Adriano Carneiro Giglio
José Augusto de Souza Nogueira
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-7638-731-2
CONTEXTOS BRASILEIROS
CONTEX TOS BR ASILEIROS
CONTEXTOS BRASILEIROS
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-3178-8
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Adriano Carneiro Giglio
José Augusto de Souza Nogueira
Contextos Brasileiros
Edição revisada
IESDE Brasil S.A.
Curitiba
2012
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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
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G39c
Giglio, Adriano Carneiro.
Contextos brasileiros / Adriano Carneiro Giglio, José Augusto de Souza Nogueira. - 1.
ed. rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
82 p. : 28 cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3178-8
1. Capitalismo - Brasil 2. Brasil - Política econômica. I. Título.
12-7333.
CDD: 338.981
CDU: 338.1(81)
10.10.12 22.10.12
039800
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Sumário
A formação do Brasil: o atraso para a modernidade | 7
Transformações europeias | 7
Era Moderna | 8
Brasil: contradição histórica | 9
O passado em seu futuro | 10
Início para transformações | 12
A modernização do Brasil | 17
A lógica do capitalismo | 17
Estrutura social e ideologias políticas | 18
Economia e arte moderna | 19
A Revolução de 30 e a Era Vargas | 21
O modelo de desenvolvimento de JK | 22
O Brasil entre dois mundos | 27
A industrialização tardia | 27
Política econômica e expansão do capitalismo industrial | 28
Economia e política a partir da década de 1960 | 30
Novamente governo militar | 31
A década de 1980 e as transformações nacionais e internacionais | 36
Cidadania moderna e movimentos sociais | 43
A cidadania moderna | 43
A nova ordem mundial e seus desdobramentos nas sociedades em desenvolvimento | 47
O Brasil das urnas | 55
A modernização “Collorida” | 55
FHC: o sociólogo neoliberal | 58
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O Brasil e o contexto internacional | 65
Transformações do capitalismo | 65
Globalização | 67
Os principais blocos econômicos | 74
Referências | 79
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Apresentação
O objetivo deste livro é possibilitar o contato de estudantes e
leitores não apenas a um conjunto de informações e conteúdos, mas
também chegarem ao entendimento e interpretação da realidade
através da compreensão dos problemas vividos nas sociedades atuais,
em especial na brasileira. Partindo dos pressupostos de longa duração
no tempo histórico, em que se observa a permanência de ideias, conceitos e práticas ao longo dos séculos, a estrutura de longa duração
escolhida foi o sistema capitalista.
O desenvolvimento do trabalho tem, na análise do modelo capitalista,
o fator que possibilita a construção de uma interpretação da formação do
mundo atual. Assim, os fatos e momentos históricos dos últimos trezentos
anos ocorridos no mundo, tais como as revoluções burguesas, as revoluções
industriais, as revoluções socialistas, as duas guerras mundiais, os regimes
fascistas, as ditaduras militares na América Latina, a Guerra Fria, a nova ordem
mundial, o neoliberalismo e a globalização cujos resultados de forma direta
ou indireta concorreram para a formação política, econômica e social do
mundo contemporâneo, estão diretamente ligados ao sistema capitalista,
não de forma imposta ou subordinada, mas sendo ao mesmo tempo sujeito
e objeto das transformações ocorridas na estrutura do modelo capitalista ao
longo dos séculos.
Enfim, neste trabalho há um cabedal de conteúdos capazes de instigar
o leitor a conhecer e entender a sociedade brasileira contemporânea.
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A formação do Brasil:
o atraso para a modernidade
Adriano Carneiro Giglio*
A formação do Brasil e de sua sociedade está intrinsecamente ligada à história das sociedades europeias. Podemos afirmar que a sociedade brasileira surge como uma consequência, como um produto,
das transformações ocorridas no interior das sociedades europeias e que caracterizam o fim da Idade
Média e o início da Era Moderna. Foi justamente nesse período que, em meio às navegações ultramarinas, um novo continente seria incluído no mapa-múndi dos povos europeus. E nele seria dado início à
formação do Brasil.
Transformações europeias
O período histórico conhecido por Idade Média localiza-se entre a decadência e o fim do Império
Romano (sécs. III a V) e a crise do modo de produção feudal e início das relações capitalistas de produção (sécs. XIII a XV). A Europa, continente sobre o qual tais marcos históricos mais repercutem, apresentará, nesse período medieval, sociedades organizadas a partir de um modo de produção denominado
feudal. O feudalismo europeu caracteriza-se:
::: politicamente, por pequenos reinos, constituídos de feudos, com poderes autônomos, autoritários e hereditários, vinculados fortemente às estruturas da Igreja Católica;
::: economicamente, por uma produção agrária predominantemente de subsistência, controlada
pelos senhores feudais, proprietários dos meios de produção (terra, ferramentas, insumos),
combinada a algum artesanato e pequeno comércio, sendo os habitantes do feudo a mão de
* Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Especialista em Sociologia Urbana pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Gestão de Educação Profissionalizante pela Escola Brasileira de Administração Pública
de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (MBA EBAPE / FGV-RJ). Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
obra, que se subordina com trabalho e impostos às relações servis de produção em troca de
moradia e segurança;
::: socialmente, por uma estrutura que permite pouca ou rara mobilidade social, cujos estamentos1 podem ser divididos entre servos, camponeses livres, artesãos e pequenos comerciantes,
baixo clero, exército, nobres e alto clero.
Da crise da sociedade de modelo feudal de produção surgem as novas relações produtivas que
constituirão a sociedade capitalista. O feudalismo se desfez lentamente a partir do século XIII com a
combinação de diferentes fatores, entre eles estão:
::: a peste bubônica, que dizimou parte das populações dos feudos;
::: a revisão dos arranjos políticos e da interferência do poder da Igreja Católica;
::: o enfraquecimento econômico dos senhores feudais em meio às elevadas despesas com guerras e consequente baixa produtividade; e, principalmente;
::: o enriquecimento dos comerciantes, que buscam mais liberdade para estabelecer mercados,
obter lucros, reduzir impostos e participar das esferas políticas do poder.
Também irão marcar a transição entre a Idade Média e a Era Moderna as intensas atuações de
artistas e intelectuais, que descortinam novas perspectivas estéticas, filosóficas e científicas provocando a reflexão do homem sobre ele próprio, sua realidade, o mundo e sua natureza, Deus e a religião. O
conjunto das obras produzidas nessa transição contribuiu para que historicamente tal período fosse
denominado Renascimento, em contraposição às trevas em que se encontrava a sociedade humana
ao longo da Idade Média diante do papel obscurecedor da Igreja Católica sobre as áreas de estudo e
conhecimento.
Era Moderna
A Era Moderna está associada à organização da sociedade europeia em torno de uma nova maneira de produzir, distribuir e consumir: o modo de produção capitalista. A sociedade moderna capitalista caracteriza-se:
::: politicamente, por Estados com poder central organizado a partir de uma cadeia de órgãos e
instituições – até o século XVIII predominantemente monárquicos, após, predominantemente
republicanos – demonstrando a ascensão da participação política de diferentes setores da
população e a redução da influência de religiões oficiais;
::: economicamente, por relações de produção capitalistas, que preveem a propriedade privada,
o lucro a partir da reprodução do capital, a liberdade e a remuneração em salário, a intensificação da manufatura, do mercado e, a partir do século XIX, da indústria;
::: socialmente, por uma estrutura que permite, em tese, maior mobilidade social, cujas classes
estão divididas entre capitalistas (proprietários dos meios de produção, burgueses) e trabalhadores assalariados (proprietários da própria força de trabalho, proletariados e camponeses);
1 São denominados estamentos os grupos sociais pertencentes à estratificação em camadas da sociedade feudal, visto que essa estratificação
caracteriza a pouca ou rara possibilidade de mobilidade social (ascendente ou descendente). Da mesma forma, na sociedade capitalista são
denominadas classes as camadas da estratificação social correspondente, pois esta se caracteriza pela maior possibilidade de mobilidade dos
seus integrantes.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
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::: a produção científica atuou decisivamente para as transformações tecnológicas que passaram a incrementar constantemente as mercadorias, os mercados e as relações capitalistas
de produção.
A sociedade capitalista que então se forma transita entre o antigo e o moderno, o atraso e o progresso,
a superstição e a razão, o mito e a ciência, o rural e o urbano. O ambiente dessa sociedade é a cidade e a vida
urbana; o campo se subordina a ela como provedor, pois o comércio está nas feiras e nas lojas de suas ruas,
a administração e os órgãos de Estado também estão nos centros. O saneamento, os transportes e a comunicação com o mundo estão na cidade. A civilidade, os modos e os hábitos da vida moderna têm no cenário
urbano a sua origem. É lá que a indústria terá sua reciprocidade, necessitando de infraestrutura e mão de
obra cada vez mais qualificada, estimulando e fornecendo novas possibilidades à vida citadina.
Brasil: contradição histórica
Nesse sentido, o Brasil será constituído em meio a um processo histórico no qual ficará evidente a
sua contradição: enquanto os europeus passam por transformações modernizantes em suas estruturas
sociais, a organização da sociedade brasileira se baseará em soluções econômicas e políticas atrasadas,
que o aproximam da Antiguidade e da Idade Média. Os agentes desse processo são os mesmos, pois
à medida que eles (europeus, seus reinos e alta burguesia) procuram, no processo de acumulação de
capital, ter acesso a novas mercadorias e mercados, com o intuito de promover o desenvolvimento do
capitalismo e da modernidade em seus países, fazem isso às custas da exploração de territórios do novo
mundo, o continente americano. Mais precisamente a partir de decisões e estratégias que retomam
relações de produção da Antiguidade, como a escravidão, e concentrando poder político e econômico como na Idade Média, dificultando ou impedindo a participação política, a propriedade privada, o
trabalho livre e assalariado. A colonização desses novos territórios, nesse contexto, apresenta-se como
mais uma consequência do mercantilismo empreendido pelos europeus em diferentes direções e mercados. No caso, os reinos ibéricos de Espanha e Portugal, mais afastados pelas vias terrestres dos mercados do oriente, lançam ao mar suas ambições e, na condição de vanguarda política e científica da época,
assumem a liderança das aventuras da Expansão Marítima. Ao invés das feitorias implantadas na costa
africana, para o comércio de marfim e outras mercadorias, os portugueses elaboram uma colonização
de exploração, como forma de superar as dificuldades do deslocamento marítimo e a resistência dos
povos nativos. A América tropical era estimulante e interessante pela possibilidade de descoberta de
mercadorias preciosas, exclusivas e exóticas, a exemplo do que apresentavam as Índias Orientais. Mas,
ao mesmo tempo, pouco atrativa para um povoamento voluntário de imigrantes, seja pela condução da
Coroa portuguesa, seja pelo ambiente inóspito, seja pela redução populacional portuguesa em decorrência das guerras para expulsão da dominação moura em seu território em séculos anteriores.
Da extração do pau-brasil, cuja propriedade é sua química vegetal para tingimento, aos ciclos
de produção agrária e mineral (cana-de-açúcar, ouro, diamantes, algodão, tabaco, borracha), as marcas
dessa colonização na formação da sociedade brasileira somente começaram a ser redefinidas três séculos após o ano de 1500, quando da vinda da família real para o Brasil em 1808. Até aquele momento, não
se registra um projeto para uma sociedade brasileira, mas sim as consequências do processo histórico
europeu e de seu capitalismo originário.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
Wikipédia.
Há vários casos exemplares dessa determinação externa aos destinos da formação do Brasil e
de como isso o deixava vulnerável aos eventos e desejos internacionais. Como exemplo há a cana-de-açúcar, cuja especiaria fez do Brasil o seu maior produtor mundial e sobre a qual a economia estava assentada até o surgimento da concorrência internacional das Antilhas, quando os engenhos
revolveram-se com a crise de mercado em fins do século XVII; ou a exploração de ouro e diamantes,
que provocou intenso deslocamento demográfico para a região das minas e se tornou a principal fonte
financeira após a crise da cana-de-açúcar, até os sinais de diminuição e esgotamento das suas jazidas.
Mas emblemático mesmo é o exemplo da produção de algodão, que possuía importância à economia
colonial do açúcar, e depois do ouro, servindo para a confecção de sacos e roupa de escravos, assim
como o tabaco e a aguardente que eram utilizados no escambo2 de escravos africanos. No entanto,
com o salto de desenvolvimento do capitalismo europeu, em virtude do advento da produção industrializada na segunda metade do século XVIII, o algodão passou a ser mercadoria fundamental para
suprir a demanda multiplicada pelas novas tecnologias mecânicas (motores e energias) aplicadas aos
teares. A Inglaterra, berço dessa Revolução Industrial, terá na produção brasileira a matéria-prima que
seus teares transformarão não somente em tecidos e roupas que também serão vendidos para o Brasil,
mas, principalmente, em desenvolvimento do seu capitalismo e da modernidade de sua sociedade.
No rastro daquele mundo moderno, até o tabaco passa a ser matéria-prima com maior importância
econômica para a colônia, pois na Europa o hábito de fumar passa a constituir-se como elemento da
moda no cenário da vida urbana.
Tecelão, de Vincent van Gogh.
Lavoura de algodão.
O passado em seu futuro
Embora um país novo, todo o seu passado já havia consolidado a violência física e moral do genocídio dos povos nativos, estimados em quase três milhões de habitantes divididos em inúmeras nações
e línguas diferentes à época da chegada de Pedro Álvares Cabral, enquanto atualmente, neste início
de século XXI, contabilizam menos de quatrocentos mil remanescentes divididos em 215 nações e 170
línguas. Não menos violento foi o uso de mão de obra escrava, inicialmente nativa, mas principalmente
africana. O modelo de ocupação do solo em latifúndios combinado à produção monocultora, elegendo
um determinado produto para, em larga escala e com mão de obra escrava, reduzir custos para atender
2 Denomina-se escambo a troca direta de bens, como forma de se comercializar na ausência de moeda.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
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ao mercado externo europeu, determinou a desigualdade econômica e social presente até os dias de
hoje. A riqueza gerada se deslocava, majoritariamente, para a Coroa portuguesa, enquanto a parcela
que ficava no Brasil se concentrava, assim como a terra e os meios de produção, nas mãos da elite local.
Não se desenvolvia o mercado interno brasileiro, que permanecia incipiente, mas sim o europeu. Para
o desenvolvimento de um mercado interno, além de produção de produtos diversificados, agrícolas e
manufaturados, seria também necessária uma massa de trabalhadores assalariados para estimular o
consumo interno e a circulação de mercadorias e moeda. Portanto, o oposto do que o Brasil possuía. Do
contrário, essa sociedade estaria no mesmo curso histórico do capitalismo europeu.
Esse é o cenário desenvolvido pelo pacto colonial, de acordo com as imposições da metrópole
portuguesa à colônia brasileira. A atividade econômica deveria ser limitada à agricultura, sem a possibilidade de desenvolvimento de atividades manufatureiras, menos ainda de maquinários elaborados
como teares para linhas e tecidos finos, por exemplo. Somente com a vinda da família real e a corte
para o Brasil, e novamente por motivos europeus – no caso as guerras napoleônicas – o pacto colonial
será quebrado. Dom João VI, ao abrigar-se em terras brasileiras, determina a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, especificamente à Inglaterra, ativa parceira comercial dos portugueses. A
manufatura começa a ser desenvolvida, inicia-se a articulação com outros centros comerciais e industriais, diversas instituições e órgãos são criados como medida de aproximar o Brasil da modernização
já avançada na Europa.
Exemplos desse sopro de modernidade que atravessou o Atlântico com a família real são:
::: a fundação do Banco do Brasil (1808);
::: a criação da Imprensa Régia e a autorização para o funcionamento de tipografias e para a publicação de jornais (1808);
::: a abertura de escolas, como as de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro;
::: instalação de fábrica de pólvora e de indústrias de ferro em Minas Gerais e em São Paulo;
::: a criação da Biblioteca Real (1810), do Jardim Botânico (1811) e do Museu Real (1818);
::: a vinda da Missão Artística Francesa (1816) e a fundação da Academia de Belas-Artes.
Chegada da família real portuguesa.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
Início para transformações
Em que pese a Independência do Brasil, proclamada pelo descendente da Coroa portuguesa
após o retorno da família real a Portugal e a transformação da colônia em Império, em 1822, haverá em
meados daquele século meia centena de produtores de tecidos, além da fundação de bancos, seguradoras e companhias de transportes. No último quartel do mesmo século XIX, finalmente, registra-se
um conjunto de eventos que serão considerados fatores fundamentais da transformação da sociedade
brasileira: a abolição da escravidão e a introdução do trabalho livre assalariado, a Proclamação da República e a economia do café.
A esse respeito, Sérgio Buarque de Holanda (1991, p. 127), em seu livro Raízes do Brasil de 1936,
faz a seguinte reflexão:
Se em capítulo anterior se tentou fixar a data de 1888 como o momento talvez mais decisivo de todo o nosso desenvolvimento nacional, é que a partir dessa data tinham cessado de funcionar alguns dos freios tradicionais contra o advento
de um novo estado de coisas, que só então se faz inevitável. Apenas nesse sentido é que a Abolição representa, em
realidade, o marco mais visível entre duas épocas. [...]
E efetivamente daí por diante estava melhor preparado o terreno para um novo sistema, com seu centro de gravidade
não já nos domínios rurais, mas nos centros urbanos. [...] Ainda testemunhamos presentemente, e por certo continuaremos a testemunhar durante largo tempo, as ressonâncias últimas do lento cataclismo, cujo sentido parece ser o do
aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura para a inauguração de um estilo novo, que crismamos talvez ilusoriamente de americano, porque seus traços se acentuam com maior rapidez em nosso hemisfério.
O americanismo, conceito citado por Sérgio Buarque de Holanda, revela já na primeira metade
do século XX o compartilhamento do centro gravitacional do capitalismo moderno entre a Europa e os
Estados Unidos que, desde o século XVIII, como ex-colônia da Inglaterra e com mais características do
modelo de povoamento do que de exploração, avançaram em adotar o desenvolvimento em curso nas
sociedades europeias, participando, por exemplo, quase ao mesmo tempo, da Revolução Industrial.
As transformações daí decorridas na vida da sociedade brasileira passavam pela mudança de
suas instituições econômicas, políticas e sociais, ficando evidente na mentalidade de suas elites e
no surgimento de novos personagens e grupos de poder. A economia do café está intrinsecamente
associada a isso, a ponto de estabelecer antagonismos com a economia da cana-de-açúcar, que havia
retomado certa importância econômica com as crises políticas e sociais nas Antilhas e em outros
concorrentes seus em fins do século XVIII. O senhor de engenho, e o ambiente do engenho de açúcar
estão identificados à aristocracia rural arcaica, escravista e monárquica, enquanto o fazendeiro do
café e sua lavoura representam o abolicionismo, o trabalho assalariado, a República e a vida urbana,
chegando a desdobrar-se, se não diretamente, por meio de seus descendentes e finanças, na nascente
burguesia industrial.
É deliberadamente que se frisa aqui o declínio dos centros de produção agrária como o fator decisivo da hipertrofia
urbana. As cidades, que outrora tinham sido como complementos do mundo rural, proclamaram finalmente sua vida
própria e sua primazia.
[...] o desaparecimento progressivo dessas formas tradicionais coincidiu, de modo geral, com a diminuição da importância da lavoura do açúcar, durante a primeira metade do século passado (XIX), e sua substituição pela do café.
[...] O resultado é que o domínio agrário deixa, aos poucos, de ser uma baronia, para se aproximar, em muitos dos seus
aspectos, de um centro de exploração industrial. [...] O fazendeiro que se forma ao seu contato (café), torna-se, no fundo, um tipo citadino, mais do que rural, e um indivíduo para quem a propriedade agrícola constitui, em primeiro plano,
meio de vida e só ocasionalmente local de residência ou recreio. (HOLANDA, p. 129-130)
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
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O mercado interno passa a se desenvolver fortemente no rastro da abolição, da introdução do trabalho assalariado e da imigração estrangeira que vem suprir quantitativa e qualitativamente os setores
de serviços e de produção agrícola, principalmente na lavoura de café, bem como o industrial, ainda em
formação. Somente para fixarem-se em São Paulo, desembarcaram, na última década do século XIX, 609
mil imigrantes, dos 1,5 milhão que vieram para o Brasil. Nesse sentido é que Celso Furtado (2000, p. 155)
considera que o “fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século XIX
foi, sem lugar à dúvida, o aumento da importância relativa do setor assalariado”. A expansão do mercado
interno baseia-se no trabalho assalariado da economia cafeeira, cujo mecanismo de suas unidades se liga
intimamente às correntes do comércio exterior. Uma vez que não se trata mais de trabalho escravo, o valor
total da produção deverá remunerar os fatores utilizados na produção, conforme explica o mesmo autor
(2000, p. 156):
A fim de simplificar a análise, dividiremos essa renda em dois grupos gerais: renda dos assalariados e renda dos proprietários.
O comportamento desses dois grupos, no que respeita a utilização da renda, é sabidamente muito distinto. Os assalariados
transformam a totalidade, ou quase totalidade, de sua renda em gastos de consumo. A classe proprietária, cujo nível de consumo é muito superior, retém parte de sua renda para aumentar seu capital, fonte dessa mesma renda.
Dessa forma, o século XX apresentará as transformações que não aconteceram nos últimos quatrocentos anos da formação do Brasil, cujo atraso proporcionou, no mesmo período, a modernização
das sociedades europeias.
Texto complementar
O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial
(NOVAIS, 1984, p. 58-59)
A economia colonial, quando encarada no contexto da economia europeia de que faz parte, que
é o seu centro dinâmico, aparece como altamente especializada. E isto mais uma vez se enquadra nos
interesses do capitalismo comercial que geraram a colonização: concentrando os fatores na produção de alguns poucos produtos comerciáveis na Europa, as áreas coloniais se constituem ao mesmo
tempo em outros tantos centros consumidores dos produtos europeus. Assim se estabelecem os dois
lados da apropriação de lucros monopolistas […] Mas não só na alocação dos fatores produtivos, na
elaboração de alguns produtos ao mercado consumidor europeu se revela a dependência da economia colonial face ao seu centro dinâmico. O sistema colonial determinará também o modo de sua
produção. A maneira de se produzirem os produtos coloniais fica, também, necessariamente, subordinada ao sentido geral do sistema; isto é, a produção se devia organizar de modo a possibilitar aos
empresários metropolitanos ampla margem de lucratividade. Ora, isto impunha a implantação, nas
áreas coloniais, de regimes de trabalho necessariamente compulsórios, semisservis ou propriamente
escravistas. De fato, a possibilidade de utilização do trabalho livre, na realidade mais produtivo e, pois,
mais rentável em economia de mercado, ficava bloqueada na situação colonial pela abundância do
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
fator terra; seria impossível impedir que os trabalhadores assalariados optassem pela alternativa de se
apropriarem de uma gleba, desenvolvendo atividades de subsistência. Disto resultaria, obviamente,
não uma produção vinculada ao mercado do centro dinâmico metropolitano, mas simplesmente a
transferência de parte da população europeia para áreas ultramarinas, e a constituição de núcleos
autárquicos ou quase autárquicos de economia de subsistência, em absoluta contradição com as necessidades e estímulos da economia europeia em expansão. É em função dessas determinações que
renasce na época moderna, no mundo colonial, a escravidão e toda uma gama de formas servis e
semisservis de relações de trabalho, precisamente quando na Europa tende a se consolidar a evolução
no sentido contrário, isto é, da difusão cada vez maior do regime assalariado.
Atividades
1.
Apresente, de maneira comparada, as características entre os dois modos de produção vividos
pelas sociedades europeias na transição da Idade Média para a Moderna.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
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2.
Que conceito representa a ideia exposta no seguinte trecho, principalmente quanto ao rumo de
que fala o autor?
“O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda de prestígio do
antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores de empresas concebidas à
maneira de estabelecimentos industriais urbanos indicam bem claramente em que rumo se faz
essa evolução.” (HOLANDA, 1991, p. 131)
3.
Entre algumas características associadas à economia do café no Brasil, na virada do século XIX
para o século XX, podemos considerar:
a) Trabalho assalariado.
b) Aristocracia arcaica.
c) Escravidão.
d) Monarquia.
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A formação do Brasil: o atraso para a modernidade
Gabarito
1.
Feudalismo: politicamente, por pequenos reinos, constituídos de feudos, com poderes autônomos, autoritários e hereditários, vinculados fortemente às estruturas da Igreja Católica; economicamente, por uma produção agrária predominantemente de subsistência, controlada pelos
senhores feudais, proprietários dos meios de produção (terra, ferramentas, insumos), combinada
a algum artesanato e pequeno comércio, sendo os habitantes do feudo a mão de obra, que se subordina com trabalho e impostos às relações servis de produção em troca de moradia e segurança; socialmente, por uma estrutura que permite pouca ou rara mobilidade social, cujos estamentos (grupos sociais) podem ser divididos entre: servos, camponeses livres, artesãos e pequenos
comerciantes, baixo clero, exército, nobres e alto clero.
Capitalismo: politicamente, por Estados com poder central organizado a partir de uma cadeia de
órgãos e instituições – até o século XVIII predominantemente monárquicos, após, predominantemente republicanos – demonstrando a ascensão da participação política de diferentes setores da
população e a redução da influência de religiões oficiais; economicamente, por relações de produção capitalistas, que preveem a propriedade privada, o lucro a partir da reprodução do capital,
a liberdade e a remuneração em salário, a intensificação da manufatura, do mercado e, a partir do
século XIX, da indústria; socialmente, por uma estrutura que permite, em tese, maior mobilidade
social, cujas classes estão divididas entre capitalistas (proprietários dos meios de produção, burgueses) e trabalhadores assalariados (proprietários da própria força de trabalho, proletariados e
camponeses).
2.
Americanismo.
3.
A
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