PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
O SAMBA-EM-REDE: DA RUA AO CIBERESPAÇO
JOSÉ MAURÍCIO CONRADO MOREIRA DA SILVA
SÃO PAULO
2005
1
RESUMO
A dissertação “O SAMBA-EM-REDE: DA RUA AO CIBERESPAÇO” é uma pesquisa
teórico-prática que realiza uma análise dos processos comunicativos do carnaval,
apontando o surgimento dos desfiles de escola de samba virtuais, um evento
carnavalesco construído na Internet, mas, baseado nos desfiles de rua tradicionais.
Este fato sugere algumas reflexões sobre comunicação, arte e cultura , consistindo
estas no campo de saber que sustenta este trabalho.
A pesquisa tem como ponto de partida o argumento de que corpo e ambiente são
processos
co-evolutivos
estudados
pelas
teorias
evolutivas
da
cultura
(Katz&Greiner,2005). Para entender os significados de um evento carnavalesco na
Internet, o trabalho faz uma proposta interdisciplinar, pois também utiliza conceitos
oriundos das teorias contemporâneas da comunicação ( Sodré, 2002), da semiótica
da cultura (Baitello, 1997), e da história do carnaval (Sebe,1997).
Como parte fundamental do trabalho, a metodologia compreende a construção de
um desfile virtual, fato que engloba as questões estudadas e aponta par o problema
levantado: a Internet e as tecnologias comunicaionais interativas podem ser
consideradas ambientes que propiciam a permanência e a evolução dos processos
comunicativos, onde inevitavelmente corpo e ambiente estão envolvidos?
Discussões contemporâneas como “real X virtual” foram levantadas como metáfora
para a discussão “carnaval X realidade”. A partir daí, o trabalho discute os
processos comunicacionais nas relações entre corpo e espaço, questionando as
possibilidades comunicativas de um desfile carnavalesco em versão multimídia. As
conclusões levantadas se referem à possibilidade de que o carnaval possa também
se contaminar pelas possibilidades interativas da Internet, da mesma forma que
está ocorrendo com jornais, revitas, obras de arte, etc.
PALAVRAS CHAVE: COMUNICAÇÃO;CARNAVAL;CULTURA DIGITAL;CORPO
2
ORGANIZAÇÃO
INTRODUÇÃO
1.1 - Olha a Internet aí, gente!
1.2 - Entrando em outro espaço: construindo outros mapas
1.2.1 - Bússolas
1.3 - Ponto de partida: o carnaval e seus processos de inversão
MAPA I – O CARNAVAL E SUAS ESTRATÉGIAS COMUNICATIVAS DE
SOBREVIVÊNCIA
2.1 – E no princípio
2.2 - Novos estranhos no carnaval: discutindo as críticas
2.2.1 – A cibercultura e seus paradigmas de realidade
2.3 – A virtualidade do jogo
2.4 – Unidos: comunidades e redes dentro e fora da Internet
MAPA II – DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS
3.1 – Terremotos e mudanças nas performances do corpo
3.2 – Conexões entre linguagens
3.3 – Linguagens que “moram na rua”
3.3.1- Grandes sociedades, ranchos, blocos e cordões
3.3.1.2- Teatro de revista
3.3.1.3- Chanchadas
3.3.1.4- Ópera
3.3.1 – Linguagens que “moram em casa”: a televisão
3.3.2 – Imitando um desfile na Internet: outros acordos para o corpo folião em
um novo ambiente
MAPA III – CORPO COMO CARNAVAL: BUSCANDO OUTROS DESFILES
4.1 – Os carnavais do corpo: a operação de imagens
4.1.2 – Operando “mixagens” entre imagem e som
4.2 – Mais uma inversão: andando com as mãos sem “sentir” o chão
4.3 – Ciberbarracão: uma busca das imagens
4. 3. 1 – Hipertexto como carnaval
4.3. 2 – O enredo: A terra é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro
oceano
4.3.3 - A estrutura
4.4 – A inversão é cognição
CONSIDERAÇÕES FINAIS
3
1. OLHA A INTERNET AÍ, GENTE!
“As legendas dos mapas são tão belas que dispensam as viagens”
Adélia Prado – Terra de Santa Cruz
Esta dissertação é um estudo da co-evolução entre corpo e ambiente no
contexto carnavalesco que permeia o início do século XX até os dias atuais. Para
entender o que isto significa esta pesquisa propõe uma experiência comunicacional:
o processo1 de construção de um desfile de escola de samba na Internet, um
espaço diferente da rua onde o carnaval normalmente acontece.
Longe de parecer alguma história de ficção científica, esta idéia não é inédita
e baseia-se em uma brincadeira que “existe de verdade” e acontece neste espaço
desde 2003: uma competição entre escolas de samba construídas exclusivamente
2
para a Web. Para a construção do nosso desfile
foi montado um “Ciberbarracão”,
com a participação dos alunos do curso de Design Digital do Centro Universitário
Ibero-Americano. A questões referentes à experiência estão sendo discutidas no
decorrer da pesquisa, e no final do trabalho há uma explicação do processo de
construção da escola.
Contextualizando-se dentro dos debates que discutem no fim do século XX e
início do século XXI a emergência da chamada Cibercultura, tomamos a existência
destes desfiles virtuais para refletir acerca da relação homem/tecnologia, no que diz
respeito especificamente ao corpo, uma vez que o carnaval sempre foi considerado
a “festa da carne” e como veremos adiante, a proposta de um desfile virtual ainda
causa algum constrangimento.
1
Entende-se por processo uma ação em seu exercício
contínuo
2
Este desfile não faz parte destas brincadeiras. É um
releitura dos mesmos com propósitos acadêmicos.
4
Para esta discussão, nossa hipótese parte de alguns estudos das ciências
cognitivas3, e das teorias evolutivas da cultura e seu argumento de que corpo e
ambiente são processos co-evolutivos que se modificam mutuamente um pela ação
do outro, sendo a cultura um sistema aberto, “... apto a contaminar o corpo e a ser
por ele contaminado e não influenciá-lo ou ser a causa de mudanças visualmente
perceptíveis nele” (Katz&Greiner) 1999:96.
Para experimentar este processo, partimos da utilização de metáforas. “Em
termos cognitivos, a metáfora configura-se como um conceito e pode ajudar a
entender o processo evolutivo da comunicação (...) O conceito metafórico
representa um modo de estruturar parcialmente uma experiência em termos de
outra. A pergunta é: o que faz parte do domínio básico de uma experiência? As
experiências são fruto de nossos corpos (aparato motor e perceptual, capacidades
mentais, fluxo emocional, etc), de nossas interações com nosso ambiente através
das ações de se mover, manipular objetos, comer, e de nossas interações com
outras pessoas dentro da nossa cultura ( em termos sociais, políticos, econômicos e
religiosos )e fora dela. Greiner (2005:131-132). Para entender os processos deste
desfile virtual, partimos então da idéia de que estamos criando metáforas
conceituais: experimentando o desfile de rua em termos de outro espaço, a Internet.
Assim, este desfile virtual auxilia a esboçar algumas evidências:
•
Natureza e cultura são mapas em movimento se organizando no trânsito
corpo/ambiente e as brincadeiras carnavalescas demonstram que o corpo e
suas memórias se propagam pelo ambiente e deste não pode ser separado.
•
O espaço não é uma “coisa”, um mero objeto, mas é algo vivo e dinâmico.
Assim, acordos com cláusulas visíveis e invisíveis são sempre organizados
no trânsito de informações entre natureza e cultura, corpo e ambiente e no
3
Disciplina surgida em meados do século XX com o
objetivo de descobrir e construir uma ciência geral do
funcionamento da mente/cérebro. Ver Jean Pierre Dupuy
em “Nas origens das ciências cognitivas”.
5
caso dos desfiles virtuais estes acordos se referem a como o corpo cria
linguagens e pode se relacionar com o novo ambiente.
•
O próprio corpo é também um mapa em constante processo, desenhado pelo
trânsito de informações entre mente e sistema sensório-motor. Locomover-se
cria uma rede de informações corporais internas em co-relação com as
realidades externas do ambiente. Esta articulação confere ao corpo suas
singularidades. E, no caso do desfile virtual enfatiza que neste ambiente, o
carnaval experimenta outros movimentos corporais diferentes daqueles do
cotidiano.
Tais observações sugerem duas questões: (1) tecnologias comunicacionais,
como o ciberespaço, podem ser entendidas como soluções adaptativas do homem,
na medida em que desdobram a permanência do corpo (re)criando sua rede de
informações no espaço e no tempo. (2) neste sentido, o carnaval no ciberespaço é
uma solução adaptativa do processo evolutivo que não elimina a “festa da carne
tradicional” mas aponta mais uma possibilidade de inversão e recriação das
brincadeiras e suas ações cognitivas.
1.2. ENTRANDO EM OUTRO ESPAÇO: CONSTRUINDO OUTROS MAPAS
Um carnaval no ciberespaço pressupõe a criação de outras cartografias.
“Uma das necessidades básicas da humanidade sempre foi a de representar
visualmente questões que mexem com seus sentimentos profundos e complexos.
Como atestam as pinturas de manadas encontradas em cavernas, desde a préhistória o ser humano registra em traços aquilo que considera importante. A
cartografia, ciência e arte de elaborar mapas, cartas e planos, é uma das mais
antigas manifestações da cultura”. Leão (2002:15)
Mas, é possível mapear o ciberespaço? “Quando se pensa em cartografar o
ciberespaço, o grande desafio parece ser: como representar este vasto e movediço
território que se transforma a cada segundo? Esse desafio tem estimulado muitas
6
pessoas, entre elas cientistas, engenheiros e, como não poderia deixar de ser, os
artistas” Leão (2002:21) Para pensarmos nas possibilidades de cartografar o
ciberespaço consideramos esta fluidez, mas sobretudo que a Internet é também um
ambiente que inaugura outras possibilidades de evolução das informações, mas
que não significa instalar previamente um julgamento de valor do tipo “bom” ou
“mal” para tal evolução, mas sim, outras estratégias para que o corpo possa “se
tecer e tecer outros textos”4.
Como mais uma rede, a Internet é um “habitat” onde sistemas de
informações trabalham com a noção de interatividade, compreendida como
possibilidade de extensão do corpo e seus sentidos no espaço-tempo: podemos
estar em casa e simultaneamente conversando e vendo alguém que esteja em
outro lugar5.
No entanto, sabemos ainda muito pouco sobre outros mapas e futuras
possibilidades deste “novo território”, sobretudo por que “tecemos” sua construção
nestas explorações, ao mesmo tempo em que, nestas investigações, este espaço
vai desdobrando a permanência de conhecimentos já organizados anteriormente.
4
Adotamos aqui o conceito de texto da cultura sublinhando
que se trate da noção de “tecer” a cultura, fato que engloba
não apenas a linguagem verbal, mas também
performances, máquinas, imagens, gestos, palavras,
tecnologias, etc. Tecer a cultura leva em conta o
encadeamento espaço-temporal dos textos, a
impossibilidade de separá-los de sua história. Assim, mitos,
crenças, partidas de futebol, desfiles de escolas de samba,
são todos textos da cultura entrelaçados a outros textos.
Sobre este conceito ver “O animal que parou os relógios”
de Norval Baitello Júnior (1997)
5
Harry Pross, comunicólogo alemão, desenvolveu uma
teoria da mídia que estabelece que o corpo é a mídia
primária da comunicação, é o corpo quem produz cheiros,
sons, imagens como os sonhos. Amplificações do emissor
para o receptor ,livros por exemplo, são mídias
secundárias. Aparatos eletrônicos que amplificam tanto
receptor quanto o emissor no espaço, como televisores,
são mídia terciárias, caso também da Internet.. Ver
Eugênio Menezes (2004). O conceito de corpo como mídia
primária é diferente do conceito de corpo-mídia que
também será utilizado nesta pesquisa. Estas diferenças e
co-relações serão apontadas no decorrer do trabalho.
7
Assim, existem desde obras de arte, agências bancárias, supermercados,
filmes, e toda uma gama de objetos off-line que passam a co-existir com suas
versões on-line. A conexão entre as instâncias “on” e “off-line”6 cria uma rede de
sucessivas realidades que alimentam a nossa “espécie simbólica” como afirma o
antropólogo cognitivo Terrence Deacon (1997). Para este autor, os símbolos além
de serem uma singularidade complexa que marca a identidade do homem em
relação às demais espécies, são também uma espécie de contrato social. Estar
vivo numa sociedade sublinha “assinar” estes contratos. E metaforicamente, o útero
materno é um “portal” que prepara-nos para a vida simbólica. Enfatizando duas
categorias fundamentais, dentre as diversas outras criadas pelo homem no
decorrer de sua história, nascer sublinha as noções de dentro e fora.
A vida de uma célula também enfatiza tais noções. Uma célula tem dobras
que marcam a sua identidade, no entanto, há permeabilidade nestas membranas
que enfatizam a correlação e o continuum entre o dentro e o fora, e
consequentemente as transformações desta célula: componentes de fora e de
dentro da célula são constantemente trocados. Assim, a própria noção de vida
significa a criação de identidades, que pelo jogo incessante entre interior e exterior
experimenta constantes processos de metamorfoses e co-evoluções.7
Assim, do “lado de fora”, a cultura e seus “contratos sociais” são
metaforicamente um continuum do útero. A Internet “gestando” nosso corpo ”brinca”
com as noções de estar dentro e fora. Tanto que já é parte do vocabulário do nosso
cotidiano dizer: “entrar” e “sair” da Internet. A própria tela do computador exibe
“janelas” que vão enfatizando nossa ação de entrar. Um “desfile de momo” na
6
Expressão utilizada por Gisele Beiguelman(2003) em seu
“o livro depois da livro”.
7
Precisamos de informações estáveis para sobrevivermos,
mantermos nossas identidades. Mas também precisamos
passar por instabilidades quando nossas identidades se
transformam. Anotações da aula ministrada por Christine
Greiner no Cos/Puc na disciplina sistemas corporais no
segundo semestre de 2003.
8
Internet significa a entrada do carnaval neste território. O que estamos analisando o
tempo todo são os significados e desdobramentos que podemos encontrar ao entrar
e sair destas “membranas digitais”.
Identidades em constante processo de mudanças, colocam em movimento
nossos olhos, e alertam para o fato de que o padrão de ser um mero espectador do
mundo seja uma falácia. Pela inevitável marcha da reavaliação do conhecimento
que criamos, hoje percebemos muita coisa que antes julgávamos não existir8. Da
mesma forma, percebemos que desde nosso nascimento estamos “conectados” ao
mundo por uma rede de cordões umbilicais que vão literalmente desde aquele que
nos liga ao ambiente biológico do útero, e metaforicamente aos sinais de aparelhos
de comunicação. Neste jogo, estamos todos implicados.
1.2.1 BÚSSOLAS
Para construir estes mapas e discutir este processo é preciso esclarecer que
acordos e pontes são o nosso interesse fundamental.
Esta noção esta expressa na diagramação e desenvolvimento do texto que já
parte da idéia de mapas verbais e imagéticos em acordos contínuos assim como o
movimento das informações pelo espaço da folha entre as notas e ilustrações
ramificadas como pontes para o desdobramento do texto.
Para a reflexão teórica, esta dissertação propõe que outras respostas
possam emergir pela criação de pontes entre o abismo que nós mesmos temos
cavado separando radicalmente razão e emoção, natureza e cultura. E que olhemos
8
“Em 1981 , Heinrich Rohrer e Gerd Bining, do laboratório
de pesquisa da IBM de Zurich, inventaram o microscópio
de escaneamento por tunelamento ( STM, do inglês
Scanning Tunneling Microscope), o qual “olhou” pela
primeira vez a topografia dos átomos, que não podia ser
vista anteriormente ( Binning & Roher 1999). Com essa
invenção a era do imaterial foi verdadeiramente
inaugurada” Vesna & Gimzewsk (2002:281)
9
corpo e ambiente não como instâncias isoladas uma em relação à outra, apêndices
que sinalizam limites estáveis. Como discutiremos no decorrer da pesquisa, corpo e
ambiente, razão e emoção, natureza e cultura, real e virtual são instâncias codependentes.
Foi pensando nestas redes conectivas e na possibilidade de outras
contribuições para a discussão sobre o que é ser um corpo singular e coletivo9,
questão cara dentro do universo das escolas de samba, que nesta dissertação
aparece enfatizada pelos estudos interteóricos. Assim, na busca de orientação
neste território adotamos como “bússola” um procedimento que propicia o
cruzamento de diferentes áreas do conhecimento como possibilidade de obtenção
de outras respostas para nossas questões. A indicação de que o funcionamento dos
processos culturais se assemelha aos modos de funcionamento/sobrevivência da
natureza serão pontualmente sugeridos pela ponte entre conceitos já abordados
pela bibliografia que investiga o carnaval, alguns conceitos pontuais da semiótica da
cultura· e os estudos sobre a cognição. Cada uma destas áreas do conhecimento
possui visões próprias acerca do corpo. Trata-se de mapear possíveis acordos.
Ao trabalhar, então, a relação das escolas de samba e o espaço, o
desenvolvimento desta pesquisa enfatiza a comunicação como complexidade
sistêmica observando para isto os acordos em movimento entre corpo e ambiente
que o carnaval cria em suas alterações.
Assim, discutindo fundamentalmente as metamorfose do corpo e do carnaval,
este trabalho possui duas partes. A primeira, é esta introdução que apresenta o
trabalho seguida por três “mapas” que tentam localizar assuntos pertinentes ao
9
A idéia de um corpo singular é sugerida pelo fato de que
cada indivíduo possui um código DNA (sigla para ácido
desoxirribonucléico) único e que no entanto só
desencadeia suas informações pela interação coletiva entre
este corpo e o ambiente. O projeto Genoma busca a
decodificação da cadeia de DNA concluindo que as infinitas
possibilidades de cruzamento das informações genéticas
podem gerar uma infinidade de singularidades individuais.
10
tema. O primeiro mapa discute o carnaval e as estratégias de comunicação na
sociedade contemporânea. O segundo descreve e relaciona as diferenças e
semelhanças entre o desfile de rua e o desfile virtual apontando que o trânsito entre
as diversas linguagens cria diferenças no corpo folião. E o terceiro, sobre os
significados da imagem para a evolução da cultura e sua relação com o corpo
folião. Neste mapa há o item “Ciber-barracão”. Trata-se da reflexão sobre o
processo de construção de uma escola virtual. Na segunda parte apresentamos o
CD-ROM com o do desfile virtual. Não há uma relação de maior ou menor
importância entre estas partes. Mais uma vez, enfatiza-se a presença de acordos
que vinculam uma à outra.
1.3. UM PONTO DE PARTIDA: O CARNAVAL E SEUS PROCESSOS DE
INVERSÃO
Antes de discutirmos os significados do corpo em relação ao surgimento das
escolas de samba virtuais, é importante ressaltar como ponto de partida uma idéia
importante: o carnaval e seus processos de inversão. Sobre o que venha a ser isto
arriscamos um conceito. O carnaval é ritual10 em processo de “mestiçagem”, uma
performance coletiva que na ação de repetir-se ciclicamente contamina e é
10
“O
ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é
constituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos,
em geral expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm conteúdo e
arranjo
caracterizados
(convencionalidade),
por
esteriotipia
graus
variados
(rigidez),
de
condensação
formalidade
(fusão)
e
redundância (repetição). A ação ritual nos seus traços constitutivos pode
ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) no sentido pelo qual
dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional [como
quando se diz “sim” à pergunta do padre em um casamento]; 2) no sentido
pelo qual os participantes experimentam intensamente uma performance
que utiliza vários meios de comunicação [um exemplo seria nosso
carnaval] e 3), finalmente no sentido de valores sendo inferidos e criados
pelos atores durante a performance [por exemplo, quando identificamos
como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo]”.Mariza Peirano
(2003:11)
11
contaminado pelo “calor das fricções”
11
que faz com sua própria história, as regras
sociais, as mudanças tecnológicas da sociedade e também e outras manifestações
culturais.
Discutiremos adiante, que sob a visão de alguns críticos estas alterações são
temidas, pois podem descaracterizar o carnaval, vindo este a “morrer”, porém “a
morte faz parte da vida”. E, no entanto, o oposto tem acontecido, pois quanto mais o
carnaval se transforma deixando “morrer” alguns de seus aspectos, mais podemos
pensar no significado da morte como possibilidade de movimento12. Nas palavras
do historiador José Carlos Sebe (1997), a morte do carnaval é paradoxalmente o
sentido de “sempre o mesmo, mas sempre o novo.” Aliás, esta afirmação é uma
definição bastante permeável à discussão que será levantada sobre a coexistência
entre o real e o virtual, aspectos enfatizados na comunicação contemporânea mas
que estão presentes na história da humanidade desde cedo.
Sobre os significados do carnaval, há uma vasta bibliografia. A respeito das
discussões mais conhecidas que falam sobre o caráter inversor da festa, o
antropólogo Roberto DaMatta apresenta em seu clássico texto “ Carnavais,
malandros e Heróis”(1979) uma analise do carnaval propondo que o mesmo seja
uma dramatização do cotidiano. Segundo o autor, o carnaval produz uma realidade
que desloca o dia-a-dia de seus significados rotineiros atribuindo-lhe outros
sentidos. Ainda segundo Roberto DaMatta, um dos papéis da festa é o de inverter
11
Como atesta Amálio Pinheiro, (1995:9) “...a mente trabalha os
signos neste continente, mais pela fricção de superabundâncias alógenas(
daquilo que alegoricamente diz o outro) do que pelos mecanismos binários
de inclusão e exclusão.”
12
Sobre esta questão, um argumento interessante é o do
filósofo Vilém Flusser (1972)que publicou no jornal Folha
de São Paulo textos a que chamou de “série
carnavalesca”. Neste conjunto de textos o autor discute o
papel da fantasia, a utilidade da festa, e sua relação com a
sociedade de consumo afirmando que as mudanças do
carnaval são um processo, ao mesmo tempo, estranhos
mas inerentes à natureza carnavalesca.
12
os significados do cotidiano permitindo assim sua elaboração. Esta inversão é
dramatizada pelo processo de criação de metáforas alegóricas da sociedade.
Outro autor importante é o historiador Mikhail Bakthin (1920-1980) que
estudou a cultura na idade média e produziu conceitos sobre os processos de
carnavalização, “expressão que designa o gesto cultural de inverter valores e
entendida como o gesto simbólico de coroação e destronamento do bufão”. Cury
(2003:33). Estudando a obra do escritor francês François Rabelais (1494-1553),
autor de Gargantua e Pantagruel, Bakthin afirma que na idade média, a praça
pública é o espaço onde se misturam sons, cheiros, homens, mulheres e crianças.
Evidencia que o carnaval, ao ocupar este espaço, enfatiza a não linearidade, uma
lógica que pressupõe a presença, em um mesmo local, de inúmeras diversidades.
Nesta praça pública, Bakthin diz então, que o carnaval estabelece uma realidade
invertida que promove um “cenário de loucuras”: o cinismo, o grotesco, a
obscenidade, enfatizado pela natureza galhofeira da paródia13.
Esta idéia é bastante permeável a alguns conceitos da semiótica da cultura.
Segundo o semioticista theco Ivan Bystrina (1925), a superação do caráter
dualista/binário
14
da cultura requer processos de inversão, sendo o carnaval um
destes processos. V. V. Ivanov (1982), outro semioticista da cultura enfatiza a
inversão
carnavalesca15
também
como
solução
homem/mulher, ativo/passivo, entre outras.
13
O autor enfatiza que a Paródia presente no caráter
grotesco de algumas situações, caso do carnaval, deixa “à
vista” aquilo que as roupas escondem. Para o autor,
portanto mostrar as “partes baixas do corpo” é parodiar as
regras cotidianas.
14
Para o autor o caráter binário é um dos mecanismos de
funcionamento da cultura e que esta expresso, por
exemplo, nos pares vida/morte, sagrado/profano,
sonho/realidade, e que precisa ser invertido para que a
cultura se mova.
15
”...a teoria geral do carnaval como uma inversão de
oposições binárias, conceituada por Bakthin, tem sido
apoiada pela investigação etnológica contemporânea
dedicada aos rituais da inversão de posições sociais. Esta
13
de
oposições
binárias:
Identifica-se como denominador comum para estas discussões é o fato de
que o processo carnavalesco se constrói pela utilização de diversos meios:
alegorias, comportamentos que pervertem os papéis sociais, música especifica,
brincadeiras que reconhecem e delimitam um tempo e um espaço da festa, e
fantasias que diferenciam o período do carnaval em relação às roupas cotidianas.
O carnaval percorre diferentes espaços, ruas, bairros, cidades, sendo
fundamentalmente uma brincadeira que enfatiza a paródia. Mas parodiar o quê?
Arriscamos afirmar que seja uma paródia da morte do corpo: o gozo que prenuncia
a morte do corpo. A criação de uma rede de sentidos entre a vida e a morte, pois se
corpo e ambiente são instâncias co-relacionadas, a morte e a vida de um ambiente
também anunciam alterações no corpo.
Este corpo “folião” desde as festas agrárias do antigo Egito está associado à
existência de deuses16. Esta questão vai se aprofundar na Idade Média quando a
igreja cristã opõe radicalmente sagrado e profano. É interessante perceber que a
alma é conceituada sempre em oposição ao corpo. No carnaval não podem se
misturar, uma vez que a visão cristã o carnaval seria um espaço de loucuras onde
prevalecem os ‘desejos da carne” em oposição a outros espaços onde seria
cultivada a imortalidade da alma.
Nesta rápida análise, podemos perceber que para o senso comum e muitos
autores que já abordaram o tema, a festa é uma paródia subversiva que mantém
viva nossa necessidade de transgredir a regra, burlar os interditos da cultura,
revendo seus “acordos e clausulas contratuais”. Um espaço para dar vida ao que o
cotidiano censura e reprime: a “loucura”.
investigação tem estabelecido determinadas características
básicas dos rituais cíclicos dos quais participam a
coletividade...
16
No Egito antigo um escravo era escolhido para fazer o
papel do deus Osíris e assim viver prazeres desmedidos
por um determinado tempo. Sebe (1997)
14
No entanto, como todo sistema complexo, o carnaval tem regras próprias em
conexão ao seu exterior. Pois como veremos, o carnaval está repleto de criticas
internas proferidas pelos “tradicionalistas” que acusam o carnaval de estar
descaracterizando-se. Então, não seriam tais críticas um desdobramento da mesma
família de censuras e regras do cotidiano? Uma continuidade do pensamento que
vê as transformações como algo que necessariamente signifique a morte do já
existente?
E da mesma forma que o carnaval não se isola do cotidiano, este não se isola do
carnaval. Inúmeras realidades da cultura que não fazem necessariamente parte do
espaço da festa podem ser lidas como um processo similar ao carnaval: subvertem
a organização oficial. Diversos comportamentos tentam “subverter” a ordem vigente.
Por exemplo, os Hackers17 e suas pixações eletrônicas podem ser metaforizados
como personagens dos territórios carnavalescos: o malandro.
17
contraventor que subverte e altera a ordem do
ciberespaço “entrando” em contas de banco, arquivos
secretos e alterando seus dados.
15
MAPA I – O CARNAVAL E SUAS ESTRATÉGIAS COMUNICATIVAS DE
SOBREVIVÊNCIA
Este primeiro mapa apontando que o virtual não significa inexistente discutirá que o
estranhamento, o jogo, e que a formação de coletividades são estratégias de
sobrevivência da comunicação. Assim apontará as principais críticas que cercam o
carnaval, como a perda da participação popular e do caráter de brincadeira da festa,
sugerindo que a Internet não significa acentuar tais perdas.
16
2. E NO PRINCIPIO...
“A realidade é aquilo que insiste”
Umberto Eco
E no principio do século XXI era a escola de samba virtual. Existem escolas
de samba que acontecem em um espaço do dia-a-dia : a Internet
18
. Em 2003 é
fundada a LIESV, ou Liga das escolas de samba virtuais, uma entidade com
endereço na WWW19. Diversas regiões do país como Pernambuco, Paraíba, São
Paulo, dentre outras possuem participantes desta comunidade. Miguel Paul, um dos
responsáveis pela idéia , explica no site da Liesv sobre a ignição do processo:
“Março de 2003, acabou o carnaval, e agora? Fiz essa pergunta a mim algumas
vezes, até que um dia me veio uma luz. Pensei muito nas pessoas que não moram
no Rio e que por isso não tem muito acesso às escolas. Por que não criar um
carnaval pela Internet? Assim todos podem participar, mas como fazer isso? As
idéias foram surgindo e divulgadas. Não faltaram críticas e elogios, e as escolas
começaram a se inscrever, esse foi o primeiro sinal de que o projeto daria certo.
Passadas as disputas de samba (bem interessantes) chegou o carnaval virtual, o
carnaval do sacrifício, que apesar de todos os problemas, dificuldades e brigas, deu
certo e fez sucesso. Hoje o principal objetivo é revelar novos talentos e que mais
pessoas do meio carnavalesco saibam sobre a existência de nosso carnaval virtual,
um projeto levado muito a sério, mas que apesar disso, não deixa de ser uma
brincadeira”.
Em outra parte, Arthur Macedo, um dos responsáveis pelo site, apresenta
uma descrição de como acontecem os desfiles:
18
Em uma ação de “arqueologia virtual” descobri a
existência destas escolas virtuais em um site chamado
“Galeria do samba”. O espaço aberto deste site é um fórum
que discute o carnaval carioca. Neste Fórum estão muitas
das criticas mencionadas por Miguel Paul, principalmente
aquelas que atribuem a falta de realidade ao desfile virtual.
19
Worl Wide Web, ou “teia de alcance mundial”.
17
...Ao ter a brilhante idéia de transformar o monitor em avenida, o presidente
da LIESV Miguel Paul, definiu, também, as diretrizes básicas do Carnaval
Virtual. A liga administra as, atualmente, 14 agremiações filiadas. As
escolas funcionam de forma bastante parecidas com agremiações reais,
presentes no carnaval "apaixonantemente" milenar. Possuem presidente,
diretorias, carnavalescos, figurinistas, intérpretes e colaboradores.
A escola virtual escolhe sua equipe e define o enredo para o próximo
carnaval. Depois de ter comunicado a liga, a escola começa a preparação
oficial. Ao sair a sinopse, a escola inicia a sua disputa de samba enredo.
Enquanto as "quadras" virtuais se agitam nas disputas, que ocorrem em
chats, rádios virtuais e sites, a preparação plástica toma corpo. Todos os
setores da escola estão agitados!
Ao definir o samba oficial da escola, depois das disputas, esse é entregue
para a liga para oficializar e proporcionar a gravação oficial. E começa mais
forte a preparação dos desenhos das fantasias e alegorias. Os enredistas e
figurinistas colocam forma no enredo. Está chegando a hora do desfile
virtual.
E o desfile? Com todos os desenhos prontos, samba definido e gravado ao
vivo, a escola está com as atividades finalizadas e prontas para o desfile. O
desfile
acontece
num
site,
para
a
parte
visual,
e
na
rádio
NetSamba(parceira da LIESV), para o samba e a narração oficial. No site,
se vê a disposição dos carros, tripés, alas, armados numa passarela virtual.
Enquanto isso, na rádio, o samba ao vivo toca, enquanto a narração vai
destrinchando os setores da escola. Ao término do tempo permitido, a
escola atinge a linha final e se despede do carnaval “
Demonstrando as possibilidades de continuação da memória de uma sociedade, e
que, sobretudo o corpo e a tecnologia têm um papel fundamental nesta questão, já
18
que são responsáveis por “guardar” tais memórias20, este evento nos chama
atenção para o fato de que deslocar corpo e carnaval de seus ambientes
tradicionais criando outros mapas para sua existência, pode significar um principio
para a permanência tanto do corpo, quanto do carnaval.
O próprio Brasil não é o “estado inicial”
21
dos festejos carnavalescos. O
papel criativo do tempo nos deixou mais de 4000 anos de história do carnaval,
mostrando que “a festa da carne” não se resume ao nosso país e nem aos desfiles
das escolas de samba, seguindo seu processo no tempo.22
20
Lúcia Santaella (2002) discute que a invenção da escrita,
uma das mais importantes tecnologias criadas pelo
homem, significou uma alteração nas memórias do corpo:
‘È curioso observar que cada uma das extrojeções do
intelecto e dos sentidos humanos via de regra
correspondeu à extrasomatização de uma certa habilidade
da mente. Qualquer extrasomatização sempre significou
uma perda a nível do indivíduo, perda individual que é
imediatamente compensada pelo ganho a nível da espécie.
Assim foi, por exemplo, com a invenção da escrita, que
significou uma perda da memória individual, mas ao
mesmo tempo, funcionou como uma extensão da memória
da espécie. Sem a escrita, a memória correria sempre o
risco de se perder com a morte do indivíduo. Como bem
prognosticaram os antigos, a escrita, de fato, nos leva à
negligência da memória individual, mas é capaz de guardar
indefinidamente a memória da espécie.
21
Já se aproveitando da idéia de que estes desfiles virtuais sugerem um começo como possibilidade
do carnaval desenvolver-se como linguagem em outros meios de comunicação, ressaltamos que a
idéia de início desenvolvida nesta pesquisa incorpora alguns entendimentos sobre o tempo
formulados pelo químico Ilya Prigogine (1996). Para o físico Albert Einstein passado, presente e
futuro já estão construídos. Diferentemente, Ilya Prigogine sugere que o tempo seja um processo
irreversível, e também uma flecha em plena construção que tem um “papel criativo”, no sentido que o
tempo “gesta” processos evolutivos. Assim, para o autor não haveria um estado “zero”, pois todo
principio pressupõe a existência e a conexão de estados anteriores de forma enredada.
22
No ano 4000 a.C. iniciam-se as festas agrárias dos
povos primitivos no Egito antigo. O mundo greco-romano
vai dar continuidade aos festejos agrícolas de fertilidade.
Hoje há uma enorme variedade de formas referentes ao
carnaval:: os trios elétricos, o frevo, os bailes de máscara
europeus. Sobre isto ver a “cronologia do carnaval
brasileiro” presente no “livro de ouro do carnaval brasileiro”
(2005) de Felipe Ferreira e “Carnaval, carnavais” (1997) de
José Carlos Sebe
19
A festa é constantemente associada à coexistência entre brincadeiras que
ocupam a margem e outras que ocupam o centro. Há em um mesmo espaço
diversos carnavais em jogo entrem a oficialidade e a não-oficialidade. Os bailes
burgueses do século XIX ocupavam o “centro”, mas coexistiam com a margem,
caso do entrudo23. No Rio de Janeiro atual, há o glamour dos desfiles cariocas, que
nem sempre foram oficiais, coexistindo com os blocos de rua que ocupam pouco
espaço na mídia. O jogo entre ser oficial ou não, é uma estratégia na comunicação
do carnaval.
Assim, toda a história dos ritos carnavalescos é uma rede espaço-temporal 24
que incorpora, além do “gênero”25 escolas de samba, toda uma gama de
manifestações transitando entre as categorias “oficial” e “não-oficial”. Esta questão
pode ser associada aos desfiles virtuais. Mostrando que a diversidade de
estratégias não sacrifica a história, a Internet não determina o fim do carnaval de
rua, o ambiente de origem dos festejos. E nem o apagamento da história do
carnaval ou desprezo à história do corpo nesta festa. Não há comando algum que
faça “reiniciar” a história do corpo e nem do carnaval.
Os desfiles de escola de samba já existem há bastante tempo. A primeira
escola de samba “de rua”26 foi fundada em 1928 por Ismael Silva, sendo batizada
23
O Entrudo é uma brincadeira popular de origem européia
que consistia numa “batalha” com a “munição” feita de
líquidos e farinhas. Considerado violento, foi proibido
diversas vezes na história do carnaval brasileiro.
24
O espaço-tempo é um conceito da física
contemporânea. Estabelece a impossibilidade de
separação destas duas instâncias. Emprestamos aqui seu
sentido para demonstrar as relações histórico-geográficas
do carnaval..
25
Para Mikhail Bakthin “...gênero é uma força aglutinadora
e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um
certo modo de organizar idéias, meios e recursos
expressivos, suficientemente estratificado numa cultura, de
modo a prover a comunicabilidade dos produtos e a
continuidade dessa forma junto às comunidades futuras”
Machado (2003:68)
26
Utilizaremos a expressão “de rua” para designar as
escolas de samba que se apresentam na avenida, evitando
20
por “Deixa Falar”. Brincou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, mas teve vida
efêmera, vindo a se extinguir pouco tempo após sua fundação. Seguindo seu
nascimento, hoje há inúmeras agremiações: Mangueira, Salgueiro, Mocidade
Independente de Padre Miguel, e inclusive escolas de samba em outras cidades do
país, caso de Porto Alegre, São Paulo e diversas outras cidades menores. Até em
outros países há imitações de escolas de samba, como é o caso da “Paraíso School
of Samba” fundada por brasileiros residentes em Londres27.
A Liesv não é a única entrada do carnaval na Internet. Felipe Ferreira (2005)
pesquisando a história e a geografia do carnaval brasileiro, indaga em seu “ livro de
ouro do carnaval brasileiro”, entre outras coisas, a respeito da pergunta “a Internet
dá samba?”. Conclui que o surgimento, em 1998, da primeira lista de discussão
sobre o carnaval carioca marca a entrada da festa nas “ondas do ciberespaço”, e
que o processo evolutivo seria inevitável, uma vez que as novas tecnologias mais
cedo ou mais tarde serão incorporadas como linguagem pelo carnaval.28.
Pensar que o desfile/carnaval adentra outros espaços, replicando-se em
diversos ambientes, e, sobretudo imaginar a criação de um desfile na Internet,
reforça a idéia de que o carnaval seja uma informação buscando formas de
permanência, estratégias similares àquelas que um organismo busca para
sobreviver29.
assim fortalecer o preconceito ‘real x virtual’ que esta sendo
discutido no decorrer do trabalho.
27
Informações podem ser vistas pelo site
http://www.paraisosamba.co.uk/ (disponível em agosto de
2004)
28
Este livro foi lançado durante a finalização desta
pesquisa. No entanto foi uma agradável surpresa perceber
que outros pesquisadores estejam indagando sobre as
possibilidades da Internet “incorporar” o carnaval de
alguma forma.
29
Esta idéia de que a cultura se replica pelos pressupostos biológicos foi desenvolvida por Richard
Dawkins(1978), através dos chamados “memes”. Estes são informações mínimas da cultura que
buscam a permanência e são selecionados de forma análoga ao gene.
21
2.1. NOVOS ESTRANHOS NO CARNAVAL: DISCUTINDO AS CRÍTICAS
Com o desfile virtual não seria diferente. Como um “corpo estranho” que
entra em nosso organismo passando, não pela “defesa” mas sim pelo
reconhecimento do outro30, a Liesv e seus desfiles virtuais começam a emergir
como linguagem e a entrar nas veias do fluxo da vida social. A idéia de “primeiro
contato” pressupõe o surgimento de estranhamento e instabilidade, uma vez que
trata-se de reconhecer no tempo o processo e as possibilidades de estabilização
desta “nova” informação se relacionando com as informações já existentes. Tais
desfiles virtuais começam a surgir possibilitando testar como estas novas
informações podem ser “oficializadas” pelo corpo e pela sociedade. Ou não. Pois
se este modo singular de brincar o carnaval se tornará uma informação
“resistente”, algo incorporado à vida social, só o tempo nos dirá.
Contudo, uma vez que instabilidades promovem comunicação e movimento,
vemos na emergência destes desfiles, e em suas possibilidades de estranhamento
31
, uma série de questões sobre o significado do corpo e do carnaval. Este último,
30 Francisco Varela e Humberto Maturana(1997) explicam que
o sistema imunológico age por reconhecimento e usufrui de
capacidade de memória. Esta concepção desconstrói a metáfora
de que o sistema imunológico seja um exército. Ao contrário, este
sistema estabelece relações cognitivas com corpos estranhos que
adentram nosso organismo selecionando-os em acordo com a
existência ou não de risco para a permanência do organismo.
31
Há várias teorias que desenvolvem a noção de
estranhamento como possibilidade de comunicação. Em “A
estratégia dos signos”, Lucrécia D’alessio Ferrara conceitua
que a Pop-Art se utilizava de ícones reconhecidos no
cotidiano da sociedade, mas que se tornavam “estranhos” à
medida em que eram deslocados de seus espaços no
cotidiano. A relação entre reconhecer algo familiar e ao
mesmo tempo estranhá-lo vai surgir em diversos outros
contextos, pois esta mesma noção é interessante para
pensarmos sobre o estranhamento/familiaridade que um
desfile pode causar ao ser concebido para a Internet.
22
em sua natureza assegurada até mesmo etmologicamente32, é considerado uma
“festa da carne”. As principais criticas que surgiram “estranhando” este evento
são:
1 - Um desfile na Internet é necessariamente, a “morte do verdadeiro
carnaval”. Significa acentuar a perda da memória e da identidade cultural
afro-brasileira com a entrada de pessoas “que não fazem parte“ do mundo
do samba33;
2 - Este evento é apenas uma “brincadeira supérflua”, “inútil”, um “carnaval
falso”, algo “não instituído”, uma vez que convencionou-se atribuir graus de
valor à cultura: aquilo que é aceito tem visibilidade. Mas, como veremos
adiante, o carnaval se encarrega justamente de dar visibilidade ao invisível;
3 - A terceira principal crítica é a freqüente pergunta: como podemos dançar,
pular , e principalmente, sentir a “materialidade” do carnaval, ou seja do
corpo, pela Internet?
Roberto Damatta (1979) sugere que o carnaval “não tem dono”. Daí, que em
relação à “entrada” de pessoas que não seriam parte do carnaval podemos
simplesmente trazer novamente a questão: de quem é o carnaval?
Sobre a “utilidade” da festa, Vilém Flusser em sua série carnavalesca (1972)
analisa a utilidade do carnaval propondo que o ato gratuito e fortuito esteja
correlacionado à sacralidade. Deuses são sacralizados gratuitamente. Daí, conferir
32
São vários os sentidos atribuídos à palavra carnaval:
“festa da carne”, “ausência da carne”, ‘carro naval”. Este
último se refer aos carros em forma de nave que
distribuíam vinho na Roma antiga. Sobre os significados da
palavra, ver “Carnaval, carnavais” (1997) de José Carlos
Sebe
33
Para diferenciar o “sambista” existe a expressão
“sambeiro” que refere-se ao “branco” da zona sul do Rio de
Janeiro, que não sendo parte oficial das comunidades do
samba se desloca para estas buscando ser incorporado.
Ver Joãozinho Trinta(1985)
23
utilidade às coisas seria desacralizá-las. Assim, atribuir algum sentido de utilidade à
festa carnavalesca seria retirá-la de seu contexto “sagrado”. A “utilidade” do
carnaval é, portanto, ser “inútil”. O autor inclusive critica o excessivo caráter de
“feriado” dado ao carnaval. O carnaval é um trabalho e não a idéia de descanso,
feriado. Mas, paradoxalmente, um trabalho “inútil”.
A “última” critica conecta-se a aspectos da comunicação na sociedade
contemporânea e suas recentes transformações. Trata-se de um interessante
momento para discutirmos se o carnaval é “realidade ou ilusão”. A comunicação via
Internet é categorizada pelo senso comum como a inexistência do corpo, já que,
supostamente, o “virtual substitui o corpo real34 . Mas, fica a inevitável questão: O
que é o “real”? Somente aquilo que vemos, tocamos? O que seria um corpo real?
Um corpo “puro”, isolado de engrenagens inorgânicas, artificiais?
O adjetivo virtual empregado aos usos da Internet relaciona-se à preocupação com
a “existência verdadeira” dos objetos que vivem no ciberespaço. Mas virtual não
significa inexistência. “No senso comum, virtual é simplesmente falta de existência.
O real em si, como se sabe, é inexistente: o que há mesmo são efeitos de
objetividade, a que costumamos chamar de ‘realidade’. Cabe sempre à consciência
humana, na verdade, determinar o grau de realidade das coisas, inclusive de algo
inicialmente qualificado como virtual ” (Sodré ;2002:123)
Em acordo com tal afirmação, o pensamento de Pierre Levy (1999) sugere que
este virtual exista como ponte para outros níveis de realidade. O atual seria apenas
um destes níveis. Assim, o virtual é aquilo que ainda não foi atualizado35, sendo um
34
Nas conversas pela Internet podemos mascarar nosso corpo.
“mentir” sobre nossa aparência física. Talvez venha daqui a idéia
de “irrealidade”. No mapa III refletiremos de forma mais
aprofunda sobre a questão do corpo em relação à imagem.
35
“Já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual.
Contrariamente ao possível, estático e já constituído o
virtual é como o complexo problemático de forças que
acompanham uma situação, um acontecimento, um objeto
qualquer ou uma entidade qualquer, e que chama um
processo de resolução: a atualização” (1999:27)
24
devir, um vir-a-ser longe de ser previsível ou determinado. Para o autor o virtual
existe à medida em que se realiza como os inúmeros efeitos que possibilita na
construção permanente do fluxo da realidade. E aquilo que é possível é muito mais
rico do que aquilo que já está determinado.
Acaso é uma palavra chave para compreender o sentido de virtual, assim como é
fundamental para a sobrevivência da comunicação. O acesso de um endereço
qualquer da Internet cria devires36: vivemos ao acaso na riqueza das infinitas
possibilidades de cruzamento de links37e a atualização das páginas sujeitas ao
fluxo. Nossa navegação faz valer o adjetivo “virtual” como um vir-a-ser
indeterminado que não se opõe ao real.
Mas o senso comum aposta numa separação radical: virtual como substância
inorgânica, intangível versus real como matéria orgânica, palpável. Esta formulação
parece familiar ao dualismo cartesiano
38
e sua separação entre corpo e alma. A
persistência de inúmeras variações deste dualismo, encontradas por exemplo na
36
Para o filósofo Gilles Deleuze e para Félix Guatari (1997),
um Devir é o movimento das coisas e do mundo, a
passagem contínua de algo a outro estado. Deleuze utiliza
metáforas geográficas para evidenciar suas idéias: um
devir é cheio de planos, segmentos, linhas, mapas,
territórios. Deleuze utiliza ainda a idéia de Rizoma, raízes
que se interligam sem um ponto de convergência. O
conceito de devir nasce como uma “linha de fuga”, a
necessidade de se pensar o mundo como uma rede de
agenciamentos coletivos do desejo, e não mais como
estrutura centralizador e binária.
37
Link se refere à conexão entre páginas na Internet. Esta
palavra tornou-se um metáfora que significa
relacionar/amarrar idéias diferentes.
38
René Descartes ( 1596-1650) formulou a idéia de que a
Res cogitans ( a alma) esta separada da Res extensa ( a
matéria). “Para Descartes, o você real não é seu corpo
material, mas sim uma substância pensante e não-espacial,
uma unidade individual da coisa-mente, totalmente distinta
de seu corpo material “ P. Churchland (2004:27)
25
questão real versus virtual demonstra que parece haver a insistência de um “sujeito
cartesiano que continua incomodando” como ironiza o filósofo Slavov Zizek39.
A questão das divisões dualistas é tão forte que a ciência clássica ,
contaminada por este tipo de pensamento, estabeleceu de tal forma as dicotomias
que não temos palavras para designar as não dicotomias. O par ordem/desordem,
um conceito fundamental para entendermos a comunicação, não possui uma
palavra que consiga designar estas duas coisas ao mesmo tempo40. E, como
veremos no mapa II, perceber o jogo entre ordem e desordem é algo fundamental
para a sobrevivência do corpo e suas linguagens.
Mas, além da visão dicotômica da Internet, outras críticas concernentes ao
seu uso nas relações sociais baseiam-se no tradicional “medo da substituição” que
enxerga a novo como o “anúncio do fim”. Quando o cinema surgiu, previsões
apocalípticas sugeriram que o teatro estaria acabado. Quando a televisão surgiu,
previu-se o fim do cinema. No entanto, todas as linguagens co-existem e estão se
“mixando” e dando origem a novos meios e modos de comunicação, caso da
própria Internet. No entanto, estes inevitáveis estranhamentos ao novo são uma
parte fundamental do processo uma vez que demonstram a capacidade da vida
social reagir e poder se entrelaçar dando significados a si própria.
39
Filósofo esloveno. Conceitua (1998) que este dualismo
insiste por que significa a estabilidade dentro da
instabilidade a que estamos sujeitos. Enquanto não
encontrarmos estabilidade em outros processos de
organização, vamos continuar nos agarrando a esta forma
cartesiana de categorização. E por isto que mesmo
negando este “sujeito”, ele continua “insistindo”.
40
Anotações da aula “Sistemas Intersemióticos” ministrada
por Amálio Pinheiro e Cecília Almeida no primeiro semestre
de 2003 no Cos/Puc
26
2.1.1. A CIBERCULTURA E SEUS PARADIGMAS DE REALIDADE
Interações entre o que parece “real”, ou não, acontecem independentemente
do surgimento da Internet. Desde cedo, o homem inventa formas de narrativizar41
sua existência criando outras realidades que se conectam à vida “real”. Literatura,
cinema, artes plásticas, festas pagãs, entre outros, são diversas destas categorias,
espécie de paradigmas do “faz de conta”. Livros, pinturas, filmes, enredos de
escolas de samba são “habitantes” deste território e que sobretudo organizam
formas de linguagem e ajudam a elaborar as dúvidas e as incertezas que nos
cercam sobre nossas origens e nossos destinos, criando constantemente crenças,
que no entanto podem se desconstruir.42
Muitas dúvidas se referem à relação do homem com a tecnologia. Diversas
elaborações surgiram: George Orwell(1984),
Aldous Huxley( Admirável Mundo
Novo) , Mary Shelley (Frankstein), Isaac Asimov ( Eu, robô), o filme 2001- Uma
odisséia no espaço, o outro recente filme Matrix, dos irmãos Wachowisk, dentre
tantos outros , são tecidos narrativos que falam a respeito da ansiedade humana de
hoje em lidar com seu futuro, com o indeterminado.
De um destes “tecidos
ficcionais” nasce uma expressão muito comum do nosso cotidiano atual:
Ciberespaço, palavra que aparece pela primeira vez em Neuromancer (1984), livro
de William Gibson.
41
“Narrativizar significou e significa para o homem atribuir
nexos e sentidos, transformando os fatos captados por sua
percepção em símbolos mais ou menos complexos, vale
dizer, em encadeamentos, correntes, associações de
alguns ou de muitos elos sígnicos.” Baitello (1997:37)
42
Lucrécia D’aléssio Ferrara (2001:66) conceitua que “a
dúvida é um estado desagradável e incômodo contra o qual
lutamos; esse esforço é orientado pela investigação, que
nos permite superar a crise em que a dúvida nos projeta.
Nossas ações são orientadas por hábitos que decorrem
das crenças, porém esta regularidade está constantemente
operando com dúvidas, que prejudicam o equilíbrio
característico da crença; portanto o binômio dúvida/crise
tem como antônimo um outro binômio, crença/hábito.”
27
Na “vida real” o ciberespaço é uma invenção anterior ao livro de W. Gibson.
Inclusive, a idéia de um espaço virtual, um “lugar” que seja a fusão de diferentes
espaços esteve presente na história da humanidade desde cedo. A historiadora
Margareth Wertein (2003) conceitua que a idéia de sobreposição de espaços e
rompimento da linearidade visual já estava presente nas artes visuais do barroco. O
próprio teto da capela Sistina, palco da narrativa criada por Michelangelo é uma
obra que coloca em um mesmo espaço diferentes hierarquias. Steven Jonhson
(1999:34) afirma que o poeta grego Simônides ( século VI, A/C) inventou um
“palácio da memória”. Este baseava-se no fato de que nossa memória visual é mais
duradoura que a memória textual. A estratégia deste “palácio da memória” como
possibilidade
retórica
consistia
em
imaginar
histórias
como
edificações
arquitetônicas aplicando este potencial à mnemônica espacial. Jonhson (35) explica
ainda que foi Doug Engelbart
que concretizou a idéia “real” de um espaço-
informação. Em 1968 D. Engelbart apresentou sua invenção em uma conferência
na cidade de São Francisco, movendo-se com um mouse43 pela tela: “ Pela primeira
vez, uma máquina era imaginada não como um apêndice aos nossos corpos, mas
como um ambiente, um espaço a ser explorado. Podíamos nos projetar neste
mundo, perder o rumo, tropeçar em coisas. Parecia mais uma paisagem do que
uma máquina, uma ‘cidade de bits’, como William Mitchell44, do Massachuts Institute
of Technology, a chamou em seu livro de 1995. Desde que os artesãos do
renascimento haviam atinado com a matemática da perspectiva pictórica, nunca a
tecnologia havia transformado a imaginação espacial de maneira tão formidável. A
maior parte do vocabulário ‘Hight Tech’ de hoje deriva dessa arrancada inicial:
ciberespaço, surfar, navegar, rede, desktops, janelas, arrastar, soltar, apontar
eclicar. O jargão começa e termina com o espaço-informação. E passaram-se
apenas algumas décadas desde a demonstração original de Engelbart. Podemos
imaginar o quanto a metáfora terá viajado a té o fim do próximo século.
43
Artefato móvel que conduz o movimento do cursor na tela do
computador. O cursor é um ponto que serve de localização
44
Pesquisador do ciberespaço
28
A herança deixada pela perspectiva linear45, a idéia de um sujeito espectador
que passa a ser a “medida do espaço” e que apenas observa a natureza parece
mesmo não fazer mais sentido algum com o surgimento deste espaço-informação.
A perspectiva renascentista é uma constituição do olhar que esta presente em
nossa história há 500 anos. Estamos condicionados a “enquadrar” o mundo, como
evidenciava em 1435 a idéia de Leon Battista Alberti : “a pintura é uma janela para o
mundo”. No entanto, a interatividade , assim como outras discussões na área da
física
46
passa a significar o não isolamento , a necessidade permanente de
conexão entre usuário e ciberespaço, ajudando na desconstrução do paradigma de
que o homem seja a “medida das coisas” e esteja separado do mundo, apenas
observando-o.
No entanto, não estamos entendendo a Internet como um espaço onde
literalmente possamos entrar. Parece óbvio mas é preciso ressaltar que nenhum
corpo é transformado em bytes e colocado literalmente dentro da Internet47. Assim
45
Tecnologia matemática desenvolvida no Renascimento.
Pesquisadores como Arlindo Machado (1982) comentam
sobre o fato da perspectiva renascentista estar ligada à
visão antropocêntrica do universo, o que significa para a
história da cultura, o fato do homem estar “observando” o
mundo, conseguindo “enquadrá-lo”. Jorge Lúcio de
Campos no livro “Do Simbólico ao virtual”( 1990) estuda,
entre outras coisas, o pensamento do historiador Erwin
Panofsky, comentando que este autor dedica boa parte de
seus estudos para a pluralidade da perspectiva como
técnica e sua utilização anterior ao Renascentismo, com
outras sentidos, diferentes dos significados desenvolvidos
em relação à perspectiva neste período, como a separação
objeto/observador.
46
Como explica Katz (1998)“...a ciência clássica entende a
descrição científica como a produzida por um observador
independente das coações físicas , um ser que contempla
o mundo físico do ‘exterior’. Esta posição é criticada pela
ciência contemporânea.
47
Margareth Wertein(2003) elabora uma interessante idéia
ao conceituar que a noção do “paraíso celestial” se conecta
ao surgimento da Internet e sua suposta “nãomaterialidade”. A visão de que o corpo se desmaterializaria
entrando no paraíso, é comparada pela autora à idéia
frequente no senso comum de que o corpo poderia se
29
como a pintura , a Internet é um desdobramento simbólico e principalmente
metafórico do espaço. Porém, como veremos no mapa III, entrar simbolicamente
neste espaço é uma ação que envolve a complexidade das metáforas e do aparato
sensório-motor para além da questão dos movimentos dos olhos.
Como identidade desta tecnologia, a conexão entre indivíduo e ciberespaço
marca o surgimento de outro paradigma da comunicação caracterizado pela
interatividade e horizontalidade e que passa a co-existir com o padrão de
comunicação centrado, vertical e unidirecional. O ciberespaço é um espaço
marcado pelo nomadismo, um território de imersão e simulação, sem hierarquias
fixas, mas sim com hierarquias em fluxo. Um “...novo meio de comunicação que
surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a
infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informações que ele abriga, assim como os seres humanos que navegam e
alimentam esse universo” (Levy:1999;17).
Relacionando-se intimamente à globalização e à pós-modernidade48, o
ciberespaço conecta-se ao contexto da cibercultura. “O neologismo Cibercultura,
especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas., de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente
com o crescimento do ciberespaço.” (Levy:1999;17).
Em sua emergência, a Cibercultura tem feito surgir uma espécie de
polarização entre “apocalípticos e integrados”, como argumenta Umberto Eco ao
comentar os dois principais posicionamentos críticos assumidos pela sociedade
sobre a questão da Internet. Os primeiros, partindo da teoria Marxista, vêem a
Internet
como o aprofundamento da “barbárie social” em que vivemos:
desigualdade socio-econômica, concentração de poder financeiro nas mãos de
desmaterializar sendo transformado em bytes e assim
“entrar” na Internet.
48
Os processos de transnacionalização dos conceitos do
sistema produtivo capitalista e do conceito de
individualidade
30
poucos, reforço aos centros de potência científica e militar. Os segundos numa
“reencarnação” da razão Iluminista vêem o uso da Internet como possibilidade de
concretização da tão sonhada “civilização”.
No entanto, para enxergarmos a complexidade da questão é preciso superar
esta polarização. A questão não é se concentrar em um ou outro pólo, mas sim
incorporar o fato de que tais questões não estão separadas. E sobretudo perceber
que o “real” é algo bem mais complexo e indefinido do que a estabilidade de
conceitos como
“bem e mal”. Há diversos problemas que dizem respeito a
organizar coletividades e respeito às individualidades, e esta questão, sendo algo
que está além de uma lógica binária pode apresentar possibilidades de solução se
for levada em conta sua complexa estrutura de rede.
Sobre problemas da relação corpo/tecnologia há questões fundamentais e
que exigem atenção. O pesquisador canadense Marshall McLuhan (2001),
conhecido por seu conceito de que “O meio é a mensagem”, desenvolveu a teoria
de que o corpo se estende no espaço por aparatos tecnológicos49. Releituras e
observações desta teoria sugerem a existência de uma “hipertrofia” condicionada50
49
Marshal Mcluhan aponta em seu livro “Understanding
Media” publicado em 1964 que toda e qualquer
ferramenta que possa estender o corpo, como um garfo ou
uma faca, seriam respectivamente, as ampliações das
mãos e dos dentes.
50
É interessante perceber que a palavra condicionar
constrói outro significado nesta sentença, um sentido
diferente caso usássemos a palavra “determinar”. Pierre
Levy ao contextualizar o papel da técnica argumenta sobre
isto: “Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e
uma sociedade encontra-se condicionada por suas
técnicas. E digo condicionada, não determinada. Essa
diferença é fundamental. A invenção do estribo permitiu o
desenvolvimento de uma nova forma de cavalaria pesada,
a partir da qual foram construídos o imaginário da cavalaria
e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No
entanto, o estribo enquanto dispositivo material, não é a
‘causa’ do feudalismo europeu. Não há uma ‘causa’
identificável para um estado de fato social ou cultural, mas
sim um conjunto infinitamente complexo e parcialmente
31
pela atenção exagerada nestas extensões tecnológicas. Argumentam que o uso
demasiado de alguma parte de nosso corpo pelo esquecimento/negação de outras
seja uma característica patológica. Como um sintoma da mesma natureza, há em
nossa sociedade uma saturação dos sentidos51 provocada pelo consumo
vertiginoso da imagem, sobretudo de origem tecnológico-eletrônica. Conectada à tal
realidade encontramos o individualismo que marca a sociedade pós-moderna, e a
violenta sedução de suas imagens imperativas, que criando espécies de muralhas
imagéticas, escondem as singularidades de cada corpo, cada indivíduo. Estamos
cada vez mais individualistas, e, no entanto isto não significa atenção às nossas
singularidades corporais. E ainda, mergulhados em toda a banalização da noção de
cidadania, que fica nítida pela enorme quantidade de informações produzida pelos
meios de comunicação de massa onde inúmeras vezes esta ausente qualquer
respeito às diferenças alheias. Esta realidade do império das imagens existe, nos
anestesia e altera nossa percepção para os horrores sociais que vivenciamos.
Agora, no entanto, enfatizamos que nosso foco se direciona para as
tecnologias comunicativas como um “espaço” de condição sinestésica para o corpo,
o desdobramento das sensações corporais e a fusão entre seus sons e suas
imagens como mais um traço da criatividade das estratégias da comunicação. E,
sobretudo notar que a tecnologia “entra no corpo”52. O “papel criativo” de longos
períodos de tempo cria inúmeras adaptações entre corpo e ambiente. “E, se o que
esta em volta
também compõe o corpo, a cultura ‘encarna’ no corpo”. Katz &
greiner (1999). Assim, a tecnologia, como a cultura, é corporificada e conectada às
indeterminado de processos em interação que se autosustentam ou se inibem.” (1999:25)
51
Pesquisadores Norval Baitello Júnior (2001) tecem
pesquisas sobre a questão da saturação que a imagem
possa causar, conceituando que a visibilidade em excesso
pode cegar
52
Não estamos nos referindo à uma corporificação literal
da tecnologia, através de próteses ou nanotecnologia, esta
última a ciência que estuda a criação de máquinas em
escala molecular, robôs fantasticamente minúsculos que
poderiam entrar em nossos corpos( ver Gimzewsk & Vesna
2003) .
32
redes cognitivas do corpo. È desta forma que o sentido de “entrar” na Internet,
através de suas possibilidades cognitivas.
A tecnologia apresenta-se como estratégia da sociedade contemporânea
quando se discute questões ligadas às possibilidades de expressão53 que se
conectam à discussões como a descentralização do poder e a criação de fluxos de
sentidos54. Como vimos na introdução, o carnaval significa a inversão de
significados/sentidos, e veremos adiante que tal realidade é uma proposta
despretenciosa
dos
desfiles
virtuais,
mas
que
já
indica
estratégias
de
questionamento do poder. Vale a pena pensar no sentido da inversão e citar uma
frase de um texto do sociólogo Manuell Castells (2001:497), onde propondo uma
53 Walter Benjamim e seu clássico estudo sobre a arte na era da
reprobutibilidade técnica nos ajuda a refletir sobre esta questão,
pois vemos que há uma grande disponibilidade doméstica de
criação de imagens, e este é um aspecto fundamental da
comunicação contemporânea. Contudo, o fato de que a simples
utilização de computadores e softwares não constitua um
processo expressivo. Devemos pensar que esta autonomia de
produção conectada a uma significativa expressividade é que
possa constituir um processo significativamente expressivo. A
mera utilização em si de ferramentas tecnológicas oriundas do
contexto industrial não dizem nada a respeito de estar
expressando-se ou apenas produzindo mais informações vazias.
Como nos colocou W. Benjamim a principal questão é saber como
tais ferramentas, a técnica, pode ser sensíveis à diferentes
possibilidades expressivas do homem. E Vale ressaltar o sentido
de deslocamento de significados usuais como prática expressiva.
54 No livro o “Distúrbio Eletrônico” (2001) o grupo de artistas
intitulado Critical Art Ensemble dedica boa parte do texto para a
questão do “poder nômade”. Para os autores, hoje não há um
poder visível e fixo. E subverter este poder é se atar à
necessidade de se movimentar. Se o poder é nômade, estratégias
que questionem o poder também devem se aproveitar do
nomadismo como estratégia.
33
inverção o autor argumenta: “... o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos
do poder”.
Assim, vale ainda ressaltar que impossibilidades de organização coletiva,
anestesia corporal ou negação das singularidades, não estando em lugares fixos
acontecem para além das situações em que há incorporação da tecnologia.
Lembramos outros contextos onde isto pode ocorrer, pois é preciso notar que as
palavras, outro artefato criado pelo homem, também são processos de
corporificação, e mesmo quando processadas exclusivamente pelo corpo, sem que
sejam mediadas por aparatos eletrônicos, também podem causar saturação.
O que esta em jogo não é tanto o uso ou desuso de artefatos, já que a
tecnologia é incorporada, mas sim, a possibilidade de criação de processos que
enfatizem perceber que as singularidades individuais são co-dependentes dos
interesses comuns através de organização coletiva55. Assim como o corpo e
ambiente são também co-dependentes.
2.3. A VIRTUALIDADE DO JOGO
Jogos são devires, pois possibilitam a correlação entre o acaso e a
indeterminação. Também são espaços onde as diferenças ficam visíveis e são
coexistentes, pois organizam também a co-dependência entre os indivíduos. O
carnaval é, sobretudo um jogo repleto de disputas que estimulam a concorrência
entre seus participantes: concurso de fantasias, disputa de samba nas quadras,
eleição do rei momo, dentre outras.
A competição entre as escolas de samba
virtuais são parecidas com os jogos que já existem na natureza. Pois é fundamental
esclarecer que o jogo é também uma estratégia de sobrevivência e vai além das
organizações sociais humanas. “O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois se
55Uma interessante relação entre técnica e singularidade
corporal , sinestesia, e trabalho coletivo é sugerido por
klauss viana . o trabalho deste coreógrafo diz respeito à
atenção às múltiplas sensações corporais que emergem
)
junto com o movimento. ver Neide neves (2003
34
esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade
humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade
lúdica. É nos possível afirmar com segurança que a civilização humana não
acrescentou característica essencial alguma à idéia de jogo. Os animais brincam tal
como os homens. Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar que, em
suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do
jogo humano. Convidam-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de
atitudes e gestos”.Huizinga (1998:7). Para Baitello (1997:55), o jogo é um dos
“universais da cultura”, uma das nascentes da cultura humana.
Desde cedo, quando éramos seres unicelulares vivendo em ambientes
aquosos, temos disputado a sobrevivência com outros diversos e inúmeros
organismos. As competições existentes em nossa vida social parecem metaforizar e
dar continuidade a esta condição.
Jogos pressupõem a criação de máscaras. Seria esta diferenciação, este
gesto de fantasiar-se, uma imitação de comportamentos presentes em outros
espaços na natureza? Estariam relacionados à invenção de disfarces como
possibilidades de sobrevivência, como é o caso do mimetismo dos camaleões, que
camuflam seu corpo confundindo-o ao ambiente, ou do exibicionismo dos pavões,
que na época do acasalamento “destacam” seu corpo do ambiente? O polêmico
“cristo proibido” do desfile da beija–flor de 1989 funde justamente estas questões,
ao “esconder”, “metamorfosear” a alegoria que havia sido proibida pela arquidiocese
do Rio de Janeiro, aquele desfile ganhou tremenda visibilidade.56
Daí, perceber que jogos também pressupõem a criação de acordos entre os
jogadores, os outros “times” e fundamentalmente entre o “campo do jogo”. Todo
56
Marlene Soares(1996) em seu livro “Sob o signo do
avesso” aborda justamente esta questão. Relacionado a
idéia de cobrir o cristo e colocar uma faixa com a frase
“Mesmo proibido, olhai por nós!” à força comunicativa dos
significados do carnaval.
35
organismo para sobreviver precisa jogar também com o ambiente onde vive.
Explorar o ambiente é um jogo de conquistas espaciais: de vírus nas correntes
sangüíneas a qualquer pessoa que percorra os espaços simulados de um
videogame . A relação ambiente/jogador pressupõem o acaso e a existência de
conteúdos virtuais, nunca pré-determinados, mas que paradoxalmente só podem
ser atualizados no decorrer da ação de jogar. Assim, jogar é, sobretudo estar sujeito
a alterações.
Assim como a indeterminação parece ser inerente a vários tipos de jogos, outra
característica típica é a inversão carnavalesca. Como parte do jogo, criar fantasias
carnavalescas é estar sujeito às alterações, à “atualizações”. É promover outras
organizações do corpo “atualizando” simbolicamente outras configurações sociais.
Trata-se da possibilidade virtual de ser outros corpos diferentes daqueles do
cotidiano. A inversão no carnaval é uma estratégia que conhece as “mortalidades”,
mas que brinca com a virtualidade desta realidade.
Então, podemos ver que desde seus primórdios, pela jogo incessante de
inversões e, consequentemente, a invenção de fantasias, o carnaval opera um vira-ser, aproximando-se assim do conceito de virtualidade discutido no contexto da
comunicação contemporânea. Quando o “escravo pode se tornar rei” há um vir-aser envolvido nesta questão. Ou seja, a inversão carnavalesca é vista como um
desvio da norma, do padrão, da categoria pré-estabelecida. Uma “f(r)esta popular”
que rompe
Imprintings57. A ocupação virtual de espaços transformando-os,
invertendo seus significados.
57
Edgard Morin(1991) estabelece que “...há um complexo
de determinações sócio-noo-culturais que se concentra
para impor a evidência, a certeza, a prova da verdade do
que obedece ao imprinting e à norma”, O carnaval é um
possível meio de inverter estes imprintings. Em correlação
a este significado encontramos o livro de Maria Clementino
que discute a existência de “f(r)estas“ populares por onde o
povo pode “ver e ser visto”.
36
Há um significado político bastante importante neste movimento de inversão que
parodia a loucura, nesta “atualização” das regras sociais. Como jogo e festa
coletiva, o carnaval é um tempo e um espaço onde as pessoas podem “rir”
coletivamente da hierarquia onde estão inseridas, e alterá-la, mesmo que
virtualmente/simbolicamente.
E como jogo, que faz emergir pelo lúdico outras possibilidades para o corpo e
para a vida social, simbolicamente o carnaval é um evento que inverte a “nãocultura”58. Em 1997 a escola de samba carioca Unidos do Viradouro realizou um
ume movimento, que processou uma inversão entre cultura e “não cultura”.
Colocando uma “batida funk” na cadência do samba naquele ano. O funk é muitas
vezes tido como algo marginal, principalmente para outras regiões distantes do Rio
de Janeiro, onde este gênero musical encontra grande acolhida. No entanto,
diversas pessoas que “estranham“ este gênero reconheceram sua existência na
criativa mixagem entre os ritmos do samba e do funk. A questão é que o trânsito
antropofágico entre um sistema e outro engendram comunicação59.
58
A ‘não cultura’ é um conceito que designa aquilo que
não foi oficializado. Este conceito não significa a
“...inexistência de uma organização para além do âmbito de
uma cultura instituída; organização que, no entanto, não é
percebida ou aceita pelos parâmetros da cultura instituída,
até o momento em que as fronteiras da cultura irão se
expandir em direção à não-cultura, num movimento
antropofágico” Contrera (2000:26)
59 Vale lembrar que o movimento modernista assinalou uma
valiosa lição ( que aliás, tinham aprendido, ou melhor, comido de
nossos índios!): “Lá vem nossa comida pulando!”, ou seja, só a
antropofagia pode nos fazer vivos! Quando comemos o
“estrangeiro” podemos manter viva nossa identidade. O
movimento modernista e sua apropriação do antropofagismo
assinala a preocupação com a identidade da linguagem cultural
brasileira, O “baile” modernista que ocupou o Teatro municipal de
São Paulo no mês de fevereiro de 1922, gerando uma série de
estranhamentos, sublinhou justamente que deveríamos “comer”
nossa cultura e também o que vem de fora.
37
Inserido neste “movimento antropofágico” o carnaval não pára seus
deslocamentos.
Como
parte
da
mesma
família
de
críticas
sobre
a
descaracterização do carnaval , há inúmeras discussões sobre o fato do desfile
carioca
estar
contrariando
o
principio
de
participação
popular,
ligado
excessivamente aos mecanismos da indústria cultural, fazendo então parte do
mainstream, uma vez que a festa tem se conectado à mídia60. Muitas vezes
acusado de funcionar como uma espécie de controle ideológico, algumas leituras
acerca do evento ( ver Cabral 1996) sugerem subliminarmente que as lições de “O
Príncipe” de Maquiavel
61
estão em curso: umas das formas de se manipular as
coletividades é prover-lhe festas que inibam reações contrárias ao poder. Mas fica
mais uma questão: o carnaval não significa a ocupação de espaços oficiais
transformando-os, invertendo-os sobretudo como brinquedos?62 O carnaval esta no
centro, ou foi o centro que deslocou-se para o carnaval?
60
Entendida aqui como o conjunto de meios de
comunicação que sob instâncias sociais, econômicas,
políticas e culturais fazem circular as informações na
sociedade.
61
Há uma discussão sobre a intenção de Maquiavel ao
escrever este livro. Discute-se a possibilidade de que “O
príncipe” seja um conjunto de mensagens subliminares
que“alertam” sobre as estratégias do poder.
62
O Dadaísmo deixa claro que a fase adulta não significa que a “criança” deixou de existir. Tal fator era
enfatizado pelos dadaístas que brincavam com a linguagem criando obras que metaforizavam o gesto de
brincar, se apropriando da idéia de construir brinquedos. Como movimento artístico surgiu na Europa no
começo do século XX e foi caracterizado pela anarquia, recorte e fragmentação
da linguagem como
possibilidade de criação de outros significados para o pré-estabelecido. Podemos aproximar linguagem
Dadaísta e linguagem carnavalesca, pois ”...Sempre que os dadaístas de Berlim construíam suas obras,
obedeciam necessariamente ao principio da montagem. Isto é uma lei Dadá. A montagem, bem como a
colagem, reúne elementos por mera justaposição paratática sem a presença de signos ordenadores, de
hierarquização ou de simples conexão. E pressupõe uma atividade anterior à da montagem propriamente dita:
a desmontagem ou o recorte de elementos isolados, retirados de seu contexto original onde possuíam uma
função dentro de uma determinada hierarquia de regras que constituem um determinado código cultural.”
Baitello ( 1997:34). O carnaval é um brinquedo que ocupa espaços oficiais e esta em um constante processo
de (des)montagem.
38
É “estranho” ver que a participação popular esteja condicionada pelo caráter
mercadológico da festa. Não há como negar que a projeção turística do evento
trouxe uma perda para o povo. É neste jogo que pensamos na Liesv como uma
estratégia de comunicação, pois se pensarmos sob a lógica da inversão podemos
ler na invenção dos desfiles virtuais um gesto digno das inversões carnavalescas:
colocar a brincadeira nos espaços oficiais, no caso o Ciberespaço, e além disto
ressaltar que as pessoas tem o desejo de brincar o carnaval, mas estão, de alguma
forma, excluídas do processo. Apropriar-se da Internet como espaço oficial para a
realização de “brincadeiras” é algo bastante carnavalesco no sentido de
participação popular.
Vendo desta forma, percebemos o carnaval como um espaço onde se coloca
para fora aquilo que estava censurado: o “desejo” de brincar. Em uma metáfora
psicanalítica, é como se fosse “um corpo sobre um divã alegórico” que busca o
inconsciente o “obscuro”, a “loucura”. Sigmund Freud (1859-1939) criticando a
racionalização excessiva da sociedade, esta mesma racionalização que é parente
próxima dos fatores que acabam tornando difícil a participação popular no carnaval,
fala sobre o “mal estar na civilização” (2002) assinalando justamente que se não
houver espaço para estes “desvios obscuros”, gera-se um “mal estar” onde homem
literalmente “enlouquece”. Como também observa Edgard Morin (1979), o “homem
é um enigma”, torna-se notório que a crença de que pela razão a civilização tornaria
o homem mais educado é inverossímil. 63
63
Sebe (1997) conta sobre uma passagem da peça ‘As Bacantes”
de Eurípedes nos mostra algo sobre este “mal estar”. A peça
conta a história do deus Dionisio que foi proibido de entrar com
seus ritos na cidade de Tebas pelo governante da cidade Penteu.
No “sparagmos “ Dioniso seduz as mulheres da cidade levando-as
às montanhas onde as mesmas , sob estado catártico, são
conduzidas à exteriorizar seus desejos mais profundos. A cena
descreve que as mulheres haviam perdido as noções das regras
sociais vigentes da cidade conduzindo seu comportamento a um
estado de completa não censura: mulheres se comportando como
‘animais’. No decorrer da narrativa, Dioniso convence Penteu a
observar as bacantes e ver o comportamento fora do comum
39
Mas, paradoxalmente o carnaval não é somente uma “vazão” do que estava
reprimido, pois como vimos anteriormente também abre as portas para o devir. É
um espaço que organiza não apenas conteúdos que estavam “censurados”. O
próprio corpo vive pela alteração também oriunda do reconhecimento de novos
conteúdos, informações “estranhas”, e não somente por informações que estavam
“alijadas”. É fato que esta nova informação possa se transformar em outra forma de
censura, futuras repressões.
Mas agora é fundamental perceber que o “carnaval aprende” outros lugares,
espaços
estranhos.
Coletivamente,
os
corpos
devoram
singularidades
indeterminadas. O corpo aprende o virtual.
2.4. UNIDOS: COMUNIDADES E REDES DENTRO E FORA DA INTERNET
Se o jogo coletivo significa inverter, alterar uma informação do corpo é
“brincar” com toda sua coletividade de redes de informações, e toda a articulação
do corpo como sistema de informações se relacionando com outros sistemas
internos e externos. Analogamente, as coletividades sociais estão sujeitas às
daquelas mulheres. Mas adverte ao mesmo que se fantasie de
leão para que não fosse percebido. Quando Penteu chega ao
local ele é atacado pelas mulheres. A própria mãe da Penteu,
Agave, sob estado catártico mata o filho separando sua cabeça
de seu corpo. Logo depois de perceber que aquele leão era na
verdade seu filho, Agave, recobra a consciência das regras
sociais e se conscientiza do que acabara de fazer.
O que esta passagem deixa explícito é a relação entre licito e o
ilícito. O sparagmos, e seu caráter orgiástico é uma descrição
das relações entre linguagem carnavalesca e os estados de
censura corporal, a ausência de estabilidade (regras) e a
predominância da instabilidade (“loucura”), ou em outras palavras
a diferenciação de instâncias, um momento de loucura
inconsciente e o retorno posterior à consciência..
40
alterações das singularidades de cada indivíduo. A comunicação em qualquer
contexto parte da idéia de uniões coletivas em constante processo de comunicação.
Afirmando a necessidade vital de “contratos sociais” o carnaval só acontece
através de alianças entre indivíduos. O sentido cooperativo de comunidade já fica
claro nos nomes das escolas de samba que geralmente começa com a expressão “
Unidos”. Há diversos exemplos: “Unidos do Viradouro”, “União da Ilha do
Governador”, “Unidos da Tijuca”, entre outros. Estas uniões enfatizam acordos que
possibilitam a construção das brincadeiras do desfile.
No caso dos desfiles virtuais, estes têm disponibilizado possibilidades
interativas estendidas no espaço promovendo acordos cooperativos que o contexto
da Cibercultura chama de inteligências coletivas64. Pensamos aqui em inteligências
coletivas como uma forma de colocar as singularidades de cada corpo, cada
indivíduo, em fricção. Exercitar esta inteligência coletiva é um modo de perceber
que grupos bem sucedidos apresentam um grau de possibilidades mais complexas
do que um indivíduo isolado. Não se trata de pensar que o todo determina a soma
das partes, mas sim, que a fricção das partes cria mais complexidade e
indeterminação do que uma única parte isolada. Neste contexto, hoje existem
fóruns de discussão que formam cooperativas e que possibilitam a união de
pessoas em qualquer parte do planeta, desde que existam possibilidades técnicas
para isto. A própria Liesv assinalou a criação de uma comunidade carnavalesca
espacialmente grande, mixando as fronteiras fixas de diversas regiões do Brasil e
desenvolvendo fronteiras geográficas em fluxo.
64
Esta expressão tem sido usada para designar as
possibilidades interativas oferecidas por artefatos
tecnológicos como a Internet. Autores como Howard
Rheingold (1992), Steven Jonhson (1998), Pierre
Levy(1999), e Rogério da Costa(2002) falam sobre a
formação de inteligências coletivas pela constituição de
comunidades virtuais.
41
Estes novos mapas da geografia da comunicação têm a informática como um
de seus instrumentos cartográficos de desenho. Dos propósitos surgido nos jogos
bélicos65 conhecidos como segunda guerra mundial até sua transformação em
computadores pessoais, a informática, em suas possibilidades comunicativas, tem
funcionado para agrupar diferentes “rebanhos” pela ambivalência do gesto de
vincular66, agregando pela informação comum, e segregando, discriminando a
informação diferente67: sentir-se vinculado é conhecer e compartilhar informações
comuns. Muitas vezes, estranhamos algo por que ainda não temos conhecimento
sobre algo que é compartilhado pelo grupo. O crescimento da WWW enfatiza o
homem como animal gregário que se organiza em grupos de acordo com
interesses comuns.
O Orkut68 , e seus vínculos muitas vezes efêmeros é exemplo recente onde
enfatizando esta natureza gregária, hoje existem diversos grupos que se vinculam
65
Maneul Castells(1996) explica em seu livro “A sociedade
em rede” que o computador surgiu das pesquisas do
matemático Alan Turing sobre cálculos científicos e teve
importante desenvolvimento e aprimoramento de suas
técnicas quando usado para criação de estratégias bélicas.
66
O antropólogo Edward Hall no livro “A dimensão oculta”
(1967) conceitua que nossa percepção seja um vínculo
articulador de espaços. Em consonância com este
conceito, pensamos em vinculo como “criação de elos
simbólicos e materiais que constituam um espaço comum,
base primeira para a comunicação”. Baitello, pág.86
67
Sobre a questão dos vínculos é interessante também
assinalar a obra do etólogo francês Boris Cyrulnik,
intitulada “Os alimentos do afeto”(1995). Aqui o autor
discute que problemas com nossos vínculos, nossa
incapacidade de nos distanciarmos de nosso mundo das
representações pode dar origem aos processos de
intolerância. Deveríamos, no entanto, pensar que esta
incapacidade de separação de nosso mundo das
representações, não deveria enfraquecer nossos vínculos,
inversamente, poderíamos imaginar pontes possíveis entre
diversos mundos de representação: uma ponte entre o
mundo de diferentes torcedores, por exemplo.
68
Espaço virtual que permite a criação de comunidades
que reúnem participantes com interesses comuns. Após
receber um convite, qualquer pessoa pode entrar neste
espaço, criar sua própria comunidade, ou participar das já
existentes.
42
por interesses coletivos buscando espaços que concretizem estes arranjos, e que
se refazem ou se desfazem constantemente.
Mas, estas inteligências coletivas não são um privilégio dos homens.
Formigas se engajam coletivamente na solução de seus problemas de forma muito
eficiente. “(...) Cada uma limitada ao escasso vocabulário de feromônio
69
e a
mínimas habilidades cognitivas” Jonhson (1999:54). Na ausência deste feromônio
estaria o homem usando suas “maquininhas” como a WWW, o desenvolvimento de
redes Wi-Fi
70
, e toda parafernália eletrônica de emissão de sinais (por exemplo,
telefones celulares com foto e vídeo-camêra, envio de mensagens de texto, dentre
outras coisas) como possibilidade de se arranjar coletivamente?
Seria esta conexão em escala planetária uma possibilidade de reorganização
espacial de grupos? Uma possibilidade de captar os sinais de quem se separou
deste grupo? Pela qualidade de sua permeabilidade estaria a Internet dando maior
velocidade às inevitáveis transformações a que estão sujeitas estas uniões e seus
indivíduos?
69
Hormônio sintetizado por formigas e outros insetos.
Conexão sem fio à WWW,. Gisele Beiguelman aponta
que “tudo indica que nos próximos anos será possível
acessar com facilidade a Internet a partir de uma
multiplicidade de equipamentos (não só telefones celulares,
palm tops e pagers, mas também relógios e roupas, entre
outros) e por diferentes sistemas de arquitetura de redes
combinados” (2003:79). Isto significa inevitavelmente uma
maior transitoriedade entre os repertórios culturais.
70
43
MAPA II - DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS
Este segundo mapa vai descrever as diferenças e semelhanças entre o
desfile de rua e o desfile virtual. Enfatizando, sobretudo que as linguagens em
constante processo de metamorfose sejam uma interface, uma mediação entre o
corpo
e
o
mundo.
Constantemente
desordenada/desconstruída
e
depois
reorganizada, as linguagens sublinham que as metamorfoses sejam um processo
inevitável da natureza, e que tal fato altera as performances do corpo.
44
3. TERREMOTOS E PERFORMANCES DO CORPO
“Interessa saber de onde se vem, quando procura se
compreender para onde se vai”
Pierre Francastel
Terremotos são eventos da natureza que movimentam as paisagens
geográficas e alertam para a existência permanente de mudanças no espaço e no
corpo. São momentos que assinalam transformações, desestabilizações, abalos
que provocam reconfigurações no desenho geográfico, o que por sua vez, altera as
perfomances dos corpos que estejam percorrendo estas novas paisagens. E um
corpo que percorre um determinado terreno vai modificar suas perfomances caso
este espaço modifique-se e ao mesmo tempo tece prováveis modificações neste
espaço. Visto assim, Performances são deslocamentos que reorganizam o
entrelaçamento das linguagens do corpo71. Vamos utilizar a idéia do terremoto
como metáfora, no entendimento da reorganização das linguagens carnavalescas e
suas paisagens em um desfile virtual.
A organização de mapas e padrões de linguagem é um jogo que engendra
complexidade. Uma operação que envolve a existência do acaso e de níveis de
ordem/desordem como possibilidade de reconfiguração das fronteiras geográficas
das linguagens. A noção de desordem é familiar ao carnaval. É comum escutar
expressões metafóricas que designam situações caóticas que associam-se à idéia
de carnaval: “ Seu quarto está um carnaval!”. Isto acontece pelo fato de que no
71 Quando nos referimos ao entrelaçamento das performances e linguagens do corpo, estamos
observando o pensamento de
Ivan Bystrina que entende o funcionamento das diversas linguagens pela
existência de códigos . Há três tipos de códigos entrelaçados: 1- Códigos hipolinguais-processos informativos
que possibilitam a sobrevivência biológica, intra-individual, intra-organica. 2- Códigos linguais- língua natural e
permite a sobrevivência através da sincronização das atividades de organização coletiva. 3- Códigos
hiperlinguais são os que trabalham os textos da culturas, como mitos, história , lendas, crenças, religiões em
que o insolúvel, como a morte, é resolvido e o inevitável é evitado”. Menezes (2002:55).
45
senso comum a idéia que permeia a noção de desordem e carnaval refere-se à
bagunça. No entanto, para entendermos a linguagem das escolas virtuais em
relação ao corpo, o significado de desordem que interessa aqui é primordialmente
o fato de que as linguagens são vivas, e a vida organiza-se no fluxo permanente de
organizar-se, desorganizar-se, não necessariamente nesta ordem. Os desfiles
virtuais sugerem uma relação de reordenação para o corpo folião, onde não há
substituições, mas sim, conexões entre o passado e o presente deste corpo.
O ciberespaço é uma “nova paisagem” que sublinha uma outra ordem para
os acordos entre corpo e ambiente. Acordos não são regras estáticas. São
instâncias que a natureza vive realizando para manter a vida. Adaptações (algumas
perceptíveis e outras imperceptíveis) à situações especificas entre corpo e
ambiente, que consequentemente se refazem pela criação de outros acordos.
Assim, a linguagem dos desfiles virtuais nada mais é do que acordos entre corpo e
ciberespaço, diferentes das negociações que o desfile de rua estabelece entre
corpo e avenida. Para encontramos alguma estabilidade e sobrevivermos nestas
paisagens em transformação, criamos negociações, sempre provisórias, entre elas.
A própria forma como as escolas virtuais estão utilizando os recursos do
ciberespaço, neste primeiro momento, parece indicar um acordo provisório em
relação às possibilidades do próprio desfile virtual vir a diferenciar-se no futuro.
3.1. CONEXÕES ENTRE LINGUAGENS
Estes apontamentos esclarecem que o corpo e suas linguagens têm aptidão
para se transformar, e que o carnaval como linguagem não foge à regra. Mapear os
processos de transformação de uma linguagem é uma tarefa para titãs! O atual
paradigma das escolas de samba é um exemplo do processo de complexidade e
mestiçagem cultural. Sua estrutura é um movimento de elementos que se misturam.
Mas tal mistura não é um processo heterogêneo72, pelo contrário, demonstra uma
72
Para Ilya Prigogine(1996) o homogêneo é mais complexo
que o heterogêneo. Enquanto as coisas estão separadas
46
mistura de elementos em si já sistemas complexos, e onde estes sistemas
complexos se misturam e passamos a não definir precisamente suas fronteiras.
Contudo, não é difícil perceber que as escolas de samba virtuais possuem
outros traços, de diferentes linguagens já presentes no desfile de rua: a linguagem
das manifestações carnavalescas do inicio do século XX , do teatro de revista, das
chanchadas e da ópera, e da televisão. Algumas destas linguagens são produzidas
na rua, na “praça publica”, como sugere o já citado Mikhail Bakthin. Outras, como a
televisão, são linguagens que enfatizam o caráter privado de nossas casas. Estas
diferenças são importantes, pois sugerem que o desfile virtual traz a “praça publica”
para um espaço privado.
3.3. LINGUAGENS QUE MORAM NA RUA
3.3.1. Grandes sociedades e blocos
Dentro das principais manifestações carnavalescas do início do século XX,
temos o “grande carnaval”. Os carnavais oficiais, formados pelas sociedades
carnavalescas
e
pelas
Grandes
sociedades.
Estas
eram
manifestações
carnavalescas do começo do século XIX e XX. “Diferenciando-se das sociedades
carnavalescas em geral por sua maior organização, por seu tamanho e pela
presença de imponentes alegorias, as chamadas grandes sociedades dominaram
todo o carnaval da segunda metade do século XIX até as primeiras metades do
século XX. Três desses clubes carnavalescos, como também eram chamadas as
sociedades mais importantes, destacaram-se pro sua grandiosidade e por sua
participação ativa no carnaval do Rio de Janeiro, servindo como modelo para a folia
burguesa das grandes cidades brasileiras: o tenente do Diabo, o Fenianos e o
Democráticos. Ferreira( 2005:172)
existe heterogeneidade. Ao contrário, misturar,
homogeneizar significa um processo irreversível.
47
Como outro ponto desta rede, temos o “pequeno carnaval” “... formado pelos
blocos, ranchos ou cordões. “O que diferenciava um ‘carnaval’ do outro não era
somente a forma das brincadeiras, mas principalmente quem delas participava.”
Ferreira (2005:228). Sem o luxo das grandes sociedades, estas “alas” de
fantasiados percorriam a cidade em conjuntos, daí seu nome de blocos. Ao “grande
carnaval” pertenciam aqueles com maior poder financeiro. Ao “pequeno carnaval”
as camadas mais populares da cidade.
3.3.2. Teatro de revista
Dividindo a atenção popular com o carnaval, o teatro de revista é outro ponto
que se conecta à rede carnavaelsca. Foi um gênero bastante comum no fim do
século XIX e primeiras décadas do século XX se extinguindo na década de 60. As
surpresas do Sr. José da Piedade foi primeira peça que estreou em 9 de janeiro de
1859, quando o Brasil estava em seu segundo Reinado. Inspiradas nos vaudevilles
e nos music hall73, seus enredos eram uma revisão( daí o nome revista) dos
acontecimentos e fatos sociais do cotidiano. A estrutura das “revistas” era um
conjunto de esquetes falados, cantados e/ou dançados. “A revista de ano é uma
criação francesa, ou antes parisiense. O gênero...nada tem de extravagante pois
que se limita a transportar para as tábuas do palco, fazendo-os (sic) passar em
revista, presos por um tênue fio de enredo (eu acrescentaria: ou apenas pela
identificação temática em quadros estanques), os principais acontecimentos do ano.
Para colimar esse fim, claro está que são precisos muitos personagens, uns
episódicos, outros alegóricos, que vêm à cena, cantam suas coplas, dançam os
seus bailados característicos e se vão depois de entreterem leve diálogo com o
personagem principal, que não sai nunca de cena, pois é diante dele que todos
desfilam e ao qual se convencionou chamar de compadre.” Paixão (apud
Cavalvanti:1991,53)
73
Respectivamente estes eram espetáculos de variedades
franceses e ingleses. Ver Cavalcanti(1991)
48
A produção das peças envolvia basicamente um dramaturgo, responsável
pelo “libreto” e um cenógrafo, responsável pela concepção visual do espetáculo, o
que hoje o carnavalesco faz nas escolas. Além dos atores e atrizes. Os enredos,
ligados ao cotidiano, despertavam forte ligação com a platéia. Esta era seduzida
pelo charme das vedetes, a beleza dos cenários e o humor retratado pelos
enredos. Seu universo criou uma memória cultural bastante rica para o universo
da cultura popular brasileira. As revistas funcionavam também como um espaço
para a pré-divulgação das músicas carnavalescas, revelando nomes de
compositores como Lamartine Babo e Sinhô74.
Já sabemos que na natureza há uma busca constante de meios de
permanência, soluções alternativas. Foi o que aconteceu com a peça “O Ano que
passa”. Artur de Azevedo (1860-1924), considerado um dos grandes escritores do
gênero , antes de “subir ao parnaso” (Cavalcanti:1991,150), inventa algo bastante
peculiar.
Sem encontrar empresários interessados em montá-la esta revista acaba
encontrando uma nova solução proposta por Artur de Azevedo: montá-la
literariamente. “Do mesmo modo como fazia com os sainetes que publicava em
jornais, iria, mês a mês, comentar o anterior, fazendo um folhetim teatralizado. Os
diálogos curtos, na falta de atores, teriam ilustrações de Julião Machado, um
caricaturista extraordinário. O tema é a dificuldade de os revistógrafos qualificados
como o autor encontrarem apoio de empresários e donos de teatro para encenar
suas peças. A revista O ANO QUE PASSA assim imaginada saiu, em 10 quadros,
de 4 de fevereiro a 25 de novembro de 1907 no jornal O País.” Cavalcanti
(1991,149)
74
Compositores que transitavam entre os territórios da
‘revista’ e do carnaval. Várias de suas músicas são parte
da história popular da música brasileira, como é o caso de
“Linda Morena”, composição de Lamartine Babo.
49
Estabelecer acordos para a revista em um outro ambiente. Mas este
ambiente não era tão novo assim para uma revista. A relação entre os jornais e o
teatro de revista já era bastante acentuada. A maior parte dos escritores de peças
eram jornalistas (caso do Próprio Artur de Azevedo). Estas correlação nos dá uma
pista para pensarmos nos movimentos entrópicos da cultura, que parece imitar as
(re)organizações que natureza faz. Qualquer semelhança entre o gesto de Artur de
Azevedo, a brincadeira dos “Webcarnavalescos” e outros gestos que buscam a
permanência e geram movimentos entrópicos que resultam na mixagem e extensão
de linguagens não é mera coincidência!
3.3.3. Chanchadas
As chanchadas são outro ponto. Eram exclusivas de outro habitat: as salas
de cinema. Mas em relação às revistas tinham também a sátira e o deboche como
características marcantes. Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalvez, nomes
ligados ao teatro de revista contribuíram ainda mais para que a chanchada tivesse a
característica de uma “revista filmada”. As chanchadas tinham uma forte influência
de Hollywood: grande parte de seus títulos eram paródias de sucessos norte
americanos. Da revista também herdaram as denúncias e críticas sociais e o
“casamento” com a música. A parceria com artistas do rádio garantiu o sucesso de
músicas como “Alô, alô, Brasil”(1935) e “Alô,alô, carnaval!”(1936). O sucesso
industrial da chanchada foi inegável. Suas produções tiveram um papel semelhante
ao da “revista” para o carnaval: a divulgação das canções carnavalescas. “Nada de
dramas atravessando o ritmo. Na passarela cinematográfica, só a alegria
comandava o espetáculo. Atraindo filas e mais filas de espectadores religiosamente
fiéis ao seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, o
filmusical carnavalesco impôs-se como um entretenimento de massa de singular
expressividade. Nem sempre o chamaram de chanchada e, em sua forma larvar,
ele se ressentiu das limitações formais do filme-revista.” Augusto (2001:13-14)
50
Na época das chanchadas e do teatro de revista, as escolas de samba
faziam sucesso, mas não tinham a projeção que têm hoje, e os bailes
carnavalescos eram também uma forma bastante popular de se brincar o carnaval.
Na década de 70, concursos de fantasias75 eram outras formas de carnaval
bastante famosas. Nestes concursos vemos o quanto o homem imita o
comportamento de outros animais que criam disfarces, caso do réptil camaleão.
Hoje, estes concursos estão restritos a alguns locais, como o Hotel Glória no Rio de
Janeiro. Os bailes também não têm hoje a projeção de antes.
3.3.4. Ópera
Voltando à genealogia de linguagens que contaminaram o desfile, não
podemos deixar de mencionar a ópera. Aspectos importantes de seu caráter
multimídia, como o canto, a dança, a plasticidade dos cenários e figurinos foram
conectados à rede de textos culturais do desfile das escola de samba. O desfile é
chamado de “ópera de rua”. Por que? A ópera é uma linguagem que teve na
Europa dos séculos XVIII e XIX um papel na construção do imaginário social muito
semelhante ao que o cinema fez nas primeiras décadas do século XX nos Estados
Unidos. Sua potência expressiva é percebida na forma como refletia os sonhos e
desejos do público: a realidade simbólica dos enredos se enredava à realidade do
cotidiano das pessoas. Jorge Coli (2003) analisando a paixão pela ópera sugere
que neste gênero os dilemas enfrentados pela oposição entre razão e emoção
existem, mas não como uma separação dicotômica, mas sim por que estão
misturados. Daí a “paixão” pelo gênero. No carnaval, a rua fica fantasiada de palco ,
e aqui, o povo é um ator, uma atriz, e espectador de tudo isto, ao mesmo tempo.
Neste sentido, a ópera se aproxima do carnaval, pois o desfile é uma fonte de
“paixão” popular. Mas, talvez o aspecto mais interessante desta metáfora é o de
75
Clóvis Bornay talvez seja o mais famoso dos
concorrentes destes concursos. Além de participar destes
eventos, este artista também atuou como carnavalesco e
trazendo para a Portela a vitória em 1970 com o enredo
“Segredos e mistérios da Amazônia”.
51
que estamos na rua, do lado de fora do palco, o que sugere alguma analogia com o
estar dentro e fora, ou seja, refere-se ao espaço: o desfile é uma “ópera de rua”.
Contudo, o “lado de fora” não é o único espaço onde existem “pontes” para o
desfile. E nem tampouco o único lugar de movimentação do carnaval.
3.4. LINGUAGENS QUE “MORAM EM CASA”: a televisão
A linguagem audiovisual da televisão é outra “ponte” entre linguagens que
mixa-se ao desfile. Trata-se de um veículo de comunicação que se caracteriza por
estar em um âmbito privado.
Tecnologias eletrônicas de comunicação permeabilizam constantemente os
limites entre o dentro e o fora dos espaços. Assim como a televisão, a Internet
conectando espaços simultâneos, é uma interface bastante poderosa para os
(re)significados de nossas categorias conceptuais de dentro e fora . Aquilo que está
fora, filmes, novelas, desfiles de escola de samba, agora estão dentro de nosso
abrigos. Ou será que nossos abrigos é que estão do lado de fora?
De qualquer forma, antes mesmo de entrar na Internet, o carnaval já vinha
dialogando com os meios eletrônicos de divulgação de massa que brincam com as
categorias interno e externo.
O rádio, no começo do século, era um difusor do carnaval que fazia entrar
nas casas as vozes das “cantoras do rádio” entoando muitas das canções das
peças do teatro de revista, e também canções carnavalescas.
A partir da década de 70 a televisão transmite os desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro, trazendo metaforicamente a “praça pública” da idade
média, explicitada por Mikhail Bakthin, para dentro de casa.
52
Argumentando que não há “influência” ou predominância de um sobre o
outro, vamos fazer uma breve análise da relação de transformação entre a
linguagem dos desfiles de rua e a televisão. Esta, entendida como mais um espaço
para a movimentação do carnaval, vem transformando o desfile o por ele sendo
transformada.
O espaço destinado à exibição das escolas “de rua”, a atual “Marquês de
Sapucaí”76, ao ser projetado pelo arquiteto Oscar Niemayer, foi desenhado levandose em consideração, entre outras coisas, que houvesse possibilidade de
transmissão televisiva. Pensou-se em lugares para as câmeras televisivas, e sua
disposição é um arranjo, um acordo de captação e transmissão de sinais que
permite olhar à distância a festa. As escolas de samba projetam seus desfiles para
aqueles que assistem ao evento das arquibancadas, e também para aqueles que
assistem ao desfile pela televisão. Há um acordo na concepção do desfile de forma
que a escolha de materiais, coreografias, e dimensões dos carros alegóricos
propiciem belos efeitos estéticos para ambos os públicos.
Mas se a televisão contaminou as formas de concepção cênica do desfile,
esta, por sua vez, também se conectou ao desfile, transformando-se pela procura
de formas diferentes de transmissão. A tecnologia gráfica permite a inserção de
vinhetas realizadas por computador, além de uma edição de imagens que permite
mostrar os detalhes das alegorias, e a inserção de inúmeros caracteres que
aproximam a transmissão televisiva da idéia de uma realização cinematográfica77.
Zonas territoriais singulares, televisão e avenida se enredam espacialmente
trazendo o carnaval de fora para dentro.
76
Antes de acontecer neste endereço na década de 70, o
carnaval carioca ocupava a avenida Presidente Vargas.
77
Talvez metaforizar o desfile como realização
cinematográfica seja imaginar que o mesmo quando
transmitido pela televisão se aproxima da natureza de um
videoclipe
53
Com uma linguagem próxima dos gêneros televisão e rádio, os desfiles
virtuais na Internet potencializam a permeabilidade e a contaminação acionada por
aqueles meios que já vinham “brincando” com as noções entre dentro e fora. A
construção da linguagem das escolas de samba virtuais não se processa pela
oposição radical entre externo e interno, e sim pelas diferenças destas categorias
em uma “mixagem antropofágica” onde um âmbito “devora” o outro. Ao mesmo
tempo.
3.5. IMITANDO UM DESFILE DE RUA NA INTERNET: OUTROS ACORDOS
PARA O CORPO FOLIÃO EM UM NOVO AMBIENTE
Os desfiles virtuais, como processo de criação de acordos entre exterior e
interior, são uma operação de bricolage. Este conceito, desenvolvido pelo
antropólogo Claude-levy Strauss, autor de livro “O pensamento selvagem”(2002),
vincula o carnaval à idéia de criatividade e reinvenção, processos de construção de
coisas novas a partir de partes canibalizadas de outros. Esta bricolage é
singularizada pela natureza da web, a digitalização da informação.
A linguagem do carnaval virtual é uma negociação entre a linguagem plástica
tridimensional presente nos desfiles de rua e a linguagem gráfica tridimensional
proporcionada pelo ciberespaço. São acordos conectados ao sentido de que o
desfile virtual se relaciona fundamentalmente com a simulação do “real” pela
linguagem gráfica e interatividade. Assim, sua construção nasce da conexão
intertextual e, ao mesmo tempo, da tradução entre textos da cultura dos aspectos
do desfile de rua adaptando-os para as condições ambientais do ciberespaço.
Os desfiles de rua dependem das condições da avenida para construir seus
desfiles, largura, altura e comprimento da avenida, e os desfiles virtuais se
constróem pelas possibilidades geométricas de utilização do Ciberespaço. Como
veremos, colocar a plasticidade do carnaval na Internet é literalmente digitalizar
aspectos como desenhos e músicas.
54
Na Internet, o evento baseia-se na apreciação de desenhos feitos
manualmente com lápis e papel e depois escaneados78 ou desenhos feitos com
softwares como o CORELDRAW. O desfile virtual faz lembrar a apresentação
audiovisual de croquis79. Estes desenhos simulam graficamente o corpo e
representam os diversos setores da escola (alas, bateria, baianas, mestre- sala e
porta bandeira)80. A perspectiva destes desfiles pode ser chamada de naif,81 há no
mesmo espaço, a sugestão de pontos de vista bastante diferentes. Trata-se de uma
perspectiva muito próxima daquela utilizada na idade média, onde diferentemente
da perspectiva renascentista, a representação do espaço não era construída em
função de um ponto central já dado, mas levava em conta o imaginário. A
perspectiva “naif” parte do pressuposto de que o mundo imaginário é mais rico que
o mundo empírico.
Algo interessante é que nestes desenhos, percebemos singularidades
corporais em ação, já que as escolas têm traços bastante diferentes uma das
outras, e percebemos que as habilidades para o desenho são diferentes entre os
webcarnavalescos. Mas, isto não tem causado censura na participação neste
evento.
78
O scanner é um aparelho que digitaliza imagens
analógicas.
79
As escolas de samba “de rua” expõem as fantasias de
seus desfiles em seus respectivos sites. Aparentemente a
idéia dos desfiles virtuais se assemelha a isto.
80
No mapa III discutiremos alguns significados do que
possa representar para a imaginação tais simulações.
81
Expressão francesa que traduz a idéia de ingenuidade.
Aparece para designar a pintura de Henry Rouseeau, cujo
trabalho se caracterizava por traços infantilizados, daí
ingênuos. A arte naif tem no Brasil grande expressividade.
José Antônio da Silva e Heitor dos Prazeres são nomes
importantes desta manifestação
55
O desenrolar do desfile acontece quando o “webespectador” move o desfile
pela barra de rolagem da página, isto lembra o “desenrolar” de um desfile de rua
pela avenida. Nem todas as possibilidades na linguagem do ciberespaço foram
aproveitados por estas escolas de samba. A estrutura hipertextual ainda não foi
“incorporada” a estes desfiles virtuais. Da mesma forma, recursos como animações
em 2D ou 3D, fotografias e vídeo digitais ainda são possíveis “devires”. Falaremos
mais sobre hipertexto e imagens computadorizadas no próximo mapa.
Metaforizando a arquibancada há um chat
82
onde os “webespectadores”
conversam sobre o desfile. Há o samba que é transmitido por uma rádio on-line83.
Há um locutor que explica o enredo de cada escola. E de suas respectivas casas os
webcarnavalescos, mixando a função de webmasters e carnavalescos, gerenciam
os desfiles que criaram.
Se na avenida vale o “samba no pé”, na web vale o “samba na mão”, uma
inversão dentro das inversões carnavalescas: um metainversão!84. O que é
observável a “olho nu” em todo processo de construção da linguagem das escolas
de samba virtuais é que estas são contaminadas pelo desfile de rua e todo seu
universo Kitsch85. No trabalho dos webcarnavalescos os textos que estruturam os
desfiles de rua, quadra, barracão, disputa de samba, quesitos, e fundamentalmente
o corpo vão metaforizar o desenvolvimento dos desfiles na Internet. Se o carnaval já
é paródia, os desfiles virtuais são uma “metaparódia”. Os desfiles virtuais,
parodiando de forma despretensiosa o desfile de rua, nascem da imitação de um
desfile de rua no ciberespaço.
82
Sala de bate papo
83
Rádios sintonizadas também pela Internet
84
No mapa III , quando discutiremos a questão do corpo e
da imagem veremos de forma aprofundada o que isto
significa
85
“Mau gosto” elevado à categoria de novidade. Sobre isto
ver “O Kitsch” de Abraham Moles
56
Esta “imitação” do desfile de rua, estes acordos diferentes, entre diferentes
ambientes, são um ponto importante a ser observado neste processo. Entender o
funcionamento do desfile virtual é notar que há cláusulas comuns entre este e o
desfile de rua. Para efetivar seus jogos espaciais cada escola de samba (virtual e
de rua) apresenta anualmente um enredo sobre algum tema obedecendo a uma
estrutura comum a todas as agremiações: o desfile começa com a apresentação da
comissão de frente86, depois o abre-alas87, e logo depois uma seqüência que
intercala alas com fantasiados e carros alegóricos. Vale ressaltar o significado de
algumas destas alas dentro do desfile como a ala das baianas - as ”mães” do
desfile, a ala com percussionistas, o “coração” da escola, e as duas alas que
significam a memória do carnaval em ação: a velha guarda e a ala das crianças.
Uma comissão de jurados avalia o desfile seguindo alguns quesitos88
consagrando uma escola a campeã. A últimas colocadas saem do grupo onde estão
e entram nos grupos antecedentes. O universo dos desfiles também tem seus
“limbos”! As vencedoras destes grupos antecedentes passam para o grupo posterior
conferindo ao desfile um trânsito permanente entre suas sucessivas realidades
internas.
Esta organização é anualmente utilizada. Com a diferença de que os desfiles
virtuais têm dois grupos, um especial e outro de acesso, e nunca coincidem com a
época do carnaval de rua, vindo a se realizar no mês de julho. Sua realização, além
de deslocar-se no espaço/ambiente também desloca-se no tempo. Isto não chega a
86
Grupo que apresenta a escola
87
Primeiro carro alegórico
88
A idéia de um ‘corpo’ de jurados remete aos festivais de
música. Os jurados dos desfiles carnavalescos são
responsáveis por escolher a escola vencedora. Para se
sagrar campeã do desfile, é preciso alcançar a nota
máxima nos dez quesitos: Enredo, Samba-Enredo, Bateria,
Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Fantasia, Alegoria,
Comissão de Frente, Evolução, Conjunto e Harmonia. O
tema do enredo deve estar perfeitamente integrado aos
quesitos, sobretudo no que diz respeito à Evolução, ao
Conjunto e à Harmonia.
57
ser uma novidade, visto que o carnaval tem acontecido em diferentes datas no
decorrer da história.
Ambos os desfiles acontecem após a escolha de um enredo, uma trama que
será fiada. Esta trama será transformada visualmente em alegorias e fantasias. Seu
desenvolvimento cabe ao carnavalesco, ”O termo é bem engraçado, porque não
possui a conotação de folião. O significado verdadeiro da palavra seria cenógrafo,
figurinista e uma espécie de diretor de cena.” Magalhães (1996:45). No caso dos
desfiles virtuais, a trama gráfica será desenvolvida pelo o que estamos chamando
de “webcarnavalescos”.
Desde seu surgimento, o carnavalesco é visto como uma espécie de
mediador cultural, uma “interface” entre o erudito e o popular, enredando arte
popular e técnicas “pertencentes” ao universo da ciência. Na década de 60,
Fernando Pamplona, então aluno da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, criou o trabalho visual da escola de samba “Acadêmicos do
Salgueiro” trazendo à estética dos desfiles jogos coregráficos e idéias sobre
figurinos que causaram bastante sucesso.
Mas a história da participação de “artistas profissionais” nas criações visuais
dos desfiles é anterior. A Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro já tinha tradição
em “emprestar” diversos de seus professores para trabalhar com o carnaval.
Artistas como Chamberlein, e o casal Dirceu e Marie Louise Nery desenhavam
estandartes para os blocos, e são apenas algumas das personalidades que
demonstraram que o “erudito” mixa-se ao popular desfazendo as fronteiras
normalmente erguidas entre tais categorias 89.
89
Sobre esta questão o artigo “O erudito e o popular. A
estética das escolas de samba”(1997), da antropóloga
Maria Lúcia Montes é bastante pontual, pois discute, entre
outras coisas, a questão de que o carnaval desfaça as
fronteiras entre tais categorias.
58
Mas a presença do carnavalesco tornou-se marcante a partir da década de
1970 quando a festa passa pelo seu grande momento de transformação visual,
com o trabalho de Joãosinho Trinta e que não sendo necessariamente um destes
profissionais oriundos do “universo erudito” foi o responsável pelas “literalmente
maiores90” mudanças visuais do desfile de rua, que a partir de então inicia uma fase
de crescente reorganização estética. A festa passa pelo seu grande momento de
transformação visual. O desfile começa a se relacionar com a cidade de uma outra
maneira. Acompanhando o crescimento urbano, existe agora um número muito
maior de pessoas que participa do evento, o que contribui, e continua contribuindo,
para a expansão da festa em termos de linguagem visual: maiores carros
alegóricos, fantasias mais elaboradas, utilização de mídias interativas. O desfile
parece ter acompanhado o crescimento não só da cidade do Rio de Janeiro, mas
também o próprio processo de globalização.91
Esta (re)organização estética parece ter estimulado a presença do
carnavalesco nos desfiles. Sob criticas que centralizavam a presença desta figura
como a “morte e a banalização das raízes do samba92”, no entanto, o trabalho do
90 Em “ Sonhar com rei dá leão”, desfile da Beija-Flor de 1976,
contando a história do jogo do bicho e enfatizando os significados do
sonho para o homem, este carnavalesco aumentou a proporção dos
carros alegóricos e das fantasias. Nos anos seguintes todas as escolas
foram aderindo à esta nova estética. Acusado de ter dado à festa uma
dimensão Hollywodiana” anos depois proferiu a célebre frase: “ O povo
gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual!". Analisando esta
nova realidade e sobre o que este luxo representa para o carnaval Betty
Milan
diz( 1994: 1): “Quer
dizer, o luxo do carnaval é o da fantasia
realizada, é o triunfo da imaginação que aliás nos valemos o ano inteiro
para driblar a realidade, apostando no jogo do bicho ou na loteria
esportiva, ignorando a miséria na esperança da riqueza e assim nos
recriando enquanto brasileiros.”
91
Sobre a questão das transformações urbanas em
conexão ao carnaval Maria Laura de Castro Cavalcanti
(1998) escreveu um interessante livro“ O Rito e o Tempo”.
Aqui a autora explica que o tamanho do desfile
acompanhou o tamanho da cidade.
92
Algumas criticas à figura do carnavalesco podem ser
vistas “As escolas de samba do Rio de Janeiro”
Cabral(1996)
59
carnavalesco enreda-se à identidade da escola e à própria apresentação visual
desta. É comum conhecer expressões do tipo “estilo Joãosinho Trinta” ou “a
Imperatriz de Rosa Magalhães”.
Desenhistas, professores, arquitetos, diretores e atores teatrais, artistas
plásticos, ou seja, de um universo variado de ocupações surgiram outros nomes
que se tornaram carnavalescos: Max Lopes, Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues,
Viriato Ferreira, Renato Lage. Recentemente o carnavalesco Paulo Barros
apresentou algumas alternativas estéticas para o desfile e que começam a chamar
atenção93. Os desfiles virtuais se contaminam por muitas das “obras” criadas no
desfile de rua e apresentam webcarnavalescos como Diego, Luis Gustavo, Braulio94
A criação de um desfile é o conjunto de alegorias e fantasias. Porém, tal
experiência não é elaborada individualmente. “ (...) Concebidas pelo carnavalesco,
o processo de sua criação no barracão reúne em torno de um objetivo comum uma
equipe de especialistas e seus ajudantes.” Cavalcanti (1995:56)
Barracão não é uma “fábrica” e sim uma espécie de oficina. Aqui o processo
de montar e desmontar o carnaval são exercidos. Este lugar é um micro-cosmos
que agrega diferentes atividades simultâneas por meio da divisão de trabalho
constituindo-se em um verdadeiro sistema comunicativo que se organiza em função
da construção do desfile, ocupando-se principalmente na construção das alegorias.
A socióloga Leila Blass (2000) reflete sobre o trabalho no barracão, afirmando que
trata-se de uma atividade fundada no conhecimento artesanal e que mobiliza a
inteligência criativa em seu exercício. Aponta ainda que a noção de trabalho criada
e imaginada na modernidade européia sobre a separação entre trabalho e lazer, e
conclui que o barracão tem despertado a atenção de muitos consultores
93
Na escola de samba Unidos da Tijuca em 2004, Paulo
Barros fez sucesso com seu desfile sobre sonho e ciência,
onde apresentou um carro alegórico sobre o DNA com a
coreografia coletiva de 127 pessoas que dançavam
simulando a vida.
94
Fonte site da Liesv
60
empresariais que buscam formas criativas de gestão de trabalho e produção. Já as
escolas virtuais, não tendo um endereço fixo, têm como barracão o quarto, o
escritório, a sala ou qualquer lugar onde esteja o computador na residência dos
webfoliões. E toda a equipe que ajuda na construção do desfile virtual encontra-se
em suas respectivas casas conectados pela web.
A quadra é outro espaço dentro do universo dos desfiles. É o local onde são
realizados os ensaios e os encontros da comunidade95. Neste espaço também
acontece uma parte fundamental do processo de construção do carnaval: a
competição que vai escolher o samba que será cantado no desfile. A “disputa de
sambas”, como é conhecida, é outro ritual dentro do ritual dos desfiles. Existem alas
de compositores nas escolas que fazem parte desta disputa, mas na prática
qualquer um pode inscrever seus sambas e competir. Sabendo que trata-se de um
processo coletivo, muitas vezes até o carnavalesco entre nesta questão96. Mas,
nem sempre o samba foi associado ao carnaval: “No início do século XX o campo
da música popular ouvida no Brasil era regido por uma extrema variedade de estilos
e ritmos. O próprio carnaval, descrito por Oswald de Andrade como ‘o
acontecimento religioso da raça’, não era festa movida por músicas brasileiras. Ao
contrário, os maiores sucessos da folia, desde que ela se organizou em bailes
(tanto aristocráticos como populares), eram polcas, valsas, tangos, mazurcas,
schottishes e outras novidades norte-americanas como o charleston e o fox-trot. Do
lado nacional a variedade também imperava: ouviam-se maxixe, modas, marchas,
cateretês e desafios sertanejos...”.
95
Na quadra acontecem diversas atividades como
casamentos, velórios, batizados.
96
É interessante apontar que a disputa do samba não se
trate de um processo fechado. Os próprios carnavalescos,
algumas vezes, contaminam este processo. Um exemplo é
o samba enredo da Beija-Flor , de 1977, “Vovó e o rei da
saturnália”. Joaosinho Trinta compôs boa parte dos versos
do samba. Esta ação é passível de críticas, mas fica como
fato para exemplificar a complexidade da questão da
autoria. Ver Cabral (1996)
61
...Foi só nos anos 30 que o samba carioca começou a colonizar o carnaval
brasileiro, transformando-se em símbolo nacional.” Viana (1995:110-111). Hoje, a
música de ambos os desfiles é chamada de samba enredo. As grandes escolas de
samba ( de rua ) comercializam seus sambas97. No site da Liesv há discussões
sobre as possibilidades de realizar-se uma gravação de seus sambas enredo.
Voltando, rapidamente à discussão das críticas apontadas no mapa anterior, a
música dos desfiles virtuais sugerem uma questão: as escolas virtuais fazem
sambas enredo “autênticos”? Um fato histórico pode ajudar a refletir sobre alguma
resposta:
“Numa discussão entre Donga e Ismael Silva, este dizia que Pelo
Telefone98, composição de Donga, não era samba e sim maxixe; e aquele dizia que
Se Você Jurar, composição de Ismael Silva, não era samba e sim marcha. Quem
tem a verdade do samba? Verdade, raiz: esse não é o mistério de qualquer
tradição? Toda tradição não exige sempre a formação de ‘hermeneutas’ que
identifiquem onde ela aparece em sua maior pureza? Não se pode dizer que as
escolas de samba fossem fenômenos puros, mas se criou em torno delas um
aparato que defende essa pureza, condenando toda modificação introduzida no
samba.” Viana (1995:198). Muitos devem pensar que uma escola de samba virtual
não sabe fazer samba.
Daí que qualquer semelhança entre as tradicionais críticas às mudanças
visuais do carnaval e a busca pela “verdade do samba” não seja mera coincidência.
São parentes próximos de uma mesma família: o estranhamento às mudanças.
97
José Ramos Tinhorão conceitua que a música popular e
a indústria fonográfica começam a se relacionar pelo
surgimento dos centros urbanos industrializados“Surgida
como forma moderna no século XIX, como resposta criativa
a novas necessidades da vida social conseqüente do
adensamento das populações dos grandes centros (cada
vez mais diversificados em face da acrescente divisão do
trabalho, após a revolução industrial), a música composta
para consumo da gente das cidades iria se ligar, desde
logo, ao comércio e indústria das diversões” (2001:179).
Assim, a comercialização do samba enredo pode ser
entendida como parte destas metamorfoses.
98
Primeiro samba gravado em disco
62
De qualquer forma, os sambas das escolas de samba virtuais, cuja “quadra”
fica no ciberespaço, imitam todo o processo de “disputa do samba”, mediando-o
pela Internet. Os sambas são enviados, por qualquer um que queira concorrer, na
forma de arquivos digitais e escolhidos pelas respectivas comissões organizadoras
de cada escola.
Em todo este processo de replicar a idéia do desfile de escolas de samba de
rua na Internet, imitar o trabalho do carnavalesco é uma ação importante que
conectou-se a este processo. Boa parte da brincadeira dos desfiles virtuais consiste
basicamente em imitar o trabalho de concepção visual feito pelo carnavalesco, e a
reunião de habilidades singulares individuais em torno de objetivos comuns.
Construir um desfile virtual significa reunir pessoas que criem o samba, que
desenham, alguém que entenda de informática, ou seja a criação das chamadas
inteligências coletivas.
Portanto, as inteligências coletivas organizadas na rede apenas apresentam
um processo de evolução da inteligência coletiva já presente nos barracões das
escolas de rua. Não sabemos exatamente por que imitamos ou por que escolhemos
imitar alguma coisa em detrimento de outras, mas sabemos que a imitação é um
modo da cultura construir sua permanência para comunidades futuras99. É uma
memória em ação, em movimento. E toda vez que há transferência de informação
99
Sobre esta questão há vários estudos. Vamos pensar a
imitação no contexto cognitivo. Katz e Greiner (1999:87)
conceituam que “A imitação tem sido apontada como uma
habilidade importante no que se refere aso estudos da
cultura e vem sendo tratada como um aspecto fundamental
para a compreensão do trânsito entre as informações que
estão no mundo e a sua possibilidade de internalização.
Blackmore (1999) explica que a imitação envolve:
1-decisão sobre o que imitar. O que conta como sendo o
mesmo ou similar;
2- transformações complexas de um ponto de vista para
outro;
3- a produção de ações corporais
Quando copiamos uns aos outros, algo aparentemente
intangível é passado. Essa seria uma chave importante
para a organização cultural e esse ‘algo’ a ser transmitido,
um aspecto importante da questão”
63
por imitação, irrigam-se cadeias de informações diferentes. No corpo de cada
indivíduo
há
memórias
de
suas
linguagens
que
estão
em
permanente
transformação. Estas memórias se correlacionam com a memória coletiva onde
este encontra-se inserido. Como corpo e cultura estão entrelaçadas, as memórias
do carnaval está sujeita a estas mudanças presentes nas próprias memórias do
corpo. É impossível não perceber que há uma relação entre os diferentes caminhos
de uma memória corporal de um indivíduo100 e os diferentes caminhos da memória
de uma sociedade.
Assim fica claro que Imitar não é reproduzir, mas conectar o já adquirido ao
“estranho”. E desta forma, imitar um gesto qualquer cria cadeias que conectam
informações diferentes naquilo que foi imitado. Diferenças inseridas em contextos
singulares. Por exemplo, no ciberespaço, imitar a ação de carnavalescos é lidar
com a complexidade de outras singularidades: uma alegoria “de rua” é
copiada/traduzida tendo também o “pixel” 101 das telas como recurso.
Neste contexto, construir um carro alegórico no ciberespaço é conectar
diferentes processos de habilidades cognitivas que vão alterando o design gestual
do corpo: continuam informações como lidar com desenho manual, lápis e papel,
mas no caso dos desfiles virtuais, tais ações corporais também lidam com o teclado,
ao invés de se usar formões ou lixas, por exemplo, na criação de uma escultura,
que no ciberespaço é tridimensionalmente digital, o que ocasiona o uso de
softwares para modelagem. Toda uma cadeia de acordos e conhecimentos “já
instalados” e possibilidades cognitivas em devir vem pela seleção destas imitações.
Como estamos dizendo, por imitação o corpo e suas linguagens têm mantido suas
100
Sobre a questão da memória o neurologista Gerald
Edelman tem uma importante teoria sobre o cruzamento de
diferentes mapas neuronais. “A memória é imprescindível.
Para Edelman, a memória não é apenas um processo
passivo de armazenamento, mas um processo ativo de
recategorização alicerçado em categorizações prévias.”
Searle (1998:69)
101
Pontos que compõem a resolução e a formação de
imagens na tela do computador.
64
memórias. E as memórias culturais têm se mantidos vivas, e também se
transformado possibilitando que novas memórias nasçam.
Outra questão interessante é que muitos dos webcarnavalescos, como
moram em lugares distantes do Rio de Janeiro, vêem o desfile carioca
principalmente pela televisão102. “Aprendem o ofício” através deste meio. Isto nos
sugere que o corpo seja uma “interface cognitiva”, no sentido de que esta
constantemente contaminando e sendo contaminado pelas informações.
“Quando essa informação habita redes distributivas poderosas como meios
de divulgação de massa (televisão, rádio, jornal, internet etc), a primeira
conseqüência é sua proliferação rápida. Sendo o corpo ele mesmo uma espécie de
mídia, a informação que passa por ele colabora com seu design, pois desenha
simultaneamente as famílias de suas interfaces”.Katz & Greiner (1999:95)103 .
Se os fundadores da Liesv estavam pensando em uma solução para que as
pessoas que não moram no Rio de Janeiro pudessem brincar o carnaval, a “simples
decisão” de brincar o carnaval imitando “à distância” o processo coletivo de montar
o carnaval, nos mostra que o corpo e suas linguagens são suscetíveis a constantes
redesenhos. Mapas redesenhados que assinalam as mudanças do lado de fora em
conexão com as redes de informação internas do corpo. Os mapas de linguagens
que o corpo já adquiriu se conectando a outros mapas, que sem estarem
determinados, podem ainda ser organizados.
102
Em um bate papo pelo messenger com alguns destes
webcarnavalescos, descobri que muitos deles só haviam
assistido ao desfile de rua no Rio de Janeiro, apenas uma
vez.
103 Aqui, podemos processar a conexão de dois conceitos para o corpo como mídia: aquele
trabalhado pela semiótica da cultura e aquele desenvolvido pelas teorias evolutivas da cultura.
65
MAPA III - CORPO COMO CARNAVAL: A BUSCA DO NOVO E A
CONSTRUÇÃO DE UM DESFILE
Este terceiro mapa apresenta e discute a pergunta: um carnaval virtual
esconde o corpo? Para tanto fará uma pequena análise do papel da imagem na
evolução da cultura e apresentará questões sobre o movimento e a possibilidade do
corpo folião se (re)construir constantemente através da riqueza do universo de suas
imagens corporais internas se relacionando às imagens corporais externas. Por fim,
apresenta o processo de construção de um desfile virtual e encaminha esta
discussão para as considerações finais.
66
4. OS CARNAVAIS DO CORPO: A OPERAÇÃO DAS IMAGENS
“Movimentos são oscilações neuronais”
Rodolfo Linás
Quando estamos assinalando que as linguagens são “paisagens” em seu
inevitável processo de metamorfose, e que tal fator indique possíveis invenções de
outros paradigmas carnavalescos e das performances do corpo, é fundamental
explanar que a vida interior do corpo também tem vocação para a comunicação: “...
A biologia nos ensinou que os processos vitais são operações de câmbio
informacional. Fala-se mesmo em comunicação intercelular, em comunicação de
sinapses nervosas; fala-se em código genético e as trocas metabólicas são também
trocas informacionais” Baitello (1997:29).
Nossa consciência104, enredada à esta natureza comunicativa, trabalha com
operações de representação, como explica o neurocientista António Damásio
(2002): “Minha imagem mental de um rosto específico é uma representação, assim
como os padrões neurais que surgem durante o processamento perceptivo-motor
desse rosto, em diversas regiões do cérebro – visuais, sômato-sensitivas e motoras.
Este uso de ‘representação’ é convencional e claro. Significa simplesmente ‘padrão
que é consistentemente relacionado a algo’, quer se refira a uma imagem mental,
quer a um conjunto coerente de atividades neurais em uma região cerebral
específica”. (404-405).
Damásio ainda explica que o self, nossos mapas mentais, as imagens que
se cruzam em nossa mente e que nos identificam como indivíduos singulares, não é
uma representação fiel daquilo que foi percebido, e nem precisam ser: “O cérebro é
104
Consciência é um assunto controverso, há varias
discussões que apontam conceitos diferentes. Aqui
interessa o conceito de que a consciência é uma fenômeno
emergente, uma rede que conecta estados visíveis e
invisíveis do corpo. Metaforicamente ao carnaval, d forma
que estamos trabalhando aqui, a consciência é uma rede.
Ver António Damásio (2002)
67
um sistema criativo. Em vez de refletir fielmente o ambiente que o circunda, como
seria o caso com um mecanismo engendrado para o processamento de
informações, cada cérebro constrói mapas desse ambiente usando seus próprios
parâmetros e sua própria estrutura interna, criando, assim, um mundo único para a
classe de cérebros estruturados de modo comparável. (2002: 407). Isto evidencia,
sobretudo, que nosso universo mental é povoado pela imaginação do mundo105.
Como parte do processo da comunicação entre mapas de neurônios em nossa
arquitetura cerebral, representar mentalmente um estímulo externo, um cheiro, um
som ou um gosto é um ato de imaginação.
Em relação ao ciberespaço, como ambiente, há contínua representação por
imagens assinalando um processo que já é natural do corpo: simular a “realidade”.
Porque em algumas situações estas representações possibilitam um convívio rico
com o mundo da imagem, assinalando processos de metamorfoses, e em outras
não? Para perceber, no desfile virtual, o que significa este desdobramento do corpo
através de suas representações imagéticas, interessa analisar momentos em que a
imagem comporta-se como devir, propondo relações de fusão de sentidos, e
também quando a imagem mostra-se como algo que “barra” os processos de
metamorfose da imaginação. Para entender isto, é necessário distinguir entre as
noções de ser um espectador das imagens ou um operador destas.
O carnaval sempre foi considerado um terreno fértil para a exploração dos
sentidos, avaliado por muitos como uma festa catártica. No entanto, “... catarse na
construção aristotélica, referia-se, de modo prático, franco e salutar, a uma
capacidade, especificamente da tragédia, para purificar o espírito do espectador de
105
Há dois neurologistas, o inglês Oliver Sacks (1999) e o
indiano V. S. Ramachandran (2003) que descrevem
inúmeras situações onde há singulares operações
cerebrais que se relacionam ao mundo das imagens
mentais. O inglês cita o caso de um pintor que deixa de
enxergar cores e passa a enxergar em preto e branco. O
indiano o caso de uma paciente que “via” personagens de
desenhos animados em lugares que não somente a
televisão ou revistas em quadrinhos.
68
emoções dolorosas e doentias; a partir de uma interpretação religiosa e metafórica,
a idéia foi suscetível de uma sublimação para significar purificação e/ou exaltação
das emoções...A didática da catarse aristotélica supunha um espectador que se
submetia à ação teatral para tirar dela benefícios para seu bem-estar pessoal”
Ferrara (1986:41). A questão de olhar as representações em nossa consciência
sugere que ver não significa estar imóvel.
Assim, é fundamental pensar que o carnaval é uma festa que trabalha os
sentidos. E ver o carnaval é uma ação “multimídia”, sinestésica, pois a própria
noção de “perda dos sentidos”, associada pelo senso comum ao evento, tem que
ser entendida “às avessas”. Trata-se na verdade, de uma mistura voraz entre os
sentidos, de forma que não identificaríamos facilmente suas fronteiras. Olhar,
constantemente (re)constrói significados.
Seguindo esta lógica, o próprio processo de construção de um desfile, de rua
e virtual, também assinala um constante processo de (re)construção. Ver não
significa um sentido isolado. Há sempre fusões: de imagem e som, literalmente de
alegorias e samba enredo. Estas instâncias estão enredadas de tal forma que é
impossível pensar em uma desconexão de uma em relação à outra. Tanto é assim,
que dizem os “experts”: conseguimos “reconhecer um desfile campeão” quando o
samba enreda-se à complexidade do “visual” de uma escola, “cantando as imagens”
que estão desfilando.
Da mesma forma, ver um desfile de escola de samba, na rua e na Internet,
não é ser apenas um espectador do carnaval. Estamos enredados, há um trânsito
permanente entre público e desfile. Este olhar o desfile não significa um ponto de
chegada ou partida, este olhar é um sistema aberto relacionando-se também de
forma sistêmica.
Voltando um pouco no tempo, vemos que a arte moderna já apontava
mudanças na relação obra-espectador, uma vez que “...ultrapassou-se a concepção
69
de que a mensagem de arte era produzida pelo emissor para ser consumida pelo
receptor, de que a comunicação era algo que ocorria no início de um processo – o
emissor – para se consumar no fim – o receptor -, a comunicação artística passou a
ser considerada como algo que ocorria no interior do próprio veículo que se
comunicava, na própria linguagem...O receptor deixa de ser espectador da arte para
ser um usuário da linguagem; são as dimensões e possibilidades desse uso que
conferem significado à mensagem artística. O significado não é ou está, mas
processa-se. Arte não é fruição, mas utilização, uso e posse.” Ferrara (1986:43-44).
Esta condição de ser operador do olhar, esta disseminada em nosso
cotidiano. Ver deixou de ser um “compartimento isolado”. Em relação à arte, isto fica
bem claro: os museus não são as “moradias das obras de arte”. Esta, como sistema
aberto que é, dialoga com o espaço urbano. Inúmeras exposições conectam-se ao
fluxo urbano. No mundo contemporâneo, ver é abrir-se para a interseção entre
universos. Quando percebe-se que o olho não é uma “instituição passiva”, o olhar
opera “links”, abre portas cognitivas no corpo.
Destas portas cognitivas, muitas vezes os indivíduos passam a operar outros
processos. O indivíduo não apenas assiste a comunicação, é um operador desta.
Neste ponto, tecnologias interativas como as do ciberespaço são fundamentais,
uma vez que as possibilidades de representação mundo não estão apenas dadas,
mas também podem ser construídas.
No carnaval isto também fica bastante evidente, ver o desfile opera olhares
em devir. Ver é condição da existência do desfile. Desde os ensaios na quadra ao
trabalho no barracão. O tempo todo nosso olhar busca movimentar-se.
70
4.1. OPERANDO “MIXAGENS” ENTRE IMAGENS E SONS
Em diversas situações, podemos operar o olhar criando fusões “multímidia”,
“mixagens” sensoriais106. Arlindo Machado (2003:158-159) relaciona música e
imagem contextualizando o espaço. “A principal razão por que uma peça musical
pode não funcionar em qualquer ambiente está no fato do compositor muitas vezes
tirar proveito da arquitetura onde deve ocorrer a perfomance, fazendo a música
dialogar com seu entorno”.Esta relação entre música e ambiente pode ser
encontrada na obra de Bach: a polifonia de vozes que corresponde à polifonia das
profundidades dos volumes arquitetônicos. Para Arlindo Machado, há também
relação audiovisual no corpo, “... o discurso musical pressupõe, ao lado dos seus
atributos mais propriamente acústicos, todo um sistema kinésico, entendendo-se
como tal o conjunto dos elementos motores invocados pelo intérprete durante a
performance”.(2003:160)
Um cego “visualiza” o espaço através da reverberação do som no ambiente,
assim como pode avaliar a quantidade de luz que banha uma cena pela
temperatura sentida na pele, ou seja, sinestesicamente um cego pode fotografar,
como é o caso de Evgen Bavcar107.
Ao lado desta questão das fusões sensoriais, podemos pensar no aspecto
das possibilidades de construção da imagem no cotidiano: a variada utilização do
computador em diversas áreas. Desde as recentes, porém restritas, tecnologias de
simulação de realidade, sensores automáticos de movimentos do corpo como
106
Sérgio Basbaum (2002) traça uma história da sinestesia,
apontando algumas questões neurológicas e também
culturais sobre os processos de arte, tecnologia e
sinestesia.
107
Na aula “Os olhos e o corpo” ministrada pela professora
Cleide Campelo, no curso “Comunicação das artes do
corpo” na Puc-sp, há uma interessante pesquisa neste
sentido. Em uma atividade, a professora convida os alunos
a tirar fotos de olhos fechados, e também que andem de
olhos fechados percebendo a fusão sensorial que pode
decorrer daí.
71
datagloves (luvas eletrônicas) óculos de imersão em realidade virtual, e
hologramas são diversas possibilidades complexas da tecnologia contemporânea
criar imagens e sensações hápticas. Sobre o acesso à criação de imagens
computadorizadas, também Arlindo Machado (2000) descreve a história destes
recursos e aponta que trata-se de um vasto campo para a investigação estética.108
A riqueza destas possibilidades só faz buscar incessantemente outros meios
de utilizá-las. Na arte contemporânea há diversos exemplos, não apenas da
utilização de computação gráfica e realidade virtual, mas também dos próprios
recursos de interatividade. Eduardo Kac (2002) cita, entre diversas outras obras, um
trabalho que simula uma estrutura corporativa. Esta obra da artista californiana
Victoria Vesna intitulada Bodies©INCorporated foi desenvolvida com a colaboração
de artistas, músicos, empresas e programadores. A artista vê sua obra como uma
investigação na área da psicologia social e dinâmica de grupo num contexto
corporativo. Para tanto, de suas casas, as pessoas escolhem corpos digitais
(avatares) e vivem socialmente estes indivíduos nesta realidade simulada.
A própria criação de “corpos digitais” é algo incorporado também por outros
territórios. A idéia de Realidade virtual já é bastante comum na “sétima arte”, uma
vez que ferramentas digitais são freqüentes nas atuais produções cinematográficas
atuais criando a performance de atores “virtuais”109.
A dança também já experimenta o espaço do computador. Como argumenta
a pesquisadora Helena Katz, a dança é pensamento do corpo, e sobretudo, significa
um corpo experimentando o espaço, e outras formas de sobrevivência. O
coreógrafo norte americano Merce Cunnigham é famoso por utilizar o software Life
Forms© para a criação de suas coreografias. Criadoras como Andrea Levinson
108
Arlindo Machado publicou um importante livro intitulado
“Máquina e imaginário” onde em um dos capítulos discorre
sobre os primórdios da utilização da computação gráfica.
109
O filme Homem Aranha 2 apresenta a performance de
atores totalmente criados por computação gráfica. Caderno
MAIS! De 14 de novembro de 2004
72
trabalham com a Internet, também trazendo outras possibilidades de ambiente para
a dança. A poesia multimídia de Arnaldo Antunes é outro exemplo que assinala a
presença do computador e a criação de novas imagens. Traduzindo visualmente
suas obras o computador desdobra, para além do papel, os significados de obras
como “Fênix”, por exemplo.
Mas não só no campo da arte, estas diversas possibilidades da imagem estão
disseminadas. Arlindo Machado (2003: 197) ainda metaforiza que a televisão é uma
espécie de mostra cotidiana e permanente de design gráfico, “Você não precisa ir
ao MoMA de Nova York, ou à Documenta de Kassel, ou ainda à Bienal de Veneza
para conhecer algumas das últimas tendências das artes visuais. Uma das mais
avançadas galerias de arte fica bem aí na sua sala de estar”. Estas “exposições” a
cada dia se tornam mais complexas do ponto de vista estético, e pensamos que a
riqueza dos significados dos graphics de televisão seja um exemplo de como a
imagem, no cotidiano, pode significar um processo de descobertas. Como já
analisamos, a combinação de computação gráfica na transmissão televisiva do
desfile confere complexidade estética à narrativa do carnaval. Fora do contexto
carnavalesco, há outros exemplos que dizem respeito aos grafismos visuais como
uma rica possibilidade do uso da imagem. Arlindo Machado também cita a MTV
como um canal identificado à riqueza da utilização da imagem por suas propostas
gráficas, com vinhetas elaboradas que identificam sua logomarca em constante
mutação visual, e também aponta a simulação de um mundo sem gravidade
presente em muitos dos trabalhos criados pelo designer Hans Donner ( um dos
responsáveis pelo grafismo das transmissões televisivas do desfile) para a rede
globo, aberturas de telenovelas, telejornais e outros programas, como um exemplo
criativo da imagem eletrônica. Machado conclui, observando exemplos como estes,
que “... nos termos da extensão e alcance da cultura de massa, nada tem
contribuído melhor para a renovação da sensibilidade e do gosto coletivos, no
campo da visibilidade, do que o graphics de televisão” (2003:203). Estes
apontamentos sobre a grande disseminação do uso do computador e sua
capacidade imagética, além de sugerir criatividade multimidiática, são fontes de
73
provável convívio para o corpo folião. Pois, os próprios desfiles virtuais entram
neste contexto das novas possibilidades de uso da imagem que emergem na
sociedade atual, demostrando que a operação, e não somente a apreciação da
imagem, é um dos percursos da cultura contemporânea.
No entanto, a mesma imagem que sugere uma rica percepção e fusões
sensoriais pode embotar a imaginação. Diversas vezes a televisão utiliza-se da
imagem dificultando a construção individual de conhecimento, a busca do self e
seus processos de representação da identidade, a busca que pode apontar outros
caminhos para a construção de uma história diversificada e singular para o corpo.110
Tal questão está entrelaçada ao carnaval. Pelos “padrões da moda”, algo presente
em boa parte do discurso televisivo, podemos discutir o que é expressar e ocultar
um corpo. A padronização das imagens cotidianas exige e impõe como única
possibilidade de identidade a existência de “corpos perfeitos”. Esta realidade tem
contaminado o desfile das escolas de samba negando as outras diversas
identidades que o corpo é neste evento. É preciso refletir sobre a excessiva
padronização do corpo no desfile carioca que tem tornado a festa uma “ópera” que
pode “esconder” as singularidades corporais.
O samba enredo do Império Serrano de 1982 já refletia sobre a transformação
estética do carnaval, o crescimento da festa, afirmando que o carnaval estava
“escondendo” o corpo, relegando a participação popular: “... Super escolas de
samba S.A., super alegorias/ escondendo gente bamba/que covardia...”. Como
temos discutido, o desfile e seu real glamour é motivo de inúmeras discussões, e
pode também ser lido sobre as opiniões de que a representação pela imagem pode
“disciplinar” o corpo.
110
É interessante notar que o próprio António
Damásio(1999) ao pesquisar a consciência também aponta
que as operações corporais realizadas resultam na
construção de imagens mentais que podem representar o
corpo na consciência de um indivíduo. Ao mesmo tempo,
estas imagens também escondem outros padrões neurais,
“tampam” outras imagens corporais internas que ainda não
emergiram.
74
Para entender isto, podemos utilizar aqui a “velha conhecida” lógica da inversão.
O cotidiano mostra, principalmente pela publicidade uma miríade de corpos “nus”
que não querem se mostrar, e sim “esconder-se” pela imposição de um ideal:
corpos esteticamente perfeitos. O sociólogo e filósofo Dietmar Kamper (1925-2001)
conceitua que “...O poder do olhar manifesta-se naquilo que não é visto, que é
deixado à margem como vítima da primeira distinção de uma visão focalizadora. Os
corpos que nos circundam foram inicialmente distanciados e estilizados em retratos,
estátuas e corpos ideais (Bildkörpern)...” (1995). Entendemos que este ideal
estético seja a imposição de uma única possibilidade de identidade corporal. Mas o
corpo pode construir e representar outras além desta, pelo sonho, uma das fontes
de imagem que significam a constante (re0construção do corpo.
Os sonhos são ações que acontecem também em outros animais111. São
representações imagéticas de nossa vida que acontecem durante o sono, “uma
brincadeira que ensaia a morte”112. Como somos a “espécie simbólica”, seu
significado para a existência do homem é incalculável, para a semiótica da cultura,
o sonho, assim como o jogo, é um dos universais da cultura113, mantendo viva as
memórias e enfatizando o constante trânsito entre dentro e fora. No sonho parecem
se realizar muitos dos desejos que não podem se efetivar enquanto estamos
111
Aves e cães são classificados como animais superiores
que também sonham
112
O sonho acontece fora do estado de vigília, dentro de
algum abrigo. Em tempos remotos nossos ancestrais
buscavam um lugar seguro para se recuperar das tensões
geradas pelos comportamentos ofensivo/defensivo do
paradigma presa/predador. Hoje, continuamos a nos
abrigar para poder dormir, e enquanto isto acontece nos
recuperamos dos déficits causados pelo estado de alerta.
Sem este desligamento o cérebro não sobrevive. Dormir
seria necessário para descansar certos sensores sinápticos
mais ligados à realidade externa, deixando livres outros
mais conectados à realidade interna, originando o sonhar.
Ver Baitello(1997)
113
Para Ivan Bystrina(1995), o sonho, os estados de
extase, os jogos e o desejo de superar a morte criam a
cultura.
75
acordados. Vencer um predador “invencível”, por exemplo. O carnaval é também
um “sonho”. Sua estrutura narrativa enfatiza seu caráter non sense tornando-o
bastante próximo da estrutura narrativa “absurda” do sonho: tanto em, um quanto
em outro, “mortos ganham vida, vivos morrem”. Baitello (1997:27-28)
Em contraste com a criação de outras realidades e a riqueza das representações
imagéticas como estas do universo onírico, o desfile de rua tem criado soluções
visuais para alegorias e fantasias, mas ao mesmo tempo, tem deixado de mostrar a
diversidade de identidades corporais que fazem parte de sua realidade. O que
contaria até mesmo sua própria vocação histórica para a pesquisa visual. A nudez
de corpos esteticamente perfeitos promovida pelo cotidiano desdobra-se na busca
de corpos esteticamente perfeitos no desfile das escolas de samba. No carnaval
esta institucionalização da nudez foi sugerida pela televisão. “...A partir da década
de 60, passou-se a ver, cada vez mais, nos desfiles das escolas de samba e nos
bailes de carnaval nos clubes das grandes cidades, a nudez como marca registrada
dos dias de carnaval. Na última década a televisão passou a transmitir esta nudez
carnavalesca.” Campelo (1995). O que este comportamento designa é que este
corpo nu das escolas de samba , contaminado pelo padrão estético do cotidiano, é
um corpo que ao invés de representar a “tridimensionalidade” de suas inúmeras
possibilidades e singularidades, passa a se resumir nesta única possibilidade: os
padrões da moda. A inversão no carnaval é justamente o contrário, a
tridimensionalidade de seu corpo, seus sonhos. Saber suas sombras, mortalidades,
suas diferenças, “imperfeições”, trazer sua realidade non sense para assim poder
dar vida a estas singularidades: identidades e fantasias em processo de
metamorfose. Este é o sentido de inversão de que fala Mikhail Bakthin, autor citado
na introdução deste trabalho. Sem dar atenção a isto o carnaval deixa de ser uma
diferença para ser apenas o cotidiano. A visibilidade exacerbada dos padrões
estéticos fica evidente pelo “olhar vigilante”114 da mídia: na maioria das vezes são
114
O Filósofo Michel Foucalt (1926-1984) produziu análises
sobre a questão do olhar vigilante(1975) estudando que
instituições como os hospitais, o exército e as prisões são
locais de adestramento do corpo. Estamos lendo que o
76
valorizados os modelos, atores e atrizes e seus “corpos perfeitos”. Muitos dos
atores da “ópera de rua” deixam de ser mostrados como parte desta complexa rede.
Muita visibilidade ofusca e torna-se invisível. Os “principais atores”, o carnaval é o
palco deles, estão invisíveis.
Contudo, o desfile não depende exclusivamente deste tipo de visibilidade que
valoriza o espetáculo como obra a ser contemplada. É apenas um momento do
processo carnavalesco, dos diálogos que o carnaval como texto da cultura realiza
com outros textos da cultura: um ponto da rede carnavalesca. O espaço/tempo
carnavalesco é maior do que apenas o dia do desfile e a avenida.
Como processo, já se sabe que o carnaval é construído em sua véspera. A
quadra e o barracão são pontos desta rede e permitem assinalar possibilidades de
construção de outras respostas, sublinham a operação da linguagem, e não a sua
fruição, como sugere este olhar dos padrões da moda. Toda a criação da festa é um
espaço de construção, que permite ao corpo (re)descobrir suas singularidades e
encontrar outras identidades. A quadra é um exemplo típico: nos dias de ensaio,
onde não há a imposição excessiva do olhar da avenida, há um espaço onde as
singularidades do corpo podem ser exploradas, o corpo está mais “solto”. Podem-se
explorar as possibilidades da dança sem que o “olhar vigilante” e excessivo do
espetáculo condicione papéis.
É comum achar que o corpo que trabalha no barracão não faça parte do
carnaval, mas este é também um corpo folião. No barracão, as performances de um
corpo trabalhando significam que um corpo pode (re)inventar-se ao encontrar meios
de
utilizar algum material alternativo para a concepção de uma alegoria.
Paradoxalmente, no ensaio e no barracão os corpos estão “vestidos”, mas há uma
“nudez”
que
pode
apontar
as
singularidades
tridimensionalidade.
desfile na avenida esteja, de certa forma, “adestrando” o
corpo e que isto se torna uma contradição para o carnaval.
77
do
corpo,
revelando
sua
Longe da efemeridade e rigidez dos excessos do espetáculo, há mais
possibilidades de mixar as singularidades do corpo, perceber suas fusões
sensoriais, pois o espetáculo, onde são valorizados “os corpos perfeitos”, é apenas
uma parte (in)visível da realidade do carnaval, e por isto mesmo não é a única
realidade a ser vista.
Se estamos argumentando que a imagem pode representar possibilidades
criativas do corpo, mas que também, através da padronização estética é capaz de
“esconder” o corpo e negar suas possibilidades de encontrar outras singularidades,
fica a questão: O carnaval virtual esconde ou revela o corpo? Pelo senso comum, a
Internet tem vocação para “esconder, apesar de que em Chats podemos omitir a
tridimensionalidade do corpo ocultando informações que pareçam “estranhas”. Isto
é um fato.
Ao utilizar a imagem como representação, estaria o carnaval virtual
escondendo o corpo, assim como parece acontecer no espetáculo do desfile?
Argumentamos que não. A idéia destes desfiles virtuais marca um encontro, literal,
entre a imaginação e as singularidades do corpo, sublinhando as soluções deste
corpo ao imaginar outros caminhos para revelar-se.
Esta imaginação tem um papel decisivo em relação ao corpo na Internet.
Imaginar seu corpo ou o corpo de quem esteja “do outro lado” talvez não seja negar
a realidade. Quem atesta que a imaginação esteja radicalmente isolada da
“realidade”? Imaginação e “realidade” também são instâncias enredadas. É fato que
a excessiva padronização estética é uma realidade que pode condicionar a
liberdade de nossa imaginação. No entanto, não caberia a cada corpo, cada
indivíduo confrontar-se com o “real” em acordo com seu tempo e suas
singularidades como possibilidade de seus processos de transformação e de
amadurecimento?
78
A idéia de um carnaval virtual assim como mostra a própria natureza do
corpo busca revelar-se pela imagem. Comunidades virtuais não excluem o corpo,
mas apontam novas possibilidades de encontros, uma aproximação entre indivíduos
diferentes. Ao invés de pensarmos na imagem exclusivamente como uma interface
que esconde o corpo, podemos inverter a questão e analisarmos a imagem como
um corpo que se apresenta a partir de diferentes possibilidades de representação. É
preciso relembrar que a diversidade de traços que compõe os desenhos do desfile
virtual assinala a riqueza das diferenças.
Trata-se de diversos sentidos de self
diferentes daquelas referentes à rigidez
buscando outras singularidades,
do espetáculo de rua. Daquilo que é
aceitável como norma(l). Um mergulho na imaginação do corpo e toda singularidade
que isto pode permitir. Imaginar um carnaval na Internet é fundamentalmente criar
algo fora de qualquer padrão já instituído. Deslocar a imaginação da rota dos
clichês e padronagens excessivos é deslocar o corpo para outros ambientes, é
realizar descobertas. “Na maioria das vezes é a imaginação, é a intuição que
prenuncia uma descoberta, quer se trate de geografia (v. Colombo), quer se trate de
física, anatomia, medicina ou astronomia...” Prade (2004:28). O jogo do universo
das representações imagéticas é fundamental neste processo
4.2. MAIS UMA INVERSÃO: ANDANDO COM AS MÃOS SEM “SENTIR” O CHÃO
O corpo é um ambiente. A atual tecnologia de investigação corporal permite
que “vejamos” o interior do corpo de uma maneira diferente da que o primeiro
indivíduo da história “mapeou” o corpo. Andrea Vesalius (1514-1564) e seu livro “De
Humani Corporis Fabrica” são a primeira fonte ocidental desta pesquisa. Os atuais
conhecimentos sobre imagens corporais, formulado por autores como os já citados
António Damásio, e outros como Steven Pinker (2002), Paul Churchland (2001)
79
sobre a plasticidade cerebral, as redes e mapas de neurônios115 em suas miríades
de sinapses vãoi além da mera relação observador-objeto.
Para estas pesquisas, imagens corporais dizem respeito ao modo como
“imaginamos” nós mesmos e o mundo, e que este imaginar está em constante
mudança de maneira ativa em contato com aquilo que vem da realidade interna e
externa. São verdadeiras “tecnologias” do corpo, que ajudam ainda a esclarecer
algumas questões sobre a locomoção do corpo no ciberespaço. Vamos “imaginar” o
que a existência das realidades internas do corpo pode contribuir para que
entendamos o que significa “desfilar” na Internet.
A Internet apresenta peculiaridades para a locomoção. Esta operação
refere-se a como o movimento se correlaciona com a imaginação corporal
significando o envolvimento com o conceito de virtual, da mesma forma que temos
discutido nesta dissertação: a existência de outros níveis de descrição da realidade.
“Andar” ou “navegar” pela Internet envolve algumas questões estudadas pelas
ciências cognitivas no que diz respeito à como o organismo cria redes entre a nossa
imaginação e um gesto “real”.
É inevitável deixar de mencionar que o uso da Internet significa estar
“parado”. Daí, ficar sentado na frente de um computador pode ser algo que “atrofia”
nosso sistema sensório-motor. Mas, as coisas não são bem assim. Não se pensa
em locomoção na Internet como atividade motora complexa, como a dança, por
exemplo, pois basicamente, mover pelo ciberespaço significa articular o movimento
das mãos e braços para utilizar o teclado e o mouse. Mas aqui, como em qualquer
outra circunstância que envolve habilidades cognitivas, está presente a alta
complexidade da comunicação interna do corpo.
115
Neurônios são células cerebrais com formas variadas.
Têm função eletro-química e conectividade. Se comunicam
uns com os outros através de sinapses. Estas conexões
não especificadas pelos genes. O cérebro é uma rede autoorganizativa criada pelo movimento das conexões
neuronais.
80
Contextualizando que imaginação se relacione a esta realidade interior do
corpo, a produção de imagens internas cria correlações entre imaginar um
movimento corporal e realizar este movimento. Um desfile virtual ocasiona
situações bastante complexas e que envolvem a questão desta imaginação
corporal. Se estamos enfatizando o corpo e suas singularidades em relação ao
ambiente, explicitando que é impossível separá-los, também argumentamos, com
base nos estudos neurocientíficos, que imaginar um movimento e realizá-lo sejam
coisas impossíveis de separação.
Assim, pesquisas analisam o funcionamento do nosso corpo em relação à
imagens corporais (conteúdos imaginados) sublinhando que a organização de um
gesto envolve a imaginação corporal criando conteúdos virtuais em outras partes do
corpo imperceptíveis para o próprio indivíduo116. “...Se quero esticar meu braço à
frente, o primeiro músculo a entrar em ação, antes mesmo que meu braço se mexa,
será o músculo da panturrilha, antecipando a desestabilização que o peso do braço
irá provocar ( Godard, 1999; 15).
A maior parte de nosso pensamento e ações corporais é exercido sem que
precisemos
organizá-los
conscientemente.
Há
instruções
internalizadas
inconscientemente e que coordenam nossos movimentos sem a necessidade de
nosso permanente estado de vigília. Para andarmos, por exemplo, precisamos
116
Em relação à comunicação interna não ser perceptível
pelo corpo em seu estado de vigília, vale ressaltar que
Charles Sanders Peirce fala em outros níveis de descrição
da realidade que não somente o simbólico. Para o autor há
uma rede entre estes níveis de descrição da realidade, e
antes de algo se tornar uma lei, um símbolo estavelmente
perceptível, existe um processo que passa pela
primeiridade, o que ele chama de vagueza do signo, e a
secundidade, o que seria a provocação de reações nesta
vagueza inicial do signo o que pode vir-a-ser um símbolo
estável. A comunicação interna das sinapses seria uma
relação entre primeiridade e secundidade antes de emergir
como uma imagem estável em nossa consciência: um
símbolo. Ver Santaella(1995)
81
conscientemente decidir pela ação. Mas, não precisamos ficar dando “ordens” às
nossas pernas para que as mesmas se movam. Há “ordens virtuais” para isto. Além
disto, mesmo em casos de deficiência física, o cérebro pode conservar a
representação dos padrões motores, e com a ajuda de próteses e extensões
corporais, as ações deste corpo podem reinventar os próprios movimentos
corporais.
Assim como acontece quando sonhamos que estamos correndo e nos
“movimentamos” durante o sono, imaginar-se conscientemente nesta ação também
aciona nosso sistema sensório-motor, sem que seja necessário que esta corrida
aconteça “realmente”. Rachel Zuanon (2001), em sua dissertação de mestrado “Coevolução entre corpos - uma investigação com sinais cerebrais” (2001) investiga
que
ao
imaginar-se
dançando,
estaríamos
acionando
regiões
cerebrais
responsáveis pela coordenação do movimento, lugares do cérebro que guardam
padrões motores. A autora defende que “... O cruzamento de domínios subjetivos e
sensoriomotores, presentes no ato de imaginar a execução de um movimento,
garante então que as informações necessárias para que o movimento ocorra
existam, independente do movimento ocorrer” ( op-cit:22). Talvez uma pesquisa
similar realizada para averiguar com precisão esta questão em relação à locomoção
no ciberespaço, mapeando o funcionamento cerebral em relação à “navegar” pela
web possa ser realizada em breve.
No entanto, para nossos desfiles virtuais, estes apontamentos sugerem que a
realidade corporal é um paradoxo que incorpora além da consciência do gesto, a
rede de estados não percebidos conscientemente. Além de que, imaginar este
gesto é uma condição inseparável de seu nível de descrição correspondente à
realização deste gesto. E que nosso self se constrói justamente neste trânsito entre
mente e ações corporais e conteúdos corporais não percebidos.
Outras explicações ajudam a entender esta questão. A natureza da metáfora
é algo permeável tanto em relação ao carnaval, quanto em relação ao conceito de
82
virtualidade, e nos ajuda ainda mais a entendermos o que significa a complexidade
da comunicação sensório-motora do corpo. Metáforas são inversões: um processo
cognitivo que possibilita experimentar alguma coisa em lugar de outra. Um processo
que transporta uma coisa de um lugar para o outro. Um tipo de atualização da
informação. Dizer, por exemplo, que o corpo é um carnaval, é transportar todo os
significados do carnaval para o corpo.
Sobre o papel da metáfora como operação de conceitos e movimentos
corporais, Lakoff & Jonhson (2001) enfatizam que a construção da metáfora é mais
do que ser uma figura da linguagem verbal. Os autores estabelecem que nosso
sistema conceptual, o modo como conceituamos nossas ações no mundo, seja
metafórico por natureza. Criado pela migração em trânsito das informações
oriundas do sistema sensório-motor e as informações surgidas em nossa mente os
pesquisadores afirmam que conceitos como “os juros subiram” emergem de nossa
experiência espacial, e não apenas de nossa mente. Assim, “o copo está cheio” é
uma “metáfora do pensamento”, que surgiu da experiência corporal de subir.
O que estes autores discutem mostra que o sistema conceptual do corpo
não é exclusividade da mente e nem das palavras, pois o ato de subir criaria
informações no sistema sensório-motor que se relacionariam com as imagens
mentais não verbais criadas em função desta ação. O discurso verbal “fala” sobre o
corpo e também é uma ação, mas não pode ser considerado soberano. Há , por
exemplo, nossa pele que comunica muita coisa sem precisar “falar”117. Não existe
uma relação de maior ou menor importância entre o papel do sistemas muscular
para as cognições corporais e o uso da palavra. E não há como apostar toda a
comunicação no discurso verbal, visto que há outras formas de descrição da
117
Sobre isto ver “Tocar. Os significados humanos da pele”
do antropólogo Ashley Montagu. O autor defende que as
palavras não são os únicos atos de comunicação que
processam o envolvimento entre as pessoas.
83
construção da realidade corporal. Há diversas portas cognitivas, de entrada e saída,
que se entrelaçam nas metamorfoses do corpo118.
Como isto se relaciona com o ciberespaço? A ação de movimentar-se pela
Internet, não sendo algo exclusivo do domínio mental, mistura as imagens corporais
conscientes e inconscientes com as informações do movimento do corpo. Isto cria
outras metáforas corporais. “Andar” na Internet é metaforizar que pensamento e
ação corporal estão sendo “mixados” e criando outros domínios conceptuais para o
corpo. Imaginar-se “andando” pela Internet pode combinar toda a complexidade
corporal do ato de mover-se com as pernas, o que conecta metaforicamente as
realidades invisíveis do sistema sensório-motor à questão de que “realmente”
estamos movendo o mouse. Tudo isto significa fundamentalmente uma ação que
inverte/atualiza nossa ação de andar, uma vez que nossas mãos passam a ser
nossos pés.
A ação de movimentar-se pelo ciberespaço utilizando-se o mouse
desenvolve uma experiência sensória-motora que inverte a posição dos pés criando
outros paradigmas de locomoção. Neste espaço as mãos são selecionadas e
adaptadas para o movimento pelo espaço. Andar com as mãos não é algo
necessariamente novo, tendo em vista que as mãos têm um papel fundamental no
processo de desenvolvimento da humanidade. Aliás, o homem não nasce bípede. A
locomoção pela Internet parece ser apenas uma “atualização” que sublinha este
fato.
No caso dos desfiles virtuais há uma inversão: o “samba no pé” se
transforma em “samba na mão”. Olha o carnaval aí, gente!. A imagem reinventando
o corpo. O corpo reinventando a imagem.
118
Para assinalar esta questão de que as palavras não são
as únicas portas de entrada dos significados corporais vale
assinalar novamente que Charles Sanders Peirce fala
sobre as matrizes da linguagem verbal, assinalando que o
surgimento, em nossa mente, de uma palavra como
símbolo de alguma coisa se correlaciona com a imagem
anterior. Ver Lúcia Santaella em Semiótica e cognição
84
4.3. CIBER-BARRACÃO: A BUSCA DE IMAGENS
“Viver na carne” o processo de construção de um desfile virtual é uma das
formas de se perceber a complexidade do universo da comunicação. Toda a idéia
de que a comunicação como acordo social seja um paradoxo processo que tem o
corpo, e toda sua rede de informações verbais, musculares, imagéticas, entre
outras, como uma de suas ignições em co-relação com seus ambientes não é algo
que possa ser esquecido. Construir um desfile, pela releitura dos desfiles da Liesv é
uma experiência que permite co-relacionar o que sejam as “realidades internas e
externas” do corpo, suas visibilidades e invisibilidades, suas mortes e suas vidas. E,
sobretudo a presença de coletividades dentro e fora de si.
Todas as pessoas deste processo de construção do desfile não estão ligadas
ao carnaval. Foi uma coincidência perceber que todos os envolvidos não faziam
parte de comunidades carnavalescas de rua. Praticamente só conhecem um desfile
por que já viram na televisão ou desfilaram alguma vez no carnaval paulistano. Esta
é uma informação interessante deste processo, pois se trata de um “olhar do
estrangeiro”, ou melhor, de vários “estrangeiros” que só trazem para esta pesquisa
a idéia de que o carnaval, e, sobretudo os desfiles, não é um espaço de “tribos”.119
Para imaginar os caminhos da memória, dentro e fora do corpo, a idéia de
reunir estas pessoas parte de um pressuposto óbvio, as diferentes habilidades
cognitivas que se referem ao uso e operação de tecnologias interativas.
119
Sobre esta questão, a socióloga Leila Blass (2005)
desfaz a noção de que o carnaval seja um espaço de
identificação por valores absolutamente simultâneos. Para
a autora, não há como “encaixar” o desfile na idéia de uma
tribo urbana, uma vez que muitas pessoas de fora das
comunidades carnavalescas também fazem parte do
desfile. Esta diversidade torna imprópria a noção de classe
fechada.
85
Nosso ciberbarracão também é uma experiência geográfica. Estamos
testando a fluidez das fronteiras entre casa e rua. E sobretudo estamos percebendo
o deslocamento das fronteiras geográficas normalmente erguidas. Se a sociedade
contemporânea fala em “homework”, nosso ciberbarracão permitiu testar este
conceito. Eu de minha casa, e Fabiana, Juliana, Marcus, Christian, Danilo, Catarina,
Rômulo, Roney e Eduardo de seus respectivos lares, montamos este carnaval
como hipertexto.
4.3.1. O HIPERTEXTO COMO CARNAVAL
A noção de hipertexto, a deslinearização da narrativa, estudada por Janet
Murray (2001) aponta, entre outras coisas, que o computador muda a estrutura do
drama seriado. A noção de hipertexto assinala a possibilidade de construção de
continuidades singulares da narrativa: a possibilidade de parar a história, escolher
seus cenários visuais, os sons que serão mixados ao hipertexto. Para a autora,
todas estas ações já existem na forma tradicional de texto, mas
começam a
acentuar-se no desenrolar das possibilidades da literatura digital.
A noção de hipertexto é multimidiática, explora fusões sensoriais: “perder-se”
na diversidade dos caminhos da narrativa é “encontrar” diversos sentidos. Nestas
possibilidades percebemos que a noção de hipertexto já incorpora a noção de
sinestesia e imersão. Um corpo sujeito às (des)continuidades próprias do hipertexto
trabalha em imersões de fusão sensorial. O acaso em uma narrativa hipertextual
cria possibilidades de cenários sinestésicos, o que também remete a um processo
de carnavalização
É possível argumentar que a própria noção de hipertexto pode ser associada
à linguagem do carnaval, da forma como este foi conceituado na introdução: um
processo de inversão. Uma linguagem hipertextual é “ ...o modo de produção textual
da nossa contemporaneidade, afeito ao simultâneo espacialmente e ao sincrônico
temporalmente” Agra & Cohen (2002:163). Assim, uma narrativa hipertextual
86
assinala as inversões nos caminhos da narrativa. Um carnaval é a rede de sentidos
que um corpo cria e um espaço para revelar e ser percorrido por estes outros
significados. Neste sentido, um hipertexto é um espaço similar ao carnaval. O
carnaval precede a idéia do ciberespaço. Como evidencia Wertein (2003), a idéia de
um ciberespaço é algo presentificado na Divina Comédia de Dante Alighieri: a rede
entre espaços distintos, um inferno, um paraíso e um purgatório. O espaço
carnavalesco na idade média, de que fala o já citado Mikhail Bakthin, é uma rede
onde se cruzam pessoas, sensações e, sobretudo universos simbólicos pessoais e
coletivos. Isto nada mais é do que a idéia de deslinearização dos sentidos presente
na narrativa hipertextual. Esta idéia, de que o carnaval precede o ciberespaço, é
utilizada na concepção de nosso desfile para alertar que não se trata de algo
necessariamente “novo”.
O enredo é um enredamento. A idéia para conceber a narrativa parte do
pressuposto de enredar-se às questões que estamos discutindo. As imagens de
terremotos, mudanças tecnológicas, e dos símbolos que são tecidos pelo homem
são o ponto de partida para o desenvolvimento da narrativa hipertextual. A principal
idéia é que o folião é aquele que está interagindo com a narrativa. O desfile só é
possível através de seus movimentos. É preciso perder-se.
4.3.2. O ENREDO
A terra é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano é um enredo
que fala de metamorfoses. Destas metamorfoses a que o universo esta sujeito. No
começo da existência do planeta terra todos os continentes, diferentemente da
forma que os conhecemos hoje, estavam juntos. O suiço Alfred Wegener atestou
em 1912 para a questão de que os continentes estão à deriva, “navegando” pela
superfície do planeta. Nomeado por “ilha de Pangéia”, este supercontinente foi
sendo repartido e hoje esta configurado da forma que o conhecemos. Esta é a
teoria desenvolvida.
87
Neste supercontinente a vida no planeta passou por processos fundamentais
de seu desenvolvimento. Nestes territórios à deriva em um oceano azul floresceu a
era dos dinossauros, dos insetos gigantes, das florestas carboníferas. Todo
significado primordial da vida teve neste “palco cenas incríveis da história de nossa
existência”.
Quando os continentes já “navegaram” bastante, eis que surge uma espécie
“nova”: a espécie simbólica. Para esta espécie pintar paredes de cavernas, criar
deuses, mitos e lendas é sua rotina. O tempo passa, a terra vai mudando, os
símbolos da espécie simbólica também.
Passado um bom tempo, surgem alguns descendentes diretos desta espécie
continuam a simbolizar. Criam guerras, e outros deuses diferentes daqueles que
haviam criado antes, mas todos eles com o poder de explicar a origem das coisas e
do mundo. Há o deus dos deuses, há um deus dos oceanos, e assim por diante.
Neste mesmo lugar, outros vão questionar a existência destes deuses, alegando
que há outras coisas além de sua existência. Nasce aqui a idéia de colocar um
ponto de interrogação em nossa existência, mas sem pedir que os deuses
respondam: quem somos nós, de onde vimos e para onde iremos? E tal pergunta
vai atravessar o tempo.
Alguns sempre fazendo esta pergunta aos deuses, outros pensando que
estes deuses não existem e perguntando a si mesmos, no entanto, estes animais
seguem seu caminho. E constróem pernas que os levam pelas águas. Navegam
sem saber onde termina exatamente os caminhos que podem percorrer. Sua
curiosidade sem fim leva a espécie simbólica a lugares que já estiveram “grudados”
antes.
Muita coisa acontece, há encontros entre muitos desta mesma espécie, com
outros símbolos diferentes, e muito estranhamento acontece. Como os símbolos
desta espécie, de alguma forma, marcam fronteiras, pequenas e grandes guerras
88
se formam. Há uma luta, que parece não ter fim. Mas estas lutas sempre cessam
por momentos.
Das pernas que andavam na água esta espécie inventa olhos e ouvidos que
alcançam muito longe. Inventa “mulheres que bailam e giram” permitindo a vida da
comunicação, enviando e recebendo sinais. Das pernas que se movem literalmente,
a espécie cria pernas metafóricas. Com esta capacidade, esta espécie volta a juntar
os continentes que por sua vez, não param seu movimento de deriva.
Simbolicamente, no entanto, o planeta desta espécie, que já foi uma ilha, volta a ter
esta configuração novamente.
E a espécie não para de andar. Inventa pernas que voam no espaço. Pernas
que vão levá-la para fora desta “ilha”, chamada pela espécie simbólica de terra. A
terra, que é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano.
4.3.3. A ESTRUTURA
A narrativa é um hipertexto. A idéia é utilizar o que Janet Murray discute
sobre as possibilidades narrativas do ciberespaço para construir o sentido da
história. A idéia baseia-se em entrar e sair de diversos ambientes que seriam
correspondentes aos setores de um desfile de rua. A sugestão é que estejamos
imersos no desfile. Para tanto, analisamos que a perspectiva deveria propor a
oposição do “observador” em relação ao desfile. É como se estivéssemos na rua,
de frente para um desfile, vendo-o chegar até nós. Esta foi uma das possibilidades
de se “brincar” com a idéia do estar fora ou dentro do desfile.
A estética utiliza-se bastante do universo kitsch, além de lembrar a
fragmentação dadaísta. Os recortes das figuras foram propositadamente pensados
para que lembrassem universos em constante processo de montagem e
desmontagem.
89
No “início” do desfile há diversas opções a serem tomadas. Vamos vê-lo
linearmente? O samba enredo vai ou não acompanhar o desfile? pois podemos
escutar o samba sem que o desfile aconteça. Ou seja, existe a necessidade de
interferir no modo como acontecerá a narrativa audiovisual.
Para desfilar em nossa escola é preciso movimentar o mouse. Sem tal ação
não há como percorrer os caminhos construídos, e sobretudo experimentar a
narrativa não-linear que a história possibilita. Desta forma, pode-se perceber a
história sendo tecida da forma sugerida pela sinopse, mas pode-se também
perceber e conectar partes diferentes. Cada ambiente é, de certa forma, autônomo
em relação aos demais, de forma que não há prejuízo para os diversos sentidos
que a história pode apresentar. Assim, pode-se começar pelo meio, ira para o fim, e
terminar pelo começo. A sinestesia, própria ao carnaval e à estrutura hipertextual,
não é um mero recurso.
Para o desenvolvimento dos ambientes forma utilizados recursos como
animações em duas dimensões (2D). Para o movimento dos integrantes da
comissão de frente (3D). As “coreografias” da comissão de frente foram baseadas
em alguns movimentos do corpo “real”.
Os sambas enredo foram compostos por pessoas que também não “fazem
parte do mundo carnavalesco”. No desfile virtual há a possibilidade de criar
mixagens e agregar sons diferentes à performance. Há a opção de escolher uma
entre as diversas músicas que foram desenvolvidas na “disputa” e agregá-la ao
desfile.
4.4. A INVERSÃO é COGNIÇÃO
Todo este processo do nosso ciberbarracão tem sentido à medida que
percebemos que o espaço faz mais do que nos envolver, ao afirmarmos que as
fronteiras entre o nosso corpo e o espaço circundante vão muito além de nossa pele
90
e se transformam continuamente. Não temos essas peles, metáforas do corpo.
Somos o corpo e suas muitas peles. Não temos o carnaval, somos o carnaval, uma
vez que este é também uma das fronteiras permeáveis que ampliam as fronteiras
do nosso corpo. Estar dentro ou fora do carnaval não diz nada sobre o fato de que
possamos tê-lo ou não. Pois, estar fora do carnaval é, de alguma forma, sê-lo em
suas dimensões invisíveis.
Como inversão, o carnaval é um espaço se relacionando com diversos
corpos em busca de diferentes soluções. Os fundadores da Liesv reaparecem aqui,
com uma pergunta exposta no site sugerindo mais uma reflexão:
“Como desfilar na tela do computador? Como dizia Darwin, tudo se
transforma. E a paixão do carnaval entrou na onda!”
Charles Darwin é citado (de uma forma até bastante ingênua) para mostrar
que parece estar acontecendo aqui um processo evolutivo. Há uma metáfora
internalizada de que o carnaval seja um corpo. Carnaval como corpo. Corpo como
carnaval. Incorporado por suas linguagens.
O tempo todo, dissemos que o carnaval pressupõe a criação de
instabilidades no corpo e na sociedade, e que sobretudo tais instabilidades são
correlacionadas com um certo nível de imprevisibilidade. Mesmo que alguns
entendam as imprevisibilidades e tratem-nas como estados “desagradáveis”
(estados que possam significar a morte do corpo) tais situações são também uma
chave que pode abrir possibilidades de continuação da vida. O estranhamento é
vital: estranhar o corpo, suas imagens internas e externas, suas possibilidades
performáticas é abrir possibilidades cognitivas.
Parece que a inversão é um mecanismo que possibilita tais condições. Inverter é
criar instabilidades. Inverter um ambiente é inverter o corpo. Isto porque a inverção
91
possibilita a emergência de outros contextos cognitivos para este corpo, um
crescimento da complexidade120.
A evolução engendra resultados bem mais complexos do que uma operação
binária de causa e efeito e incorpora a complexidade dos estados de vir-a-ser em
suas operações demonstrando que a riqueza da vida esta na complexidade daquilo
que é indeterminadamente possível. Assim, o conceito de virtualidade é inerente ao
que Charles Darwin pontuou sobre os processos de evolução. Dentre outras
operações possíveis, a evolução opera “inversões”.
Inverter um movimento do corpo através de metáforas e imagens corporais (
e vice versa) é perceber que o corpo está sujeito às “seleções naturais”. Como
vimos em relação à locomoção na Internet, selecionar as mãos possibilita outros
contextos evolutivos aos processos cognitivos deste corpo.
Seria a inversão e sua inerente condição virtual uma pressuposta fundamental para
a operação da evolução? Outra operação da complexidade que gera vida?
120
E sobre esta questão, talvez seja válido pontuar algo sobre o que Charles Darwin conceituou a respeito da teoria da
evolução das espécies. Seus conceitos foram popularizados e presos à uma imagem que esconde seus reais significados.
Charles Darwin referiu-se à evolução, não como uma “luta cruel e inevitável” entre as espécies, o que inclui o homem, e sim,
como um processo da natureza escolher determinadas características adaptativas de um organismo, e que não possuem um
caráter pré-determinado. Ressaltando a importância do acaso nos processos de cruzamento que permeiam a evolução, este
processo é um reconhecimento contínuo e adaptativo de novas informações cujo objetivo é a permanência do organismo sem
que haja um propósito geral ou teleológico.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre o carnaval que desvirtua o corpo e por este é desvirtuado, fica a
pergunta: onde vai (re)nascer o corpo folião? Um corpo folião que pode tanto
desfilar na rua, pular em um baile, trabalhar em um barracão? Ou um corpo folião
como este dos desfiles da liesv, que “brinca” com o “teocentrismo” do carnaval
oficial. Quais outros mapas terá criado? Ou está criando neste momento?
A “travessura” de tirar o carnaval da rua e colocá-lo na Internet , nos coloca
diante de uma revalorização da brincadeira que mesmo “invisivelmente” faz correr
nas veias do país o sangue carnavalesco. Além de servir como questão para
rediscutir a dicotomia instaurada entre ser oficial ou não que “esconde” o corpo
multifacetado da cultura brasileira. Funciona também como “pretexto” para indagar
sobre a inevitável metamorfose a que está sujeito um corpo. Antes mesmo de sua
fecundação e vida uterina. Caso contrário, estaria o corpo condenado a morrer de
clichê?121 E o carnaval sem alterar-se estaria condenado à mesma sina?
E o carnaval é um útero fértil para mudanças. Sobre o “mito de criação do
desfile de rua”, há uma história de que tenha sido fecundado no Estácio, e de lá
ganhado a alcunha de “escola de samba”. Sobre isto nos fala Ismael Silva, em
entrevista concedida a Sérgio Cabral:
“... E quem sugeriu o nome escola de samba?”.
- Fui eu. É capaz de você encontrar quem diga o contrário. Mas fui eu, por
causa da escola normal que havia no Estácio. A gente falava assim: ‘ É daqui que
saem os professores’. Havia aquela disputa com Mangueira, Osvaldo Cruz,
Salgueiro, cada um querendo ser melhor. E o pessoal dizia: ‘ Deixa falar, é daqui
que saem os professores’. Daí que veio a idéia de dar o nome de escola de samba.
O prédio onde era a escola normal ainda continua lá, na esquina da Rua Joaquim
121
Helena Katz sugere esta pergunta em relação à dança.
93
Palhares com a Rua Machado Coelho. Agora é uma escola primária.”
Cabral(1996:241)
Uma escola de samba pode mesmo “ensinar” muita coisa. Sobretudo para o
corpo. Corpo em comunicação não somente pelas ruas da cidade. Se, conforme
ensinou Ismael Silva, o samba seria ensinado de um lugar para outro, o samba
pode também “entrar” em nossas casas, em nossos corpos, em um computador,
pela inerente vocação para o movimento espacial incorporado às escolas de
samba. Além de ser “ópera que sonha na rua” o desfile também pode “sonhar em
casa”.
É visível que esta “ópera que sonha na rua” tem sido um palco que tem
mostrado pouco o povo. Os carnavais oficiais exilam seus principais atores: o povo
Mas quando a brincadeira “cai” em suas mãos, este mesmo povo parece recriar-se
pelos sonhos do carnaval. Nossas mãos são interfaces que podem assinalar
mudanças.
Isto ficou evidente nas mudanças da “cadência do samba”, quando “Ismael
criaria a onomatopéia ‘bum bum paticumbum prugurundum’, que encerrava o
assunto, definindo o compasso inovador do samba criado pela turma do Estácio,
remodelando o samba inicialmente amaxixado de Donga, Heitor dos Prazeres e
companhia.” Souza (2003:33)
Sobre a mudança, Ismael diz:
“O estilo (antigo)não dava para andar. Eu comecei a notar uma coisa. O
samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar
assim?
Aí
a
gente
começou
a
fazer
um
patcumbumprugurudum” Cabral (1996: 242)
94
samba
assim:
bum
bum
Daí dizer que o carnaval muda pela diversidade inerente a cada mão que o
“toca”. Redes de mãos e pés.
A “verdadeira” festa carnavalesca é difícil de ser apontada por que não há um
único modo de compreender a festa. Não se trata de atribuir “fases” diferentes ao
processo. Há a diversidade de brincadeiras, cada uma com sua lógica própria
enredadas pelo desejo do corpo folião brincar.
Enredar é colocar em rede. É desafiar a lógica da inclusão e exclusão. Rede
entre idéias divergentes e convergentes. A idéia do enredo em um desfile é
justamente esta: criar uma rede entre diferentes pontos. Pontos que jamais
imaginaram estar juntos, na história que será tecida. Ou melhor, que está sendo
tecida. Com pontos e linhas de naturezas também diversas: de paetês aos pixels de
um monitor eletrônico. Como cantou a Mocidade Independente de Padre Miguel,
então em 1985, sonhando com o futuro:
“Deste mundo louco, de tudo um pouco eu vou levar para 2001
avançar no tempo e nas estrelas fazer meu ziriguidum
nos meus devaneios quero viajar, sou a mocidade,
sou independente vou a qualquer lugar
voa a lua e voa o sol
e vai a nave ao som do samba
caminhando pelo tempo
em busca de outros bambas
quero ver, no céu minha estrela brilhar
e estender meus versos à luz do luar
vou fazer todo o universo sambar
até os astros irradiam mais fulgor
a própria vida de alegria se enfeitou
está em festa o espaço sideral
viva o universo hoje é carnaval
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quero ser a pioneira a erguer minha bandeira e plantar minha raiz!”
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SEMINÁRIOS (Participação como ouvinte)
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Corpos Imaginários. Organizado pelo Cisc, centro interdisciplinar de
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www.ocarnavalcarioca.com.br
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