nesta pesquisa. Estas diferenças e co-relações serão apontadas no decorrer do trabalho. 7 Assim, existem desde obras de arte, agências bancárias, supermercados, filmes, e toda uma gama de objetos off-line que passam a co-existir com suas versões on-line. A conexão entre as instâncias “on” e “off-line”6 cria uma rede de sucessivas realidades que alimentam a nossa “espécie simbólica” como afirma o antropólogo cognitivo Terrence Deacon (1997). Para este autor, os símbolos além de serem uma singularidade complexa que marca a identidade do homem em relação às demais espécies, são também uma espécie de contrato social. Estar vivo numa sociedade sublinha “assinar” estes contratos. E metaforicamente, o útero materno é um “portal” que prepara-nos para a vida simbólica. Enfatizando duas categorias fundamentais, dentre as diversas outras criadas pelo homem no decorrer de sua história, nascer sublinha as noções de dentro e fora. A vida de uma célula também enfatiza tais noções. Uma célula tem dobras que marcam a sua identidade, no entanto, há permeabilidade nestas membranas que enfatizam a correlação e o continuum entre o dentro e o fora, e consequentemente as transformações desta célula: componentes de fora e de dentro da célula são constantemente trocados. Assim, a própria noção de vida significa a criação de identidades, que pelo jogo incessante entre interior e exterior experimenta constantes processos de metamorfoses e co-evoluções.7 Assim, do “lado de fora”, a cultura e seus “contratos sociais” são metaforicamente um continuum do útero. A Internet “gestando” nosso corpo ”brinca” com as noções de estar dentro e fora. Tanto que já é parte do vocabulário do nosso cotidiano dizer: “entrar” e “sair” da Internet. A própria tela do computador exibe “janelas” que vão enfatizando nossa ação de entrar. Um “desfile de momo” na 6 Expressão utilizada por Gisele Beiguelman(2003) em seu “o livro depois da livro”. 7 Precisamos de informações estáveis para sobrevivermos, mantermos nossas identidades. Mas também precisamos passar por instabilidades quando nossas identidades se transformam. Anotações da aula ministrada por Christine Greiner no Cos/Puc na disciplina sistemas corporais no segundo semestre de 2003. 8 Internet significa a entrada do carnaval neste território. O que estamos analisando o tempo todo são os significados e desdobramentos que podemos encontrar ao entrar e sair destas “membranas digitais”. Identidades em constante processo de mudanças, colocam em movimento nossos olhos, e alertam para o fato de que o padrão de ser um mero espectador do mundo seja uma falácia. Pela inevitável marcha da reavaliação do conhecimento que criamos, hoje percebemos muita coisa que antes julgávamos não existir8. Da mesma forma, percebemos que desde nosso nascimento estamos “conectados” ao mundo por uma rede de cordões umbilicais que vão literalmente desde aquele que nos liga ao ambiente biológico do útero, e metaforicamente aos sinais de aparelhos de comunicação. Neste jogo, estamos todos implicados. 1.2.1 BÚSSOLAS Para construir estes mapas e discutir este processo é preciso esclarecer que acordos e pontes são o nosso interesse fundamental. Esta noção esta expressa na diagramação e desenvolvimento do texto que já parte da idéia de mapas verbais e imagéticos em acordos contínuos assim como o movimento das informações pelo espaço da folha entre as notas e ilustrações ramificadas como pontes para o desdobramento do texto. Para a reflexão teórica, esta dissertação propõe que outras respostas possam emergir pela criação de pontes entre o abismo que nós mesmos temos cavado separando radicalmente razão e emoção, natureza e cultura. E que olhemos 8 “Em 1981 , Heinrich Rohrer e Gerd Bining, do laboratório de pesquisa da IBM de Zurich, inventaram o microscópio de escaneamento por tunelamento ( STM, do inglês Scanning Tunneling Microscope), o qual “olhou” pela primeira vez a topografia dos átomos, que não podia ser vista anteriormente ( Binning & Roher 1999). Com essa invenção a era do imaterial foi verdadeiramente inaugurada” Vesna & Gimzewsk (2002:281) 9 corpo e ambiente não como instâncias isoladas uma em relação à outra, apêndices que sinalizam limites estáveis. Como discutiremos no decorrer da pesquisa, corpo e ambiente, razão e emoção, natureza e cultura, real e virtual são instâncias codependentes. Foi pensando nestas redes conectivas e na possibilidade de outras contribuições para a discussão sobre o que é ser um corpo singular e coletivo9, questão cara dentro do universo das escolas de samba, que nesta dissertação aparece enfatizada pelos estudos interteóricos. Assim, na busca de orientação neste território adotamos como “bússola” um procedimento que propicia o cruzamento de diferentes áreas do conhecimento como possibilidade de obtenção de outras respostas para nossas questões. A indicação de que o funcionamento dos processos culturais se assemelha aos modos de funcionamento/sobrevivência da natureza serão pontualmente sugeridos pela ponte entre conceitos já abordados pela bibliografia que investiga o carnaval, alguns conceitos pontuais da semiótica da cultura· e os estudos sobre a cognição. Cada uma destas áreas do conhecimento possui visões próprias acerca do corpo. Trata-se de mapear possíveis acordos. Ao trabalhar, então, a relação das escolas de samba e o espaço, o desenvolvimento desta pesquisa enfatiza a comunicação como complexidade sistêmica observando para isto os acordos em movimento entre corpo e ambiente que o carnaval cria em suas alterações. Assim, discutindo fundamentalmente as metamorfose do corpo e do carnaval, este trabalho possui duas partes. A primeira, é esta introdução que apresenta o trabalho seguida por três “mapas” que tentam localizar assuntos pertinentes ao 9 A idéia de um corpo singular é sugerida pelo fato de que cada indivíduo possui um código DNA (sigla para ácido desoxirribonucléico) único e que no entanto só desencadeia suas informações pela interação coletiva entre este corpo e o ambiente. O projeto Genoma busca a decodificação da cadeia de DNA concluindo que as infinitas possibilidades de cruzamento das informações genéticas podem gerar uma infinidade de singularidades individuais. 10 tema. O primeiro mapa discute o carnaval e as estratégias de comunicação na sociedade contemporânea. O segundo descreve e relaciona as diferenças e semelhanças entre o desfile de rua e o desfile virtual apontando que o trânsito entre as diversas linguagens cria diferenças no corpo folião. E o terceiro, sobre os significados da imagem para a evolução da cultura e sua relação com o corpo folião. Neste mapa há o item “Ciber-barracão”. Trata-se da reflexão sobre o processo de construção de uma escola virtual. Na segunda parte apresentamos o CD-ROM com o do desfile virtual. Não há uma relação de maior ou menor importância entre estas partes. Mais uma vez, enfatiza-se a presença de acordos que vinculam uma à outra. 1.3. UM PONTO DE PARTIDA: O CARNAVAL E SEUS PROCESSOS DE INVERSÃO Antes de discutirmos os significados do corpo em relação ao surgimento das escolas de samba virtuais, é importante ressaltar como ponto de partida uma idéia importante: o carnaval e seus processos de inversão. Sobre o que venha a ser isto arriscamos um conceito. O carnaval é ritual10 em processo de “mestiçagem”, uma performance coletiva que na ação de repetir-se ciclicamente contamina e é 10 “O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm conteúdo e arranjo caracterizados (convencionalidade), por esteriotipia graus variados (rigidez), de condensação formalidade (fusão) e redundância (repetição). A ação ritual nos seus traços constitutivos pode ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional [como quando se diz “sim” à pergunta do padre em um casamento]; 2) no sentido pelo qual os participantes experimentam intensamente uma performance que utiliza vários meios de comunicação [um exemplo seria nosso carnaval] e 3), finalmente no sentido de valores sendo inferidos e criados pelos atores durante a performance [por exemplo, quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo]”.Mariza Peirano (2003:11) 11 contaminado pelo “calor das fricções” 11 que faz com sua própria história, as regras sociais, as mudanças tecnológicas da sociedade e também e outras manifestações culturais. Discutiremos adiante, que sob a visão de alguns críticos estas alterações são temidas, pois podem descaracterizar o carnaval, vindo este a “morrer”, porém “a morte faz parte da vida”. E, no entanto, o oposto tem acontecido, pois quanto mais o carnaval se transforma deixando “morrer” alguns de seus aspectos, mais podemos pensar no significado da morte como possibilidade de movimento12. Nas palavras do historiador José Carlos Sebe (1997), a morte do carnaval é paradoxalmente o sentido de “sempre o mesmo, mas sempre o novo.” Aliás, esta afirmação é uma definição bastante permeável à discussão que será levantada sobre a coexistência entre o real e o virtual, aspectos enfatizados na comunicação contemporânea mas que estão presentes na história da humanidade desde cedo. Sobre os significados do carnaval, há uma vasta bibliografia. A respeito das discussões mais conhecidas que falam sobre o caráter inversor da festa, o antropólogo Roberto DaMatta apresenta em seu clássico texto “ Carnavais, malandros e Heróis”(1979) uma analise do carnaval propondo que o mesmo seja uma dramatização do cotidiano. Segundo o autor, o carnaval produz uma realidade que desloca o dia-a-dia de seus significados rotineiros atribuindo-lhe outros sentidos. Ainda segundo Roberto DaMatta, um dos papéis da festa é o de inverter 11 Como atesta Amálio Pinheiro, (1995:9) “...a mente trabalha os signos neste continente, mais pela fricção de superabundâncias alógenas( daquilo que alegoricamente diz o outro) do que pelos mecanismos binários de inclusão e exclusão.” 12 Sobre esta questão, um argumento interessante é o do filósofo Vilém Flusser (1972)que publicou no jornal Folha de São Paulo textos a que chamou de “série carnavalesca”. Neste conjunto de textos o autor discute o papel da fantasia, a utilidade da festa, e sua relação com a sociedade de consumo afirmando que as mudanças do carnaval são um processo, ao mesmo tempo, estranhos mas inerentes à natureza carnavalesca. 12 os significados do cotidiano permitindo assim sua elaboração. Esta inversão é dramatizada pelo processo de criação de metáforas alegóricas da sociedade. Outro autor importante é o historiador Mikhail Bakthin (1920-1980) que estudou a cultura na idade média e produziu conceitos sobre os processos de carnavalização, “expressão que designa o gesto cultural de inverter valores e entendida como o gesto simbólico de coroação e destronamento do bufão”. Cury (2003:33). Estudando a obra do escritor francês François Rabelais (1494-1553), autor de Gargantua e Pantagruel, Bakthin afirma que na idade média, a praça pública é o espaço onde se misturam sons, cheiros, homens, mulheres e crianças. Evidencia que o carnaval, ao ocupar este espaço, enfatiza a não linearidade, uma lógica que pressupõe a presença, em um mesmo local, de inúmeras diversidades. Nesta praça pública, Bakthin diz então, que o carnaval estabelece uma realidade invertida que promove um “cenário de loucuras”: o cinismo, o grotesco, a obscenidade, enfatizado pela natureza galhofeira da paródia13. Esta idéia é bastante permeável a alguns conceitos da semiótica da cultura. Segundo o semioticista theco Ivan Bystrina (1925), a superação do caráter dualista/binário 14 da cultura requer processos de inversão, sendo o carnaval um destes processos. V. V. Ivanov (1982), outro semioticista da cultura enfatiza a inversão carnavalesca15 também como solução homem/mulher, ativo/passivo, entre outras. 13 O autor enfatiza que a Paródia presente no caráter grotesco de algumas situações, caso do carnaval, deixa “à vista” aquilo que as roupas escondem. Para o autor, portanto mostrar as “partes baixas do corpo” é parodiar as regras cotidianas. 14 Para o autor o caráter binário é um dos mecanismos de funcionamento da cultura e que esta expresso, por exemplo, nos pares vida/morte, sagrado/profano, sonho/realidade, e que precisa ser invertido para que a cultura se mova. 15 ”...a teoria geral do carnaval como uma inversão de oposições binárias, conceituada por Bakthin, tem sido apoiada pela investigação etnológica contemporânea dedicada aos rituais da inversão de posições sociais. Esta 13 de oposições binárias: Identifica-se como denominador comum para estas discussões é o fato de que o processo carnavalesco se constrói pela utilização de diversos meios: alegorias, comportamentos que pervertem os papéis sociais, música especifica, brincadeiras que reconhecem e delimitam um tempo e um espaço da festa, e fantasias que diferenciam o período do carnaval em relação às roupas cotidianas. O carnaval percorre diferentes espaços, ruas, bairros, cidades, sendo fundamentalmente uma brincadeira que enfatiza a paródia. Mas parodiar o quê? Arriscamos afirmar que seja uma paródia da morte do corpo: o gozo que prenuncia a morte do corpo. A criação de uma rede de sentidos entre a vida e a morte, pois se corpo e ambiente são instâncias co-relacionadas, a morte e a vida de um ambiente também anunciam alterações no corpo. Este corpo “folião” desde as festas agrárias do antigo Egito está associado à existência de deuses16. Esta questão vai se aprofundar na Idade Média quando a igreja cristã opõe radicalmente sagrado e profano. É interessante perceber que a alma é conceituada sempre em oposição ao corpo. No carnaval não podem se misturar, uma vez que a visão cristã o carnaval seria um espaço de loucuras onde prevalecem os ‘desejos da carne” em oposição a outros espaços onde seria cultivada a imortalidade da alma. Nesta rápida análise, podemos perceber que para o senso comum e muitos autores que já abordaram o tema, a festa é uma paródia subversiva que mantém viva nossa necessidade de transgredir a regra, burlar os interditos da cultura, revendo seus “acordos e clausulas contratuais”. Um espaço para dar vida ao que o cotidiano censura e reprime: a “loucura”. investigação tem estabelecido determinadas características básicas dos rituais cíclicos dos quais participam a coletividade... 16 No Egito antigo um escravo era escolhido para fazer o papel do deus Osíris e assim viver prazeres desmedidos por um determinado tempo. Sebe (1997) 14 No entanto, como todo sistema complexo, o carnaval tem regras próprias em conexão ao seu exterior. Pois como veremos, o carnaval está repleto de criticas internas proferidas pelos “tradicionalistas” que acusam o carnaval de estar descaracterizando-se. Então, não seriam tais críticas um desdobramento da mesma família de censuras e regras do cotidiano? Uma continuidade do pensamento que vê as transformações como algo que necessariamente signifique a morte do já existente? E da mesma forma que o carnaval não se isola do cotidiano, este não se isola do carnaval. Inúmeras realidades da cultura que não fazem necessariamente parte do espaço da festa podem ser lidas como um processo similar ao carnaval: subvertem a organização oficial. Diversos comportamentos tentam “subverter” a ordem vigente. Por exemplo, os Hackers17 e suas pixações eletrônicas podem ser metaforizados como personagens dos territórios carnavalescos: o malandro. 17 contraventor que subverte e altera a ordem do ciberespaço “entrando” em contas de banco, arquivos secretos e alterando seus dados. 15 MAPA I – O CARNAVAL E SUAS ESTRATÉGIAS COMUNICATIVAS DE SOBREVIVÊNCIA Este primeiro mapa apontando que o virtual não significa inexistente discutirá que o estranhamento, o jogo, e que a formação de coletividades são estratégias de sobrevivência da comunicação. Assim apontará as principais críticas que cercam o carnaval, como a perda da participação popular e do caráter de brincadeira da festa, sugerindo que a Internet não significa acentuar tais perdas. 16 2. E NO PRINCIPIO... “A realidade é aquilo que insiste” Umberto Eco E no principio do século XXI era a escola de samba virtual. Existem escolas de samba que acontecem em um espaço do dia-a-dia : a Internet 18 . Em 2003 é fundada a LIESV, ou Liga das escolas de samba virtuais, uma entidade com endereço na WWW19. Diversas regiões do país como Pernambuco, Paraíba, São Paulo, dentre outras possuem participantes desta comunidade. Miguel Paul, um dos responsáveis pela idéia , explica no site da Liesv sobre a ignição do processo: “Março de 2003, acabou o carnaval, e agora? Fiz essa pergunta a mim algumas vezes, até que um dia me veio uma luz. Pensei muito nas pessoas que não moram no Rio e que por isso não tem muito acesso às escolas. Por que não criar um carnaval pela Internet? Assim todos podem participar, mas como fazer isso? As idéias foram surgindo e divulgadas. Não faltaram críticas e elogios, e as escolas começaram a se inscrever, esse foi o primeiro sinal de que o projeto daria certo. Passadas as disputas de samba (bem interessantes) chegou o carnaval virtual, o carnaval do sacrifício, que apesar de todos os problemas, dificuldades e brigas, deu certo e fez sucesso. Hoje o principal objetivo é revelar novos talentos e que mais pessoas do meio carnavalesco saibam sobre a existência de nosso carnaval virtual, um projeto levado muito a sério, mas que apesar disso, não deixa de ser uma brincadeira”. Em outra parte, Arthur Macedo, um dos responsáveis pelo site, apresenta uma descrição de como acontecem os desfiles: 18 Em uma ação de “arqueologia virtual” descobri a existência destas escolas virtuais em um site chamado “Galeria do samba”. O espaço aberto deste site é um fórum que discute o carnaval carioca. Neste Fórum estão muitas das criticas mencionadas por Miguel Paul, principalmente aquelas que atribuem a falta de realidade ao desfile virtual. 19 Worl Wide Web, ou “teia de alcance mundial”. 17 ...Ao ter a brilhante idéia de transformar o monitor em avenida, o presidente da LIESV Miguel Paul, definiu, também, as diretrizes básicas do Carnaval Virtual. A liga administra as, atualmente, 14 agremiações filiadas. As escolas funcionam de forma bastante parecidas com agremiações reais, presentes no carnaval "apaixonantemente" milenar. Possuem presidente, diretorias, carnavalescos, figurinistas, intérpretes e colaboradores. A escola virtual escolhe sua equipe e define o enredo para o próximo carnaval. Depois de ter comunicado a liga, a escola começa a preparação oficial. Ao sair a sinopse, a escola inicia a sua disputa de samba enredo. Enquanto as "quadras" virtuais se agitam nas disputas, que ocorrem em chats, rádios virtuais e sites, a preparação plástica toma corpo. Todos os setores da escola estão agitados! Ao definir o samba oficial da escola, depois das disputas, esse é entregue para a liga para oficializar e proporcionar a gravação oficial. E começa mais forte a preparação dos desenhos das fantasias e alegorias. Os enredistas e figurinistas colocam forma no enredo. Está chegando a hora do desfile virtual. E o desfile? Com todos os desenhos prontos, samba definido e gravado ao vivo, a escola está com as atividades finalizadas e prontas para o desfile. O desfile acontece num site, para a parte visual, e na rádio NetSamba(parceira da LIESV), para o samba e a narração oficial. No site, se vê a disposição dos carros, tripés, alas, armados numa passarela virtual. Enquanto isso, na rádio, o samba ao vivo toca, enquanto a narração vai destrinchando os setores da escola. Ao término do tempo permitido, a escola atinge a linha final e se despede do carnaval “ Demonstrando as possibilidades de continuação da memória de uma sociedade, e que, sobretudo o corpo e a tecnologia têm um papel fundamental nesta questão, já 18 que são responsáveis por “guardar” tais memórias20, este evento nos chama atenção para o fato de que deslocar corpo e carnaval de seus ambientes tradicionais criando outros mapas para sua existência, pode significar um principio para a permanência tanto do corpo, quanto do carnaval. O próprio Brasil não é o “estado inicial” 21 dos festejos carnavalescos. O papel criativo do tempo nos deixou mais de 4000 anos de história do carnaval, mostrando que “a festa da carne” não se resume ao nosso país e nem aos desfiles das escolas de samba, seguindo seu processo no tempo.22 20 Lúcia Santaella (2002) discute que a invenção da escrita, uma das mais importantes tecnologias criadas pelo homem, significou uma alteração nas memórias do corpo: ‘È curioso observar que cada uma das extrojeções do intelecto e dos sentidos humanos via de regra correspondeu à extrasomatização de uma certa habilidade da mente. Qualquer extrasomatização sempre significou uma perda a nível do indivíduo, perda individual que é imediatamente compensada pelo ganho a nível da espécie. Assim foi, por exemplo, com a invenção da escrita, que significou uma perda da memória individual, mas ao mesmo tempo, funcionou como uma extensão da memória da espécie. Sem a escrita, a memória correria sempre o risco de se perder com a morte do indivíduo. Como bem prognosticaram os antigos, a escrita, de fato, nos leva à negligência da memória individual, mas é capaz de guardar indefinidamente a memória da espécie. 21 Já se aproveitando da idéia de que estes desfiles virtuais sugerem um começo como possibilidade do carnaval desenvolver-se como linguagem em outros meios de comunicação, ressaltamos que a idéia de início desenvolvida nesta pesquisa incorpora alguns entendimentos sobre o tempo formulados pelo químico Ilya Prigogine (1996). Para o físico Albert Einstein passado, presente e futuro já estão construídos. Diferentemente, Ilya Prigogine sugere que o tempo seja um processo irreversível, e também uma flecha em plena construção que tem um “papel criativo”, no sentido que o tempo “gesta” processos evolutivos. Assim, para o autor não haveria um estado “zero”, pois todo principio pressupõe a existência e a conexão de estados anteriores de forma enredada. 22 No ano 4000 a.C. iniciam-se as festas agrárias dos povos primitivos no Egito antigo. O mundo greco-romano vai dar continuidade aos festejos agrícolas de fertilidade. Hoje há uma enorme variedade de formas referentes ao carnaval:: os trios elétricos, o frevo, os bailes de máscara europeus. Sobre isto ver a “cronologia do carnaval brasileiro” presente no “livro de ouro do carnaval brasileiro” (2005) de Felipe Ferreira e “Carnaval, carnavais” (1997) de José Carlos Sebe 19 A festa é constantemente associada à coexistência entre brincadeiras que ocupam a margem e outras que ocupam o centro. Há em um mesmo espaço diversos carnavais em jogo entrem a oficialidade e a não-oficialidade. Os bailes burgueses do século XIX ocupavam o “centro”, mas coexistiam com a margem, caso do entrudo23. No Rio de Janeiro atual, há o glamour dos desfiles cariocas, que nem sempre foram oficiais, coexistindo com os blocos de rua que ocupam pouco espaço na mídia. O jogo entre ser oficial ou não, é uma estratégia na comunicação do carnaval. Assim, toda a história dos ritos carnavalescos é uma rede espaço-temporal 24 que incorpora, além do “gênero”25 escolas de samba, toda uma gama de manifestações transitando entre as categorias “oficial” e “não-oficial”. Esta questão pode ser associada aos desfiles virtuais. Mostrando que a diversidade de estratégias não sacrifica a história, a Internet não determina o fim do carnaval de rua, o ambiente de origem dos festejos. E nem o apagamento da história do carnaval ou desprezo à história do corpo nesta festa. Não há comando algum que faça “reiniciar” a história do corpo e nem do carnaval. Os desfiles de escola de samba já existem há bastante tempo. A primeira escola de samba “de rua”26 foi fundada em 1928 por Ismael Silva, sendo batizada 23 O Entrudo é uma brincadeira popular de origem européia que consistia numa “batalha” com a “munição” feita de líquidos e farinhas. Considerado violento, foi proibido diversas vezes na história do carnaval brasileiro. 24 O espaço-tempo é um conceito da física contemporânea. Estabelece a impossibilidade de separação destas duas instâncias. Emprestamos aqui seu sentido para demonstrar as relações histórico-geográficas do carnaval.. 25 Para Mikhail Bakthin “...gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos, suficientemente estratificado numa cultura, de modo a prover a comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades futuras” Machado (2003:68) 26 Utilizaremos a expressão “de rua” para designar as escolas de samba que se apresentam na avenida, evitando 20 por “Deixa Falar”. Brincou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, mas teve vida efêmera, vindo a se extinguir pouco tempo após sua fundação. Seguindo seu nascimento, hoje há inúmeras agremiações: Mangueira, Salgueiro, Mocidade Independente de Padre Miguel, e inclusive escolas de samba em outras cidades do país, caso de Porto Alegre, São Paulo e diversas outras cidades menores. Até em outros países há imitações de escolas de samba, como é o caso da “Paraíso School of Samba” fundada por brasileiros residentes em Londres27. A Liesv não é a única entrada do carnaval na Internet. Felipe Ferreira (2005) pesquisando a história e a geografia do carnaval brasileiro, indaga em seu “ livro de ouro do carnaval brasileiro”, entre outras coisas, a respeito da pergunta “a Internet dá samba?”. Conclui que o surgimento, em 1998, da primeira lista de discussão sobre o carnaval carioca marca a entrada da festa nas “ondas do ciberespaço”, e que o processo evolutivo seria inevitável, uma vez que as novas tecnologias mais cedo ou mais tarde serão incorporadas como linguagem pelo carnaval.28. Pensar que o desfile/carnaval adentra outros espaços, replicando-se em diversos ambientes, e, sobretudo imaginar a criação de um desfile na Internet, reforça a idéia de que o carnaval seja uma informação buscando formas de permanência, estratégias similares àquelas que um organismo busca para sobreviver29. assim fortalecer o preconceito ‘real x virtual’ que esta sendo discutido no decorrer do trabalho. 27 Informações podem ser vistas pelo site http://www.paraisosamba.co.uk/ (disponível em agosto de 2004) 28 Este livro foi lançado durante a finalização desta pesquisa. No entanto foi uma agradável surpresa perceber que outros pesquisadores estejam indagando sobre as possibilidades da Internet “incorporar” o carnaval de alguma forma. 29 Esta idéia de que a cultura se replica pelos pressupostos biológicos foi desenvolvida por Richard Dawkins(1978), através dos chamados “memes”. Estes são informações mínimas da cultura que buscam a permanência e são selecionados de forma análoga ao gene. 21 2.1. NOVOS ESTRANHOS NO CARNAVAL: DISCUTINDO AS CRÍTICAS Com o desfile virtual não seria diferente. Como um “corpo estranho” que entra em nosso organismo passando, não pela “defesa” mas sim pelo reconhecimento do outro30, a Liesv e seus desfiles virtuais começam a emergir como linguagem e a entrar nas veias do fluxo da vida social. A idéia de “primeiro contato” pressupõe o surgimento de estranhamento e instabilidade, uma vez que trata-se de reconhecer no tempo o processo e as possibilidades de estabilização desta “nova” informação se relacionando com as informações já existentes. Tais desfiles virtuais começam a surgir possibilitando testar como estas novas informações podem ser “oficializadas” pelo corpo e pela sociedade. Ou não. Pois se este modo singular de brincar o carnaval se tornará uma informação “resistente”, algo incorporado à vida social, só o tempo nos dirá. Contudo, uma vez que instabilidades promovem comunicação e movimento, vemos na emergência destes desfiles, e em suas possibilidades de estranhamento 31 , uma série de questões sobre o significado do corpo e do carnaval. Este último, 30 Francisco Varela e Humberto Maturana(1997) explicam que o sistema imunológico age por reconhecimento e usufrui de capacidade de memória. Esta concepção desconstrói a metáfora de que o sistema imunológico seja um exército. Ao contrário, este sistema estabelece relações cognitivas com corpos estranhos que adentram nosso organismo selecionando-os em acordo com a existência ou não de risco para a permanência do organismo. 31 Há várias teorias que desenvolvem a noção de estranhamento como possibilidade de comunicação. Em “A estratégia dos signos”, Lucrécia D’alessio Ferrara conceitua que a Pop-Art se utilizava de ícones reconhecidos no cotidiano da sociedade, mas que se tornavam “estranhos” à medida em que eram deslocados de seus espaços no cotidiano. A relação entre reconhecer algo familiar e ao mesmo tempo estranhá-lo vai surgir em diversos outros contextos, pois esta mesma noção é interessante para pensarmos sobre o estranhamento/familiaridade que um desfile pode causar ao ser concebido para a Internet. 22 em sua natureza assegurada até mesmo etmologicamente32, é considerado uma “festa da carne”. As principais criticas que surgiram “estranhando” este evento são: 1 - Um desfile na Internet é necessariamente, a “morte do verdadeiro carnaval”. Significa acentuar a perda da memória e da identidade cultural afro-brasileira com a entrada de pessoas “que não fazem parte“ do mundo do samba33; 2 - Este evento é apenas uma “brincadeira supérflua”, “inútil”, um “carnaval falso”, algo “não instituído”, uma vez que convencionou-se atribuir graus de valor à cultura: aquilo que é aceito tem visibilidade. Mas, como veremos adiante, o carnaval se encarrega justamente de dar visibilidade ao invisível; 3 - A terceira principal crítica é a freqüente pergunta: como podemos dançar, pular , e principalmente, sentir a “materialidade” do carnaval, ou seja do corpo, pela Internet? Roberto Damatta (1979) sugere que o carnaval “não tem dono”. Daí, que em relação à “entrada” de pessoas que não seriam parte do carnaval podemos simplesmente trazer novamente a questão: de quem é o carnaval? Sobre a “utilidade” da festa, Vilém Flusser em sua série carnavalesca (1972) analisa a utilidade do carnaval propondo que o ato gratuito e fortuito esteja correlacionado à sacralidade. Deuses são sacralizados gratuitamente. Daí, conferir 32 São vários os sentidos atribuídos à palavra carnaval: “festa da carne”, “ausência da carne”, ‘carro naval”. Este último se refer aos carros em forma de nave que distribuíam vinho na Roma antiga. Sobre os significados da palavra, ver “Carnaval, carnavais” (1997) de José Carlos Sebe 33 Para diferenciar o “sambista” existe a expressão “sambeiro” que refere-se ao “branco” da zona sul do Rio de Janeiro, que não sendo parte oficial das comunidades do samba se desloca para estas buscando ser incorporado. Ver Joãozinho Trinta(1985) 23 utilidade às coisas seria desacralizá-las. Assim, atribuir algum sentido de utilidade à festa carnavalesca seria retirá-la de seu contexto “sagrado”. A “utilidade” do carnaval é, portanto, ser “inútil”. O autor inclusive critica o excessivo caráter de “feriado” dado ao carnaval. O carnaval é um trabalho e não a idéia de descanso, feriado. Mas, paradoxalmente, um trabalho “inútil”. A “última” critica conecta-se a aspectos da comunicação na sociedade contemporânea e suas recentes transformações. Trata-se de um interessante momento para discutirmos se o carnaval é “realidade ou ilusão”. A comunicação via Internet é categorizada pelo senso comum como a inexistência do corpo, já que, supostamente, o “virtual substitui o corpo real34 . Mas, fica a inevitável questão: O que é o “real”? Somente aquilo que vemos, tocamos? O que seria um corpo real? Um corpo “puro”, isolado de engrenagens inorgânicas, artificiais? O adjetivo virtual empregado aos usos da Internet relaciona-se à preocupação com a “existência verdadeira” dos objetos que vivem no ciberespaço. Mas virtual não significa inexistência. “No senso comum, virtual é simplesmente falta de existência. O real em si, como se sabe, é inexistente: o que há mesmo são efeitos de objetividade, a que costumamos chamar de ‘realidade’. Cabe sempre à consciência humana, na verdade, determinar o grau de realidade das coisas, inclusive de algo inicialmente qualificado como virtual ” (Sodré ;2002:123) Em acordo com tal afirmação, o pensamento de Pierre Levy (1999) sugere que este virtual exista como ponte para outros níveis de realidade. O atual seria apenas um destes níveis. Assim, o virtual é aquilo que ainda não foi atualizado35, sendo um 34 Nas conversas pela Internet podemos mascarar nosso corpo. “mentir” sobre nossa aparência física. Talvez venha daqui a idéia de “irrealidade”. No mapa III refletiremos de forma mais aprofunda sobre a questão do corpo em relação à imagem. 35 “Já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído o virtual é como o complexo problemático de forças que acompanham uma situação, um acontecimento, um objeto qualquer ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização” (1999:27) 24 devir, um vir-a-ser longe de ser previsível ou determinado. Para o autor o virtual existe à medida em que se realiza como os inúmeros efeitos que possibilita na construção permanente do fluxo da realidade. E aquilo que é possível é muito mais rico do que aquilo que já está determinado. Acaso é uma palavra chave para compreender o sentido de virtual, assim como é fundamental para a sobrevivência da comunicação. O acesso de um endereço qualquer da Internet cria devires36: vivemos ao acaso na riqueza das infinitas possibilidades de cruzamento de links37e a atualização das páginas sujeitas ao fluxo. Nossa navegação faz valer o adjetivo “virtual” como um vir-a-ser indeterminado que não se opõe ao real. Mas o senso comum aposta numa separação radical: virtual como substância inorgânica, intangível versus real como matéria orgânica, palpável. Esta formulação parece familiar ao dualismo cartesiano 38 e sua separação entre corpo e alma. A persistência de inúmeras variações deste dualismo, encontradas por exemplo na 36 Para o filósofo Gilles Deleuze e para Félix Guatari (1997), um Devir é o movimento das coisas e do mundo, a passagem contínua de algo a outro estado. Deleuze utiliza metáforas geográficas para evidenciar suas idéias: um devir é cheio de planos, segmentos, linhas, mapas, territórios. Deleuze utiliza ainda a idéia de Rizoma, raízes que se interligam sem um ponto de convergência. O conceito de devir nasce como uma “linha de fuga”, a necessidade de se pensar o mundo como uma rede de agenciamentos coletivos do desejo, e não mais como estrutura centralizador e binária. 37 Link se refere à conexão entre páginas na Internet. Esta palavra tornou-se um metáfora que significa relacionar/amarrar idéias diferentes. 38 René Descartes ( 1596-1650) formulou a idéia de que a Res cogitans ( a alma) esta separada da Res extensa ( a matéria). “Para Descartes, o você real não é seu corpo material, mas sim uma substância pensante e não-espacial, uma unidade individual da coisa-mente, totalmente distinta de seu corpo material “ P. Churchland (2004:27) 25 questão real versus virtual demonstra que parece haver a insistência de um “sujeito cartesiano que continua incomodando” como ironiza o filósofo Slavov Zizek39. A questão das divisões dualistas é tão forte que a ciência clássica , contaminada por este tipo de pensamento, estabeleceu de tal forma as dicotomias que não temos palavras para designar as não dicotomias. O par ordem/desordem, um conceito fundamental para entendermos a comunicação, não possui uma palavra que consiga designar estas duas coisas ao mesmo tempo40. E, como veremos no mapa II, perceber o jogo entre ordem e desordem é algo fundamental para a sobrevivência do corpo e suas linguagens. Mas, além da visão dicotômica da Internet, outras críticas concernentes ao seu uso nas relações sociais baseiam-se no tradicional “medo da substituição” que enxerga a novo como o “anúncio do fim”. Quando o cinema surgiu, previsões apocalípticas sugeriram que o teatro estaria acabado. Quando a televisão surgiu, previu-se o fim do cinema. No entanto, todas as linguagens co-existem e estão se “mixando” e dando origem a novos meios e modos de comunicação, caso da própria Internet. No entanto, estes inevitáveis estranhamentos ao novo são uma parte fundamental do processo uma vez que demonstram a capacidade da vida social reagir e poder se entrelaçar dando significados a si própria. 39 Filósofo esloveno. Conceitua (1998) que este dualismo insiste por que significa a estabilidade dentro da instabilidade a que estamos sujeitos. Enquanto não encontrarmos estabilidade em outros processos de organização, vamos continuar nos agarrando a esta forma cartesiana de categorização. E por isto que mesmo negando este “sujeito”, ele continua “insistindo”. 40 Anotações da aula “Sistemas Intersemióticos” ministrada por Amálio Pinheiro e Cecília Almeida no primeiro semestre de 2003 no Cos/Puc 26 2.1.1. A CIBERCULTURA E SEUS PARADIGMAS DE REALIDADE Interações entre o que parece “real”, ou não, acontecem independentemente do surgimento da Internet. Desde cedo, o homem inventa formas de narrativizar41 sua existência criando outras realidades que se conectam à vida “real”. Literatura, cinema, artes plásticas, festas pagãs, entre outros, são diversas destas categorias, espécie de paradigmas do “faz de conta”. Livros, pinturas, filmes, enredos de escolas de samba são “habitantes” deste território e que sobretudo organizam formas de linguagem e ajudam a elaborar as dúvidas e as incertezas que nos cercam sobre nossas origens e nossos destinos, criando constantemente crenças, que no entanto podem se desconstruir.42 Muitas dúvidas se referem à relação do homem com a tecnologia. Diversas elaborações surgiram: George Orwell(1984), Aldous Huxley( Admirável Mundo Novo) , Mary Shelley (Frankstein), Isaac Asimov ( Eu, robô), o filme 2001- Uma odisséia no espaço, o outro recente filme Matrix, dos irmãos Wachowisk, dentre tantos outros , são tecidos narrativos que falam a respeito da ansiedade humana de hoje em lidar com seu futuro, com o indeterminado. De um destes “tecidos ficcionais” nasce uma expressão muito comum do nosso cotidiano atual: Ciberespaço, palavra que aparece pela primeira vez em Neuromancer (1984), livro de William Gibson. 41 “Narrativizar significou e significa para o homem atribuir nexos e sentidos, transformando os fatos captados por sua percepção em símbolos mais ou menos complexos, vale dizer, em encadeamentos, correntes, associações de alguns ou de muitos elos sígnicos.” Baitello (1997:37) 42 Lucrécia D’aléssio Ferrara (2001:66) conceitua que “a dúvida é um estado desagradável e incômodo contra o qual lutamos; esse esforço é orientado pela investigação, que nos permite superar a crise em que a dúvida nos projeta. Nossas ações são orientadas por hábitos que decorrem das crenças, porém esta regularidade está constantemente operando com dúvidas, que prejudicam o equilíbrio característico da crença; portanto o binômio dúvida/crise tem como antônimo um outro binômio, crença/hábito.” 27 Na “vida real” o ciberespaço é uma invenção anterior ao livro de W. Gibson. Inclusive, a idéia de um espaço virtual, um “lugar” que seja a fusão de diferentes espaços esteve presente na história da humanidade desde cedo. A historiadora Margareth Wertein (2003) conceitua que a idéia de sobreposição de espaços e rompimento da linearidade visual já estava presente nas artes visuais do barroco. O próprio teto da capela Sistina, palco da narrativa criada por Michelangelo é uma obra que coloca em um mesmo espaço diferentes hierarquias. Steven Jonhson (1999:34) afirma que o poeta grego Simônides ( século VI, A/C) inventou um “palácio da memória”. Este baseava-se no fato de que nossa memória visual é mais duradoura que a memória textual. A estratégia deste “palácio da memória” como possibilidade retórica consistia em imaginar histórias como edificações arquitetônicas aplicando este potencial à mnemônica espacial. Jonhson (35) explica ainda que foi Doug Engelbart que concretizou a idéia “real” de um espaço- informação. Em 1968 D. Engelbart apresentou sua invenção em uma conferência na cidade de São Francisco, movendo-se com um mouse43 pela tela: “ Pela primeira vez, uma máquina era imaginada não como um apêndice aos nossos corpos, mas como um ambiente, um espaço a ser explorado. Podíamos nos projetar neste mundo, perder o rumo, tropeçar em coisas. Parecia mais uma paisagem do que uma máquina, uma ‘cidade de bits’, como William Mitchell44, do Massachuts Institute of Technology, a chamou em seu livro de 1995. Desde que os artesãos do renascimento haviam atinado com a matemática da perspectiva pictórica, nunca a tecnologia havia transformado a imaginação espacial de maneira tão formidável. A maior parte do vocabulário ‘Hight Tech’ de hoje deriva dessa arrancada inicial: ciberespaço, surfar, navegar, rede, desktops, janelas, arrastar, soltar, apontar eclicar. O jargão começa e termina com o espaço-informação. E passaram-se apenas algumas décadas desde a demonstração original de Engelbart. Podemos imaginar o quanto a metáfora terá viajado a té o fim do próximo século. 43 Artefato móvel que conduz o movimento do cursor na tela do computador. O cursor é um ponto que serve de localização 44 Pesquisador do ciberespaço 28 A herança deixada pela perspectiva linear45, a idéia de um sujeito espectador que passa a ser a “medida do espaço” e que apenas observa a natureza parece mesmo não fazer mais sentido algum com o surgimento deste espaço-informação. A perspectiva renascentista é uma constituição do olhar que esta presente em nossa história há 500 anos. Estamos condicionados a “enquadrar” o mundo, como evidenciava em 1435 a idéia de Leon Battista Alberti : “a pintura é uma janela para o mundo”. No entanto, a interatividade , assim como outras discussões na área da física 46 passa a significar o não isolamento , a necessidade permanente de conexão entre usuário e ciberespaço, ajudando na desconstrução do paradigma de que o homem seja a “medida das coisas” e esteja separado do mundo, apenas observando-o. No entanto, não estamos entendendo a Internet como um espaço onde literalmente possamos entrar. Parece óbvio mas é preciso ressaltar que nenhum corpo é transformado em bytes e colocado literalmente dentro da Internet47. Assim 45 Tecnologia matemática desenvolvida no Renascimento. Pesquisadores como Arlindo Machado (1982) comentam sobre o fato da perspectiva renascentista estar ligada à visão antropocêntrica do universo, o que significa para a história da cultura, o fato do homem estar “observando” o mundo, conseguindo “enquadrá-lo”. Jorge Lúcio de Campos no livro “Do Simbólico ao virtual”( 1990) estuda, entre outras coisas, o pensamento do historiador Erwin Panofsky, comentando que este autor dedica boa parte de seus estudos para a pluralidade da perspectiva como técnica e sua utilização anterior ao Renascentismo, com outras sentidos, diferentes dos significados desenvolvidos em relação à perspectiva neste período, como a separação objeto/observador. 46 Como explica Katz (1998)“...a ciência clássica entende a descrição científica como a produzida por um observador independente das coações físicas , um ser que contempla o mundo físico do ‘exterior’. Esta posição é criticada pela ciência contemporânea. 47 Margareth Wertein(2003) elabora uma interessante idéia ao conceituar que a noção do “paraíso celestial” se conecta ao surgimento da Internet e sua suposta “nãomaterialidade”. A visão de que o corpo se desmaterializaria entrando no paraíso, é comparada pela autora à idéia frequente no senso comum de que o corpo poderia se 29 como a pintura , a Internet é um desdobramento simbólico e principalmente metafórico do espaço. Porém, como veremos no mapa III, entrar simbolicamente neste espaço é uma ação que envolve a complexidade das metáforas e do aparato sensório-motor para além da questão dos movimentos dos olhos. Como identidade desta tecnologia, a conexão entre indivíduo e ciberespaço marca o surgimento de outro paradigma da comunicação caracterizado pela interatividade e horizontalidade e que passa a co-existir com o padrão de comunicação centrado, vertical e unidirecional. O ciberespaço é um espaço marcado pelo nomadismo, um território de imersão e simulação, sem hierarquias fixas, mas sim com hierarquias em fluxo. Um “...novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” (Levy:1999;17). Relacionando-se intimamente à globalização e à pós-modernidade48, o ciberespaço conecta-se ao contexto da cibercultura. “O neologismo Cibercultura, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas., de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (Levy:1999;17). Em sua emergência, a Cibercultura tem feito surgir uma espécie de polarização entre “apocalípticos e integrados”, como argumenta Umberto Eco ao comentar os dois principais posicionamentos críticos assumidos pela sociedade sobre a questão da Internet. Os primeiros, partindo da teoria Marxista, vêem a Internet como o aprofundamento da “barbárie social” em que vivemos: desigualdade socio-econômica, concentração de poder financeiro nas mãos de desmaterializar sendo transformado em bytes e assim “entrar” na Internet. 48 Os processos de transnacionalização dos conceitos do sistema produtivo capitalista e do conceito de individualidade 30 poucos, reforço aos centros de potência científica e militar. Os segundos numa “reencarnação” da razão Iluminista vêem o uso da Internet como possibilidade de concretização da tão sonhada “civilização”. No entanto, para enxergarmos a complexidade da questão é preciso superar esta polarização. A questão não é se concentrar em um ou outro pólo, mas sim incorporar o fato de que tais questões não estão separadas. E sobretudo perceber que o “real” é algo bem mais complexo e indefinido do que a estabilidade de conceitos como “bem e mal”. Há diversos problemas que dizem respeito a organizar coletividades e respeito às individualidades, e esta questão, sendo algo que está além de uma lógica binária pode apresentar possibilidades de solução se for levada em conta sua complexa estrutura de rede. Sobre problemas da relação corpo/tecnologia há questões fundamentais e que exigem atenção. O pesquisador canadense Marshall McLuhan (2001), conhecido por seu conceito de que “O meio é a mensagem”, desenvolveu a teoria de que o corpo se estende no espaço por aparatos tecnológicos49. Releituras e observações desta teoria sugerem a existência de uma “hipertrofia” condicionada50 49 Marshal Mcluhan aponta em seu livro “Understanding Media” publicado em 1964 que toda e qualquer ferramenta que possa estender o corpo, como um garfo ou uma faca, seriam respectivamente, as ampliações das mãos e dos dentes. 50 É interessante perceber que a palavra condicionar constrói outro significado nesta sentença, um sentido diferente caso usássemos a palavra “determinar”. Pierre Levy ao contextualizar o papel da técnica argumenta sobre isto: “Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada, não determinada. Essa diferença é fundamental. A invenção do estribo permitiu o desenvolvimento de uma nova forma de cavalaria pesada, a partir da qual foram construídos o imaginário da cavalaria e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No entanto, o estribo enquanto dispositivo material, não é a ‘causa’ do feudalismo europeu. Não há uma ‘causa’ identificável para um estado de fato social ou cultural, mas sim um conjunto infinitamente complexo e parcialmente 31 pela atenção exagerada nestas extensões tecnológicas. Argumentam que o uso demasiado de alguma parte de nosso corpo pelo esquecimento/negação de outras seja uma característica patológica. Como um sintoma da mesma natureza, há em nossa sociedade uma saturação dos sentidos51 provocada pelo consumo vertiginoso da imagem, sobretudo de origem tecnológico-eletrônica. Conectada à tal realidade encontramos o individualismo que marca a sociedade pós-moderna, e a violenta sedução de suas imagens imperativas, que criando espécies de muralhas imagéticas, escondem as singularidades de cada corpo, cada indivíduo. Estamos cada vez mais individualistas, e, no entanto isto não significa atenção às nossas singularidades corporais. E ainda, mergulhados em toda a banalização da noção de cidadania, que fica nítida pela enorme quantidade de informações produzida pelos meios de comunicação de massa onde inúmeras vezes esta ausente qualquer respeito às diferenças alheias. Esta realidade do império das imagens existe, nos anestesia e altera nossa percepção para os horrores sociais que vivenciamos. Agora, no entanto, enfatizamos que nosso foco se direciona para as tecnologias comunicativas como um “espaço” de condição sinestésica para o corpo, o desdobramento das sensações corporais e a fusão entre seus sons e suas imagens como mais um traço da criatividade das estratégias da comunicação. E, sobretudo notar que a tecnologia “entra no corpo”52. O “papel criativo” de longos períodos de tempo cria inúmeras adaptações entre corpo e ambiente. “E, se o que esta em volta também compõe o corpo, a cultura ‘encarna’ no corpo”. Katz & greiner (1999). Assim, a tecnologia, como a cultura, é corporificada e conectada às indeterminado de processos em interação que se autosustentam ou se inibem.” (1999:25) 51 Pesquisadores Norval Baitello Júnior (2001) tecem pesquisas sobre a questão da saturação que a imagem possa causar, conceituando que a visibilidade em excesso pode cegar 52 Não estamos nos referindo à uma corporificação literal da tecnologia, através de próteses ou nanotecnologia, esta última a ciência que estuda a criação de máquinas em escala molecular, robôs fantasticamente minúsculos que poderiam entrar em nossos corpos( ver Gimzewsk & Vesna 2003) . 32 redes cognitivas do corpo. È desta forma que o sentido de “entrar” na Internet, através de suas possibilidades cognitivas. A tecnologia apresenta-se como estratégia da sociedade contemporânea quando se discute questões ligadas às possibilidades de expressão53 que se conectam à discussões como a descentralização do poder e a criação de fluxos de sentidos54. Como vimos na introdução, o carnaval significa a inversão de significados/sentidos, e veremos adiante que tal realidade é uma proposta despretenciosa dos desfiles virtuais, mas que já indica estratégias de questionamento do poder. Vale a pena pensar no sentido da inversão e citar uma frase de um texto do sociólogo Manuell Castells (2001:497), onde propondo uma 53 Walter Benjamim e seu clássico estudo sobre a arte na era da reprobutibilidade técnica nos ajuda a refletir sobre esta questão, pois vemos que há uma grande disponibilidade doméstica de criação de imagens, e este é um aspecto fundamental da comunicação contemporânea. Contudo, o fato de que a simples utilização de computadores e softwares não constitua um processo expressivo. Devemos pensar que esta autonomia de produção conectada a uma significativa expressividade é que possa constituir um processo significativamente expressivo. A mera utilização em si de ferramentas tecnológicas oriundas do contexto industrial não dizem nada a respeito de estar expressando-se ou apenas produzindo mais informações vazias. Como nos colocou W. Benjamim a principal questão é saber como tais ferramentas, a técnica, pode ser sensíveis à diferentes possibilidades expressivas do homem. E Vale ressaltar o sentido de deslocamento de significados usuais como prática expressiva. 54 No livro o “Distúrbio Eletrônico” (2001) o grupo de artistas intitulado Critical Art Ensemble dedica boa parte do texto para a questão do “poder nômade”. Para os autores, hoje não há um poder visível e fixo. E subverter este poder é se atar à necessidade de se movimentar. Se o poder é nômade, estratégias que questionem o poder também devem se aproveitar do nomadismo como estratégia. 33 inverção o autor argumenta: “... o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder”. Assim, vale ainda ressaltar que impossibilidades de organização coletiva, anestesia corporal ou negação das singularidades, não estando em lugares fixos acontecem para além das situações em que há incorporação da tecnologia. Lembramos outros contextos onde isto pode ocorrer, pois é preciso notar que as palavras, outro artefato criado pelo homem, também são processos de corporificação, e mesmo quando processadas exclusivamente pelo corpo, sem que sejam mediadas por aparatos eletrônicos, também podem causar saturação. O que esta em jogo não é tanto o uso ou desuso de artefatos, já que a tecnologia é incorporada, mas sim, a possibilidade de criação de processos que enfatizem perceber que as singularidades individuais são co-dependentes dos interesses comuns através de organização coletiva55. Assim como o corpo e ambiente são também co-dependentes. 2.3. A VIRTUALIDADE DO JOGO Jogos são devires, pois possibilitam a correlação entre o acaso e a indeterminação. Também são espaços onde as diferenças ficam visíveis e são coexistentes, pois organizam também a co-dependência entre os indivíduos. O carnaval é, sobretudo um jogo repleto de disputas que estimulam a concorrência entre seus participantes: concurso de fantasias, disputa de samba nas quadras, eleição do rei momo, dentre outras. A competição entre as escolas de samba virtuais são parecidas com os jogos que já existem na natureza. Pois é fundamental esclarecer que o jogo é também uma estratégia de sobrevivência e vai além das organizações sociais humanas. “O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois se 55Uma interessante relação entre técnica e singularidade corporal , sinestesia, e trabalho coletivo é sugerido por klauss viana . o trabalho deste coreógrafo diz respeito à atenção às múltiplas sensações corporais que emergem ) junto com o movimento. ver Neide neves (2003 34 esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica. É nos possível afirmar com segurança que a civilização humana não acrescentou característica essencial alguma à idéia de jogo. Os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos”.Huizinga (1998:7). Para Baitello (1997:55), o jogo é um dos “universais da cultura”, uma das nascentes da cultura humana. Desde cedo, quando éramos seres unicelulares vivendo em ambientes aquosos, temos disputado a sobrevivência com outros diversos e inúmeros organismos. As competições existentes em nossa vida social parecem metaforizar e dar continuidade a esta condição. Jogos pressupõem a criação de máscaras. Seria esta diferenciação, este gesto de fantasiar-se, uma imitação de comportamentos presentes em outros espaços na natureza? Estariam relacionados à invenção de disfarces como possibilidades de sobrevivência, como é o caso do mimetismo dos camaleões, que camuflam seu corpo confundindo-o ao ambiente, ou do exibicionismo dos pavões, que na época do acasalamento “destacam” seu corpo do ambiente? O polêmico “cristo proibido” do desfile da beija–flor de 1989 funde justamente estas questões, ao “esconder”, “metamorfosear” a alegoria que havia sido proibida pela arquidiocese do Rio de Janeiro, aquele desfile ganhou tremenda visibilidade.56 Daí, perceber que jogos também pressupõem a criação de acordos entre os jogadores, os outros “times” e fundamentalmente entre o “campo do jogo”. Todo 56 Marlene Soares(1996) em seu livro “Sob o signo do avesso” aborda justamente esta questão. Relacionado a idéia de cobrir o cristo e colocar uma faixa com a frase “Mesmo proibido, olhai por nós!” à força comunicativa dos significados do carnaval. 35 organismo para sobreviver precisa jogar também com o ambiente onde vive. Explorar o ambiente é um jogo de conquistas espaciais: de vírus nas correntes sangüíneas a qualquer pessoa que percorra os espaços simulados de um videogame . A relação ambiente/jogador pressupõem o acaso e a existência de conteúdos virtuais, nunca pré-determinados, mas que paradoxalmente só podem ser atualizados no decorrer da ação de jogar. Assim, jogar é, sobretudo estar sujeito a alterações. Assim como a indeterminação parece ser inerente a vários tipos de jogos, outra característica típica é a inversão carnavalesca. Como parte do jogo, criar fantasias carnavalescas é estar sujeito às alterações, à “atualizações”. É promover outras organizações do corpo “atualizando” simbolicamente outras configurações sociais. Trata-se da possibilidade virtual de ser outros corpos diferentes daqueles do cotidiano. A inversão no carnaval é uma estratégia que conhece as “mortalidades”, mas que brinca com a virtualidade desta realidade. Então, podemos ver que desde seus primórdios, pela jogo incessante de inversões e, consequentemente, a invenção de fantasias, o carnaval opera um vira-ser, aproximando-se assim do conceito de virtualidade discutido no contexto da comunicação contemporânea. Quando o “escravo pode se tornar rei” há um vir-aser envolvido nesta questão. Ou seja, a inversão carnavalesca é vista como um desvio da norma, do padrão, da categoria pré-estabelecida. Uma “f(r)esta popular” que rompe Imprintings57. A ocupação virtual de espaços transformando-os, invertendo seus significados. 57 Edgard Morin(1991) estabelece que “...há um complexo de determinações sócio-noo-culturais que se concentra para impor a evidência, a certeza, a prova da verdade do que obedece ao imprinting e à norma”, O carnaval é um possível meio de inverter estes imprintings. Em correlação a este significado encontramos o livro de Maria Clementino que discute a existência de “f(r)estas“ populares por onde o povo pode “ver e ser visto”. 36 Há um significado político bastante importante neste movimento de inversão que parodia a loucura, nesta “atualização” das regras sociais. Como jogo e festa coletiva, o carnaval é um tempo e um espaço onde as pessoas podem “rir” coletivamente da hierarquia onde estão inseridas, e alterá-la, mesmo que virtualmente/simbolicamente. E como jogo, que faz emergir pelo lúdico outras possibilidades para o corpo e para a vida social, simbolicamente o carnaval é um evento que inverte a “nãocultura”58. Em 1997 a escola de samba carioca Unidos do Viradouro realizou um ume movimento, que processou uma inversão entre cultura e “não cultura”. Colocando uma “batida funk” na cadência do samba naquele ano. O funk é muitas vezes tido como algo marginal, principalmente para outras regiões distantes do Rio de Janeiro, onde este gênero musical encontra grande acolhida. No entanto, diversas pessoas que “estranham“ este gênero reconheceram sua existência na criativa mixagem entre os ritmos do samba e do funk. A questão é que o trânsito antropofágico entre um sistema e outro engendram comunicação59. 58 A ‘não cultura’ é um conceito que designa aquilo que não foi oficializado. Este conceito não significa a “...inexistência de uma organização para além do âmbito de uma cultura instituída; organização que, no entanto, não é percebida ou aceita pelos parâmetros da cultura instituída, até o momento em que as fronteiras da cultura irão se expandir em direção à não-cultura, num movimento antropofágico” Contrera (2000:26) 59 Vale lembrar que o movimento modernista assinalou uma valiosa lição ( que aliás, tinham aprendido, ou melhor, comido de nossos índios!): “Lá vem nossa comida pulando!”, ou seja, só a antropofagia pode nos fazer vivos! Quando comemos o “estrangeiro” podemos manter viva nossa identidade. O movimento modernista e sua apropriação do antropofagismo assinala a preocupação com a identidade da linguagem cultural brasileira, O “baile” modernista que ocupou o Teatro municipal de São Paulo no mês de fevereiro de 1922, gerando uma série de estranhamentos, sublinhou justamente que deveríamos “comer” nossa cultura e também o que vem de fora. 37 Inserido neste “movimento antropofágico” o carnaval não pára seus deslocamentos. Como parte da mesma família de críticas sobre a descaracterização do carnaval , há inúmeras discussões sobre o fato do desfile carioca estar contrariando o principio de participação popular, ligado excessivamente aos mecanismos da indústria cultural, fazendo então parte do mainstream, uma vez que a festa tem se conectado à mídia60. Muitas vezes acusado de funcionar como uma espécie de controle ideológico, algumas leituras acerca do evento ( ver Cabral 1996) sugerem subliminarmente que as lições de “O Príncipe” de Maquiavel 61 estão em curso: umas das formas de se manipular as coletividades é prover-lhe festas que inibam reações contrárias ao poder. Mas fica mais uma questão: o carnaval não significa a ocupação de espaços oficiais transformando-os, invertendo-os sobretudo como brinquedos?62 O carnaval esta no centro, ou foi o centro que deslocou-se para o carnaval? 60 Entendida aqui como o conjunto de meios de comunicação que sob instâncias sociais, econômicas, políticas e culturais fazem circular as informações na sociedade. 61 Há uma discussão sobre a intenção de Maquiavel ao escrever este livro. Discute-se a possibilidade de que “O príncipe” seja um conjunto de mensagens subliminares que“alertam” sobre as estratégias do poder. 62 O Dadaísmo deixa claro que a fase adulta não significa que a “criança” deixou de existir. Tal fator era enfatizado pelos dadaístas que brincavam com a linguagem criando obras que metaforizavam o gesto de brincar, se apropriando da idéia de construir brinquedos. Como movimento artístico surgiu na Europa no começo do século XX e foi caracterizado pela anarquia, recorte e fragmentação da linguagem como possibilidade de criação de outros significados para o pré-estabelecido. Podemos aproximar linguagem Dadaísta e linguagem carnavalesca, pois ”...Sempre que os dadaístas de Berlim construíam suas obras, obedeciam necessariamente ao principio da montagem. Isto é uma lei Dadá. A montagem, bem como a colagem, reúne elementos por mera justaposição paratática sem a presença de signos ordenadores, de hierarquização ou de simples conexão. E pressupõe uma atividade anterior à da montagem propriamente dita: a desmontagem ou o recorte de elementos isolados, retirados de seu contexto original onde possuíam uma função dentro de uma determinada hierarquia de regras que constituem um determinado código cultural.” Baitello ( 1997:34). O carnaval é um brinquedo que ocupa espaços oficiais e esta em um constante processo de (des)montagem. 38 É “estranho” ver que a participação popular esteja condicionada pelo caráter mercadológico da festa. Não há como negar que a projeção turística do evento trouxe uma perda para o povo. É neste jogo que pensamos na Liesv como uma estratégia de comunicação, pois se pensarmos sob a lógica da inversão podemos ler na invenção dos desfiles virtuais um gesto digno das inversões carnavalescas: colocar a brincadeira nos espaços oficiais, no caso o Ciberespaço, e além disto ressaltar que as pessoas tem o desejo de brincar o carnaval, mas estão, de alguma forma, excluídas do processo. Apropriar-se da Internet como espaço oficial para a realização de “brincadeiras” é algo bastante carnavalesco no sentido de participação popular. Vendo desta forma, percebemos o carnaval como um espaço onde se coloca para fora aquilo que estava censurado: o “desejo” de brincar. Em uma metáfora psicanalítica, é como se fosse “um corpo sobre um divã alegórico” que busca o inconsciente o “obscuro”, a “loucura”. Sigmund Freud (1859-1939) criticando a racionalização excessiva da sociedade, esta mesma racionalização que é parente próxima dos fatores que acabam tornando difícil a participação popular no carnaval, fala sobre o “mal estar na civilização” (2002) assinalando justamente que se não houver espaço para estes “desvios obscuros”, gera-se um “mal estar” onde homem literalmente “enlouquece”. Como também observa Edgard Morin (1979), o “homem é um enigma”, torna-se notório que a crença de que pela razão a civilização tornaria o homem mais educado é inverossímil. 63 63 Sebe (1997) conta sobre uma passagem da peça ‘As Bacantes” de Eurípedes nos mostra algo sobre este “mal estar”. A peça conta a história do deus Dionisio que foi proibido de entrar com seus ritos na cidade de Tebas pelo governante da cidade Penteu. No “sparagmos “ Dioniso seduz as mulheres da cidade levando-as às montanhas onde as mesmas , sob estado catártico, são conduzidas à exteriorizar seus desejos mais profundos. A cena descreve que as mulheres haviam perdido as noções das regras sociais vigentes da cidade conduzindo seu comportamento a um estado de completa não censura: mulheres se comportando como ‘animais’. No decorrer da narrativa, Dioniso convence Penteu a observar as bacantes e ver o comportamento fora do comum 39 Mas, paradoxalmente o carnaval não é somente uma “vazão” do que estava reprimido, pois como vimos anteriormente também abre as portas para o devir. É um espaço que organiza não apenas conteúdos que estavam “censurados”. O próprio corpo vive pela alteração também oriunda do reconhecimento de novos conteúdos, informações “estranhas”, e não somente por informações que estavam “alijadas”. É fato que esta nova informação possa se transformar em outra forma de censura, futuras repressões. Mas agora é fundamental perceber que o “carnaval aprende” outros lugares, espaços estranhos. Coletivamente, os corpos devoram singularidades indeterminadas. O corpo aprende o virtual. 2.4. UNIDOS: COMUNIDADES E REDES DENTRO E FORA DA INTERNET Se o jogo coletivo significa inverter, alterar uma informação do corpo é “brincar” com toda sua coletividade de redes de informações, e toda a articulação do corpo como sistema de informações se relacionando com outros sistemas internos e externos. Analogamente, as coletividades sociais estão sujeitas às daquelas mulheres. Mas adverte ao mesmo que se fantasie de leão para que não fosse percebido. Quando Penteu chega ao local ele é atacado pelas mulheres. A própria mãe da Penteu, Agave, sob estado catártico mata o filho separando sua cabeça de seu corpo. Logo depois de perceber que aquele leão era na verdade seu filho, Agave, recobra a consciência das regras sociais e se conscientiza do que acabara de fazer. O que esta passagem deixa explícito é a relação entre licito e o ilícito. O sparagmos, e seu caráter orgiástico é uma descrição das relações entre linguagem carnavalesca e os estados de censura corporal, a ausência de estabilidade (regras) e a predominância da instabilidade (“loucura”), ou em outras palavras a diferenciação de instâncias, um momento de loucura inconsciente e o retorno posterior à consciência.. 40 alterações das singularidades de cada indivíduo. A comunicação em qualquer contexto parte da idéia de uniões coletivas em constante processo de comunicação. Afirmando a necessidade vital de “contratos sociais” o carnaval só acontece através de alianças entre indivíduos. O sentido cooperativo de comunidade já fica claro nos nomes das escolas de samba que geralmente começa com a expressão “ Unidos”. Há diversos exemplos: “Unidos do Viradouro”, “União da Ilha do Governador”, “Unidos da Tijuca”, entre outros. Estas uniões enfatizam acordos que possibilitam a construção das brincadeiras do desfile. No caso dos desfiles virtuais, estes têm disponibilizado possibilidades interativas estendidas no espaço promovendo acordos cooperativos que o contexto da Cibercultura chama de inteligências coletivas64. Pensamos aqui em inteligências coletivas como uma forma de colocar as singularidades de cada corpo, cada indivíduo, em fricção. Exercitar esta inteligência coletiva é um modo de perceber que grupos bem sucedidos apresentam um grau de possibilidades mais complexas do que um indivíduo isolado. Não se trata de pensar que o todo determina a soma das partes, mas sim, que a fricção das partes cria mais complexidade e indeterminação do que uma única parte isolada. Neste contexto, hoje existem fóruns de discussão que formam cooperativas e que possibilitam a união de pessoas em qualquer parte do planeta, desde que existam possibilidades técnicas para isto. A própria Liesv assinalou a criação de uma comunidade carnavalesca espacialmente grande, mixando as fronteiras fixas de diversas regiões do Brasil e desenvolvendo fronteiras geográficas em fluxo. 64 Esta expressão tem sido usada para designar as possibilidades interativas oferecidas por artefatos tecnológicos como a Internet. Autores como Howard Rheingold (1992), Steven Jonhson (1998), Pierre Levy(1999), e Rogério da Costa(2002) falam sobre a formação de inteligências coletivas pela constituição de comunidades virtuais. 41 Estes novos mapas da geografia da comunicação têm a informática como um de seus instrumentos cartográficos de desenho. Dos propósitos surgido nos jogos bélicos65 conhecidos como segunda guerra mundial até sua transformação em computadores pessoais, a informática, em suas possibilidades comunicativas, tem funcionado para agrupar diferentes “rebanhos” pela ambivalência do gesto de vincular66, agregando pela informação comum, e segregando, discriminando a informação diferente67: sentir-se vinculado é conhecer e compartilhar informações comuns. Muitas vezes, estranhamos algo por que ainda não temos conhecimento sobre algo que é compartilhado pelo grupo. O crescimento da WWW enfatiza o homem como animal gregário que se organiza em grupos de acordo com interesses comuns. O Orkut68 , e seus vínculos muitas vezes efêmeros é exemplo recente onde enfatizando esta natureza gregária, hoje existem diversos grupos que se vinculam 65 Maneul Castells(1996) explica em seu livro “A sociedade em rede” que o computador surgiu das pesquisas do matemático Alan Turing sobre cálculos científicos e teve importante desenvolvimento e aprimoramento de suas técnicas quando usado para criação de estratégias bélicas. 66 O antropólogo Edward Hall no livro “A dimensão oculta” (1967) conceitua que nossa percepção seja um vínculo articulador de espaços. Em consonância com este conceito, pensamos em vinculo como “criação de elos simbólicos e materiais que constituam um espaço comum, base primeira para a comunicação”. Baitello, pág.86 67 Sobre a questão dos vínculos é interessante também assinalar a obra do etólogo francês Boris Cyrulnik, intitulada “Os alimentos do afeto”(1995). Aqui o autor discute que problemas com nossos vínculos, nossa incapacidade de nos distanciarmos de nosso mundo das representações pode dar origem aos processos de intolerância. Deveríamos, no entanto, pensar que esta incapacidade de separação de nosso mundo das representações, não deveria enfraquecer nossos vínculos, inversamente, poderíamos imaginar pontes possíveis entre diversos mundos de representação: uma ponte entre o mundo de diferentes torcedores, por exemplo. 68 Espaço virtual que permite a criação de comunidades que reúnem participantes com interesses comuns. Após receber um convite, qualquer pessoa pode entrar neste espaço, criar sua própria comunidade, ou participar das já existentes. 42 por interesses coletivos buscando espaços que concretizem estes arranjos, e que se refazem ou se desfazem constantemente. Mas, estas inteligências coletivas não são um privilégio dos homens. Formigas se engajam coletivamente na solução de seus problemas de forma muito eficiente. “(...) Cada uma limitada ao escasso vocabulário de feromônio 69 e a mínimas habilidades cognitivas” Jonhson (1999:54). Na ausência deste feromônio estaria o homem usando suas “maquininhas” como a WWW, o desenvolvimento de redes Wi-Fi 70 , e toda parafernália eletrônica de emissão de sinais (por exemplo, telefones celulares com foto e vídeo-camêra, envio de mensagens de texto, dentre outras coisas) como possibilidade de se arranjar coletivamente? Seria esta conexão em escala planetária uma possibilidade de reorganização espacial de grupos? Uma possibilidade de captar os sinais de quem se separou deste grupo? Pela qualidade de sua permeabilidade estaria a Internet dando maior velocidade às inevitáveis transformações a que estão sujeitas estas uniões e seus indivíduos? 69 Hormônio sintetizado por formigas e outros insetos. Conexão sem fio à WWW,. Gisele Beiguelman aponta que “tudo indica que nos próximos anos será possível acessar com facilidade a Internet a partir de uma multiplicidade de equipamentos (não só telefones celulares, palm tops e pagers, mas também relógios e roupas, entre outros) e por diferentes sistemas de arquitetura de redes combinados” (2003:79). Isto significa inevitavelmente uma maior transitoriedade entre os repertórios culturais. 70 43 MAPA II - DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS Este segundo mapa vai descrever as diferenças e semelhanças entre o desfile de rua e o desfile virtual. Enfatizando, sobretudo que as linguagens em constante processo de metamorfose sejam uma interface, uma mediação entre o corpo e o mundo. Constantemente desordenada/desconstruída e depois reorganizada, as linguagens sublinham que as metamorfoses sejam um processo inevitável da natureza, e que tal fato altera as performances do corpo. 44 3. TERREMOTOS E PERFORMANCES DO CORPO “Interessa saber de onde se vem, quando procura se compreender para onde se vai” Pierre Francastel Terremotos são eventos da natureza que movimentam as paisagens geográficas e alertam para a existência permanente de mudanças no espaço e no corpo. São momentos que assinalam transformações, desestabilizações, abalos que provocam reconfigurações no desenho geográfico, o que por sua vez, altera as perfomances dos corpos que estejam percorrendo estas novas paisagens. E um corpo que percorre um determinado terreno vai modificar suas perfomances caso este espaço modifique-se e ao mesmo tempo tece prováveis modificações neste espaço. Visto assim, Performances são deslocamentos que reorganizam o entrelaçamento das linguagens do corpo71. Vamos utilizar a idéia do terremoto como metáfora, no entendimento da reorganização das linguagens carnavalescas e suas paisagens em um desfile virtual. A organização de mapas e padrões de linguagem é um jogo que engendra complexidade. Uma operação que envolve a existência do acaso e de níveis de ordem/desordem como possibilidade de reconfiguração das fronteiras geográficas das linguagens. A noção de desordem é familiar ao carnaval. É comum escutar expressões metafóricas que designam situações caóticas que associam-se à idéia de carnaval: “ Seu quarto está um carnaval!”. Isto acontece pelo fato de que no 71 Quando nos referimos ao entrelaçamento das performances e linguagens do corpo, estamos observando o pensamento de Ivan Bystrina que entende o funcionamento das diversas linguagens pela existência de códigos . Há três tipos de códigos entrelaçados: 1- Códigos hipolinguais-processos informativos que possibilitam a sobrevivência biológica, intra-individual, intra-organica. 2- Códigos linguais- língua natural e permite a sobrevivência através da sincronização das atividades de organização coletiva. 3- Códigos hiperlinguais são os que trabalham os textos da culturas, como mitos, história , lendas, crenças, religiões em que o insolúvel, como a morte, é resolvido e o inevitável é evitado”. Menezes (2002:55). 45 senso comum a idéia que permeia a noção de desordem e carnaval refere-se à bagunça. No entanto, para entendermos a linguagem das escolas virtuais em relação ao corpo, o significado de desordem que interessa aqui é primordialmente o fato de que as linguagens são vivas, e a vida organiza-se no fluxo permanente de organizar-se, desorganizar-se, não necessariamente nesta ordem. Os desfiles virtuais sugerem uma relação de reordenação para o corpo folião, onde não há substituições, mas sim, conexões entre o passado e o presente deste corpo. O ciberespaço é uma “nova paisagem” que sublinha uma outra ordem para os acordos entre corpo e ambiente. Acordos não são regras estáticas. São instâncias que a natureza vive realizando para manter a vida. Adaptações (algumas perceptíveis e outras imperceptíveis) à situações especificas entre corpo e ambiente, que consequentemente se refazem pela criação de outros acordos. Assim, a linguagem dos desfiles virtuais nada mais é do que acordos entre corpo e ciberespaço, diferentes das negociações que o desfile de rua estabelece entre corpo e avenida. Para encontramos alguma estabilidade e sobrevivermos nestas paisagens em transformação, criamos negociações, sempre provisórias, entre elas. A própria forma como as escolas virtuais estão utilizando os recursos do ciberespaço, neste primeiro momento, parece indicar um acordo provisório em relação às possibilidades do próprio desfile virtual vir a diferenciar-se no futuro. 3.1. CONEXÕES ENTRE LINGUAGENS Estes apontamentos esclarecem que o corpo e suas linguagens têm aptidão para se transformar, e que o carnaval como linguagem não foge à regra. Mapear os processos de transformação de uma linguagem é uma tarefa para titãs! O atual paradigma das escolas de samba é um exemplo do processo de complexidade e mestiçagem cultural. Sua estrutura é um movimento de elementos que se misturam. Mas tal mistura não é um processo heterogêneo72, pelo contrário, demonstra uma 72 Para Ilya Prigogine(1996) o homogêneo é mais complexo que o heterogêneo. Enquanto as coisas estão separadas 46 mistura de elementos em si já sistemas complexos, e onde estes sistemas complexos se misturam e passamos a não definir precisamente suas fronteiras. Contudo, não é difícil perceber que as escolas de samba virtuais possuem outros traços, de diferentes linguagens já presentes no desfile de rua: a linguagem das manifestações carnavalescas do inicio do século XX , do teatro de revista, das chanchadas e da ópera, e da televisão. Algumas destas linguagens são produzidas na rua, na “praça publica”, como sugere o já citado Mikhail Bakthin. Outras, como a televisão, são linguagens que enfatizam o caráter privado de nossas casas. Estas diferenças são importantes, pois sugerem que o desfile virtual traz a “praça publica” para um espaço privado. 3.3. LINGUAGENS QUE MORAM NA RUA 3.3.1. Grandes sociedades e blocos Dentro das principais manifestações carnavalescas do início do século XX, temos o “grande carnaval”. Os carnavais oficiais, formados pelas sociedades carnavalescas e pelas Grandes sociedades. Estas eram manifestações carnavalescas do começo do século XIX e XX. “Diferenciando-se das sociedades carnavalescas em geral por sua maior organização, por seu tamanho e pela presença de imponentes alegorias, as chamadas grandes sociedades dominaram todo o carnaval da segunda metade do século XIX até as primeiras metades do século XX. Três desses clubes carnavalescos, como também eram chamadas as sociedades mais importantes, destacaram-se pro sua grandiosidade e por sua participação ativa no carnaval do Rio de Janeiro, servindo como modelo para a folia burguesa das grandes cidades brasileiras: o tenente do Diabo, o Fenianos e o Democráticos. Ferreira( 2005:172) existe heterogeneidade. Ao contrário, misturar, homogeneizar significa um processo irreversível. 47 Como outro ponto desta rede, temos o “pequeno carnaval” “... formado pelos blocos, ranchos ou cordões. “O que diferenciava um ‘carnaval’ do outro não era somente a forma das brincadeiras, mas principalmente quem delas participava.” Ferreira (2005:228). Sem o luxo das grandes sociedades, estas “alas” de fantasiados percorriam a cidade em conjuntos, daí seu nome de blocos. Ao “grande carnaval” pertenciam aqueles com maior poder financeiro. Ao “pequeno carnaval” as camadas mais populares da cidade. 3.3.2. Teatro de revista Dividindo a atenção popular com o carnaval, o teatro de revista é outro ponto que se conecta à rede carnavaelsca. Foi um gênero bastante comum no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX se extinguindo na década de 60. As surpresas do Sr. José da Piedade foi primeira peça que estreou em 9 de janeiro de 1859, quando o Brasil estava em seu segundo Reinado. Inspiradas nos vaudevilles e nos music hall73, seus enredos eram uma revisão( daí o nome revista) dos acontecimentos e fatos sociais do cotidiano. A estrutura das “revistas” era um conjunto de esquetes falados, cantados e/ou dançados. “A revista de ano é uma criação francesa, ou antes parisiense. O gênero...nada tem de extravagante pois que se limita a transportar para as tábuas do palco, fazendo-os (sic) passar em revista, presos por um tênue fio de enredo (eu acrescentaria: ou apenas pela identificação temática em quadros estanques), os principais acontecimentos do ano. Para colimar esse fim, claro está que são precisos muitos personagens, uns episódicos, outros alegóricos, que vêm à cena, cantam suas coplas, dançam os seus bailados característicos e se vão depois de entreterem leve diálogo com o personagem principal, que não sai nunca de cena, pois é diante dele que todos desfilam e ao qual se convencionou chamar de compadre.” Paixão (apud Cavalvanti:1991,53) 73 Respectivamente estes eram espetáculos de variedades franceses e ingleses. Ver Cavalcanti(1991) 48 A produção das peças envolvia basicamente um dramaturgo, responsável pelo “libreto” e um cenógrafo, responsável pela concepção visual do espetáculo, o que hoje o carnavalesco faz nas escolas. Além dos atores e atrizes. Os enredos, ligados ao cotidiano, despertavam forte ligação com a platéia. Esta era seduzida pelo charme das vedetes, a beleza dos cenários e o humor retratado pelos enredos. Seu universo criou uma memória cultural bastante rica para o universo da cultura popular brasileira. As revistas funcionavam também como um espaço para a pré-divulgação das músicas carnavalescas, revelando nomes de compositores como Lamartine Babo e Sinhô74. Já sabemos que na natureza há uma busca constante de meios de permanência, soluções alternativas. Foi o que aconteceu com a peça “O Ano que passa”. Artur de Azevedo (1860-1924), considerado um dos grandes escritores do gênero , antes de “subir ao parnaso” (Cavalcanti:1991,150), inventa algo bastante peculiar. Sem encontrar empresários interessados em montá-la esta revista acaba encontrando uma nova solução proposta por Artur de Azevedo: montá-la literariamente. “Do mesmo modo como fazia com os sainetes que publicava em jornais, iria, mês a mês, comentar o anterior, fazendo um folhetim teatralizado. Os diálogos curtos, na falta de atores, teriam ilustrações de Julião Machado, um caricaturista extraordinário. O tema é a dificuldade de os revistógrafos qualificados como o autor encontrarem apoio de empresários e donos de teatro para encenar suas peças. A revista O ANO QUE PASSA assim imaginada saiu, em 10 quadros, de 4 de fevereiro a 25 de novembro de 1907 no jornal O País.” Cavalcanti (1991,149) 74 Compositores que transitavam entre os territórios da ‘revista’ e do carnaval. Várias de suas músicas são parte da história popular da música brasileira, como é o caso de “Linda Morena”, composição de Lamartine Babo. 49 Estabelecer acordos para a revista em um outro ambiente. Mas este ambiente não era tão novo assim para uma revista. A relação entre os jornais e o teatro de revista já era bastante acentuada. A maior parte dos escritores de peças eram jornalistas (caso do Próprio Artur de Azevedo). Estas correlação nos dá uma pista para pensarmos nos movimentos entrópicos da cultura, que parece imitar as (re)organizações que natureza faz. Qualquer semelhança entre o gesto de Artur de Azevedo, a brincadeira dos “Webcarnavalescos” e outros gestos que buscam a permanência e geram movimentos entrópicos que resultam na mixagem e extensão de linguagens não é mera coincidência! 3.3.3. Chanchadas As chanchadas são outro ponto. Eram exclusivas de outro habitat: as salas de cinema. Mas em relação às revistas tinham também a sátira e o deboche como características marcantes. Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalvez, nomes ligados ao teatro de revista contribuíram ainda mais para que a chanchada tivesse a característica de uma “revista filmada”. As chanchadas tinham uma forte influência de Hollywood: grande parte de seus títulos eram paródias de sucessos norte americanos. Da revista também herdaram as denúncias e críticas sociais e o “casamento” com a música. A parceria com artistas do rádio garantiu o sucesso de músicas como “Alô, alô, Brasil”(1935) e “Alô,alô, carnaval!”(1936). O sucesso industrial da chanchada foi inegável. Suas produções tiveram um papel semelhante ao da “revista” para o carnaval: a divulgação das canções carnavalescas. “Nada de dramas atravessando o ritmo. Na passarela cinematográfica, só a alegria comandava o espetáculo. Atraindo filas e mais filas de espectadores religiosamente fiéis ao seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, o filmusical carnavalesco impôs-se como um entretenimento de massa de singular expressividade. Nem sempre o chamaram de chanchada e, em sua forma larvar, ele se ressentiu das limitações formais do filme-revista.” Augusto (2001:13-14) 50 Na época das chanchadas e do teatro de revista, as escolas de samba faziam sucesso, mas não tinham a projeção que têm hoje, e os bailes carnavalescos eram também uma forma bastante popular de se brincar o carnaval. Na década de 70, concursos de fantasias75 eram outras formas de carnaval bastante famosas. Nestes concursos vemos o quanto o homem imita o comportamento de outros animais que criam disfarces, caso do réptil camaleão. Hoje, estes concursos estão restritos a alguns locais, como o Hotel Glória no Rio de Janeiro. Os bailes também não têm hoje a projeção de antes. 3.3.4. Ópera Voltando à genealogia de linguagens que contaminaram o desfile, não podemos deixar de mencionar a ópera. Aspectos importantes de seu caráter multimídia, como o canto, a dança, a plasticidade dos cenários e figurinos foram conectados à rede de textos culturais do desfile das escola de samba. O desfile é chamado de “ópera de rua”. Por que? A ópera é uma linguagem que teve na Europa dos séculos XVIII e XIX um papel na construção do imaginário social muito semelhante ao que o cinema fez nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos. Sua potência expressiva é percebida na forma como refletia os sonhos e desejos do público: a realidade simbólica dos enredos se enredava à realidade do cotidiano das pessoas. Jorge Coli (2003) analisando a paixão pela ópera sugere que neste gênero os dilemas enfrentados pela oposição entre razão e emoção existem, mas não como uma separação dicotômica, mas sim por que estão misturados. Daí a “paixão” pelo gênero. No carnaval, a rua fica fantasiada de palco , e aqui, o povo é um ator, uma atriz, e espectador de tudo isto, ao mesmo tempo. Neste sentido, a ópera se aproxima do carnaval, pois o desfile é uma fonte de “paixão” popular. Mas, talvez o aspecto mais interessante desta metáfora é o de 75 Clóvis Bornay talvez seja o mais famoso dos concorrentes destes concursos. Além de participar destes eventos, este artista também atuou como carnavalesco e trazendo para a Portela a vitória em 1970 com o enredo “Segredos e mistérios da Amazônia”. 51 que estamos na rua, do lado de fora do palco, o que sugere alguma analogia com o estar dentro e fora, ou seja, refere-se ao espaço: o desfile é uma “ópera de rua”. Contudo, o “lado de fora” não é o único espaço onde existem “pontes” para o desfile. E nem tampouco o único lugar de movimentação do carnaval. 3.4. LINGUAGENS QUE “MORAM EM CASA”: a televisão A linguagem audiovisual da televisão é outra “ponte” entre linguagens que mixa-se ao desfile. Trata-se de um veículo de comunicação que se caracteriza por estar em um âmbito privado. Tecnologias eletrônicas de comunicação permeabilizam constantemente os limites entre o dentro e o fora dos espaços. Assim como a televisão, a Internet conectando espaços simultâneos, é uma interface bastante poderosa para os (re)significados de nossas categorias conceptuais de dentro e fora . Aquilo que está fora, filmes, novelas, desfiles de escola de samba, agora estão dentro de nosso abrigos. Ou será que nossos abrigos é que estão do lado de fora? De qualquer forma, antes mesmo de entrar na Internet, o carnaval já vinha dialogando com os meios eletrônicos de divulgação de massa que brincam com as categorias interno e externo. O rádio, no começo do século, era um difusor do carnaval que fazia entrar nas casas as vozes das “cantoras do rádio” entoando muitas das canções das peças do teatro de revista, e também canções carnavalescas. A partir da década de 70 a televisão transmite os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, trazendo metaforicamente a “praça pública” da idade média, explicitada por Mikhail Bakthin, para dentro de casa. 52 Argumentando que não há “influência” ou predominância de um sobre o outro, vamos fazer uma breve análise da relação de transformação entre a linguagem dos desfiles de rua e a televisão. Esta, entendida como mais um espaço para a movimentação do carnaval, vem transformando o desfile o por ele sendo transformada. O espaço destinado à exibição das escolas “de rua”, a atual “Marquês de Sapucaí”76, ao ser projetado pelo arquiteto Oscar Niemayer, foi desenhado levandose em consideração, entre outras coisas, que houvesse possibilidade de transmissão televisiva. Pensou-se em lugares para as câmeras televisivas, e sua disposição é um arranjo, um acordo de captação e transmissão de sinais que permite olhar à distância a festa. As escolas de samba projetam seus desfiles para aqueles que assistem ao evento das arquibancadas, e também para aqueles que assistem ao desfile pela televisão. Há um acordo na concepção do desfile de forma que a escolha de materiais, coreografias, e dimensões dos carros alegóricos propiciem belos efeitos estéticos para ambos os públicos. Mas se a televisão contaminou as formas de concepção cênica do desfile, esta, por sua vez, também se conectou ao desfile, transformando-se pela procura de formas diferentes de transmissão. A tecnologia gráfica permite a inserção de vinhetas realizadas por computador, além de uma edição de imagens que permite mostrar os detalhes das alegorias, e a inserção de inúmeros caracteres que aproximam a transmissão televisiva da idéia de uma realização cinematográfica77. Zonas territoriais singulares, televisão e avenida se enredam espacialmente trazendo o carnaval de fora para dentro. 76 Antes de acontecer neste endereço na década de 70, o carnaval carioca ocupava a avenida Presidente Vargas. 77 Talvez metaforizar o desfile como realização cinematográfica seja imaginar que o mesmo quando transmitido pela televisão se aproxima da natureza de um videoclipe 53 Com uma linguagem próxima dos gêneros televisão e rádio, os desfiles virtuais na Internet potencializam a permeabilidade e a contaminação acionada por aqueles meios que já vinham “brincando” com as noções entre dentro e fora. A construção da linguagem das escolas de samba virtuais não se processa pela oposição radical entre externo e interno, e sim pelas diferenças destas categorias em uma “mixagem antropofágica” onde um âmbito “devora” o outro. Ao mesmo tempo. 3.5. IMITANDO UM DESFILE DE RUA NA INTERNET: OUTROS ACORDOS PARA O CORPO FOLIÃO EM UM NOVO AMBIENTE Os desfiles virtuais, como processo de criação de acordos entre exterior e interior, são uma operação de bricolage. Este conceito, desenvolvido pelo antropólogo Claude-levy Strauss, autor de livro “O pensamento selvagem”(2002), vincula o carnaval à idéia de criatividade e reinvenção, processos de construção de coisas novas a partir de partes canibalizadas de outros. Esta bricolage é singularizada pela natureza da web, a digitalização da informação. A linguagem do carnaval virtual é uma negociação entre a linguagem plástica tridimensional presente nos desfiles de rua e a linguagem gráfica tridimensional proporcionada pelo ciberespaço. São acordos conectados ao sentido de que o desfile virtual se relaciona fundamentalmente com a simulação do “real” pela linguagem gráfica e interatividade. Assim, sua construção nasce da conexão intertextual e, ao mesmo tempo, da tradução entre textos da cultura dos aspectos do desfile de rua adaptando-os para as condições ambientais do ciberespaço. Os desfiles de rua dependem das condições da avenida para construir seus desfiles, largura, altura e comprimento da avenida, e os desfiles virtuais se constróem pelas possibilidades geométricas de utilização do Ciberespaço. Como veremos, colocar a plasticidade do carnaval na Internet é literalmente digitalizar aspectos como desenhos e músicas. 54 Na Internet, o evento baseia-se na apreciação de desenhos feitos manualmente com lápis e papel e depois escaneados78 ou desenhos feitos com softwares como o CORELDRAW. O desfile virtual faz lembrar a apresentação audiovisual de croquis79. Estes desenhos simulam graficamente o corpo e representam os diversos setores da escola (alas, bateria, baianas, mestre- sala e porta bandeira)80. A perspectiva destes desfiles pode ser chamada de naif,81 há no mesmo espaço, a sugestão de pontos de vista bastante diferentes. Trata-se de uma perspectiva muito próxima daquela utilizada na idade média, onde diferentemente da perspectiva renascentista, a representação do espaço não era construída em função de um ponto central já dado, mas levava em conta o imaginário. A perspectiva “naif” parte do pressuposto de que o mundo imaginário é mais rico que o mundo empírico. Algo interessante é que nestes desenhos, percebemos singularidades corporais em ação, já que as escolas têm traços bastante diferentes uma das outras, e percebemos que as habilidades para o desenho são diferentes entre os webcarnavalescos. Mas, isto não tem causado censura na participação neste evento. 78 O scanner é um aparelho que digitaliza imagens analógicas. 79 As escolas de samba “de rua” expõem as fantasias de seus desfiles em seus respectivos sites. Aparentemente a idéia dos desfiles virtuais se assemelha a isto. 80 No mapa III discutiremos alguns significados do que possa representar para a imaginação tais simulações. 81 Expressão francesa que traduz a idéia de ingenuidade. Aparece para designar a pintura de Henry Rouseeau, cujo trabalho se caracterizava por traços infantilizados, daí ingênuos. A arte naif tem no Brasil grande expressividade. José Antônio da Silva e Heitor dos Prazeres são nomes importantes desta manifestação 55 O desenrolar do desfile acontece quando o “webespectador” move o desfile pela barra de rolagem da página, isto lembra o “desenrolar” de um desfile de rua pela avenida. Nem todas as possibilidades na linguagem do ciberespaço foram aproveitados por estas escolas de samba. A estrutura hipertextual ainda não foi “incorporada” a estes desfiles virtuais. Da mesma forma, recursos como animações em 2D ou 3D, fotografias e vídeo digitais ainda são possíveis “devires”. Falaremos mais sobre hipertexto e imagens computadorizadas no próximo mapa. Metaforizando a arquibancada há um chat 82 onde os “webespectadores” conversam sobre o desfile. Há o samba que é transmitido por uma rádio on-line83. Há um locutor que explica o enredo de cada escola. E de suas respectivas casas os webcarnavalescos, mixando a função de webmasters e carnavalescos, gerenciam os desfiles que criaram. Se na avenida vale o “samba no pé”, na web vale o “samba na mão”, uma inversão dentro das inversões carnavalescas: um metainversão!84. O que é observável a “olho nu” em todo processo de construção da linguagem das escolas de samba virtuais é que estas são contaminadas pelo desfile de rua e todo seu universo Kitsch85. No trabalho dos webcarnavalescos os textos que estruturam os desfiles de rua, quadra, barracão, disputa de samba, quesitos, e fundamentalmente o corpo vão metaforizar o desenvolvimento dos desfiles na Internet. Se o carnaval já é paródia, os desfiles virtuais são uma “metaparódia”. Os desfiles virtuais, parodiando de forma despretensiosa o desfile de rua, nascem da imitação de um desfile de rua no ciberespaço. 82 Sala de bate papo 83 Rádios sintonizadas também pela Internet 84 No mapa III , quando discutiremos a questão do corpo e da imagem veremos de forma aprofundada o que isto significa 85 “Mau gosto” elevado à categoria de novidade. Sobre isto ver “O Kitsch” de Abraham Moles 56 Esta “imitação” do desfile de rua, estes acordos diferentes, entre diferentes ambientes, são um ponto importante a ser observado neste processo. Entender o funcionamento do desfile virtual é notar que há cláusulas comuns entre este e o desfile de rua. Para efetivar seus jogos espaciais cada escola de samba (virtual e de rua) apresenta anualmente um enredo sobre algum tema obedecendo a uma estrutura comum a todas as agremiações: o desfile começa com a apresentação da comissão de frente86, depois o abre-alas87, e logo depois uma seqüência que intercala alas com fantasiados e carros alegóricos. Vale ressaltar o significado de algumas destas alas dentro do desfile como a ala das baianas - as ”mães” do desfile, a ala com percussionistas, o “coração” da escola, e as duas alas que significam a memória do carnaval em ação: a velha guarda e a ala das crianças. Uma comissão de jurados avalia o desfile seguindo alguns quesitos88 consagrando uma escola a campeã. A últimas colocadas saem do grupo onde estão e entram nos grupos antecedentes. O universo dos desfiles também tem seus “limbos”! As vencedoras destes grupos antecedentes passam para o grupo posterior conferindo ao desfile um trânsito permanente entre suas sucessivas realidades internas. Esta organização é anualmente utilizada. Com a diferença de que os desfiles virtuais têm dois grupos, um especial e outro de acesso, e nunca coincidem com a época do carnaval de rua, vindo a se realizar no mês de julho. Sua realização, além de deslocar-se no espaço/ambiente também desloca-se no tempo. Isto não chega a 86 Grupo que apresenta a escola 87 Primeiro carro alegórico 88 A idéia de um ‘corpo’ de jurados remete aos festivais de música. Os jurados dos desfiles carnavalescos são responsáveis por escolher a escola vencedora. Para se sagrar campeã do desfile, é preciso alcançar a nota máxima nos dez quesitos: Enredo, Samba-Enredo, Bateria, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Fantasia, Alegoria, Comissão de Frente, Evolução, Conjunto e Harmonia. O tema do enredo deve estar perfeitamente integrado aos quesitos, sobretudo no que diz respeito à Evolução, ao Conjunto e à Harmonia. 57 ser uma novidade, visto que o carnaval tem acontecido em diferentes datas no decorrer da história. Ambos os desfiles acontecem após a escolha de um enredo, uma trama que será fiada. Esta trama será transformada visualmente em alegorias e fantasias. Seu desenvolvimento cabe ao carnavalesco, ”O termo é bem engraçado, porque não possui a conotação de folião. O significado verdadeiro da palavra seria cenógrafo, figurinista e uma espécie de diretor de cena.” Magalhães (1996:45). No caso dos desfiles virtuais, a trama gráfica será desenvolvida pelo o que estamos chamando de “webcarnavalescos”. Desde seu surgimento, o carnavalesco é visto como uma espécie de mediador cultural, uma “interface” entre o erudito e o popular, enredando arte popular e técnicas “pertencentes” ao universo da ciência. Na década de 60, Fernando Pamplona, então aluno da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou o trabalho visual da escola de samba “Acadêmicos do Salgueiro” trazendo à estética dos desfiles jogos coregráficos e idéias sobre figurinos que causaram bastante sucesso. Mas a história da participação de “artistas profissionais” nas criações visuais dos desfiles é anterior. A Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro já tinha tradição em “emprestar” diversos de seus professores para trabalhar com o carnaval. Artistas como Chamberlein, e o casal Dirceu e Marie Louise Nery desenhavam estandartes para os blocos, e são apenas algumas das personalidades que demonstraram que o “erudito” mixa-se ao popular desfazendo as fronteiras normalmente erguidas entre tais categorias 89. 89 Sobre esta questão o artigo “O erudito e o popular. A estética das escolas de samba”(1997), da antropóloga Maria Lúcia Montes é bastante pontual, pois discute, entre outras coisas, a questão de que o carnaval desfaça as fronteiras entre tais categorias. 58 Mas a presença do carnavalesco tornou-se marcante a partir da década de 1970 quando a festa passa pelo seu grande momento de transformação visual, com o trabalho de Joãosinho Trinta e que não sendo necessariamente um destes profissionais oriundos do “universo erudito” foi o responsável pelas “literalmente maiores90” mudanças visuais do desfile de rua, que a partir de então inicia uma fase de crescente reorganização estética. A festa passa pelo seu grande momento de transformação visual. O desfile começa a se relacionar com a cidade de uma outra maneira. Acompanhando o crescimento urbano, existe agora um número muito maior de pessoas que participa do evento, o que contribui, e continua contribuindo, para a expansão da festa em termos de linguagem visual: maiores carros alegóricos, fantasias mais elaboradas, utilização de mídias interativas. O desfile parece ter acompanhado o crescimento não só da cidade do Rio de Janeiro, mas também o próprio processo de globalização.91 Esta (re)organização estética parece ter estimulado a presença do carnavalesco nos desfiles. Sob criticas que centralizavam a presença desta figura como a “morte e a banalização das raízes do samba92”, no entanto, o trabalho do 90 Em “ Sonhar com rei dá leão”, desfile da Beija-Flor de 1976, contando a história do jogo do bicho e enfatizando os significados do sonho para o homem, este carnavalesco aumentou a proporção dos carros alegóricos e das fantasias. Nos anos seguintes todas as escolas foram aderindo à esta nova estética. Acusado de ter dado à festa uma dimensão Hollywodiana” anos depois proferiu a célebre frase: “ O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual!". Analisando esta nova realidade e sobre o que este luxo representa para o carnaval Betty Milan diz( 1994: 1): “Quer dizer, o luxo do carnaval é o da fantasia realizada, é o triunfo da imaginação que aliás nos valemos o ano inteiro para driblar a realidade, apostando no jogo do bicho ou na loteria esportiva, ignorando a miséria na esperança da riqueza e assim nos recriando enquanto brasileiros.” 91 Sobre a questão das transformações urbanas em conexão ao carnaval Maria Laura de Castro Cavalcanti (1998) escreveu um interessante livro“ O Rito e o Tempo”. Aqui a autora explica que o tamanho do desfile acompanhou o tamanho da cidade. 92 Algumas criticas à figura do carnavalesco podem ser vistas “As escolas de samba do Rio de Janeiro” Cabral(1996) 59 carnavalesco enreda-se à identidade da escola e à própria apresentação visual desta. É comum conhecer expressões do tipo “estilo Joãosinho Trinta” ou “a Imperatriz de Rosa Magalhães”. Desenhistas, professores, arquitetos, diretores e atores teatrais, artistas plásticos, ou seja, de um universo variado de ocupações surgiram outros nomes que se tornaram carnavalescos: Max Lopes, Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues, Viriato Ferreira, Renato Lage. Recentemente o carnavalesco Paulo Barros apresentou algumas alternativas estéticas para o desfile e que começam a chamar atenção93. Os desfiles virtuais se contaminam por muitas das “obras” criadas no desfile de rua e apresentam webcarnavalescos como Diego, Luis Gustavo, Braulio94 A criação de um desfile é o conjunto de alegorias e fantasias. Porém, tal experiência não é elaborada individualmente. “ (...) Concebidas pelo carnavalesco, o processo de sua criação no barracão reúne em torno de um objetivo comum uma equipe de especialistas e seus ajudantes.” Cavalcanti (1995:56) Barracão não é uma “fábrica” e sim uma espécie de oficina. Aqui o processo de montar e desmontar o carnaval são exercidos. Este lugar é um micro-cosmos que agrega diferentes atividades simultâneas por meio da divisão de trabalho constituindo-se em um verdadeiro sistema comunicativo que se organiza em função da construção do desfile, ocupando-se principalmente na construção das alegorias. A socióloga Leila Blass (2000) reflete sobre o trabalho no barracão, afirmando que trata-se de uma atividade fundada no conhecimento artesanal e que mobiliza a inteligência criativa em seu exercício. Aponta ainda que a noção de trabalho criada e imaginada na modernidade européia sobre a separação entre trabalho e lazer, e conclui que o barracão tem despertado a atenção de muitos consultores 93 Na escola de samba Unidos da Tijuca em 2004, Paulo Barros fez sucesso com seu desfile sobre sonho e ciência, onde apresentou um carro alegórico sobre o DNA com a coreografia coletiva de 127 pessoas que dançavam simulando a vida. 94 Fonte site da Liesv 60 empresariais que buscam formas criativas de gestão de trabalho e produção. Já as escolas virtuais, não tendo um endereço fixo, têm como barracão o quarto, o escritório, a sala ou qualquer lugar onde esteja o computador na residência dos webfoliões. E toda a equipe que ajuda na construção do desfile virtual encontra-se em suas respectivas casas conectados pela web. A quadra é outro espaço dentro do universo dos desfiles. É o local onde são realizados os ensaios e os encontros da comunidade95. Neste espaço também acontece uma parte fundamental do processo de construção do carnaval: a competição que vai escolher o samba que será cantado no desfile. A “disputa de sambas”, como é conhecida, é outro ritual dentro do ritual dos desfiles. Existem alas de compositores nas escolas que fazem parte desta disputa, mas na prática qualquer um pode inscrever seus sambas e competir. Sabendo que trata-se de um processo coletivo, muitas vezes até o carnavalesco entre nesta questão96. Mas, nem sempre o samba foi associado ao carnaval: “No início do século XX o campo da música popular ouvida no Brasil era regido por uma extrema variedade de estilos e ritmos. O próprio carnaval, descrito por Oswald de Andrade como ‘o acontecimento religioso da raça’, não era festa movida por músicas brasileiras. Ao contrário, os maiores sucessos da folia, desde que ela se organizou em bailes (tanto aristocráticos como populares), eram polcas, valsas, tangos, mazurcas, schottishes e outras novidades norte-americanas como o charleston e o fox-trot. Do lado nacional a variedade também imperava: ouviam-se maxixe, modas, marchas, cateretês e desafios sertanejos...”. 95 Na quadra acontecem diversas atividades como casamentos, velórios, batizados. 96 É interessante apontar que a disputa do samba não se trate de um processo fechado. Os próprios carnavalescos, algumas vezes, contaminam este processo. Um exemplo é o samba enredo da Beija-Flor , de 1977, “Vovó e o rei da saturnália”. Joaosinho Trinta compôs boa parte dos versos do samba. Esta ação é passível de críticas, mas fica como fato para exemplificar a complexidade da questão da autoria. Ver Cabral (1996) 61 ...Foi só nos anos 30 que o samba carioca começou a colonizar o carnaval brasileiro, transformando-se em símbolo nacional.” Viana (1995:110-111). Hoje, a música de ambos os desfiles é chamada de samba enredo. As grandes escolas de samba ( de rua ) comercializam seus sambas97. No site da Liesv há discussões sobre as possibilidades de realizar-se uma gravação de seus sambas enredo. Voltando, rapidamente à discussão das críticas apontadas no mapa anterior, a música dos desfiles virtuais sugerem uma questão: as escolas virtuais fazem sambas enredo “autênticos”? Um fato histórico pode ajudar a refletir sobre alguma resposta: “Numa discussão entre Donga e Ismael Silva, este dizia que Pelo Telefone98, composição de Donga, não era samba e sim maxixe; e aquele dizia que Se Você Jurar, composição de Ismael Silva, não era samba e sim marcha. Quem tem a verdade do samba? Verdade, raiz: esse não é o mistério de qualquer tradição? Toda tradição não exige sempre a formação de ‘hermeneutas’ que identifiquem onde ela aparece em sua maior pureza? Não se pode dizer que as escolas de samba fossem fenômenos puros, mas se criou em torno delas um aparato que defende essa pureza, condenando toda modificação introduzida no samba.” Viana (1995:198). Muitos devem pensar que uma escola de samba virtual não sabe fazer samba. Daí que qualquer semelhança entre as tradicionais críticas às mudanças visuais do carnaval e a busca pela “verdade do samba” não seja mera coincidência. São parentes próximos de uma mesma família: o estranhamento às mudanças. 97 José Ramos Tinhorão conceitua que a música popular e a indústria fonográfica começam a se relacionar pelo surgimento dos centros urbanos industrializados“Surgida como forma moderna no século XIX, como resposta criativa a novas necessidades da vida social conseqüente do adensamento das populações dos grandes centros (cada vez mais diversificados em face da acrescente divisão do trabalho, após a revolução industrial), a música composta para consumo da gente das cidades iria se ligar, desde logo, ao comércio e indústria das diversões” (2001:179). Assim, a comercialização do samba enredo pode ser entendida como parte destas metamorfoses. 98 Primeiro samba gravado em disco 62 De qualquer forma, os sambas das escolas de samba virtuais, cuja “quadra” fica no ciberespaço, imitam todo o processo de “disputa do samba”, mediando-o pela Internet. Os sambas são enviados, por qualquer um que queira concorrer, na forma de arquivos digitais e escolhidos pelas respectivas comissões organizadoras de cada escola. Em todo este processo de replicar a idéia do desfile de escolas de samba de rua na Internet, imitar o trabalho do carnavalesco é uma ação importante que conectou-se a este processo. Boa parte da brincadeira dos desfiles virtuais consiste basicamente em imitar o trabalho de concepção visual feito pelo carnavalesco, e a reunião de habilidades singulares individuais em torno de objetivos comuns. Construir um desfile virtual significa reunir pessoas que criem o samba, que desenham, alguém que entenda de informática, ou seja a criação das chamadas inteligências coletivas. Portanto, as inteligências coletivas organizadas na rede apenas apresentam um processo de evolução da inteligência coletiva já presente nos barracões das escolas de rua. Não sabemos exatamente por que imitamos ou por que escolhemos imitar alguma coisa em detrimento de outras, mas sabemos que a imitação é um modo da cultura construir sua permanência para comunidades futuras99. É uma memória em ação, em movimento. E toda vez que há transferência de informação 99 Sobre esta questão há vários estudos. Vamos pensar a imitação no contexto cognitivo. Katz e Greiner (1999:87) conceituam que “A imitação tem sido apontada como uma habilidade importante no que se refere aso estudos da cultura e vem sendo tratada como um aspecto fundamental para a compreensão do trânsito entre as informações que estão no mundo e a sua possibilidade de internalização. Blackmore (1999) explica que a imitação envolve: 1-decisão sobre o que imitar. O que conta como sendo o mesmo ou similar; 2- transformações complexas de um ponto de vista para outro; 3- a produção de ações corporais Quando copiamos uns aos outros, algo aparentemente intangível é passado. Essa seria uma chave importante para a organização cultural e esse ‘algo’ a ser transmitido, um aspecto importante da questão” 63 por imitação, irrigam-se cadeias de informações diferentes. No corpo de cada indivíduo há memórias de suas linguagens que estão em permanente transformação. Estas memórias se correlacionam com a memória coletiva onde este encontra-se inserido. Como corpo e cultura estão entrelaçadas, as memórias do carnaval está sujeita a estas mudanças presentes nas próprias memórias do corpo. É impossível não perceber que há uma relação entre os diferentes caminhos de uma memória corporal de um indivíduo100 e os diferentes caminhos da memória de uma sociedade. Assim fica claro que Imitar não é reproduzir, mas conectar o já adquirido ao “estranho”. E desta forma, imitar um gesto qualquer cria cadeias que conectam informações diferentes naquilo que foi imitado. Diferenças inseridas em contextos singulares. Por exemplo, no ciberespaço, imitar a ação de carnavalescos é lidar com a complexidade de outras singularidades: uma alegoria “de rua” é copiada/traduzida tendo também o “pixel” 101 das telas como recurso. Neste contexto, construir um carro alegórico no ciberespaço é conectar diferentes processos de habilidades cognitivas que vão alterando o design gestual do corpo: continuam informações como lidar com desenho manual, lápis e papel, mas no caso dos desfiles virtuais, tais ações corporais também lidam com o teclado, ao invés de se usar formões ou lixas, por exemplo, na criação de uma escultura, que no ciberespaço é tridimensionalmente digital, o que ocasiona o uso de softwares para modelagem. Toda uma cadeia de acordos e conhecimentos “já instalados” e possibilidades cognitivas em devir vem pela seleção destas imitações. Como estamos dizendo, por imitação o corpo e suas linguagens têm mantido suas 100 Sobre a questão da memória o neurologista Gerald Edelman tem uma importante teoria sobre o cruzamento de diferentes mapas neuronais. “A memória é imprescindível. Para Edelman, a memória não é apenas um processo passivo de armazenamento, mas um processo ativo de recategorização alicerçado em categorizações prévias.” Searle (1998:69) 101 Pontos que compõem a resolução e a formação de imagens na tela do computador. 64 memórias. E as memórias culturais têm se mantidos vivas, e também se transformado possibilitando que novas memórias nasçam. Outra questão interessante é que muitos dos webcarnavalescos, como moram em lugares distantes do Rio de Janeiro, vêem o desfile carioca principalmente pela televisão102. “Aprendem o ofício” através deste meio. Isto nos sugere que o corpo seja uma “interface cognitiva”, no sentido de que esta constantemente contaminando e sendo contaminado pelas informações. “Quando essa informação habita redes distributivas poderosas como meios de divulgação de massa (televisão, rádio, jornal, internet etc), a primeira conseqüência é sua proliferação rápida. Sendo o corpo ele mesmo uma espécie de mídia, a informação que passa por ele colabora com seu design, pois desenha simultaneamente as famílias de suas interfaces”.Katz & Greiner (1999:95)103 . Se os fundadores da Liesv estavam pensando em uma solução para que as pessoas que não moram no Rio de Janeiro pudessem brincar o carnaval, a “simples decisão” de brincar o carnaval imitando “à distância” o processo coletivo de montar o carnaval, nos mostra que o corpo e suas linguagens são suscetíveis a constantes redesenhos. Mapas redesenhados que assinalam as mudanças do lado de fora em conexão com as redes de informação internas do corpo. Os mapas de linguagens que o corpo já adquiriu se conectando a outros mapas, que sem estarem determinados, podem ainda ser organizados. 102 Em um bate papo pelo messenger com alguns destes webcarnavalescos, descobri que muitos deles só haviam assistido ao desfile de rua no Rio de Janeiro, apenas uma vez. 103 Aqui, podemos processar a conexão de dois conceitos para o corpo como mídia: aquele trabalhado pela semiótica da cultura e aquele desenvolvido pelas teorias evolutivas da cultura. 65 MAPA III - CORPO COMO CARNAVAL: A BUSCA DO NOVO E A CONSTRUÇÃO DE UM DESFILE Este terceiro mapa apresenta e discute a pergunta: um carnaval virtual esconde o corpo? Para tanto fará uma pequena análise do papel da imagem na evolução da cultura e apresentará questões sobre o movimento e a possibilidade do corpo folião se (re)construir constantemente através da riqueza do universo de suas imagens corporais internas se relacionando às imagens corporais externas. Por fim, apresenta o processo de construção de um desfile virtual e encaminha esta discussão para as considerações finais. 66 4. OS CARNAVAIS DO CORPO: A OPERAÇÃO DAS IMAGENS “Movimentos são oscilações neuronais” Rodolfo Linás Quando estamos assinalando que as linguagens são “paisagens” em seu inevitável processo de metamorfose, e que tal fator indique possíveis invenções de outros paradigmas carnavalescos e das performances do corpo, é fundamental explanar que a vida interior do corpo também tem vocação para a comunicação: “... A biologia nos ensinou que os processos vitais são operações de câmbio informacional. Fala-se mesmo em comunicação intercelular, em comunicação de sinapses nervosas; fala-se em código genético e as trocas metabólicas são também trocas informacionais” Baitello (1997:29). Nossa consciência104, enredada à esta natureza comunicativa, trabalha com operações de representação, como explica o neurocientista António Damásio (2002): “Minha imagem mental de um rosto específico é uma representação, assim como os padrões neurais que surgem durante o processamento perceptivo-motor desse rosto, em diversas regiões do cérebro – visuais, sômato-sensitivas e motoras. Este uso de ‘representação’ é convencional e claro. Significa simplesmente ‘padrão que é consistentemente relacionado a algo’, quer se refira a uma imagem mental, quer a um conjunto coerente de atividades neurais em uma região cerebral específica”. (404-405). Damásio ainda explica que o self, nossos mapas mentais, as imagens que se cruzam em nossa mente e que nos identificam como indivíduos singulares, não é uma representação fiel daquilo que foi percebido, e nem precisam ser: “O cérebro é 104 Consciência é um assunto controverso, há varias discussões que apontam conceitos diferentes. Aqui interessa o conceito de que a consciência é uma fenômeno emergente, uma rede que conecta estados visíveis e invisíveis do corpo. Metaforicamente ao carnaval, d forma que estamos trabalhando aqui, a consciência é uma rede. Ver António Damásio (2002) 67 um sistema criativo. Em vez de refletir fielmente o ambiente que o circunda, como seria o caso com um mecanismo engendrado para o processamento de informações, cada cérebro constrói mapas desse ambiente usando seus próprios parâmetros e sua própria estrutura interna, criando, assim, um mundo único para a classe de cérebros estruturados de modo comparável. (2002: 407). Isto evidencia, sobretudo, que nosso universo mental é povoado pela imaginação do mundo105. Como parte do processo da comunicação entre mapas de neurônios em nossa arquitetura cerebral, representar mentalmente um estímulo externo, um cheiro, um som ou um gosto é um ato de imaginação. Em relação ao ciberespaço, como ambiente, há contínua representação por imagens assinalando um processo que já é natural do corpo: simular a “realidade”. Porque em algumas situações estas representações possibilitam um convívio rico com o mundo da imagem, assinalando processos de metamorfoses, e em outras não? Para perceber, no desfile virtual, o que significa este desdobramento do corpo através de suas representações imagéticas, interessa analisar momentos em que a imagem comporta-se como devir, propondo relações de fusão de sentidos, e também quando a imagem mostra-se como algo que “barra” os processos de metamorfose da imaginação. Para entender isto, é necessário distinguir entre as noções de ser um espectador das imagens ou um operador destas. O carnaval sempre foi considerado um terreno fértil para a exploração dos sentidos, avaliado por muitos como uma festa catártica. No entanto, “... catarse na construção aristotélica, referia-se, de modo prático, franco e salutar, a uma capacidade, especificamente da tragédia, para purificar o espírito do espectador de 105 Há dois neurologistas, o inglês Oliver Sacks (1999) e o indiano V. S. Ramachandran (2003) que descrevem inúmeras situações onde há singulares operações cerebrais que se relacionam ao mundo das imagens mentais. O inglês cita o caso de um pintor que deixa de enxergar cores e passa a enxergar em preto e branco. O indiano o caso de uma paciente que “via” personagens de desenhos animados em lugares que não somente a televisão ou revistas em quadrinhos. 68 emoções dolorosas e doentias; a partir de uma interpretação religiosa e metafórica, a idéia foi suscetível de uma sublimação para significar purificação e/ou exaltação das emoções...A didática da catarse aristotélica supunha um espectador que se submetia à ação teatral para tirar dela benefícios para seu bem-estar pessoal” Ferrara (1986:41). A questão de olhar as representações em nossa consciência sugere que ver não significa estar imóvel. Assim, é fundamental pensar que o carnaval é uma festa que trabalha os sentidos. E ver o carnaval é uma ação “multimídia”, sinestésica, pois a própria noção de “perda dos sentidos”, associada pelo senso comum ao evento, tem que ser entendida “às avessas”. Trata-se na verdade, de uma mistura voraz entre os sentidos, de forma que não identificaríamos facilmente suas fronteiras. Olhar, constantemente (re)constrói significados. Seguindo esta lógica, o próprio processo de construção de um desfile, de rua e virtual, também assinala um constante processo de (re)construção. Ver não significa um sentido isolado. Há sempre fusões: de imagem e som, literalmente de alegorias e samba enredo. Estas instâncias estão enredadas de tal forma que é impossível pensar em uma desconexão de uma em relação à outra. Tanto é assim, que dizem os “experts”: conseguimos “reconhecer um desfile campeão” quando o samba enreda-se à complexidade do “visual” de uma escola, “cantando as imagens” que estão desfilando. Da mesma forma, ver um desfile de escola de samba, na rua e na Internet, não é ser apenas um espectador do carnaval. Estamos enredados, há um trânsito permanente entre público e desfile. Este olhar o desfile não significa um ponto de chegada ou partida, este olhar é um sistema aberto relacionando-se também de forma sistêmica. Voltando um pouco no tempo, vemos que a arte moderna já apontava mudanças na relação obra-espectador, uma vez que “...ultrapassou-se a concepção 69 de que a mensagem de arte era produzida pelo emissor para ser consumida pelo receptor, de que a comunicação era algo que ocorria no início de um processo – o emissor – para se consumar no fim – o receptor -, a comunicação artística passou a ser considerada como algo que ocorria no interior do próprio veículo que se comunicava, na própria linguagem...O receptor deixa de ser espectador da arte para ser um usuário da linguagem; são as dimensões e possibilidades desse uso que conferem significado à mensagem artística. O significado não é ou está, mas processa-se. Arte não é fruição, mas utilização, uso e posse.” Ferrara (1986:43-44). Esta condição de ser operador do olhar, esta disseminada em nosso cotidiano. Ver deixou de ser um “compartimento isolado”. Em relação à arte, isto fica bem claro: os museus não são as “moradias das obras de arte”. Esta, como sistema aberto que é, dialoga com o espaço urbano. Inúmeras exposições conectam-se ao fluxo urbano. No mundo contemporâneo, ver é abrir-se para a interseção entre universos. Quando percebe-se que o olho não é uma “instituição passiva”, o olhar opera “links”, abre portas cognitivas no corpo. Destas portas cognitivas, muitas vezes os indivíduos passam a operar outros processos. O indivíduo não apenas assiste a comunicação, é um operador desta. Neste ponto, tecnologias interativas como as do ciberespaço são fundamentais, uma vez que as possibilidades de representação mundo não estão apenas dadas, mas também podem ser construídas. No carnaval isto também fica bastante evidente, ver o desfile opera olhares em devir. Ver é condição da existência do desfile. Desde os ensaios na quadra ao trabalho no barracão. O tempo todo nosso olhar busca movimentar-se. 70 4.1. OPERANDO “MIXAGENS” ENTRE IMAGENS E SONS Em diversas situações, podemos operar o olhar criando fusões “multímidia”, “mixagens” sensoriais106. Arlindo Machado (2003:158-159) relaciona música e imagem contextualizando o espaço. “A principal razão por que uma peça musical pode não funcionar em qualquer ambiente está no fato do compositor muitas vezes tirar proveito da arquitetura onde deve ocorrer a perfomance, fazendo a música dialogar com seu entorno”.Esta relação entre música e ambiente pode ser encontrada na obra de Bach: a polifonia de vozes que corresponde à polifonia das profundidades dos volumes arquitetônicos. Para Arlindo Machado, há também relação audiovisual no corpo, “... o discurso musical pressupõe, ao lado dos seus atributos mais propriamente acústicos, todo um sistema kinésico, entendendo-se como tal o conjunto dos elementos motores invocados pelo intérprete durante a performance”.(2003:160) Um cego “visualiza” o espaço através da reverberação do som no ambiente, assim como pode avaliar a quantidade de luz que banha uma cena pela temperatura sentida na pele, ou seja, sinestesicamente um cego pode fotografar, como é o caso de Evgen Bavcar107. Ao lado desta questão das fusões sensoriais, podemos pensar no aspecto das possibilidades de construção da imagem no cotidiano: a variada utilização do computador em diversas áreas. Desde as recentes, porém restritas, tecnologias de simulação de realidade, sensores automáticos de movimentos do corpo como 106 Sérgio Basbaum (2002) traça uma história da sinestesia, apontando algumas questões neurológicas e também culturais sobre os processos de arte, tecnologia e sinestesia. 107 Na aula “Os olhos e o corpo” ministrada pela professora Cleide Campelo, no curso “Comunicação das artes do corpo” na Puc-sp, há uma interessante pesquisa neste sentido. Em uma atividade, a professora convida os alunos a tirar fotos de olhos fechados, e também que andem de olhos fechados percebendo a fusão sensorial que pode decorrer daí. 71 datagloves (luvas eletrônicas) óculos de imersão em realidade virtual, e hologramas são diversas possibilidades complexas da tecnologia contemporânea criar imagens e sensações hápticas. Sobre o acesso à criação de imagens computadorizadas, também Arlindo Machado (2000) descreve a história destes recursos e aponta que trata-se de um vasto campo para a investigação estética.108 A riqueza destas possibilidades só faz buscar incessantemente outros meios de utilizá-las. Na arte contemporânea há diversos exemplos, não apenas da utilização de computação gráfica e realidade virtual, mas também dos próprios recursos de interatividade. Eduardo Kac (2002) cita, entre diversas outras obras, um trabalho que simula uma estrutura corporativa. Esta obra da artista californiana Victoria Vesna intitulada Bodies©INCorporated foi desenvolvida com a colaboração de artistas, músicos, empresas e programadores. A artista vê sua obra como uma investigação na área da psicologia social e dinâmica de grupo num contexto corporativo. Para tanto, de suas casas, as pessoas escolhem corpos digitais (avatares) e vivem socialmente estes indivíduos nesta realidade simulada. A própria criação de “corpos digitais” é algo incorporado também por outros territórios. A idéia de Realidade virtual já é bastante comum na “sétima arte”, uma vez que ferramentas digitais são freqüentes nas atuais produções cinematográficas atuais criando a performance de atores “virtuais”109. A dança também já experimenta o espaço do computador. Como argumenta a pesquisadora Helena Katz, a dança é pensamento do corpo, e sobretudo, significa um corpo experimentando o espaço, e outras formas de sobrevivência. O coreógrafo norte americano Merce Cunnigham é famoso por utilizar o software Life Forms© para a criação de suas coreografias. Criadoras como Andrea Levinson 108 Arlindo Machado publicou um importante livro intitulado “Máquina e imaginário” onde em um dos capítulos discorre sobre os primórdios da utilização da computação gráfica. 109 O filme Homem Aranha 2 apresenta a performance de atores totalmente criados por computação gráfica. Caderno MAIS! De 14 de novembro de 2004 72 trabalham com a Internet, também trazendo outras possibilidades de ambiente para a dança. A poesia multimídia de Arnaldo Antunes é outro exemplo que assinala a presença do computador e a criação de novas imagens. Traduzindo visualmente suas obras o computador desdobra, para além do papel, os significados de obras como “Fênix”, por exemplo. Mas não só no campo da arte, estas diversas possibilidades da imagem estão disseminadas. Arlindo Machado (2003: 197) ainda metaforiza que a televisão é uma espécie de mostra cotidiana e permanente de design gráfico, “Você não precisa ir ao MoMA de Nova York, ou à Documenta de Kassel, ou ainda à Bienal de Veneza para conhecer algumas das últimas tendências das artes visuais. Uma das mais avançadas galerias de arte fica bem aí na sua sala de estar”. Estas “exposições” a cada dia se tornam mais complexas do ponto de vista estético, e pensamos que a riqueza dos significados dos graphics de televisão seja um exemplo de como a imagem, no cotidiano, pode significar um processo de descobertas. Como já analisamos, a combinação de computação gráfica na transmissão televisiva do desfile confere complexidade estética à narrativa do carnaval. Fora do contexto carnavalesco, há outros exemplos que dizem respeito aos grafismos visuais como uma rica possibilidade do uso da imagem. Arlindo Machado também cita a MTV como um canal identificado à riqueza da utilização da imagem por suas propostas gráficas, com vinhetas elaboradas que identificam sua logomarca em constante mutação visual, e também aponta a simulação de um mundo sem gravidade presente em muitos dos trabalhos criados pelo designer Hans Donner ( um dos responsáveis pelo grafismo das transmissões televisivas do desfile) para a rede globo, aberturas de telenovelas, telejornais e outros programas, como um exemplo criativo da imagem eletrônica. Machado conclui, observando exemplos como estes, que “... nos termos da extensão e alcance da cultura de massa, nada tem contribuído melhor para a renovação da sensibilidade e do gosto coletivos, no campo da visibilidade, do que o graphics de televisão” (2003:203). Estes apontamentos sobre a grande disseminação do uso do computador e sua capacidade imagética, além de sugerir criatividade multimidiática, são fontes de 73 provável convívio para o corpo folião. Pois, os próprios desfiles virtuais entram neste contexto das novas possibilidades de uso da imagem que emergem na sociedade atual, demostrando que a operação, e não somente a apreciação da imagem, é um dos percursos da cultura contemporânea. No entanto, a mesma imagem que sugere uma rica percepção e fusões sensoriais pode embotar a imaginação. Diversas vezes a televisão utiliza-se da imagem dificultando a construção individual de conhecimento, a busca do self e seus processos de representação da identidade, a busca que pode apontar outros caminhos para a construção de uma história diversificada e singular para o corpo.110 Tal questão está entrelaçada ao carnaval. Pelos “padrões da moda”, algo presente em boa parte do discurso televisivo, podemos discutir o que é expressar e ocultar um corpo. A padronização das imagens cotidianas exige e impõe como única possibilidade de identidade a existência de “corpos perfeitos”. Esta realidade tem contaminado o desfile das escolas de samba negando as outras diversas identidades que o corpo é neste evento. É preciso refletir sobre a excessiva padronização do corpo no desfile carioca que tem tornado a festa uma “ópera” que pode “esconder” as singularidades corporais. O samba enredo do Império Serrano de 1982 já refletia sobre a transformação estética do carnaval, o crescimento da festa, afirmando que o carnaval estava “escondendo” o corpo, relegando a participação popular: “... Super escolas de samba S.A., super alegorias/ escondendo gente bamba/que covardia...”. Como temos discutido, o desfile e seu real glamour é motivo de inúmeras discussões, e pode também ser lido sobre as opiniões de que a representação pela imagem pode “disciplinar” o corpo. 110 É interessante notar que o próprio António Damásio(1999) ao pesquisar a consciência também aponta que as operações corporais realizadas resultam na construção de imagens mentais que podem representar o corpo na consciência de um indivíduo. Ao mesmo tempo, estas imagens também escondem outros padrões neurais, “tampam” outras imagens corporais internas que ainda não emergiram. 74 Para entender isto, podemos utilizar aqui a “velha conhecida” lógica da inversão. O cotidiano mostra, principalmente pela publicidade uma miríade de corpos “nus” que não querem se mostrar, e sim “esconder-se” pela imposição de um ideal: corpos esteticamente perfeitos. O sociólogo e filósofo Dietmar Kamper (1925-2001) conceitua que “...O poder do olhar manifesta-se naquilo que não é visto, que é deixado à margem como vítima da primeira distinção de uma visão focalizadora. Os corpos que nos circundam foram inicialmente distanciados e estilizados em retratos, estátuas e corpos ideais (Bildkörpern)...” (1995). Entendemos que este ideal estético seja a imposição de uma única possibilidade de identidade corporal. Mas o corpo pode construir e representar outras além desta, pelo sonho, uma das fontes de imagem que significam a constante (re0construção do corpo. Os sonhos são ações que acontecem também em outros animais111. São representações imagéticas de nossa vida que acontecem durante o sono, “uma brincadeira que ensaia a morte”112. Como somos a “espécie simbólica”, seu significado para a existência do homem é incalculável, para a semiótica da cultura, o sonho, assim como o jogo, é um dos universais da cultura113, mantendo viva as memórias e enfatizando o constante trânsito entre dentro e fora. No sonho parecem se realizar muitos dos desejos que não podem se efetivar enquanto estamos 111 Aves e cães são classificados como animais superiores que também sonham 112 O sonho acontece fora do estado de vigília, dentro de algum abrigo. Em tempos remotos nossos ancestrais buscavam um lugar seguro para se recuperar das tensões geradas pelos comportamentos ofensivo/defensivo do paradigma presa/predador. Hoje, continuamos a nos abrigar para poder dormir, e enquanto isto acontece nos recuperamos dos déficits causados pelo estado de alerta. Sem este desligamento o cérebro não sobrevive. Dormir seria necessário para descansar certos sensores sinápticos mais ligados à realidade externa, deixando livres outros mais conectados à realidade interna, originando o sonhar. Ver Baitello(1997) 113 Para Ivan Bystrina(1995), o sonho, os estados de extase, os jogos e o desejo de superar a morte criam a cultura. 75 acordados. Vencer um predador “invencível”, por exemplo. O carnaval é também um “sonho”. Sua estrutura narrativa enfatiza seu caráter non sense tornando-o bastante próximo da estrutura narrativa “absurda” do sonho: tanto em, um quanto em outro, “mortos ganham vida, vivos morrem”. Baitello (1997:27-28) Em contraste com a criação de outras realidades e a riqueza das representações imagéticas como estas do universo onírico, o desfile de rua tem criado soluções visuais para alegorias e fantasias, mas ao mesmo tempo, tem deixado de mostrar a diversidade de identidades corporais que fazem parte de sua realidade. O que contaria até mesmo sua própria vocação histórica para a pesquisa visual. A nudez de corpos esteticamente perfeitos promovida pelo cotidiano desdobra-se na busca de corpos esteticamente perfeitos no desfile das escolas de samba. No carnaval esta institucionalização da nudez foi sugerida pela televisão. “...A partir da década de 60, passou-se a ver, cada vez mais, nos desfiles das escolas de samba e nos bailes de carnaval nos clubes das grandes cidades, a nudez como marca registrada dos dias de carnaval. Na última década a televisão passou a transmitir esta nudez carnavalesca.” Campelo (1995). O que este comportamento designa é que este corpo nu das escolas de samba , contaminado pelo padrão estético do cotidiano, é um corpo que ao invés de representar a “tridimensionalidade” de suas inúmeras possibilidades e singularidades, passa a se resumir nesta única possibilidade: os padrões da moda. A inversão no carnaval é justamente o contrário, a tridimensionalidade de seu corpo, seus sonhos. Saber suas sombras, mortalidades, suas diferenças, “imperfeições”, trazer sua realidade non sense para assim poder dar vida a estas singularidades: identidades e fantasias em processo de metamorfose. Este é o sentido de inversão de que fala Mikhail Bakthin, autor citado na introdução deste trabalho. Sem dar atenção a isto o carnaval deixa de ser uma diferença para ser apenas o cotidiano. A visibilidade exacerbada dos padrões estéticos fica evidente pelo “olhar vigilante”114 da mídia: na maioria das vezes são 114 O Filósofo Michel Foucalt (1926-1984) produziu análises sobre a questão do olhar vigilante(1975) estudando que instituições como os hospitais, o exército e as prisões são locais de adestramento do corpo. Estamos lendo que o 76 valorizados os modelos, atores e atrizes e seus “corpos perfeitos”. Muitos dos atores da “ópera de rua” deixam de ser mostrados como parte desta complexa rede. Muita visibilidade ofusca e torna-se invisível. Os “principais atores”, o carnaval é o palco deles, estão invisíveis. Contudo, o desfile não depende exclusivamente deste tipo de visibilidade que valoriza o espetáculo como obra a ser contemplada. É apenas um momento do processo carnavalesco, dos diálogos que o carnaval como texto da cultura realiza com outros textos da cultura: um ponto da rede carnavalesca. O espaço/tempo carnavalesco é maior do que apenas o dia do desfile e a avenida. Como processo, já se sabe que o carnaval é construído em sua véspera. A quadra e o barracão são pontos desta rede e permitem assinalar possibilidades de construção de outras respostas, sublinham a operação da linguagem, e não a sua fruição, como sugere este olhar dos padrões da moda. Toda a criação da festa é um espaço de construção, que permite ao corpo (re)descobrir suas singularidades e encontrar outras identidades. A quadra é um exemplo típico: nos dias de ensaio, onde não há a imposição excessiva do olhar da avenida, há um espaço onde as singularidades do corpo podem ser exploradas, o corpo está mais “solto”. Podem-se explorar as possibilidades da dança sem que o “olhar vigilante” e excessivo do espetáculo condicione papéis. É comum achar que o corpo que trabalha no barracão não faça parte do carnaval, mas este é também um corpo folião. No barracão, as performances de um corpo trabalhando significam que um corpo pode (re)inventar-se ao encontrar meios de utilizar algum material alternativo para a concepção de uma alegoria. Paradoxalmente, no ensaio e no barracão os corpos estão “vestidos”, mas há uma “nudez” que pode apontar as singularidades tridimensionalidade. desfile na avenida esteja, de certa forma, “adestrando” o corpo e que isto se torna uma contradição para o carnaval. 77 do corpo, revelando sua Longe da efemeridade e rigidez dos excessos do espetáculo, há mais possibilidades de mixar as singularidades do corpo, perceber suas fusões sensoriais, pois o espetáculo, onde são valorizados “os corpos perfeitos”, é apenas uma parte (in)visível da realidade do carnaval, e por isto mesmo não é a única realidade a ser vista. Se estamos argumentando que a imagem pode representar possibilidades criativas do corpo, mas que também, através da padronização estética é capaz de “esconder” o corpo e negar suas possibilidades de encontrar outras singularidades, fica a questão: O carnaval virtual esconde ou revela o corpo? Pelo senso comum, a Internet tem vocação para “esconder, apesar de que em Chats podemos omitir a tridimensionalidade do corpo ocultando informações que pareçam “estranhas”. Isto é um fato. Ao utilizar a imagem como representação, estaria o carnaval virtual escondendo o corpo, assim como parece acontecer no espetáculo do desfile? Argumentamos que não. A idéia destes desfiles virtuais marca um encontro, literal, entre a imaginação e as singularidades do corpo, sublinhando as soluções deste corpo ao imaginar outros caminhos para revelar-se. Esta imaginação tem um papel decisivo em relação ao corpo na Internet. Imaginar seu corpo ou o corpo de quem esteja “do outro lado” talvez não seja negar a realidade. Quem atesta que a imaginação esteja radicalmente isolada da “realidade”? Imaginação e “realidade” também são instâncias enredadas. É fato que a excessiva padronização estética é uma realidade que pode condicionar a liberdade de nossa imaginação. No entanto, não caberia a cada corpo, cada indivíduo confrontar-se com o “real” em acordo com seu tempo e suas singularidades como possibilidade de seus processos de transformação e de amadurecimento? 78 A idéia de um carnaval virtual assim como mostra a própria natureza do corpo busca revelar-se pela imagem. Comunidades virtuais não excluem o corpo, mas apontam novas possibilidades de encontros, uma aproximação entre indivíduos diferentes. Ao invés de pensarmos na imagem exclusivamente como uma interface que esconde o corpo, podemos inverter a questão e analisarmos a imagem como um corpo que se apresenta a partir de diferentes possibilidades de representação. É preciso relembrar que a diversidade de traços que compõe os desenhos do desfile virtual assinala a riqueza das diferenças. Trata-se de diversos sentidos de self diferentes daquelas referentes à rigidez buscando outras singularidades, do espetáculo de rua. Daquilo que é aceitável como norma(l). Um mergulho na imaginação do corpo e toda singularidade que isto pode permitir. Imaginar um carnaval na Internet é fundamentalmente criar algo fora de qualquer padrão já instituído. Deslocar a imaginação da rota dos clichês e padronagens excessivos é deslocar o corpo para outros ambientes, é realizar descobertas. “Na maioria das vezes é a imaginação, é a intuição que prenuncia uma descoberta, quer se trate de geografia (v. Colombo), quer se trate de física, anatomia, medicina ou astronomia...” Prade (2004:28). O jogo do universo das representações imagéticas é fundamental neste processo 4.2. MAIS UMA INVERSÃO: ANDANDO COM AS MÃOS SEM “SENTIR” O CHÃO O corpo é um ambiente. A atual tecnologia de investigação corporal permite que “vejamos” o interior do corpo de uma maneira diferente da que o primeiro indivíduo da história “mapeou” o corpo. Andrea Vesalius (1514-1564) e seu livro “De Humani Corporis Fabrica” são a primeira fonte ocidental desta pesquisa. Os atuais conhecimentos sobre imagens corporais, formulado por autores como os já citados António Damásio, e outros como Steven Pinker (2002), Paul Churchland (2001) 79 sobre a plasticidade cerebral, as redes e mapas de neurônios115 em suas miríades de sinapses vãoi além da mera relação observador-objeto. Para estas pesquisas, imagens corporais dizem respeito ao modo como “imaginamos” nós mesmos e o mundo, e que este imaginar está em constante mudança de maneira ativa em contato com aquilo que vem da realidade interna e externa. São verdadeiras “tecnologias” do corpo, que ajudam ainda a esclarecer algumas questões sobre a locomoção do corpo no ciberespaço. Vamos “imaginar” o que a existência das realidades internas do corpo pode contribuir para que entendamos o que significa “desfilar” na Internet. A Internet apresenta peculiaridades para a locomoção. Esta operação refere-se a como o movimento se correlaciona com a imaginação corporal significando o envolvimento com o conceito de virtual, da mesma forma que temos discutido nesta dissertação: a existência de outros níveis de descrição da realidade. “Andar” ou “navegar” pela Internet envolve algumas questões estudadas pelas ciências cognitivas no que diz respeito à como o organismo cria redes entre a nossa imaginação e um gesto “real”. É inevitável deixar de mencionar que o uso da Internet significa estar “parado”. Daí, ficar sentado na frente de um computador pode ser algo que “atrofia” nosso sistema sensório-motor. Mas, as coisas não são bem assim. Não se pensa em locomoção na Internet como atividade motora complexa, como a dança, por exemplo, pois basicamente, mover pelo ciberespaço significa articular o movimento das mãos e braços para utilizar o teclado e o mouse. Mas aqui, como em qualquer outra circunstância que envolve habilidades cognitivas, está presente a alta complexidade da comunicação interna do corpo. 115 Neurônios são células cerebrais com formas variadas. Têm função eletro-química e conectividade. Se comunicam uns com os outros através de sinapses. Estas conexões não especificadas pelos genes. O cérebro é uma rede autoorganizativa criada pelo movimento das conexões neuronais. 80 Contextualizando que imaginação se relacione a esta realidade interior do corpo, a produção de imagens internas cria correlações entre imaginar um movimento corporal e realizar este movimento. Um desfile virtual ocasiona situações bastante complexas e que envolvem a questão desta imaginação corporal. Se estamos enfatizando o corpo e suas singularidades em relação ao ambiente, explicitando que é impossível separá-los, também argumentamos, com base nos estudos neurocientíficos, que imaginar um movimento e realizá-lo sejam coisas impossíveis de separação. Assim, pesquisas analisam o funcionamento do nosso corpo em relação à imagens corporais (conteúdos imaginados) sublinhando que a organização de um gesto envolve a imaginação corporal criando conteúdos virtuais em outras partes do corpo imperceptíveis para o próprio indivíduo116. “...Se quero esticar meu braço à frente, o primeiro músculo a entrar em ação, antes mesmo que meu braço se mexa, será o músculo da panturrilha, antecipando a desestabilização que o peso do braço irá provocar ( Godard, 1999; 15). A maior parte de nosso pensamento e ações corporais é exercido sem que precisemos organizá-los conscientemente. Há instruções internalizadas inconscientemente e que coordenam nossos movimentos sem a necessidade de nosso permanente estado de vigília. Para andarmos, por exemplo, precisamos 116 Em relação à comunicação interna não ser perceptível pelo corpo em seu estado de vigília, vale ressaltar que Charles Sanders Peirce fala em outros níveis de descrição da realidade que não somente o simbólico. Para o autor há uma rede entre estes níveis de descrição da realidade, e antes de algo se tornar uma lei, um símbolo estavelmente perceptível, existe um processo que passa pela primeiridade, o que ele chama de vagueza do signo, e a secundidade, o que seria a provocação de reações nesta vagueza inicial do signo o que pode vir-a-ser um símbolo estável. A comunicação interna das sinapses seria uma relação entre primeiridade e secundidade antes de emergir como uma imagem estável em nossa consciência: um símbolo. Ver Santaella(1995) 81 conscientemente decidir pela ação. Mas, não precisamos ficar dando “ordens” às nossas pernas para que as mesmas se movam. Há “ordens virtuais” para isto. Além disto, mesmo em casos de deficiência física, o cérebro pode conservar a representação dos padrões motores, e com a ajuda de próteses e extensões corporais, as ações deste corpo podem reinventar os próprios movimentos corporais. Assim como acontece quando sonhamos que estamos correndo e nos “movimentamos” durante o sono, imaginar-se conscientemente nesta ação também aciona nosso sistema sensório-motor, sem que seja necessário que esta corrida aconteça “realmente”. Rachel Zuanon (2001), em sua dissertação de mestrado “Coevolução entre corpos - uma investigação com sinais cerebrais” (2001) investiga que ao imaginar-se dançando, estaríamos acionando regiões cerebrais responsáveis pela coordenação do movimento, lugares do cérebro que guardam padrões motores. A autora defende que “... O cruzamento de domínios subjetivos e sensoriomotores, presentes no ato de imaginar a execução de um movimento, garante então que as informações necessárias para que o movimento ocorra existam, independente do movimento ocorrer” ( op-cit:22). Talvez uma pesquisa similar realizada para averiguar com precisão esta questão em relação à locomoção no ciberespaço, mapeando o funcionamento cerebral em relação à “navegar” pela web possa ser realizada em breve. No entanto, para nossos desfiles virtuais, estes apontamentos sugerem que a realidade corporal é um paradoxo que incorpora além da consciência do gesto, a rede de estados não percebidos conscientemente. Além de que, imaginar este gesto é uma condição inseparável de seu nível de descrição correspondente à realização deste gesto. E que nosso self se constrói justamente neste trânsito entre mente e ações corporais e conteúdos corporais não percebidos. Outras explicações ajudam a entender esta questão. A natureza da metáfora é algo permeável tanto em relação ao carnaval, quanto em relação ao conceito de 82 virtualidade, e nos ajuda ainda mais a entendermos o que significa a complexidade da comunicação sensório-motora do corpo. Metáforas são inversões: um processo cognitivo que possibilita experimentar alguma coisa em lugar de outra. Um processo que transporta uma coisa de um lugar para o outro. Um tipo de atualização da informação. Dizer, por exemplo, que o corpo é um carnaval, é transportar todo os significados do carnaval para o corpo. Sobre o papel da metáfora como operação de conceitos e movimentos corporais, Lakoff & Jonhson (2001) enfatizam que a construção da metáfora é mais do que ser uma figura da linguagem verbal. Os autores estabelecem que nosso sistema conceptual, o modo como conceituamos nossas ações no mundo, seja metafórico por natureza. Criado pela migração em trânsito das informações oriundas do sistema sensório-motor e as informações surgidas em nossa mente os pesquisadores afirmam que conceitos como “os juros subiram” emergem de nossa experiência espacial, e não apenas de nossa mente. Assim, “o copo está cheio” é uma “metáfora do pensamento”, que surgiu da experiência corporal de subir. O que estes autores discutem mostra que o sistema conceptual do corpo não é exclusividade da mente e nem das palavras, pois o ato de subir criaria informações no sistema sensório-motor que se relacionariam com as imagens mentais não verbais criadas em função desta ação. O discurso verbal “fala” sobre o corpo e também é uma ação, mas não pode ser considerado soberano. Há , por exemplo, nossa pele que comunica muita coisa sem precisar “falar”117. Não existe uma relação de maior ou menor importância entre o papel do sistemas muscular para as cognições corporais e o uso da palavra. E não há como apostar toda a comunicação no discurso verbal, visto que há outras formas de descrição da 117 Sobre isto ver “Tocar. Os significados humanos da pele” do antropólogo Ashley Montagu. O autor defende que as palavras não são os únicos atos de comunicação que processam o envolvimento entre as pessoas. 83 construção da realidade corporal. Há diversas portas cognitivas, de entrada e saída, que se entrelaçam nas metamorfoses do corpo118. Como isto se relaciona com o ciberespaço? A ação de movimentar-se pela Internet, não sendo algo exclusivo do domínio mental, mistura as imagens corporais conscientes e inconscientes com as informações do movimento do corpo. Isto cria outras metáforas corporais. “Andar” na Internet é metaforizar que pensamento e ação corporal estão sendo “mixados” e criando outros domínios conceptuais para o corpo. Imaginar-se “andando” pela Internet pode combinar toda a complexidade corporal do ato de mover-se com as pernas, o que conecta metaforicamente as realidades invisíveis do sistema sensório-motor à questão de que “realmente” estamos movendo o mouse. Tudo isto significa fundamentalmente uma ação que inverte/atualiza nossa ação de andar, uma vez que nossas mãos passam a ser nossos pés. A ação de movimentar-se pelo ciberespaço utilizando-se o mouse desenvolve uma experiência sensória-motora que inverte a posição dos pés criando outros paradigmas de locomoção. Neste espaço as mãos são selecionadas e adaptadas para o movimento pelo espaço. Andar com as mãos não é algo necessariamente novo, tendo em vista que as mãos têm um papel fundamental no processo de desenvolvimento da humanidade. Aliás, o homem não nasce bípede. A locomoção pela Internet parece ser apenas uma “atualização” que sublinha este fato. No caso dos desfiles virtuais há uma inversão: o “samba no pé” se transforma em “samba na mão”. Olha o carnaval aí, gente!. A imagem reinventando o corpo. O corpo reinventando a imagem. 118 Para assinalar esta questão de que as palavras não são as únicas portas de entrada dos significados corporais vale assinalar novamente que Charles Sanders Peirce fala sobre as matrizes da linguagem verbal, assinalando que o surgimento, em nossa mente, de uma palavra como símbolo de alguma coisa se correlaciona com a imagem anterior. Ver Lúcia Santaella em Semiótica e cognição 84 4.3. CIBER-BARRACÃO: A BUSCA DE IMAGENS “Viver na carne” o processo de construção de um desfile virtual é uma das formas de se perceber a complexidade do universo da comunicação. Toda a idéia de que a comunicação como acordo social seja um paradoxo processo que tem o corpo, e toda sua rede de informações verbais, musculares, imagéticas, entre outras, como uma de suas ignições em co-relação com seus ambientes não é algo que possa ser esquecido. Construir um desfile, pela releitura dos desfiles da Liesv é uma experiência que permite co-relacionar o que sejam as “realidades internas e externas” do corpo, suas visibilidades e invisibilidades, suas mortes e suas vidas. E, sobretudo a presença de coletividades dentro e fora de si. Todas as pessoas deste processo de construção do desfile não estão ligadas ao carnaval. Foi uma coincidência perceber que todos os envolvidos não faziam parte de comunidades carnavalescas de rua. Praticamente só conhecem um desfile por que já viram na televisão ou desfilaram alguma vez no carnaval paulistano. Esta é uma informação interessante deste processo, pois se trata de um “olhar do estrangeiro”, ou melhor, de vários “estrangeiros” que só trazem para esta pesquisa a idéia de que o carnaval, e, sobretudo os desfiles, não é um espaço de “tribos”.119 Para imaginar os caminhos da memória, dentro e fora do corpo, a idéia de reunir estas pessoas parte de um pressuposto óbvio, as diferentes habilidades cognitivas que se referem ao uso e operação de tecnologias interativas. 119 Sobre esta questão, a socióloga Leila Blass (2005) desfaz a noção de que o carnaval seja um espaço de identificação por valores absolutamente simultâneos. Para a autora, não há como “encaixar” o desfile na idéia de uma tribo urbana, uma vez que muitas pessoas de fora das comunidades carnavalescas também fazem parte do desfile. Esta diversidade torna imprópria a noção de classe fechada. 85 Nosso ciberbarracão também é uma experiência geográfica. Estamos testando a fluidez das fronteiras entre casa e rua. E sobretudo estamos percebendo o deslocamento das fronteiras geográficas normalmente erguidas. Se a sociedade contemporânea fala em “homework”, nosso ciberbarracão permitiu testar este conceito. Eu de minha casa, e Fabiana, Juliana, Marcus, Christian, Danilo, Catarina, Rômulo, Roney e Eduardo de seus respectivos lares, montamos este carnaval como hipertexto. 4.3.1. O HIPERTEXTO COMO CARNAVAL A noção de hipertexto, a deslinearização da narrativa, estudada por Janet Murray (2001) aponta, entre outras coisas, que o computador muda a estrutura do drama seriado. A noção de hipertexto assinala a possibilidade de construção de continuidades singulares da narrativa: a possibilidade de parar a história, escolher seus cenários visuais, os sons que serão mixados ao hipertexto. Para a autora, todas estas ações já existem na forma tradicional de texto, mas começam a acentuar-se no desenrolar das possibilidades da literatura digital. A noção de hipertexto é multimidiática, explora fusões sensoriais: “perder-se” na diversidade dos caminhos da narrativa é “encontrar” diversos sentidos. Nestas possibilidades percebemos que a noção de hipertexto já incorpora a noção de sinestesia e imersão. Um corpo sujeito às (des)continuidades próprias do hipertexto trabalha em imersões de fusão sensorial. O acaso em uma narrativa hipertextual cria possibilidades de cenários sinestésicos, o que também remete a um processo de carnavalização É possível argumentar que a própria noção de hipertexto pode ser associada à linguagem do carnaval, da forma como este foi conceituado na introdução: um processo de inversão. Uma linguagem hipertextual é “ ...o modo de produção textual da nossa contemporaneidade, afeito ao simultâneo espacialmente e ao sincrônico temporalmente” Agra & Cohen (2002:163). Assim, uma narrativa hipertextual 86 assinala as inversões nos caminhos da narrativa. Um carnaval é a rede de sentidos que um corpo cria e um espaço para revelar e ser percorrido por estes outros significados. Neste sentido, um hipertexto é um espaço similar ao carnaval. O carnaval precede a idéia do ciberespaço. Como evidencia Wertein (2003), a idéia de um ciberespaço é algo presentificado na Divina Comédia de Dante Alighieri: a rede entre espaços distintos, um inferno, um paraíso e um purgatório. O espaço carnavalesco na idade média, de que fala o já citado Mikhail Bakthin, é uma rede onde se cruzam pessoas, sensações e, sobretudo universos simbólicos pessoais e coletivos. Isto nada mais é do que a idéia de deslinearização dos sentidos presente na narrativa hipertextual. Esta idéia, de que o carnaval precede o ciberespaço, é utilizada na concepção de nosso desfile para alertar que não se trata de algo necessariamente “novo”. O enredo é um enredamento. A idéia para conceber a narrativa parte do pressuposto de enredar-se às questões que estamos discutindo. As imagens de terremotos, mudanças tecnológicas, e dos símbolos que são tecidos pelo homem são o ponto de partida para o desenvolvimento da narrativa hipertextual. A principal idéia é que o folião é aquele que está interagindo com a narrativa. O desfile só é possível através de seus movimentos. É preciso perder-se. 4.3.2. O ENREDO A terra é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano é um enredo que fala de metamorfoses. Destas metamorfoses a que o universo esta sujeito. No começo da existência do planeta terra todos os continentes, diferentemente da forma que os conhecemos hoje, estavam juntos. O suiço Alfred Wegener atestou em 1912 para a questão de que os continentes estão à deriva, “navegando” pela superfície do planeta. Nomeado por “ilha de Pangéia”, este supercontinente foi sendo repartido e hoje esta configurado da forma que o conhecemos. Esta é a teoria desenvolvida. 87 Neste supercontinente a vida no planeta passou por processos fundamentais de seu desenvolvimento. Nestes territórios à deriva em um oceano azul floresceu a era dos dinossauros, dos insetos gigantes, das florestas carboníferas. Todo significado primordial da vida teve neste “palco cenas incríveis da história de nossa existência”. Quando os continentes já “navegaram” bastante, eis que surge uma espécie “nova”: a espécie simbólica. Para esta espécie pintar paredes de cavernas, criar deuses, mitos e lendas é sua rotina. O tempo passa, a terra vai mudando, os símbolos da espécie simbólica também. Passado um bom tempo, surgem alguns descendentes diretos desta espécie continuam a simbolizar. Criam guerras, e outros deuses diferentes daqueles que haviam criado antes, mas todos eles com o poder de explicar a origem das coisas e do mundo. Há o deus dos deuses, há um deus dos oceanos, e assim por diante. Neste mesmo lugar, outros vão questionar a existência destes deuses, alegando que há outras coisas além de sua existência. Nasce aqui a idéia de colocar um ponto de interrogação em nossa existência, mas sem pedir que os deuses respondam: quem somos nós, de onde vimos e para onde iremos? E tal pergunta vai atravessar o tempo. Alguns sempre fazendo esta pergunta aos deuses, outros pensando que estes deuses não existem e perguntando a si mesmos, no entanto, estes animais seguem seu caminho. E constróem pernas que os levam pelas águas. Navegam sem saber onde termina exatamente os caminhos que podem percorrer. Sua curiosidade sem fim leva a espécie simbólica a lugares que já estiveram “grudados” antes. Muita coisa acontece, há encontros entre muitos desta mesma espécie, com outros símbolos diferentes, e muito estranhamento acontece. Como os símbolos desta espécie, de alguma forma, marcam fronteiras, pequenas e grandes guerras 88 se formam. Há uma luta, que parece não ter fim. Mas estas lutas sempre cessam por momentos. Das pernas que andavam na água esta espécie inventa olhos e ouvidos que alcançam muito longe. Inventa “mulheres que bailam e giram” permitindo a vida da comunicação, enviando e recebendo sinais. Das pernas que se movem literalmente, a espécie cria pernas metafóricas. Com esta capacidade, esta espécie volta a juntar os continentes que por sua vez, não param seu movimento de deriva. Simbolicamente, no entanto, o planeta desta espécie, que já foi uma ilha, volta a ter esta configuração novamente. E a espécie não para de andar. Inventa pernas que voam no espaço. Pernas que vão levá-la para fora desta “ilha”, chamada pela espécie simbólica de terra. A terra, que é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano. 4.3.3. A ESTRUTURA A narrativa é um hipertexto. A idéia é utilizar o que Janet Murray discute sobre as possibilidades narrativas do ciberespaço para construir o sentido da história. A idéia baseia-se em entrar e sair de diversos ambientes que seriam correspondentes aos setores de um desfile de rua. A sugestão é que estejamos imersos no desfile. Para tanto, analisamos que a perspectiva deveria propor a oposição do “observador” em relação ao desfile. É como se estivéssemos na rua, de frente para um desfile, vendo-o chegar até nós. Esta foi uma das possibilidades de se “brincar” com a idéia do estar fora ou dentro do desfile. A estética utiliza-se bastante do universo kitsch, além de lembrar a fragmentação dadaísta. Os recortes das figuras foram propositadamente pensados para que lembrassem universos em constante processo de montagem e desmontagem. 89 No “início” do desfile há diversas opções a serem tomadas. Vamos vê-lo linearmente? O samba enredo vai ou não acompanhar o desfile? pois podemos escutar o samba sem que o desfile aconteça. Ou seja, existe a necessidade de interferir no modo como acontecerá a narrativa audiovisual. Para desfilar em nossa escola é preciso movimentar o mouse. Sem tal ação não há como percorrer os caminhos construídos, e sobretudo experimentar a narrativa não-linear que a história possibilita. Desta forma, pode-se perceber a história sendo tecida da forma sugerida pela sinopse, mas pode-se também perceber e conectar partes diferentes. Cada ambiente é, de certa forma, autônomo em relação aos demais, de forma que não há prejuízo para os diversos sentidos que a história pode apresentar. Assim, pode-se começar pelo meio, ira para o fim, e terminar pelo começo. A sinestesia, própria ao carnaval e à estrutura hipertextual, não é um mero recurso. Para o desenvolvimento dos ambientes forma utilizados recursos como animações em duas dimensões (2D). Para o movimento dos integrantes da comissão de frente (3D). As “coreografias” da comissão de frente foram baseadas em alguns movimentos do corpo “real”. Os sambas enredo foram compostos por pessoas que também não “fazem parte do mundo carnavalesco”. No desfile virtual há a possibilidade de criar mixagens e agregar sons diferentes à performance. Há a opção de escolher uma entre as diversas músicas que foram desenvolvidas na “disputa” e agregá-la ao desfile. 4.4. A INVERSÃO é COGNIÇÃO Todo este processo do nosso ciberbarracão tem sentido à medida que percebemos que o espaço faz mais do que nos envolver, ao afirmarmos que as fronteiras entre o nosso corpo e o espaço circundante vão muito além de nossa pele 90 e se transformam continuamente. Não temos essas peles, metáforas do corpo. Somos o corpo e suas muitas peles. Não temos o carnaval, somos o carnaval, uma vez que este é também uma das fronteiras permeáveis que ampliam as fronteiras do nosso corpo. Estar dentro ou fora do carnaval não diz nada sobre o fato de que possamos tê-lo ou não. Pois, estar fora do carnaval é, de alguma forma, sê-lo em suas dimensões invisíveis. Como inversão, o carnaval é um espaço se relacionando com diversos corpos em busca de diferentes soluções. Os fundadores da Liesv reaparecem aqui, com uma pergunta exposta no site sugerindo mais uma reflexão: “Como desfilar na tela do computador? Como dizia Darwin, tudo se transforma. E a paixão do carnaval entrou na onda!” Charles Darwin é citado (de uma forma até bastante ingênua) para mostrar que parece estar acontecendo aqui um processo evolutivo. Há uma metáfora internalizada de que o carnaval seja um corpo. Carnaval como corpo. Corpo como carnaval. Incorporado por suas linguagens. O tempo todo, dissemos que o carnaval pressupõe a criação de instabilidades no corpo e na sociedade, e que sobretudo tais instabilidades são correlacionadas com um certo nível de imprevisibilidade. Mesmo que alguns entendam as imprevisibilidades e tratem-nas como estados “desagradáveis” (estados que possam significar a morte do corpo) tais situações são também uma chave que pode abrir possibilidades de continuação da vida. O estranhamento é vital: estranhar o corpo, suas imagens internas e externas, suas possibilidades performáticas é abrir possibilidades cognitivas. Parece que a inversão é um mecanismo que possibilita tais condições. Inverter é criar instabilidades. Inverter um ambiente é inverter o corpo. Isto porque a inverção 91 possibilita a emergência de outros contextos cognitivos para este corpo, um crescimento da complexidade120. A evolução engendra resultados bem mais complexos do que uma operação binária de causa e efeito e incorpora a complexidade dos estados de vir-a-ser em suas operações demonstrando que a riqueza da vida esta na complexidade daquilo que é indeterminadamente possível. Assim, o conceito de virtualidade é inerente ao que Charles Darwin pontuou sobre os processos de evolução. Dentre outras operações possíveis, a evolução opera “inversões”. Inverter um movimento do corpo através de metáforas e imagens corporais ( e vice versa) é perceber que o corpo está sujeito às “seleções naturais”. Como vimos em relação à locomoção na Internet, selecionar as mãos possibilita outros contextos evolutivos aos processos cognitivos deste corpo. Seria a inversão e sua inerente condição virtual uma pressuposta fundamental para a operação da evolução? Outra operação da complexidade que gera vida? 120 E sobre esta questão, talvez seja válido pontuar algo sobre o que Charles Darwin conceituou a respeito da teoria da evolução das espécies. Seus conceitos foram popularizados e presos à uma imagem que esconde seus reais significados. Charles Darwin referiu-se à evolução, não como uma “luta cruel e inevitável” entre as espécies, o que inclui o homem, e sim, como um processo da natureza escolher determinadas características adaptativas de um organismo, e que não possuem um caráter pré-determinado. Ressaltando a importância do acaso nos processos de cruzamento que permeiam a evolução, este processo é um reconhecimento contínuo e adaptativo de novas informações cujo objetivo é a permanência do organismo sem que haja um propósito geral ou teleológico. 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sobre o carnaval que desvirtua o corpo e por este é desvirtuado, fica a pergunta: onde vai (re)nascer o corpo folião? Um corpo folião que pode tanto desfilar na rua, pular em um baile, trabalhar em um barracão? Ou um corpo folião como este dos desfiles da liesv, que “brinca” com o “teocentrismo” do carnaval oficial. Quais outros mapas terá criado? Ou está criando neste momento? A “travessura” de tirar o carnaval da rua e colocá-lo na Internet , nos coloca diante de uma revalorização da brincadeira que mesmo “invisivelmente” faz correr nas veias do país o sangue carnavalesco. Além de servir como questão para rediscutir a dicotomia instaurada entre ser oficial ou não que “esconde” o corpo multifacetado da cultura brasileira. Funciona também como “pretexto” para indagar sobre a inevitável metamorfose a que está sujeito um corpo. Antes mesmo de sua fecundação e vida uterina. Caso contrário, estaria o corpo condenado a morrer de clichê?121 E o carnaval sem alterar-se estaria condenado à mesma sina? E o carnaval é um útero fértil para mudanças. Sobre o “mito de criação do desfile de rua”, há uma história de que tenha sido fecundado no Estácio, e de lá ganhado a alcunha de “escola de samba”. Sobre isto nos fala Ismael Silva, em entrevista concedida a Sérgio Cabral: “... E quem sugeriu o nome escola de samba?”. - Fui eu. É capaz de você encontrar quem diga o contrário. Mas fui eu, por causa da escola normal que havia no Estácio. A gente falava assim: ‘ É daqui que saem os professores’. Havia aquela disputa com Mangueira, Osvaldo Cruz, Salgueiro, cada um querendo ser melhor. E o pessoal dizia: ‘ Deixa falar, é daqui que saem os professores’. Daí que veio a idéia de dar o nome de escola de samba. O prédio onde era a escola normal ainda continua lá, na esquina da Rua Joaquim 121 Helena Katz sugere esta pergunta em relação à dança. 93 Palhares com a Rua Machado Coelho. Agora é uma escola primária.” Cabral(1996:241) Uma escola de samba pode mesmo “ensinar” muita coisa. Sobretudo para o corpo. Corpo em comunicação não somente pelas ruas da cidade. Se, conforme ensinou Ismael Silva, o samba seria ensinado de um lugar para outro, o samba pode também “entrar” em nossas casas, em nossos corpos, em um computador, pela inerente vocação para o movimento espacial incorporado às escolas de samba. Além de ser “ópera que sonha na rua” o desfile também pode “sonhar em casa”. É visível que esta “ópera que sonha na rua” tem sido um palco que tem mostrado pouco o povo. Os carnavais oficiais exilam seus principais atores: o povo Mas quando a brincadeira “cai” em suas mãos, este mesmo povo parece recriar-se pelos sonhos do carnaval. Nossas mãos são interfaces que podem assinalar mudanças. Isto ficou evidente nas mudanças da “cadência do samba”, quando “Ismael criaria a onomatopéia ‘bum bum paticumbum prugurundum’, que encerrava o assunto, definindo o compasso inovador do samba criado pela turma do Estácio, remodelando o samba inicialmente amaxixado de Donga, Heitor dos Prazeres e companhia.” Souza (2003:33) Sobre a mudança, Ismael diz: “O estilo (antigo)não dava para andar. Eu comecei a notar uma coisa. O samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar assim? Aí a gente começou a fazer um patcumbumprugurudum” Cabral (1996: 242) 94 samba assim: bum bum Daí dizer que o carnaval muda pela diversidade inerente a cada mão que o “toca”. Redes de mãos e pés. A “verdadeira” festa carnavalesca é difícil de ser apontada por que não há um único modo de compreender a festa. Não se trata de atribuir “fases” diferentes ao processo. Há a diversidade de brincadeiras, cada uma com sua lógica própria enredadas pelo desejo do corpo folião brincar. Enredar é colocar em rede. É desafiar a lógica da inclusão e exclusão. Rede entre idéias divergentes e convergentes. A idéia do enredo em um desfile é justamente esta: criar uma rede entre diferentes pontos. Pontos que jamais imaginaram estar juntos, na história que será tecida. Ou melhor, que está sendo tecida. Com pontos e linhas de naturezas também diversas: de paetês aos pixels de um monitor eletrônico. Como cantou a Mocidade Independente de Padre Miguel, então em 1985, sonhando com o futuro: “Deste mundo louco, de tudo um pouco eu vou levar para 2001 avançar no tempo e nas estrelas fazer meu ziriguidum nos meus devaneios quero viajar, sou a mocidade, sou independente vou a qualquer lugar voa a lua e voa o sol e vai a nave ao som do samba caminhando pelo tempo em busca de outros bambas quero ver, no céu minha estrela brilhar e estender meus versos à luz do luar vou fazer todo o universo sambar até os astros irradiam mais fulgor a própria vida de alegria se enfeitou está em festa o espaço sideral viva o universo hoje é carnaval 95 quero ser a pioneira a erguer minha bandeira e plantar minha raiz!” 96 BIBLIOGRAFIA AGRA, Lúcio & COHEN, Renato. Criação em hipertexto: vanguardas e territórios mitológicos in Labirintos do pensamento contemporâneo. Org. Lúcia Leão. Iluminuras. São Paulo 2002 AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro. Companhia das letras. São Paulo 2001 BAITELLO, Norval. 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