Inquérito domiciliar de basepopulacional de prevalência da infecção pelo vírus do dengue em três áreas do Recife. Carlos Feitosa Luna¹, Maria Cynthia Braga¹, Wayner Vieira de Souza¹, Maria de Fátima P. M. de Albuquerque¹, Celina Turchi Martelli², José Constantino Silveira Júnior¹. 1. 2. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Av. Professor Moraes Rego, s/n, Campus da UFPE, Recife, Brazil. Universidade Federal de Goiás, Instituto de Saúde Pública e Patologia Tropical Introdução O dengue é uma doença infecciosa com grande amplitude, que ocorre em áreas tropicais e subtropicais, exigindo ações efetivas no âmbito da saúde pública com custos potencialmente altos. Sendo os fatores determinantes para sua manutenção (Wilson Mary E and Lin H Chen, Dengue in the Americas, dengue bulletin, vol. 26, 2002): • o aumento da densidade demográfica; • a urbanização descontrolada; • as condições climáticas. Introdução • Epidemiologia da dengue em Pernambuco (Marli Tenório Cordeiro, 2008) - Três grandes epidemias: 1987 (Den-1): 2.118 CN 1995 (Den-2): 9.982 CN e 6.789 CC 2002 (Den-3): 116.245 CN - Recife: 1987: 547 CN e 357 CC 2002: 35.597 CN, 208 FDH e 14 óbitos. Introdução Ainda não há vacina, nem tratamento específico, sendo o controle do vetor a única forma de reduzir a incidência da doença no mundo. Vários fatores entomológicos (virulência da cepa circulante, sorotipos virais), climáticos (temperatura, regime de chuvas) e individuais (idade, sexo, raça, estado nutricional, pré-existência de enfermidades crônicas, presença de anticorpos, intensidade da resposta imunológica a infecções anteriores) têm sido associados à transmissão e gravidade dos casos (Teixeira et. al. 1999). Introdução Análises espaciais da infecção pelo vírus podem ser úteis na compreensão do processo de transmissão da doença no espaço urbano, auxiliando na identificação dos fatores sócio-ambientais envolvidos e na definição das estratégias de controle da doença. Nesta perspectiva, surgiu em 2002 o projeto SAUDAVEL (Sistema de Apoio Unificado para Detecção e Acompanhamento em Vigilância EpidemioLógica), que propõe o uso das Tecnologias da Informação Espacial no apoio ao Controle de Endemias: Dos "Lugares das Doenças" às "Doenças do Lugar". Opera numa rede inter-institucional, contando com: INPE, UFMG, PRODABEL, UFPR e FIOCRUZ. . Introdução Tem por objetivo principal desenvolver métodos, algoritmos e produtos para produzir os instrumentos tecnológicos necessários à construção de sistemas de vigilância epidemiológica e de controle de endemias. Para tanto, cinco áreas com condições sócio-econômicas e características fisiográficas distintas foram selecionadas. Nestas áreas, a população de vetores foi monitorada (2005-2006). Em três dessas áreas, além dos dados entomológicos, realizou-se o levantamento da prevalência de soropositivos para dengue. Objetivos • Determinar a prevalência de soropositivos ao vírus do dengue nas áreas de Engenho do Meio, Brasília Teimosa e Casa Forte/ Parnamirim, localizados na cidade do Recife; • Descrever a distribuição espacial dos casos soroprevalentes; • Identificar fatores de risco associados a soropositividade. Metodologia • Desenho de estudo: - Caso-controle aninhado a um inquérito de prevalência. • Amostragem: - Amostragem estratificada: 5-14 e 15-64 anos • Tamanho da amostra: (2.960) - Engenho do Meio: 1.062 - Brasília Teimosa: 1.024 - Casa Forte/ Parnamirim: 874 • Período de coleta: - agosto de 2005 a setembro de 2006. Metodologia • Caracterização da área de estudo: - Engenho do Meio: Área (km²): 4,58 População: 10.560 Densidade demográfica (hab/km²): 2.306 Renda Chefe Domicílio: 5 S.M. - Brasília Teimosa: Área (km²): 4,41 População: 19.155 Densidade demográfica (hab/km²): 4.344 Renda Chefe Domicílio: 2 S.M. - Casa Forte/ Parnamirim: Área (km²): 6,76 População: 9.838 Densidade demográfica (hab/km²): 1.455 Renda Chefe Domicílio: 26 S.M. Metodologia • Dados Coletados: - Indivíduo (idade, sexo, escolaridade, área de residência, atividade remunerada, bairro onde estuda e trabalha); - Domicílio (tipo de imóvel, número de moradores por cômodo, freqüência e abastecimento d’água, reservatórios de água, destino do lixo, destino dos dejetos e coordenadas de localização do imóvel). - Amostras de sangue venoso coletadas processadas e estocadas para a realização do exame sorológico. Metodologia • Análise Estatística: - Foi realizada uma análise descritiva e as magnitudes das associações foram estimadas pelas razões de chance com seus respectivos intervalos de confiança e ajustadas pelo efeito do desenho amostral. - Modelo de Regressão Logístico Hierárquico (Rabe-Hesketh et al., 2005). - Modelos Aditivos Generalizados Logístico (GAM) com Spline dos pares das coordenadas como covariada. E as superfícies apresentadas obtidas por interpolação espacial dos valores preditos (HASTIE et al., 1990). • Softwares utilizados: - Stata 9.2 (GLLAMM) e R 2.7.2 (MGCV). Resultados Tabela 1 – Principais características das áreas de estudo de acordo com os três níveis de análise (individual, domicílio e área), Brasil, 2006. Brasilia Teimosa (n=978) Área Engenho do Meio (n=932) Casa Forte/ Parnamirim (n=923) 23,4 ± 16,2 46,5 1,9 17,5 25,2 ± 17,3 45,1 7,0 34,4 29,5 ± 17,6 37,9 21,7 50,4 Características do Domicílio Tipo apartamentos (%) Mais de 1 morador por cômodo (%) Fonte de abastecimento rede geral (%) Abastecimento d’água diária (%) Sem reservatórios para água (%) Com Esgotamento (%) Coleta de lixo (%) 8,2 45,2 93,1 12,7 4,9 52,5 87,9 9,1 24,2 99,7 59,3 4,9 91,2 100,0 44,7 26,5 74,8 56,4 8,9 80,1 97,4 Características da Área Area (Km2) População Densidade demográfica (hab/km2) Renda do chefe do domicílio (em S.M.) 4,41 19.155 4.344 2 4,58 10.560 2.306 5 6,76 9.838 1.455 26 91,1 (89,1-92,8) 87,4 (85,1-89,5) 74,3 (71,4-77,1) Características dos Indivíduos Idade (Média ± Desvio) Sexo masculino (%) Escolaridade nível superior (%) Deslocamento para trabalhar/ estudar (%) Soropositividade (% e IC 95%) Tabela 2 – Distribuição de casos e controles quanto às características individuais. Características Individuais Examinados Positivos N % ORa Faixa Etária 5-9 10-14 15-39 ≥ 40 568 665 929 656 395 564 836 585 69,5 84,8 90,0 89,2 1,00 3,60 6,73 6,72 1,00 (2,32 – 5,57) 4,00 (4,23 – 10,71) 10,54 (4,20 – 10,73) 14,94 Sexo Feminino Masculino 1601 1218 1339 83,6 1041 85,5 1,00 1,11 (0,84 – 1,45) Escolaridade Superior Médio Fundamental/ Analfabeto 283 695 1835 212 74,9 635 91,4 1528 83,3 1,00 3,34 1,41 (2,05 – 5,45) (0,90 – 2,20) 1,00 2,70 3,29 (1,58 – 4,62) (1,87 – 5,79) Área Casa Forte/ Parnamirim Engenho do Meio Brasília 920 923 977 684 807 890 74,3 87,4 91,1 1,00 3,22 5,15 (2,12 – 4,90) (3,32 – 8,00) 1,00 3,08 5,13 (2,00 – 4,74) (3,18 – 8,29) 753 79,3 1628 87,1 1,00 1,67 (1,23 – 2,27) 1,00 1,52 (1,09 – 2,12) Deslocamento Estudar/ Trabalhar Sim 950 Não 1870 a Bruta b Ajustada pelo efeito do desenho e as demais covariáveis 95% CI ORb 95% CI (2,60 – 6,16) (6,04 – 18,41) (8,60 – 25,96) Tabela 3 - Distribuição de casos e controles quanto às características do domicílio. Características dos Domicílios Tipo de Imóvel Apartamento Casa Examinados Positivos N % ORa 95% CI ORb 95% CI 576 2243 389 1992 67,5 1,00 1,00 88,8 5,98 (4,07 – 8,77) 5,25 (3,59 – 7,67) Número de Moradores por Cômodo Até 1 1905 >1 908 1556 818 81,7 1,00 1,00 90,1 2,56 (1,66 – 3,94) 1,69 (1,12 – 2,55) Fonte de Abastecimento Rede geral Não rede geral 2518 302 2156 225 85,6 1,00 74,5 0,33 (0,19 – 0,56) Freqüência Abastecimento d’Água Diária 1192 Dois, três ou mais dias 1627 946 1434 79,4 1,00 88,1 2,48 (1,72 – 3,58) Reservatórios no Domicílio Não tem reservatórios para água Apenas reservatórios com tampa Reservatórios com e sem tampa 176 2259 385 155 1878 348 88,1 1,00 83,1 0,61 (0,29 – 1,27) 90,4 1,44 (0,58 – 3,59) Destino dos Dejetos Esgoto Fossa/ Céu aberto 2092 726 1736 644 83,0 1,00 88,7 1,97 (1,26 – 3,06) Destino do Lixo Coletado Outro destino 2671 142 2247 129 84,1 1,00 90,8 3,34 (1,12 – 9,91) Principais resultados Fatores associados com a soropositividade: - Idade (10-14, OR=3,94; 15-39, OR=11,42 e ≥40, OR=16,60) - Escolaridade (Médio, OR=2,13 e Fundamental/ Analfabeto, OR=2,59) - Área de residência (EM, OR=1,96 e BT, OR=2,96) - Tipo de Imóvel (Casa, OR=3,85) - Número de moradores por cômodo (Mais de 1, OR= 2,18) Principais resultados Fatores associados com a soropositividade por área de residência: Brasília Teimosa - Idade (10-14, OR=3,59; 15-39, OR=10,93 e ≥40, OR=26,45) - Deslocamento para estudar/ Trabalhar (Não, OR=2,77) Engenho do Meio - Idade (10-14, OR=4,15; 15-39, OR=13,20 e ≥40, OR=14,96) - Escolaridade (Médio, OR=2,34 e Fundamental/ Analfabeto, OR=2,85) - Número de moradores por cômodo (Mais de 1, OR=2,86) Casa Forte/ Parnamirim - Idade (10-14, OR=2,37; 15-39, OR=4,84 e ≥40, OR=5,84) - Escolaridade (Médio, OR=1,55 e Fundamental/ Analfabeto, OR=1,75) - Tipo de Imóvel (Casa, OR=3,48) - Número de moradores por cômodo (Mais de 1, OR=1,86) Mapas de Risco nas três áreas investigadas Mapa de Risco Brasília Teimosa Mapa de Risco Engenho do Meio Mapa de Risco Casa Forte/ Parnamirim 9112500 8 9109500 2 0.5 2 9112000 7 1 6 N-S N-S 1.4 0.6 9109000 1.6 5 1.6 4 1.2 9111500 9105200 9105400 9105600 9105800 9106000 9106200 8 2 1.5 1.2 1.2 1.4 1 1.2 0.8 1 1.2 1 0.4 292400 292600 292800 E-W 293000 293200 285400 285800 E-W 286200 286600 9111000 0.8 1.4 1.6 0.8 9110500 2 2 3 9108500 N-S 6 4 288000 288500 289000 E-W 289500 Conclusão • O estudo evidencia altas prevalências de infecção, porém ainda existem diferencias intra-urbanos que não são influenciados por fatores climáticos. • Estas prevalências parecem ter forte relação com as condições sóciodemográficas. Evidenciando a necessidade de melhores condições de infra-estrutura nos bairros e nos domicílios. • Torna-se necessário o desenvolvimento de estratégias de controle diferenciadas de acordo com as características de cada área.