1 2 .SUMÁRIO Capítulo 01- Considerandos 02- EU 03- ELES 04- NÓS 05- LÁ 06- Escaramuças e um Plano 07- Marchas e Contramarchas 08- As Coisas Podem Ser o Que São, ou Não 09- Desenvolvimentos de Uma Situação Impossível 10- A Paralaxe do Equinócio 11- A Gênese da Realidade 12- Complicações e Soluções Mas Nada de Graça 13- A Verdadeira Complexidade da Simplicidade 14- As Complicações do Ofício de Rei 15- Discussões Dentro da Água e Decisões Sobre o Que Fazer 16- Sustos e Suspiros 17- Atos de Braxl 18- Onde se Vê Que a Liberdade Não é Prática Universal 19- Conhecendo o Inimigo 20- A Batalha do Incrível 21- Interações Domésticas 22- Encontro Com o Perigo 23- A Mão de Obra Continua 24- De Volta á Guerra Chata 25- A Outra Face da Moeda 26- Pompa e Circunstância 27- Coda- Só Para Não Terminar Como Novelas que finalizam tudo Em Uma Folha de A4 28- Coda da Coda- Ou Seja Não é Fácil Terminar PAG 0 04 0 07 011 035 043 072 102 126 145 182 199 206 227 243 265 290 325 339 358 375 381 391 424 435 449 469 475 477 3 Memórias Do Amanhã ou O Aqui e o Lá O’Aranha Editora PerSe 4 Capítulo 1-Considerandos A memória é uma coisa engraçada, pois precisa ser exercitada para funcionar como se espera. Isto é, sua principal função é manter na lembrança os fatos da maneira como aconteceram. Mas como este processo sofre certo enfraquecimento ao longo do tempo e, se não fosse para vencer o tempo trazendo os fatos sempre presentes, para que então teríamos memória? Então é necessário preservar esta faculdade, ou seja, o trabalho necessário para a manutenção da mesma se torna importante. Tentando assim fugir a este efeito existe o recurso de escrever, pois quando escrita a lembrança fica mais viva e mais detalhes podem ser anexados a uma realidade mantendo-a nítida na lembrança. Sendo então possível aumentar sua proximidade cada vez mais e aproximar de um estado que se encaixe no ideal a ser resguardado, formando um quadro de complexidade crescente. É também importante nos lembrarmos, que recriar a realidade é um passatempo muito interessante, ou então não existiriam tantos escritores neste mundo. ... Há coisas que devem ser escritas, mas nunca foram, há coisas que podem ser escritas, mas não devem e há coisas, que poderiam ser escritas, mas são demasiado aborrecidas para merecer a distinção, mas o que estou escrevendo agora, não se encaixa em nenhuma das categorias acima. É tão inacreditável, que pode ser escrita e descrever toda uma realidade e mesmo assim, nem mesmo ser considerada como uma vaga possibilidade de verdade, no entanto esta deve ser resguardada para os que entendem. É também tão terrivelmente verdadeira que não deveria ser escrita, mas ainda assim a escrevo, pois não fará nenhum efeito no tempo nem nas pessoas, mas ao 5 contrário da terceira categoria não é nem um pouco aborrecida mesmo não sendo absolutamente crível. Toda esta pseudo-bagunça entre verdade, realidade e credibilidade é uma componente inseparável, de um acontecimento real, mas que sendo tão fantasticamente inacreditável, pelo menos para a imensa maioria das pessoas que o mundo considera como sérias, não pode ser considerado como verdade, então não pode ser aceito como real e assim ninguém pode acreditar nele. Mas como aconteceu e aconteceu comigo escrevo a história nem que seja para mim mesmo, não dando nenhuma atenção aos que pensam que sabem mais e que se contentam em espojar-se em seus pensamentos auto animadores, meros auto perpetuantes da própria importância auto concedida... Vê-se que não dou muito valor a estes tipos, que substituem a realidade por seus próprios pensamentos e por aquilo que pensam que seja sua grande sabedoria. A realidade é muito maior que estes pensamentos e muito maior que qualquer pretensa ciência, já que a ciência é a verdade, pois a percepção do homem está em perpétua mutação e nenhum quadro da realidade pode ser estático o suficiente para ser verdadeiro, assim a verdade não se enquadra em nenhum padrão fixo, mas é expansível como o próprio universo. Assim aconteceu e aconteceu comigo! Por quê? Não sei. Não foi por mérito, mas por algo deve ter sido desde que como místico não creio no acaso e a própria teoria do caos, demonstra que o acaso é a expressão de uma lei que nosso intelecto ainda não alcançou. O universo é um imenso campo de possibilidades e por estarmos presos a apenas uma delas, negamos a existência das outras, perdendo assim a qualidade da diversidade da manifestação, pois criamos uma prisão para o pensamento que não consegue 6 examinar outras qualidades da realidade. Eistein iniciou um imenso mergulho da imaginação disciplinada pela matemática, por estes imensos rios que cruzam os campos da realidade, seguido e seguindo muito de perto a Max Planck, Heisemberg e tantos outros, assim a realidade se viu expandida quase à força. Mas o homem comum não emprestou sua energia a esta visão muito maior que a sua própria, assim estas descobertas ficaram limitadas a uns poucos milhares de pessoas, entre os bilhões de seres humanos existentes, não encontrando ainda sua plena energia para manifestar-se como uma descoberta real, de grande importância para o conjunto terra/homem. Esta descoberta ainda não tem força para mudar o homem em seu dia a dia, assim passa como que despercebida para a imensa maioria das pessoas. Mas no presente, a difusão e disseminação do computador pessoal, está criando condições para que os limites da realidade sejam finalmente expandidos e vistos como ilusões impostas pelo homem a si mesmo. Assim talvez finalmente sejam ultrapassados, para que o homem possa penetrar na imensa maravilha que é o Universo e a natureza, livre da escravidão do intelecto mal informado que forja imagens determinantes. Um intelecto verdadeiramente livre, não suporta as peias de qualquer determinismo. Mas os fatos que aconteceram são tão fantásticos, que sua ordem e sucessão normal correm o risco de se embaralhar de uma maneira muito complexa na memória, perdendo assim coesão. É por isso que vou escrever antes que a idade me leve o melhor da memória e assim termine sem os marcos que me fazem eu mesmo, para me tornar em uma massa vivente amorfa e sem referências, vivendo do presente, sem nada de passado, como tantos que vivem nesta época de maravilhas, que é de onde estou escrevendo estas linhas. 7 Capítulo 2- EU Aos vinte e seis anos de idade, estava em uma situação muito peculiar, em relação aos outros rapazes da mesma idade, pois não conseguia uma interação efetiva com as outras pessoas, andando pelo mundo como que mergulhado em um oceano de melado grosso, que me dificultava os movimentos até não restar vontade de ir a parte alguma. Eu vivia é claro, falava com os outros, comia, lia, praticava esportes, namorava, ria das piadas dos outros, mas não fazia piadas me parecendo que a vida deveria ser outra coisa, talvez melhor dimensionada para produzir interesse, faltando claramente algum tipo de cimento de integração em meu caráter. Viver deveria ser mais do que tudo que estava fazendo, mesmo do que me aparecia como alternativa para o futuro. Tinha alguns amigos que poderia dizer que eram verdadeiros e mais ainda, dois primos que viviam na cidade de Curitiba, que eram Tite e Nando, com sua família nada padrão, ou seja, Tite tinha seis esposas e Nando duas! Eram meus amigos e meus instrutores, pois fui aluno deles durante praticamente toda minha vida, aprendendo realmente muita coisa com estes malucos, conforme vai ficar bem evidente durante esta narrativa. Desde que me lembrava e por uma determinação especial do destino me lembrava de coisas que me aconteceram bem cedo, era um tanto diferente dos outros. Não de uma maneira agressiva, nem de uma maneira muito evidente, ou então seria candidato certo a uma terapia, que se não repudiava também não desejava nem um pouco, pois não via porque me aproximar das outras pessoas, ou se isso seria algo tão compensador que merecesse o esforço de longos anos com um terapeuta. Afinal não era tão infeliz a ponto de achar que o mundo estava errado ou mesmo 8 injusto, simplesmente era assim e pronto, os outros é que se virassem, não eu, que era e continuaria sendo do jeito que estava acostumado a ser; quem não me quisesse que se lixasse. Assim estava céptico quanto ao homem e algo solitário, mas não infeliz. Gostava de jogar xadrez, um prazer verdadeiramente solitário, pois você se recolhe no interior mais escondido do seu ser e espera a maravilhosa oportunidade de enfiar uma faca nas costas do adversário, que se for verdadeiramente jogador, estará esperando gostosamente a mesmíssima oportunidade. Tinha alcançado certo nível no jogo a ponto de ser respeitado a nível estadual. Tinha acabado de encontrar o jogo de tabuleiro mais interessante do mundo, o jogo do GO, que possui não mais que nove regras muito simples, que tomam cerca de vinte minutos para aprender e a vida toda para aperfeiçoar. Este jogo possui a verdadeira sutileza da estratégia, onde cada movimento exprime uma visão da arte do conflito, onde o pensamento indireto é o ápice de uma concepção da realidade e a tática o resultado do bem pensar. É um jogo verdadeiramente maravilhoso para o estudo do ser humano, principalmente sob tensão, pois atinge como o xadrez, mesmo que de uma maneira diferente, todo o contexto de aprendizado das relações humanas sob os mais diferentes aspectos. Ou seja, como agir quando preso a um contexto limitado por regras, mas ilimitado para a imaginação, como agir frente a um adversário que não pode tratar como inimigo, como criar sob os aspectos da possibilidade de ser contrariado e como reagir quando se é efetivamente contrariado. Estes jogos me possibilitaram o estudo prático da arte de planejar. Como recreio eu e alguns amigos estávamos 9 escrevendo um opúsculo sobre a estratégia de outro jogo, chamado Diplomacia, onde as regras da guerra se misturam com o mais puro Maquiavelismo e você não pode confiar nem mesmo em si próprio. O estudo da estratégia indica um temperamento dirigido a solucionar os conflitos da maneira mais econômica possível, usando a lei do menor esforço, sempre sem esquecer que o menor esforço para se fazer algo, pode envolver quantidades de energia maiores que o máximo disponível, assim o esforço ser real na maior parte das vezes. Para coroar isso, sempre tive a maior fascinação pelas artes marciais orientais, portanto sou um praticante de Kon-Fu e por contraditório que seja de Ai Ki Do já a mais de dezesseis anos, junto com a esgrima, tanto ocidental como oriental, pois diferenciar neste nível é ilusão, nesta altura meus primos eram muito importantes desde que eram mestres nestas artes. Quando cumpri meu tempo como oficial da reserva do exército, tinha treinado muito tempo com armas de fogo, principalmente as curtas, me aprimorando na arte do tiro ao alvo, tanto estático como dinâmico ou tiro à silhueta. Tudo isso indica um temperamento algo dirigido para a paranóia e não nego que houvesse uma presença marcante de idéias persecutórias em meu temperamento, sendo que isso somente reduzia minha vida social aos amigos mais indispensáveis e a pouca gente mais. Nessa época graças a uma herança não esperada, mas bem vinda, havia construído a casa de meus sonhos em um terreno quase de meus sonhos. Logo de início briguei com a Prefeitura assim construí a casa com a fachada para dentro, isso é virada para o quintal e não para a rua, sendo que a parte virada para este lado era simplesmente um paredão, sem janelas nem portas. Assim vivia e estava pronto para eles e eles vieram, não com um estrondo, mas sim com um pequeno suspiro e a vida se tornou cheia e maravilhosamente completa 10 depois de tudo. Mas isso não foi percebido de imediato, instalando-se lentamente na minha consciência até me mostrar que a vida valia a pena ser vivida, que o viver é uma coisa boa e que a felicidade até existe, para quem souber procurá-la em si mesmo e não perder oportunidades. Vieram e fui com eles, embora sem querer muito ir mas indo mesmo assim e não encontrando o arrependimento no fim do túnel. 11 Capítulo 3- ELES Eles chegaram como chega o verão, isso é sem alarde, mas de maneira que se pode sentir como definitiva. Depois disso não mais poderia argumentar que a vida era chata e aborrecida, nem que carecia de valores ou de objetivos. Por um lado foi muito bom, por outro me obrigou a procurar outros processos mentais para justificar minhas atitudes, já não sendo mais possível me esconder atrás da saia da mamãe, ou de minhas psicoses sociais para espiar o mundo como espectador. A coisa começou muito simplesmente com um acontecimento altamente estranho e assustador. Estava lendo em meu quarto em um sábado de preguiça, onde o tédio levava o melhor de meu temperamento e deixava a vida passar languidamente. Escutei subitamente um zumbido forte, firme, contínuo, percebendo que este fora se insinuando lentamente em minha consciência, até se tornar uma presença indiscutível e me forçar a tomar conhecimento dele. É claro que quem vive só, no subúrbio de uma cidade grande, tem que investigar tudo que acontece ao seu redor se não quiser acordar com uma arma bem no nariz, assim, espantei a moleza de meu corpo e fui examinar o que estava acontecendo. Encontrei a fonte do ruído na minha sala de estar. Era uma coisa com a forma de um portal, bem no meio da sala, feita de luz/energia azul, vibrando fortemente e emitindo o zumbido que ouvia. Fiquei admirado, pois aquela sala sempre fora o mais normal possível e nada me poderia fazer imaginar o que faria uma porta de energia ou de luz, zumbindo bem no meio dela, 12 pois a forma indiscutivelmente era de porta. A coisa não me assustou já que nunca tive medo do que não conhecia, sendo o desconhecido fonte de prazer e alegria, não origem de perigos ou problemas, me assustava muito mais o que conhecia principalmente gente. Mas mesmo assim me aproximei da estante de livros, onde no interior de uma falsa Divina Comédia, São Dante que me perdoe desde que o livro foi escolhido pela espessura não pelo conteúdo, estava minha Colt .45 armada e engatilhada, um dos resquícios de minha paranóia, mas que considerava como preocupação com a sobrevivência. Mais perto da arma e com o falso consolo ou impressão de segurança que me transmitia, pus-me a observar o fenômeno, certo de que não se limitaria a uma mera porta zumbidora. Dito e feito. No fundo da aparência de profundidade que produzia houve uma modificação, como que uma falta de nitidez, um ponto que se movia e se aproximava, uma forma saltitante com movimentos imprecisos, imprevisíveis, que ora encolhiam completamente e outra vez tomava toda a largura e altura da porta em movimentos espasmódicos sem sequência discernível, mas que se movia indiscutivelmente e se aproximava. A coisa toda durou cerca de três minutos, até se tornar a forma de um ser humano e um rapaz aproximadamente de minha idade como que saltou da porta para o interior da sala, levou alguns segundos para se orientar então me viu e ficou imóvel. No fundo da porta azul, recomeçou o ciclo e me lembro de pensar que se o fenômeno fosse em série eu estava em apuros, só que desta vez saltou da porta bem para minha sala, um sonho feito realidade, a mulher que sempre imaginei como sendo minha, a perfeição em forma feminina, uma garota verdadeiramente maravilhosa. Era alta, da altura que gosto 13 em uma mulher, cabelos castanhos, olhos castanhos, enormes e profundos como o pecado. Seios altos, com os mamilos rosados e não muito grandes, cintura pequena que explodia em um quadril maravilhoso, com o centro do corpo coroado por um embigo mimoso, redondinho.... Espera aí... Seios... Embigo? Raios, ela estava Pelada... ! Ela não, ambos, não que fosse notar ou descrever o cara, mas era poderosamente musculado como eu mesmo, aliás. Tenho certeza que reconheceria imediatamente uma garota nua em qualquer ajuntamento de pessoas, mesmo se estivesse só, mas no caso estes seres humanos saíram de uma porta de energia azul, bem no meio da sala de estar de minha casa, assim esta percepção teve prioridade, só vindo a descobrir que não estavam vestidos, quando me pus a examinar os atributos de minha visão de sonhos em forma de uma garota. Aliás, percebi logo a seguir não estavam simplesmente nus, estavam vestindo um halo transparente de luz, trazendo pendurados neste halo uma série de objetos que pareciam flutuar ao seu redor, que imediatamente tratei de classificar para ver se pareciam com armas. Classifiquei alguns como potencialmente perigosos e voltei minha atenção para os dois, que estavam bem ali parados sorrindo para mim. Eu é claro estava de boca aberta sorrindo idiotamente também, mas uma situação tão ridícula não possui substância para ser estável, assim se moveram e vieram em minha direção. Como não exibissem nenhuma atitude de agressão simplesmente permiti sua aproximação. A um metro e meio de mim pararam e o rapaz levantou a mão e pegou um dos objetos que a mim pareciam potencialmente perigosos. Em um movimento longamente treinado, fluido e sem interrupções deitei o livro e dele saquei o Colt 45 e quando o rapaz alertado pelo meu movimento se virou 14 para mim, estava frente a frente ao cano, a extremidade errada da arma, o que mesmo para quem não entenda verdadeiramente o que está acontecendo não é uma situação nem um pouco cômoda, o cano parece grande e fundo como a eternidade. O rapaz gelou, ficou com um ar um pouco vago dando a impressão de que não sabia exatamente o que fazer. Foi a moça que salvou a situação, falou calmamente em uma língua fluida, com bastante vogais e veio em minha direção o que era uma prova de bravura. Chegou perto do moço pegando sua mão e a direcionou para longe de mim. Fez tudo isso com um sorriso brilhante e maravilhoso. O rapaz mantendo a direção do objeto que tinha em sua mão pegou outro em sua aura de luz, o transformou em uma espécie de tripé bem pequeno onde montou o primeiro. Para fazer isso a garota ficou de costas para mim e vi seu traseiro, mais um ponto de admiração para ela. Era verdadeiramente perfeito, redondo, arrebitado, forte, com um buço ralo, brilhante e discreto em alguns segmentos, ele tinha personalidade, uma verdadeira maravilha se é que já não disse isso antes. Apontou uma das extremidades do objeto para ela e dedilhando um pequeno painel de controle, que se destacou repentinamente do mesmo fez uma manobra. Saiu pelo alto do objeto uma folha de algo que me parecia papel que o moço pegando o estendeu para mim. Era uma fotografia em três dimensões dela, mas impressa de uma maneira incompreensível já que era uma folha, me parecia de metal bem flexível, algo assim como uma folha de aço inox se comportando como uma folha de plástico flexível de um negativo de fotografia e a imagem estava impressa como um holograma, pois se você a inclinasse, via claramente as costas da moça e aquele monumental traseiro. Bem, raciocinei, quem me dá um presente desses não pode estar com más intenções a meu 15 respeito, assim joguei as precauções para longe, guardei o raio da pistola, a Colt seus maliciosos, indo a seguir até à gaveta de um móvel que estava por trás de mim, onde peguei algumas fotos em relevo, dessas que comportam diversos planos e que são usadas em livros e brinquedos infantis. Dei as fotos para eles que se deliciaram com a coisa, guardando-as no final em seu halo de luz, o que não era um prejuízo muito grande e a mim parecia uma troca justa pela foto dela "pelada". Tudo era maravilhoso, eram sem dúvidas muito interessantes, mas havia ainda uma pequena questão aberta, ou seja, quem eram e principalmente o que queriam, pois gente que sai pelada de portas de luz/energia tremeluzente bem na sala da gente, tem que ter um objetivo. Não consigo nem mesmo imaginar o que queriam, de onde vieram e não sei que mais, pois a situação mesmo que ainda sob controle, podia tomar qualquer rumo e até mesmo ser perigosa. Neste momento começaram a lidar com seu halo de luz e o rapaz tirou algumas coisas e ela também de sua própria, assim montaram outro negócio sobre o tripé, que parecia uma máquina fotográfica dos antigos fotógrafos lambe-lambe em miniatura, misturada com um rifle de caçar elefantes para o uso do menor pigmeu que houvesse na face da terra. Estava longe da Divina Comédia, mas não me importei, pois se você entra de cabeça em uma aventura, aceita o que está acontecendo e assim não há como ficar retornando o tempo inteiro aos seus antigos hábitos de defesa e coisas assim. Já havia decidido que eram amigos, assim amigos seriam até me desintegrarem em uma nuvem de elétrons, ou seja, lá o que se forme depois que você é transformado em seus elementos primários. Pediram-me que sentasse em uma cadeira me apontando o cano do negócio, mas fizeram rindo cordialmente e achei que não 16 me fariam mal rindo assim, pois não pareciam maquiavélicos, mas antes inocentes. A garota me piscou e fez um gesto que não entendi enquanto o cara ligou um minúsculo botão, ou o que poderia ser um botão, mas poderia não ser e a coisa se transformou em um túnel sem fim com uma espiral girando no fundo. A coisa parecia que sugava a atenção da gente para um local que não tinha fim, parecendo que você estava girando com o mundo. Haviam luzes lá dentro, muitas luzes, de todas as cores, que piscavam, se esticavam, contorciam e pulsavam sem um padrão discernível e comecei a sentir um adormecimento no corpo, imaginando em um momento de pânico que estavam me matando, mas agora não poderia fazer mais que curtir o que estava acontecendo, se fosse a morte era muito gostosa, morrer assim era muito bom. De repente abri os olhos e estava deitado no chão, com a cabeça no colo da garota maravilhosa e me senti no céu: _ Morri ...! Isto tem que ser o céu. Falou alguma coisa que me pareceu: _ Tá bommmmmm!? Chique chique. Pelo menos foi o que entendi... _ Mas você é maravilhosa, nunca vi uma pessoa tão linda como você... Senti como que um estalo no cérebro, como se uma cena se focasse de repente em minha mente e ela estava falando: _ ... mas você é muito gentil, esperava outro tipo de procedimento da gente daqui, mas fico muito agradecida pelo elogio. _ Isso não é elogio querida me apaixonei no instante que a vi, você é maravilhosa mesmo... E depois como se tivesse percebido algo de novo, continuei, mas este troço que vocês me deram é forte mesmo, até parece que estou entendendo o que você está falando... 17 faz... _ Mas você está, é exatamente isso que o Zólux _ Zólux? Então o nome deste troço é Zólux? Mas o que é que faz? _ Analisou sua rede neural, estudou sua sintaxe semântica, a ligação particular a você entre o som e seu significado e inseriu em sua memória a língua que falamos, o Universal. _ Universal? Então vocês vêm das estrelas? _ Sim... Isto é, mais ou menos, ainda não temos elementos para explicar de onde viemos e um destes elementos é você quem vai fornecer. _ Eu?! Mas como... _ Vamos cara levante daí e vamos conversar, pois temos alguns assuntos muito importantes para falar com você, disse o rapaz, mas não parecia autoritário nem estava sendo antipático era um sujeito muito simpático. É claro que me levantei apesar de achar que poderia ficar mais um pouco naquele pequeno paraíso que era o colo da moça, mas haviam assuntos a resolver e tinha que dar prioridade à sua solução. Mas, pensando bem... Que problema? _Que problema temos que resolver? Perguntei logo que me levantei. Os dois pareceram constrangidos ou pelo menos assim me pareceu, assim falei: _Gente já que o assunto além de sério é um tanto difícil, vamos resolver o mesmo na mesa da cozinha em frente a uma garrafa de dois litros de refrigerante e comendo alguns salgadinhos. _Refrigerante? Salgadinhos? Será que o Zólux está funcionando corretamente? Perguntou o sujeito. _Vamos lá gente, também não entendo metade do que vocês falam e nem por isso estou reclamando e falando, assim fui em direção à cozinha. 18 Não tiveram outro remédio e vieram atrás, se sentando onde lhes indiquei e quando pus a garrafa e algumas coisas que estavam na geladeira ficaram olhando admirados para o que estava fazendo. Quando abri a garrafa e deu um pequeno estouro do gás quase se jogaram debaixo da mesa, para então quando servi o refrigerante de guaraná que tinha aberto, ficaram ainda mais admirados ao me ver tomando o troço. A garota mais corajosa ou mais desmiolada, depois vim saber que era muito corajosa mesmo e nem um pouco desmiolada, levou o copo aos lábios e sorveu um gole. _ Nossa que coisa estranha disse, borbulha na boca, tem um gosto ácido doce, desce muito fria pela garganta e para mim para que serve? Que pergunta mais estranha, para que serve um refrigerante, na verdade nunca havia pensado nisso, mas para que serve um refrigerante? No entanto tinha que dar uma resposta, pois isso de ficar bebendo uma coisa que não serve para nada, não parece muito racional: _ Um refrigerante é uma bebida refrescante que se toma para tornar uma conversa mais interessante, é ligeiramente estimulante, é gostoso e parece que dá ao tempo uma dimensão mais acentuada, assim também é bebido quando estamos sós e prossegui. Também se toma depois de um esforço físico para repor a água perdida pelo suor, possuem eletrólitos que ajudam a recompor o físico. Sabe gente beber refrigerante é um hábito tão difundido e considerado tão normal que nunca me perguntei por que o faço. A melhor resposta talvez seja que bebo por que gosto. _ Nesta época era muito difundido o uso de inebriantes com álcool etílico, este é um deles? _ Não amigo, não é um deles, não gosto de bebidas com álcool pois atuam na consciência e diminuem a acuidade cerebral. Não bebo álcool desde que fui a um 19 casamento, onde colocaram bebida demais em meu copo e bebi sem perceber. Depois aconteceu que perdi uma namorada de quem gostava um pedaço e junto com ela três amigos. Isso mostrou que o álcool não é meu amigo, pois no fim e ao cabo amigos de verdade não abundam por aí. _ Interessante pensei que tivesse que contornar muito convite para tomar bebida alcoólica, pois me ensinaram que recusar uma bebida aqui é um insulto muito grave, disse o rapaz. _ Talvez a alguns anos atrás, vamos dizer uns cento e poucos e em outro lugar, como por exemplo o velho oeste americano ou outros lugares pitorescos assim, isso pudesse ser verdade, mas aqui caro desconhecido somos mais civilizados... _ Isso me leva a um ponto muito importante, meu nome é Vish, o de minha irmã é Káa, e o seu é Vítor, assim ficamos nos conhecendo e não precisamos mais ficar falando amigo, cara, desconhecido uns para os outros. _ Como é que vocês sabem meu nome? Aliás, quem são vocês e de onde vieram? _ O que é que você imagina... _ Absolutamente nada Káa, nunca vi ninguém saindo de portas de luz/energia azul bem na sala de minha casa, não sei o que pensar nem o que dizer só que vocês me parecem boa gente... _ Parecemos é?! Depois explica como é isso, tá bem? Mas vamos aos fatos, para poder explicar de onde viemos e para quê... Quando começam a falar desse jeito ao meu lado começo a ficar nervoso, pois isso me soa como uma missão e não gosto de missões, não gosto também de quem assume que tem missões, pois isso significa que a pessoa está pronta para sacrificar tudo de bom que tem, em prol de uma idéia, sacrificar o concreto em troca do abstrato, 20 ou seja, o que existe pelo que não existe só está em sua cabeça. Não sou materialista se é esta a idéia que estou transmitindo, acredito que haja pessoas que realmente têm uma missão, mas esta não sacrifica vidas, não oprime os outros e se impõe naturalmente pelo tempo e pela verdade. _ Procure prestar atenção, pois o que vamos falar não é muito fácil para alguém de seu tempo entender, mas somos do futuro e viemos de um planeta mutíssimo distante da terra. _ Mas são humanos? Ou possuem outra linha de evolução...(?) _ Definitivamente somos humanos, somos descendentes dos pioneiros que abandonaram a terra em busca de vida melhor pelo universo e colonizaram uma parte bem considerável da Galáxia. _ Não posso nem mesmo imaginar isso, se bem que esteja acostumado a ler ficção científica, mas a quanto tempo estão à minha frente no futuro ? _ Estamos oito mil anos à sua frente no tempo... _ Oito mil anos? Mas... A Suméria, o Egito, estão mais próximos de nós que vocês, isso é inimaginável, para vocês sou pior que o homem de Neandertal é para mim, talvez pior não seja o adjetivo, o adjetivo correto deve ser primitivo... _ Vítor foi desta fase que surgiram os elementos básicos da civilização, ou seja, a Física Quântica e a Relatividade, com estas duas concepções do universo as viagens espaciais puderam ser feitas, atingir as estrelas ficou mais fácil, foi daqui desta época que surgiu o impulso contra o preconceito, não de maneira muito visível para agora, mas com reflexos muito fortes no futuro, não menospreze o seu aqui e agora. _ Vish temos sempre a tendência de não dar valor ao que temos, é aquela história de que a grama do vizinho 21 é mais verde. _ Grama? Grama do vizinho mais verde? E por que seria? É de uma espécie diferente? _ Vish isto quer descrever um comportamento animal e transportá-lo como exemplo para os humanos, ou seja, a tendência da vaca é sempre passar para o pasto ao lado, assim dizemos que a grama do vizinho é mais verde, quanto aos seres humanos descreve a tendência de achar que as coisas do outro são maiores e melhores que as nossas. _ Ah! Interessante... _ Bem gente, mas como é que vocês vieram para cá e por quê? Um olhou para o outro de um jeito cauteloso que poderia até mesmo parecer manhoso, que não gostei nem um pouco, pois me informou que queriam alguma coisa de mim que possivelmente não ia querer ceder, mas como ainda não havia acontecido, continuaria como se nada estivesse acontecendo até acontecer, então... Aí veria o que fazer. Não estava desconfiando deles, ou seja, não pensava que queriam me matar ou coisa parecida, mas talvez não gostasse do que queriam de mim, o que pelo trabalho de viajar todo este tempo, talvez não estivessem com disposição de receber um não como resposta. Mas antecipar problemas era uma segunda natureza de meu temperamento paranóico, no entanto mesmo eu nesta altura dos acontecimentos, encantado pelas possibilidades do momento, já não prestava muita atenção aos cuidados que exigia de mim mesmo. _Vítor você vê, a tecnologia do futuro avançou até um ponto quase inconcebível para pessoas desta época, mas ainda é uma simples questão de energia e como utilizar esta energia em proveito de algum trabalho que se deseje realizar, nada mais que isso. É claro que a definição de trabalho e energia mudaram com o avanço do 22 conhecimento humano, mas a descrição continua a mesma. Então se tivermos a energia suficiente, podemos harmonizar dois pontos no universo até a centésima parte da harmonia total possível, então é possível se transportar até mesmo no tempo e muito facilmente no espaço. _Mas para fazer isso é preciso que vocês conheçam o local de minha sala de jantar o suficiente para conseguir esta harmonia. _De certo modo sim, mas a harmonia que falamos é uma questão de energias, vibrações e mesmo outras coisas que não conseguimos transmitir, pois falta o vocabulário e o conhecimento para falarmos com você a respeito, pode ser estimada da seguinte maneira. Sabíamos a exata localização de sua casa, assim a harmonia do local podia ser conhecida até duzentas partes do total possível e isso é mais que suficiente. Tínhamos a descrição de sua sala, ou seja, o chão é feito de madeira de pinho, depois me conta o que é sobre uma laje de cimento, as paredes são de tijolos de argila cobertos por uma massa de proteção, há móveis de madeira e pano, com algum metal em algumas posições, assim tivemos perto de setenta pontos da harmonia total necessária, sendo que isso foi compensado pelo que sobrava da localização. _ Mas isso é inconcebível, como teriam a descrição de minha casa a tanto tempo no futuro? Mandaram espiões? _ Não! Que idéia, a energia para produzir este deslocamento é tão grande que está sendo utilizada uma estrela azul de segunda grandeza, para fornecer a força necessária, isso só pode ser usado em questões de grande necessidade e uma vez somente, pois então teria que refazer todas as conexões, toda a estrutura e a coisa seria tão cara que nenhum mundo poderia pagar. _ Então como explicam este conhecimento da sala de minha casa? 23 _ Vítor, nós viemos até aqui exatamente para falar com você. Arrepiei todo, pois isso é uma coisa totalmente impossível, ou seja, eu não tinha feito absolutamente nada para permanecer no tempo e me fazer lembrado oito mil anos na frente, o que será que o cara está querendo me dizer? _ Mas Vish isso não é plausível... _ Escute Vítor e depois me diga... Vou te contar uma longa história que vou lhe pedir que ouça com atenção, então tudo vai ficar muito claro para você. Chééééééé’! Só guaraná não vai resolver isso, assim falei: _ Espera um pouco Vish, vou fazer café. _ Café...(?!) Ótimo sempre quis provar um pouco desta delícia de que todo mundo fala, mas ninguém conhece.. Assim fervi a água e fiz um destes cafés do jeito que meu avô falava que deveria ser, quando servi houve alguns trejeitos de revolta e coisa e tal, com gestos de bocas queimadas, mas então falei: _ Meu avô sempre disse que o único café digno de ser bebido tem que ser negro como o demônio, quente como o inferno e doce como o pecado e que quando posto na boca, se cuspido em um cachorro o mesmo se afasta ganindo! _Nossa... Então o seu está bem assim... _Vou colocar nesta garrafa térmica para podermos repetir durante sua história e vamos lá meu caro, solta a franga! _ O que é franga? Perguntou Káa... Já se viu que minhas conversas com estes dois não iam ser muito fáceis. _ Isto é uma expressão idiomática meu amor, se escapa uma galinha do galinheiro, franga, é o maior 24 trabalho para recolher de novo, assim quando uma história é muito longa dizemos solta a franga, que não é o mesmo que dizer que fulano soltou a franga, que então quer dizer que ele desmunhecou. _ Vítor procure entender, temos que compreender o que você está falando, assim me explique em primeiro lugar o que é uma galinha, o que é um galinheiro, por que estas excelentíssimas galinhas tinham que ser colocadas em um e por que gostavam de fugir, depois, por favor, fale em desmunhecar, pois nunca ouvi nada parecido com isso. _ Suspiro! Bem galinha é uma ave doméstica que é mantida nas residências para nos fornecer proteína animal, pois são abatidas e se transformam em excelente comida, sendo mantidas em um galinheiro, ou seja, um lugar próprio para elas. Fogem do galinheiro, pois são irracionais e não pensam... _ Bem, se eu estivesse presa em um lugar para ser abatida e comida eu também fugiria do galinheiro ora essa, disse Káa. _ Isso por que você pensa e sabe fazer uma conexão entre causa e efeito minha cara, elas, as tais galinhas não... _ Bem e por que é necessário cortar a munheca de pessoas quando soltam uma galinha do galinheiro? Isso não um tanto drástico, mesmo considerando o período em que estamos?! _ Vish não se deve levar tudo à risca e literalmente, desmunhecar realmente significa cortar a munheca de alguém, mas também significa um homem afeminado, pois este torce o punho de maneiras bastante inconveniente para um homem. _ Ah! Então desmunhecar é um homem com trejeitos femininos!? Interessante e isso aqui não é bem aceito? _ Olha Vish, isso já foi olhado como muito 25 inconveniente e um comportamento anti-social, não sendo bem aceito pela sociedade, mas hoje em dia é olhado como um comportamento de eleição, ou seja, a pessoa faz sua definição sexual e ninguém tem nada a ver com isso. Alguns têm preconceito outros nem tanto e outros não. _E qual a sua opinião sobre o assunto? _Káa, se não se metem comigo não me importo com o que os outros façam, se o cara quer ser homossexual é um problema único e exclusivo dele, não me importo nem um pouco. _Ah! Bem... Qual sua tendência geral? Perguntou Káa. _Sou heterossexual se é isso que você quer saber... _Isso é uma das coisas, mas digo em política e outra coisas. _Káa sou individualista e me defino como nexialista, ou seja, uma pessoa que procura o nexo em todas as coisas e a tendência principal de meu caráter, é que sou místico. _Interessante, depois vamos voltar a este assunto, mas agora, por favor, vamos nos concentrar no que Vish tem a dizer. _Mas se foi ele mesmo quem provocou este hiato minha cara... _Sei, sei meu querido, mas agora vamos nos concentrar tá bem? _Bem Vítor, o homem abandonou a terra, no meio dos anos dois mil, mas eram astronaves fotônicas, que se rápidas para a época eram muito lentas para se chegar às estrelas, até que um cientista criou ou descobriu a teoria Espacial, ou seja, um vínculo mais estreito entre a Física Quântica, o Relativismo e o espaço físico. Veja você que tanto a física quântica como a relatividade tinham um defeito muito constrangedor, já que tinham teses e postulados que dificilmente eram provados ou que eram 26 provados com experimentos muito difíceis, como a curvatura da luz ao passar pelo planeta Mercúrio, provando a teoria corpuscular pela ação da gravidade curvando o facho da luz e coisas assim. Pelos postulados da Teoria Espacial, era o espaço que se movia e muitas outras coisas que não é necessário dizer agora. Isso em pouco menos de duzentos anos possibilitou a construção de motores quânticos/relativistas, que podiam voar muito mais rápido que a velocidade da luz, pois não eram as naves que se movimentavam, era o próprio espaço quem se movimentava e a nave com ele, mesmo que esta descrição não descreva realmente o processo, só o ilustra. Continuando: _A humanidade é muito impaciente, assim antes mesmo da descoberta deste tipo de motor, havia enviado muitas naves com tripulação em estado de suspensão animada, ou hibernação. Pode-se imaginar que muitas se perderam e foram destruídas, mas houve uma proporção surpreendentemente grande que conseguiu chegar a um destino aceitável, assim quando começamos realmente a nos expandir, encontramos já alguns sistemas habitados por homens como nós. Depois de algum tempo uma guerra eclodiu, pois todos os sistemas eram independentes e cada um se julgava no direito de fazer o que bem queria isso é claro não era bem visto por outros, pois o direito de um colide bem no começo do outro e haviam constantes invasões do espaço vital, uns dos outros. Esta guerra durou muito tempo sendo mortas muitas pessoas, mesmo sistemas inteiros foram obliterados completamente, até que se chegou a um consenso, um governo central controlador e governos em cada sistema ou grupos de sistemas, subordinados a este. Isso funciona muito bem, pois houve uma época de alguns milhares de anos em que progredimos e formamos o que se chamou então de civilização real, pois o progresso é contínuo e a vida chegou 27 a um nível muito bom, mas... Ah! Surgiu finalmente o tal de mas que estava esperando já a algum tempo, então até mesmo daqui a oito mil anos ainda há um mas no horizonte... _Mas... Instei o rapaz a falar. _Você sabe que o ser humano tem uma tendência para o fanatismo, bem no início isso era mais comum que hoje em dia em nosso tempo, assim houve grupos de fanáticos que se reuniram e fretaram ou mesmo construíram naves para si, para procurar um planeta em que lhes fosse permitido praticar sua forma de fanatismo sem interferência, nem mau exemplo dos outros. De tempos em tempos um destes grupos abandonava o sistema em que estava e saía para procurar seu próprio mundo onde pudessem fazer as coisas como achavam que era correto. Isso era permitido e até mesmo encorajado, pois isso levava embora os maiores perturbadores da paz e dos outros homens, pois fanáticos perturbam os não fanáticos. É claro que na expansão que já falei encontramos alguns destes mundos, que depois das guerras, se integraram e agora não aborrecem. Continuando: _Durante as guerras haviam mundos menos avançados, que eram normalmente formados por gente intransigente e não tinham um contato muito grande com os outros e assim suas astronaves não eram tão avançadas como as outras. Para encurtar a história, alguns dos primeiros fanáticos que saíram da terra em suspensão animada pelo efeito de aceleração contínua no espaço, terminaram por imprevisivelmente se defrontar com o Paradoxo dos Eixos. _Paradoxo dos Eixos... Nunca ouvi sobre isso. _Bem é um paradoxo ou uma coisa que contraria as leis normais do espaço/tempo, ou parece contrariar, pois nossos cientistas conseguiram evitar o efeito, mas não 28 explicá-lo, parece que quando se atinge determinada velocidade, ou fração da velocidade da luz, existe a possibilidade, somente uma possibilidade veja bem, de que o espaço o encaminhe para um dos eixos de difusão que se formam em função deste mesmo deslocamento, pois não são estruturas estáveis no universo, então você é transportado para um local tão longe que você não tem a menor possibilidade de descobrir onde é ou de como voltar. Assim neste local houve uma acumulação de gente fanática ou extremistas, sem o colchão do povo comum para diminuir seu ímpeto. É claro que a grande maioria das pessoas que foram nesta direção, vieram das naves menos equipadas dos mundos mais intransigentes, assim acumulou-se na verdade um grupo enorme de gente com a mesma tendência aos extremos, em um único lugar, mesmo que uma proporção menor de gente comum tenha também se encontrado nos confins que é como chamamos agora este local. É claro que não sabíamos disso, nem mesmo imaginávamos o que acontecera com as espaçonaves que entravam no vórtice dimensional e desapareciam para sempre. Mesmo depois que se descobriu o Paradoxo dos Eixos, não se imaginou para onde teriam ido estas naves. O efeito foi corrigido, pois o que ocasiona o efeito é uma coisa bastante abstrata, ou seja, há uma impressão de que em um eixo a velocidade da luz é ligeiramente diferente do que no outro. A afirmação de Eistein continua correta, a velocidade da luz é uma constante universal, mas no eixo dos “Y” a velocidade parece diferente, de uma maneira quântica, isto é uma aparência de realidade que é quase nada, mera possibilidade, assim é só evitar este ponto que o Paradoxo é evitado ao mesmo tempo. Agora continuou veementemente: _Você percebe Vítor que estou falando de maneira bem simplificada, quase uma descrição infantil do 29 que acontece na verdade, pois a verdade matemática pode ultrapassá-lo bastante. Bondade dele, a descrição matemática certamente me ultrapassa completamente, pois não consegui ainda me tornar proficiente na matemática de meu tempo, bem próximo ao ano dois mil, imagine então como deve ter se desenvolvido em oito mil anos, lá por dez mil. _Mas continuou Vish, aconteceu uma coisa completamente inesperada, eles nos encontraram...! _Imagine a galáxia Vítor como uma enorme espiral, nós ocupamos uma parcela da parte que envolve a terra, pois essa foi nossa referência para a expansão e eles uma parte pelo menos igual em tamanho no braço imediatamente a seguir ao nosso a uma distância muito grande, mas nos últimos anos, vieram colonizando sistemas em nossa direção e de repente encontraram um braço de expansão do Império. _Isso parece ótimo, pois agora vocês têm o dobro de planetas que pensavam, o dobro dos habitantes e muito mais recursos, isto é dobraram de tamanho por um simples encontro no espaço. _Isso foi o que pensamos quando o contato se deu e nos congratulamos bastante com isso, mas logo depois veio o ultimato. _Um ultimato? _Sim, já o li tantas vezes que sei seu texto de cor: “ Escutem degenerados do assim chamado Império, quem vos fala é o chefe do Plano do Homem, sua Divindade o Apóstolo Azul, o único e verdadeiro governo que pode dirigir um ser humano, ouçam com atenção. Somos os verdadeiros governantes da humanidade, somos os únicos que podem se arrogar o título de puros e por conseguinte os únicos verdadeiros governantes a existir. Como somos os verdadeiros todos 30 os outros são falsos, assim exigimos a imediata rendição do assim chamado Império, para que possamos tomar conta dos homens da maneira que é assim designada pelo Apóstolo Azul. Se nosso pedido não for obedecido imediatamente isso significa a guerra imediata que somente terminará quando o último homem do assim chamado Império for exterminado, pois quando uma alma fica em contato com a podridão por muito tempo, carrega dentro de si todas as sementes da mesma. Não queremos matar, não queremos destruir, nossa ação é pacificadora e purificadora, assim convidamos os governantes do assim chamado Império para uma conferência para tratar dos aspectos da rendição imediata em Lucir 2 em ... _Depois vem a data e a hora, pois é Vítor alguns embaixadores foram ao encontro e nunca mais se ouviu falar a respeito deles. Em resumo a conferência foi um golpe, pois enquanto tínhamos a atenção para lá, desfecharam um ataque de quatro direções contra nós que só foram contidos depois que perdemos alguns sistemas planetários. _Mas na verdade não são os sistemas planetários que nos importa, há tantos que um a mais ou a menos não tem a menor importância, são as pessoas que moram neles que realmente nos entristecem, pois são vítimas da mais cruel ditadura. Conseguimos informações sobre os sistemas marginais do Plano do Homem, onde todos vivem uma vida totalmente controlada, sem liberdade nem para pensar nem para fazer nada fora de um rígido esquema de planejamento e controle mental. Continuando pesaroso: _É uma das maiores crueldades que jamais se supôs existir. Depois de perdermos quatro batalhas, começamos a procurar informações sobre estratégia, pois 31 vimos que a superioridade das forças do Plano do Homem não é tática, pois somos iguais em forças e armas, a diferença é estratégica, assim procuramos informações sobre grandes estrategistas. Alexandre da Macedônia foi contatado, mas não conseguiu superar seus medos e condicionamentos, assim foi abandonado depois de convenientemente condicionado para esquecer o que havia visto e falado. Depois descobriu-se que isso não poderia ser feito, pois alteraria o rumo da história de maneira total e completa. Continuando apologético: _Assim descobrimos uma referência, em um dos primeiros mundos que foram colonizados fora do sistema solar, a um conceito estratégico emitido por um tal de Vítor Aranha, que nunca foi citado em nenhum local como general ou militar de espécie alguma. Esta pista foi seguida cuidadosamente, mas muito cuidadosamente mesmo e descobrimos algumas citações mais completas em outro livro e até mesmo o nome de um livro de estratégia que você escreveu juntamente com dois amigos. Viemos para os campos arqueológicos da terra e em uma biblioteca achamos um exemplar de seu livro que foi julgado muito bom, pois não é uma teoria de aplicação direta a nada material, ou seja, a alguma arma em particular, mas sim uma ampla visão da própria essência da estratégia. Estudamos você e sua vida e encontramos pontos importantes para que fosse recomendado para esta visita, havia até mesmo uma descrição da sua sala de visitas, em uma carta que um senhor de nome Henrique escreveu a outro de nome Alfredo. _E aqui estamos nós... _Bem Vish, muito interessante esta história, mas o que tenho a ver com isso? Ou seja, o que desejam de mim? _Mas é óbvio, queremos que você vá para nosso tempo nos comandar nesta guerra vital para a sobrevivência da civilização como a conhecemos. 32 _O QUÊ? Gritei eu de espanto, mas... Mas... Isso é impossível não tenho qualquer experiência de comando militar, pois meu serviço militar foi cumprido em uma escola de formação de oficiais da reserva e cheguei a segundo tenente, oficial subalterno, na ativa, mas sem nenhuma experiência de combate ou mesmo de comando, mesmo então não era possível me chamar de militar, mas sim de estudante aprendendo os rudimentos da vida no quartel. _É exatamente isso que o recomenda meu amigo, se você tivesse concepções presas a uma especialidade seria totalmente inadequado. Você tem a condição de ver as possibilidades abertas em todos os casos... Você é exatamente o que necessitamos. _Mas e meus dois amigos que me ajudaram a escrever o livro a que vocês se referem? _Em um esforço muito grande de investigação, descobriu-se que ambos seguiram suas vidas e cumpriram seus destinos... _Ué e eu? _Você simplesmente desapareceu como que no ar e nunca se descobriu nada à respeito do que aconteceu... _Ah! Então é isso, se não aceitar vão me raptar e levar à força, pensei em um rápido relance e falei o que pensava. _Vítor nós não o levaremos à força de maneira alguma, quem procede assim é o Plano do Homem, nós respeitamos em todas as circunstâncias a liberdade de escolha inerente a cada um de nós... _Então meus caros, vocês vão ser derrotados e escravizados. _Por que você falou isso? Perguntou Káa que ficara calada por um longo momento enquanto durara a explicação do irmão. _Para se vencer uma guerra é necessária a 33 Estratégia e esta não é moral, assim no curso dos combates vamos ter que contrariar vontades, impor condições, ludibriar, enganar, mentir enfim tudo que em tempo comum não se deve fazer. _Caramba Vítor é então este o elemento que nos falta? _Esse é um dos elementos que faltam a vocês, mas não é o menos importante... _Por que você diz isso? A estratégia é assim tão má? _Em um contexto sim, pois trata do engano, da mentira e de como vencer o adversário a qualquer custo, é o contrário da moral, o governo tem que ser moral tem que ver o bem do povo, tem que se ater à verdade, então uma coisa é diferente da outra como a água do fogo. _Bem, Vítor e como esta observação se aplica à situação atual? _Se vocês realmente quiserem vencer a guerra, devem estar em condições de me levar com vocês de qualquer maneira e em qualquer situação. _É por isso que precisamos de você, não sabemos nem fazer isso... _É... Vocês estão encrencados mesmo... Neste momento em uma súbita iluminação vi que tinha que aceitar, era o desconhecido que estava sendo oferecido, era a fuga da rotina que sempre me sufocou, era o encontro do que nem mesmo sabia que precisava, mas cuja falta estava me transformando em um ermitão, em um sociopata sem remédio que me levaria para a mais completa solidão. Eu era infeliz e não sabia! Quando você está mais apegado a coisas do que a pessoas, a pensamentos do que à realidade então é o momento de examinar sua vida e ver onde você está falhando, para descobrir onde está o ponto que precisa 34 melhorar e corrigir. Se você ultrapassar este ponto, dificilmente poderá regressar e penso que mesmo cedo ainda em minha vida já havia atingido e mesmo ultrapassado o ponto de não retorno, atingindo o local em que não mais conseguia me fazer amigo da raça humana e me integrar em uma vida que me parecia vazia. Sabia muito bem que eu é quem estava vazio, a vida é a vida e é sempre plena, desde que permitamos a plenitude e minha desesperança havia fechado todas as portas. Meu primo Tite junto com Nando em Curitiba tinham conseguido preencher suas vidas de uma maneira muito interessante, não eu. Havia mergulhado em uma fase de crise, de crítica a tudo e a todos achando que só eu estava certo em todo o universo, mas não tendo a coragem de Nando de seguir o que achava que era o certo para sua vida, saindo de sua casa e indo morar com Tite, mergulhei neste tipo de autopiedade onde eu mesmo justificava todos os pontos escuros da existência, como estes filósofos que tiram suas conclusões de suas próprias premissas e assim se julgam sempre certos, em um círculo vicioso que sempre nos traz ao mesmo lugar. 35 Capítulo 4- Nós Devo ter ficado algum tempo pensando, ensimesmado e respeitaram minha reflexão, até que de repente como quem descobre no último momento o antídoto para um veneno que o estava matando, exclamei: _É claro que vou com vocês, sou como o Tite que é de ir, contem comigo não com a certeza de vencer a guerra, mas com a certeza de que farei todo o possível para isso. _Ótimo nós sabíamos que você ia concordar, disse Káa contentíssima. _Sabiam é? E como é que sabiam disso? _Pela maneira como você nos recebeu, cauteloso, mas não apavorado que era o que nós não estávamos antecipando, pois nesta época o estranho e o desconhecido não eram bem recebidos. E continuou: _Mas quando nos recebeu daquele jeito, tive a certeza de que ia aceitar, mas é maravilhoso, assim agora podemos gozar um pouco esta época e ver o que os especialistas só conjeturaram, isto é a pré-história da civilização. _Pré-história? Mas estamos no tempo moderno, a pré-história está muito tempo atrás de nós, houve todo um avanço para que chegássemos até aqui e agora. Sua cronologia está um tanto atrapalhada. _Pois é Vítor no entanto faltam tantos elementos, pois você imagina que livros pesados não eram prioridades em viagens com motores fotônicos onde o peso era uma grandeza a ser considerada, assim temos muito que aprender e coletar antes de voltarmos... _Antes de voltarmos? Mas pensei que tivessem 36 pressa... _Pressa? Claro que temos, mas entenda uma coisa chegaremos lá exatamente cinco minutos depois que partimos, assim o tempo que passarmos aqui não é muito importante, temos muitas tarefas a cumprir agora que você aceitou... _Tarefas? Que tipo de tarefas? _Ora arqueologia prática é claro, você já imaginou se pudesse coletar objetos no Império Sumério, por exemplo? Ou no Egípcio, ou coletar cronologias diretamente dos sacerdotes dos templos? Agora é permitido para nós com sua ajuda é claro, levarmos livros e artefatos legítimos desta fase da história do homem, que do ano dois mil e setecentos para trás é um mistério coberto de lendas, que maravilha. Tinham elementos mais completos à partir do ano dois mil e setecentos, que era onde a história realmente começava para a humanidade do Império, sendo deste ponto que sua cronologia iniciava à partir de datas e fatos reais e documentados. Quem estava mais entusiasmada era Káa, que tinha na arqueologia seu passatempo mais querido. Ela se sentia mais excitada que Lorde Carnavon e Clark quando descobriram o túmulo de Tut Ank Amon, ou que Schillemann quando descobriu Tróia, para ela tudo era uma preciosidade. Levei-os para a sala e liguei a TV só para ver a reação dos dois, que se decepcionaram muito quando souberam que as pessoas do outro lado do vídeo não nos viam também. Perguntaram como nos comunicávamos verbalmente quando toca o telefone e a campainha os assusta pelo inesperado, mas então me viram falando coerentemente pelo fone e entenderam que era um comunicador verbal, mas acharam muita graça do primitivo equipamento. Tudo para eles era alegria e surpresa assim os instruí como se portar em público no glorioso século vinte, final dos sombrios anos noventa. A 37 primeira lição foi sobre a nudez, pois descobriram um exemplar do Kama Sutra com ilustrações, que era uma preciosidade para mim, mas as gravuras estavam em terceira dimensão, sendo necessário usar os óculos de duas cores, verde e vermelho, para então revelar sua profundidade. Era um exemplar com inúmeras ilustrações das estátuas do famoso templo do amor hindu, que eram muito realistas, muito ilustrativas e muito explícitas. Pratico o cultivo dual tanto do Tantra, como o do Taoísmo que aprendi com meu primo Tite que tem erudição e prática sobre estas coisas, assim queria um manual bem ilustrativo e este era. Os dois em primeiro lugar não entenderam por que as figuras não estavam claras e eram fora de foco, mas logo que aprenderam a usar os óculos, se encheram de óhs e de uhs, ficando um bom tempo estudando as figuras. _Vítor precisamos levar um desses como exemplo para nossas equipes de estudo, disse Káa, e se interessou por outros assuntos. Isso queria dizer que não tinham tabus sexuais por lá de onde vieram, isso é ótimo, pois também não os tenho, isto é, acho que não tenho. Quando vou a Curitiba em visita aos meus primos, primeiro tinha uma impressão de encantamento e achava que tinha alcançado o lugar de todos os pagodes, pois lá dentro de casa todos andam nus, mas depois de algum tempo se notava que havia ordem naquela aparente bagunça. Cada um sabia onde cabia não ocupando o lugar dos outros, assim tinha que arranjar minhas próprias garotas, mas ia lá para estudar Kon Fu, Ai Ki Do, Kendô e uma sucessão de outras armas. Não me tornei um especialista em nenhuma destas disciplinas, mas cheguei a ser muito bom em todas elas, pois todos naquela casa sabiam tudo e eram senseis perfeitos. Mas lá também não há tabus sexuais, no entanto há um respeito enorme pela dignidade do ser humano, assim ninguém em são 38 juízo ia se meter com uma das garotas, pois ia perder a amizade do grupo e isso não era desejável, pois assim você perdia a convivência com todos eles. Mas eu estava atolado até o pescoço em meus problemas atuais e não creio que quisessem levar mais de um desta época, pois Tite, mesmo com possibilidades de ir comigo nunca iria só, assim era eu e mais ninguém, ou seja, esta encrenca era minha, só minha e só eu poderia resolvê-la, o que queria dizer que ia para não mais voltar. Assim a primeira coisa foi fazê-los se vestirem para andar em público, pois quando informei que havia um preconceito contra a nudez por aqui, levaram a mão até um ponto do pescoço e se vestiram imediatamente. Estavam com uma roupa brilhante do tipo que a gente vê os astronautas de cinema usarem, mas bem adaptada ao corpo, foi então que percebi que os objetos que vira flutuando no espaço estavam na verdade em bolsos e presilhas deste uniforme invisível. Quando viram minha consternação por ver Káa esconder suas delícias de mulher, quiseram voltar a fazer o traje invisível outra vez, mas não permiti já que não era somente minha apreciação nada estética que ia importar, mas sim um comportamento que teria que ser aprendido e condicionado para não terminarem na prisão por atentado ao pudor. O tal de Zólux parece que funcionava em dois sentidos, ao mesmo tempo em que me ensinara a tal de língua dele, ensinara a eles o português só para melhorar as possibilidades de comunicação e dar uma base de comparação semântica para nós, pois no futuro a comunicação seria da maior importância para que nós pudéssemos atuar como uma cadeia de comando. Estabeleceram um padrão, onde saíamos pelas manhãs para fazer compras de eletrodomésticos e todo tipo de coisa, à tarde percorríamos as livrarias, onde compravam absolutamente de tudo, desde livros de história como de 39 psicologia, sociologia, física e química e livros das séries de encadernados que mostravam coisas e as explicavam, sobre tudo, desde arte, geografia, arqueologia, paleontologia, e tudo mais que caísse em suas mãos, até mesmo bricolagem. Compraram vídeos cassetes, CD de música e de programas de computador e centenas de DVD’s, em suma compraram tudo que havia no mercado sobre quase todos os assuntos. Eram arqueólogos mesmo assim não deixavam nada para trás, eu por minha parte, me preparei com minha biblioteca e uma série de coisas que não queria deixar para trás, como minha coleção de CD de músicas clássicas e as populares que gostava, e os filmes que não poderia deixar de ver outra vez. Minha coleção completa de armas antigas e modernas, que se concentravam mais em armas brancas do que de fogo, mas havia de tudo. Levei os livros que me pareceram mais importantes para cumprir minha missão, ou seja “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, “O Livro de Cinco Anéis”, de Myiamoto Musashi, as "Guerras que Mudaram o Mundo" de Lidell Hart, "Estratégia" do General Beaufre, e alguns outros que poderiam me interessar. Levei também uma coleção de livros sobre armas de guerra, que possuíam esquemas de como funcionavam. É claro que selecionei para levar algumas caixas de meus refrigerantes prediletos, de algumas balas que gostava desde que havia abandonado o vício do fumo, em suma levei tudo que ia me fazer ficar com menos saudades de casa em minha estada por lá, que deveria ser de toda minha vida. Como não sou a mais sociável das pessoas, isso para mim não interessava muito, os únicos parentes que gostava moravam em Curitiba com uma vida própria e não iam sentir falta de mim, mesmo que sentisse falta deles. Meus amigos tinham cada um seu rumo, isso é, haviam casado e eu estava só mesmo que fosse por opção, 40 mas estava só assim mesmo. Gastei toda a grana da tal herança com eles (os visitantes) e comigo, mas depois de quatro meses, se declararam fartos de minha era querendo voltar para a própria, não deixando, entretanto, de perceber que já haviam feito tudo que se poderia fazer em nossa situação. Houve alguns incidentes engraçados durante esta estada, nada que fosse realmente bizarro, mas isso não precisa de um destaque especial na narrativa que é principalmente informativa. Quando se declararam prontos, já havíamos empurrado pela tal porta, todos os engradados que nos interessavam que não eram absolutamente poucos. Quiseram levar até mesmo boa parte da mobília de casa assim tudo foi sugado pela porta, na verdade sugado não era bem o termo, tudo tinha sido empurrado pela porta, descreve melhor o que acontecia. Chegou nossa hora, então vesti uma das tais roupas que me entregaram que era confortável e mantinha meu corpo fresco mesmo com o medo que sentia, que me fazia suar bastante, que tinha até mesmo um capacete de um material tão fino e transparente que não era visto a olho nu. Deixei prezo a uma parede um envelope, doando a casa e o terreno para meu primo Tite, enviando a ele uma carta explicando que saía deste mundo, mas não da vida e nunca mais voltaria, dando assim meus pertences para quem gostava. Tite adorava demais o mistério para não apreciar minha saída do palco do século vinte, só me ficando a pena de não ter visto o ano dois mil espocando no ar, com fogos de artifícios e desmentindo toda a mística da síndrome do fim do milênio, mas ia deixar um mistério mais interessante ainda. Então de frente para a porta, com um aperto no coração e uma contração dolorosa no estômago, cada um me segurou por um braço e entramos por ela no... No quê? Entramos no Aun, isto é, no tudo e no nada como se fosse a tessitura básica do universo. Aun era o nada 41 intermediário entre o espaço, tempo e matéria. Era o nada mas um nada feito de outros nadas, como se o nada fosse povoado por outras coisas que também eram nada, pois o nada pode ser a ausência de tudo, ou a sensação da ausência do essencial para caracterizar um local como alguma coisa, o tudo por sua vez era impensável. A cor era cinzenta, mas não um cinza monótono e quase morto, mas sim um cinza vivo um cinza que não era a mistura do preto e do branco, mas sim a mistura de todas as cores em proporções que não formavam um branco completo, havendo nuances indefiníveis de coisas que até poderiam ser cores, mas que eram as cores do nada, assim não eram exatamente cores. As sensações assombravam pela impossibilidade do lugar, eram assaltos de ânsias que não se definiam, no entanto agoniavam e como o local não tivesse nem começo nem fim, as percepções se desvaneciam em pura confusão sensitiva. Como era mesmo que o Tite falou um dia? “O infinito pode ser o que não tem fim ou o que não tem definição, o instante é eterno pois é atemporal, o caminho é sem fim pois é circular, o dia se segue à noite, uma inspiração por uma expiração e tudo acontece como se fizesse sentido para a mente.” Bem este infinito que me cerca não tem definição, mas se tivesse um fim discernível traria algum conforto para o espírito. Mas o homem está acostumado a fitar o insondável, pois é exatamente isso que se faz toda vez que olhamos para um céu estrelado, para o infinito, mas este tem coisas nele, as estrelas e onde eu estava, no Aun, não havia nada... Aliás, havia sim, havia meus dois amigos me suportando um por cada braço, havia um risco de cor que corria à nossa frente e de repente vi um caixote que havíamos empurrado pela porta a pelo menos um mês, que deslizava à nossa frente. O tempo não tinha nenhum significado aqui, assim como o espaço, pois este lugar não 42 tinha nem espaço nem tempo, era a essência deles e a única impressão que perdurava era a aflição do abismo, o medo do insondável. Sentia-me como uma pessoa que tivesse passado uma eternidade na borda de um abismo me segurando precariamente, com medo de cair e de repente acordasse e descobrisse que estava na borda do mesmo abismo, com os mesmos terrores e na mesma situação. Eram nuvens cinzentas que não eram feitas de vapor, mas sim de algo que a mente se recusava a definir, pois na verdade não eram nuvens, eram outra coisa que não podia ser nada, mas sim feitas de nada. De repente uma luz no horizonte... Horizonte? A luz estava bem na frente, mas não havia pontos de referência para poder avaliar a distância, se bem que não se possa falar de distância onde não há realmente nada. A luz azul, tremeluzente me engolfou e saí para um lugar que havia tudo que precisava para me fazer sentir que estava vivo. Desmaiei misericordiosamente, para evitar a dor de tornar o universo uma coisa coerente outra vez. 43 Capítulo 5- Lá... Lá é um lugar que não existe, não sei onde ouvi esta frase que ficou martelando meu ouvido, mas este lá aqui existe isso posso garantir. Acordei e estava flutuando no ar, em um lugar que mesmo depois de alguns milênios, qualquer ser humano ia reconhecer como um hospital. As paredes eram brancas, havia um homem vestido de branco com um troço na mão que me intrigou. Era um treco como uma pistola, mas não era uma pistola, parecia... Parecia, ah!... Parecia com estas coisas que estavam sendo usadas em meu tempo para injetar coisas no corpo dos outros, através de injeções de ar comprimido. E era, o cara se aproxima de mim dá um tiro em meu braço e tudo escurece outra vez. Isso aconteceu mais algumas vezes, mas houve uma vez que acordei livre de dores, sem muita ansiedade e ao meu lado estavam Vish e Káa sorrindo: _Oi vocês aí falei, não vão me pôr para dormir outra vez? _Vítor isso foi necessário, pois você teve que enfrentar o Aun sem treinamento ou experiência prévia, isso pode até mesmo levar um espírito mais fraco à loucura furiosa, eu e Vish tivemos que treinar meses para fazer isso, assim você repousou e seu sistema nervoso foi se recompondo lentamente por si mesmo. _Bem e agora? _Ora saia daí e vamos começar a conhecer seu novo lar. _Sair daqui? Mas como? Não estou em lugar algum...! 44 _Há! Há! Há! Você está em um acomodável, um móvel que serve para tudo, ou seja, é uma cadeira, uma poltrona, uma cama e até mesmo uma mesa se você quiser. _Ótimo, então estou em um acomodável e como é que saio dele? _Exatamente da maneira que você sai de uma poltrona em sua casa. Bem se é assim então é fácil, então levantei o corpo e a impressão que havia alguma coisa me segurando no local cedeu levemente, então quando girei o corpo para sair do treco que não era nada algo aconteceu, não sei se foi insegurança ou o que, mas me vi de ponta cabeça olhando o chão a uns quarenta centímetros do meu rosto. A gargalhada dos dois foi estrondosa, mas me ajudaram a sair do aperto em que me meti, ensinando os movimentos para não me atrapalhar mais. Então descobri que não estava em um hospital, estava no palácio do Imperador Xóltum a sede do governo da nossa parte da galáxia. Tinha recebido um apartamento no local, que tinha um quarto, uma sala de banho que seria muito útil assim que aprendesse a usar tudo aquilo, uma sala social e um local onde poderia comer, assim que aprendesse a usar a girosqueta que distribuía comida a todos os locais, se não aprendesse podia até mesmo morrer de fome, pois não havia nem mesmo uma mísera lanchonete naquele lugar. No entanto haviam restaurantes como percebi depois, não que esta percepção fosse de qualquer utilidade para mim no momento, não sabia como ir até eles. _Vítor você está em sua casa e deve se pôr a par da situação geral, pois nós temos que voltar a nossos postos de trabalho, mas estaremos ao seu dispor sempre que for preciso, pode contar conosco. _Espera um pouco vocês vão me largar aqui, em um lugar que nem mesmo sei como é que se vai ao banheiro e lá fazer o que for necessário, não sei nem 45 mesmo como pedir comida e comer aqui, como é que posso me pôr a par de tudo? Continuando: _Preciso conversar com os generais da frente, ter uma descrição dos materiais que se usa em uma batalha, não sei nada! Absolutamente nada, vocês não podem se afastar e me deixar assim jogado aos lobos. _Caro Vítor aqui em Valéria não existem lobos, assim não tenha medo... _Káa não disse isso literalmente, disse que não estou pronto ainda para ficar sozinho neste lugar que ainda não conheço. _Mas você não vai ficar só, disse Vish, o Hans vai tomar conta de você. _ Hans? Quem é Hans? Nem o conheço, onde está ele e quando virá para cá? Preciso começar a trabalhar urgentemente... _O Hans está aqui, ora esta... Disse Káa muito suavemente... _Aqui? Então o cara é invisível para piorar um pouco a confusão, pois não vejo ninguém aqui além de nós... _Vítor, Hans é o nome dos computadores pessoais aqui em Valéria... _Computador pessoal? Mas não sei quase nada de informática, como é que vou me dar com um computador? _Vítor trouxemos alguns PC de seu tempo como curiosidade arqueológica, estamos muito à frente em tecnologia, hoje em dia os computadores são autoconscientes. _Auto-conscientes? Então podem pensar? _Sim podem e no módulo lógico ainda melhor que um ser humano, só não podem vencer a primeira diretriz da info-robótica, ou do pensamento artificial como preferem outros, pois como são fabricados pelos homens para as finalidades dos homens, não devem pensar nem