1 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL: um pequeno resgate* Márcia Antonia Piedade Araújo** Resumo Este trabalho aponta, de forma breve, a história da Psicologia Social no Brasil a partir de 1920 até o ano 2000 enfocando-se as várias contribuições de estudiosos como Raul Briquet, Arthur Ramos, Manoel Bomfim, entre outros. Aborda-se a criação dos primeiros cursos de graduação e pós-graduação em psicologia social no país, além da criação de entidades – conselhos e associações -, como novos espaços de reflexão e discussão acerca desse campo. Parte-se do princípio de que o conhecimento de sua construção histórica pode possibilitar reconhecer melhor as lutas atuais e onde elas se situam ou contradizem a trajetória histórica. Palavras-chave: História. Psicologia. Psicologia Social. Abstract This work highlights, briefly, the social psychology history in Brazil, from 1920 to 200, focusing several contributions from scholars such as Raul Briquet, Arthur Ramos, Manoel Bomfim, among others. The criation of the first graduation and post graduation courses in social psychology in the country is aproached, besides the criation of counsellings and associations entities. It starts from the principle that the knowledge of its historical construction can lead to better acknowledge the present battles and where they are placed or contradict the historical way. Key-words: History. Psychology. Social Psychology. 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento de uma ciência e, sobretudo, as grandes transformações que nela se registram são produto de um conjunto de determinações históricas, as quais culminaram por estruturar idéias que fundamentaram e possibilitaram seu surgimento como ciência. O processo de constituição da Psicologia foi multideterminado e, dentre suas várias causas, é pertinente considerar desde a preocupação com os fenômenos psicológicos que foram, ao longo dos séculos, modificando-se e desenvolvendo-se até conquistar sua autonomia científica. Nessa rápida trajetória da Psicologia Social que vamos traçar é imperativo saber que compreender o processo de sua construção histórica significa abrir caminhos * Trabalho apresentado na Mesa Redonda “Psicologia Social no Brasil: percursos e possibilidades de atuação” do VIII Encontro Humanístico Nacional, São Luís, 2008. ** Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão. 2 para que seja possível aprender, questionar e transformar os princípios que fundamentam o pensamento psicológico. Uma vez que o homem se encontra em constante movimento, sua construção ocorre de forma sempre contínua, influenciado que é pelas diversas mudanças por que passa no contexto em que está inserido, sejam elas mudanças de ordem histórica, política, econômica, social ou cultural (JURBERG, 2000; KAHHALE; ANDRIANI, 2002). 2 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL Segundo Bomfim (2003a) três referenciais fazem parte do contexto de produção da Psicologia Social: os relacionados com o progresso de áreas afins como a sociologia, a antropologia, a educação, a história social e a própria psicologia; o avanço da psicologia social em países da Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na América Latina e ainda às condições históricas e econômicas mundiais, especialmente, às condições nacionais que, aliadas às demandas sociais de comunidades, grupos e movimentos sociais, abriram caminhos no campo do conhecimento psicossocial. A Psicologia Social aparece em 1908, com a publicação de “Social Psychology”, de Edward Ross e “An Introduction to Social Psychology” de William McDougall. Ross, de orientação sociológica, fazia referência a conceitos como mente coletiva, costumes sociais, opiniões sociais e conflitos. McDougall referia que as características sociais e o comportamento se baseavam na natureza biológica, idéia em que a psicologia social se apoiou em seu desenvolvimento. Mesmo sabendo que existem contribuições nesse campo vindas, principalmente, da Europa e dos Estados Unidos, cabe destacar que vamos nos deter na história da Psicologia Social no Brasil. O primeiro livro com título específico referido a Psicologia Social foi publicado, no Brasil, somente em 1921. De autoria de Francisco José de Oliveira Viana, intitulado “Pequenos estudos de psychologia”, este fora composto de artigos publicados em jornais, versando sobre temas como o meio social e o meio político. Mas, já havia um pensamento psicossocial no Brasil, que é normalmente denominado de "pensamento social brasileiro". Dentre os autores que mais se destacaram neste sentido, ainda no século XIX ou na passagem para o XX, citam-se Sylvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e Manoel Bomfim, cujas idéias traziam as marcas brasileiras de uma época de pouca industrialização, domínio da oligarquia rural e um contexto intelectual 3 regido pelo predomínio das idéias positivistas. Uma questão bastante discutida em suas obras era o regime escravocrata, que revelava reações diferentes quando incluía discursos sobre a inferioridade do povo brasileiro e das raças (BOMFIM, 2003b). Sylvio Romero nasceu em Sergipe, em 1851, e formou-se em Direito, sendo também sociólogo, professor e historiador. Sua contribuição para a Psicologia Social ocorreu com a publicação da obra “História da literatura brasileira”, de 1886, na qual tratava da relação existente entre a literatura e as manifestações políticas, econômicas e artísticas. No capítulo intitulado “Psicologia Nacional - Prejuízo de educação - Imitação do estrangeiro” o autor declara sua crença numa psicologia dos povos. Segundo seu entendimento, o povo brasileiro, em especial, tinha características como apatia, falta de iniciativa, desânimo e propensão para esperar a iniciativa vinda do poder. Seu texto denota a situação do Brasil à época, quando 90% da população era analfabeta (preocupação com educação), com mais de 7% de estrangeiros (preocupação com a questão da imitação). Assim, ele inaugurou uma linha de estudos em Psicologia Social. Raimundo Nina Rodrigues nasceu no Maranhão, em 1862 e formou-se em Medicina na Bahia, em 1886. Entre as várias obras publicadas, destaca-se “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil” de 1894, onde afirma que a diferença entre os povos civilizados e bárbaros é baseada em uma organização cerebral herdada. Suas idéias comungavam tanto da necessidade ideológica de "entender" a gente brasileira como também faziam parte da ideologia racial que impunha o urgente aprimoramento da raça brasileira, considerada inferior. A importante presença de Nina Rodrigues no campo da Medicina Legal influenciou os campos médico e jurídico no país. Manoel Bomfim nasceu em Sergipe em 1868 e formou-se em Medicina no Rio de Janeiro, em 1890. Sua atuação como intelectual do seu tempo envolveu vários campos disciplinares como Medicina, Educação, História, Antropologia, Língua Portuguesa e Psicologia Entre suas várias produções, uma se destaca para este contexto: trata-se da obra “America Latina - males de origem” concluída em 1905, em Paris, na qual o autor, conforme Bomfim (2003a, p. 24), já destacava que: “[...] para se estudar um grupo social e compreender os motivos pelos quais ele se apresenta em determinadas condições, seria preciso analisar não só o meio no qual se encontra, como também os seus antecedentes. Como conseqüência, a nacionalidade seria o produto de uma evolução resultante de ações passadas e de ações do meio [...]”. A característica significativa dessa obra foi a sua rejeição às teorias raciais, de caráter racista tão presentes naquele momento. Além disso, Manoel Bomfim fundou e 4 dirigiu o Laboratório de Psicologia Experimental no Rio de Janeiro em 1906, época em que com a reforma do ensino no Brasil, nos fins do século XIX e início do século XX propiciada por Benjamin Constant (1890), houve a introdução de noções de psicologia nos cursos de educação, sendo criados os primeiros laboratórios de psicologia, objetivando o desenvolvimento de pesquisas nessa área. Na década de 1930 surgiram os primeiros cursos superiores em Psicologia Social. Cabendo a Raul Carlos Briquet o pioneirismo docente. Médico, nascido em São Paulo em 1887, ele foi responsável pela cadeira de Psicologia Social na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. Desse curso resultou uma publicação do primeiro livro acadêmico em Psicologia Social, editado em 1935. O livro foi estruturado em duas partes: a primeira, versa sobre as contribuições da Sociologia, Biologia e Psicologia; a segunda, denominada de especial, traz temáticas específicas em Psicologia Social, em que o autor realizou uma análise dos fatores psíquicos que motivam o comportamento social, o instinto, o hábito, as três formas de identidade social (sugestão, imitação e simpatia), a inteligência e a vida social. O segundo curso de Psicologia Social foi ministrado em 1935 por Arthur Ramos – médico, nascido em Alagoas em 1903 - que resultou na edição do livro “Introdução à Psychologia Social”, publicado em 1936, na Escola de Economia e Direito da extinta Universidade do Distrito Federal1. Para ele, a Psicologia Social era uma disciplina entre a Psicologia e a Sociologia que necessitava de maiores delimitações do seu campo, com crescente importância, embora seus métodos e objetivos ainda não estivessem claros. Na sua visão, caberia à Psicologia Social estudar: as bases psicológicas do comportamento social, as inter-relações psicológicas dos indivíduos na vida social e a influência total do grupo sobre a personalidade. A década de 1940 foi marcada, segundo Bomfim (2003b), por missões estrangeiras que chegaram ao Brasil no auge da II Grande Guerra Mundial, acrescentando, portanto, várias contribuições psicossociais. Desse grupo pode-se destacar Pierre Weil que chegou ao país em 1948 para trabalhar em treinamentos do recém-criado Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), no Rio de Janeiro. Entre suas obras, merece destaque “Dinâmica de Grupo e Desenvolvimento em Relações Humanas” (1967) e a partir dessa obra ele desenvolveu, com colegas, a técnica de Desenvolvimento das Relações Humanas (DRH). 5 Outro autor estrangeiro que veio ao Brasil para ministrar cursos na Universidade de São Paulo (USP), no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), foi Emílio Mira y López. Algumas de suas obras foram: “Manual de Psicologia Jurídica” (1917), “Manual de orientación profesional” (1947) e “La Psiquiatria en la guerra” (1944). Na década de 1950, a ideologia desenvolvimentista torna-se mais impregnante no pais, com a crença de que um parque industrial forte melhorará a qualidade de vida do Brasil, de que a industrialização e a urbanização levarão à qualificação dos recursos humanos, ou seja, construir-se-á um país moderno e desenvolvido. Para tanto, houve maior ênfase no setor educacional. Assim, foram criados órgãos como o “Conselho Nacional de Pesquisas” (CNPQ) em 1951, “Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário” (CADES) em 1954 e o “Serviço de Educação de Adultos”, em 1957. Este momento foi importante para a Psicologia Social, pois possibilitou as primeiras teses de doutorado com temáticas comprometidas com essa perspectiva, como a tese de Carolina Bori, que versava sobre a “Análise dos Experimentos de Interrupção de Tarefas e da Teoria da Motivação” na obra de Kurt Lewin (1953) e a tese de Dante Moreira Leite com o título “Caráter Nacional do Brasileiro” (1954), que analisou a visão do que seja o "brasileiro" em diferentes obras representativas do chamado "pensamento social brasileiro", apontando, nelas, seu caráter conservador ou progressista. Além das teses, outras contribuições se fizeram presentes, nessa década, no periódico “Boletim do Instituto de Psicologia” do Rio de Janeiro criado por Nilton Campos, quando diretor do Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil. Nesse boletim, foram publicados uma série de artigos do próprio Nilton Campos além de Antonio Gomes Penna e de Eliezer Schneider, enfocando as situações do ensino, da pesquisa e das publicações da Psicologia Social no Rio de Janeiro. Além disso, nesse período na Psicologia Social, segundo Bomfim (2003a), houve um aumento de estudos sobre comunicação de massa, violência, papéis sociais, valores e normas, em que o sujeito era flexível às influências da informação. Mudanças consideráveis foram realizadas na década de 1960 na sociedade e nas formas de governo. A rebelião de maio de 1968 na França foi um marco na expressão dos conflitos e das demandas por mudanças sociais e políticas na busca de uma nova ordem social, mais justa e mais humana. No Brasil, na primeira metade da década de 1960, mais precisamente em 1964, ocorreu a revolução militar, acabando com a liberdade 6 democrática (política, social, econômica e cultural). Esse regime autoritário era mantido por pactos com o capital internacional, coordenado pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), pelas práticas de cassação de direitos políticos, prisões e torturas. A Psicologia Social, até o início dos anos 1960 parecia que daria respostas a todos os problemas sociais, mas foi atravessada por uma polêmica em torno de seu caráter teórico e ideológico, ocasionando uma crise. Tal crise foi devida tanto à sua metodologia como às formas de teorização utilizadas, pois a Psicologia de até então não havia desenvolvido uma base sólida de conhecimentos estruturada na realidade social e nas vivências cotidianas. Sua teorização era centrada, segundo Krüger (1986), no cognitivismo (relevo aos fatores cognitivos do indivíduo), no experimentalismo como método de pesquisa, no individualismo (ou seja, na análise dos fenômenos sociais a partir da perspectiva do indivíduo), no etnocentrismo (já que este modelo de indivíduo era o estabelecido na cultura norte-americana), no uso de microteorias (ou seja, na investigação de micro-espaços do social) e, finalmente, na perspectiva a-histórica, já que o "homem" estudado através destes diversos invólucros seria um homem presente em todos os tempos e espaços. Para superar a crise, segundo Bonfim (2003a), seria necessário buscar uma maior e mais cuidadosa produção de conhecimento, discutindo as questões ideológicas, elucidando os conflitos sociais, analisando as diferenças individuais, grupais e comunidades e questionando seu papel político. Assim, a crise teórica de caráter internacional que aconteceu nesse período residiu em grande parte nas dúvidas sobre o método experimental e sobre a sua adequação à complexidade e exigências do objeto de estudo, pois, as regras do comportamento humano, contrariamente às das ciências naturais, não podem ser estabelecidas definitivamente, porque elas se alteram em função das circunstâncias culturais e históricas. Desse modo, as investigações deveriam estender-se do individual para o social, levar em conta o político e o econômico, no sentido de se obter uma compreensão apropriada da evolução da psicologia contemporânea e da vida social. No Brasil, a Psicologia Social cresceu em meio às conturbações políticas e sociais internas. Cresceram, também, nas empresas e nas instituições brasileiras, as práticas de dinâmica de grupo e de intervenção psicossociológica que privilegiavam as relações interpessoais, empresariais e/ou terapêuticas. Houve ainda um crescente aumento no número de cursos de psicologia criados no país. A década de 1960 também foi importante para a Psicologia pela conquista de 7 sua autonomia e pelo reconhecimento da profissão de psicólogo regulamentada pela Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que estimulou a criação de novos cursos, assim como consolidou o ensino da Psicologia nos cursos superiores. Dessa forma, ocorreu o desenvolvimento da produção psicossocial, principalmente em relação a disciplinas, como “Dinâmica de Grupo e Relações Humanas”, “Seleção e Orientação Profissional” e “Psicologia da Indústria”, além da obrigatoriedade da “Psicologia Social”. Na década seguinte, 1970, o Brasil continuava sob o regime militar que durante muitos anos buscou controlar a população, suas ações e pensamentos. A Psicologia, por sua vez, ainda vivia a crise da década passada, refletida em fóruns de discussões, os impasses da psicologia social enquanto ciência e espaço de práticas políticas e ideológicas. Entre eles: o “Fórum de Psicologia Social”, que aconteceu no Rio de Janeiro, em outubro de 1970, promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, o “I Encontro dos Psicólogos Brasileiros”, em São Paulo em 1971 e o “III Encontro Nacional de Sociedades de Psicologia”, em 1973 na cidade do Rio de Janeiro, promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada. Foi também nessa década, fase áurea da expansão de cursos de Psicologia na rede privada, que a visão empresarial dominante sustentou a criação de cursos sem estrutura adequada para a formação de psicólogos. O campo da Psicologia continuava crescendo, com a implantação dos primeiros cursos de mestrado específicos em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, os quais geraram dissertações com temáticas voltadas à realidade brasileira. A produção literária também aumentava, embora neste período tenha ocorrido o auge das traduções dos livros estrangeiros. Entre a produção nacional, citamos: “Psicologia Social”, de Aroldo Rodrigues (1972); “Relações Humanas: psicologia das relações interpessoais” (1978) de Agostinho Minicucci e “Psicosociologia das Relações Públicas”, de Cândido de Andrade (1975). Outro fato marcante nesse período foi a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Psicologia, pela Lei nº 5.766 de 20/12/1971. Assim, conforme Bomfim, (2003a), “[...] Essa lei complementava a Lei 4.119 de 1962 que veio regulamentar a profissão de psicólogo. Com a instalação dos conselhos de psicologia, foram criadas melhores condições para definição da área e do exercício profissional”. O Brasil na década de 1980, ainda sob o regime militar, vivenciou novas greves resultantes do processo recessivo, devido às perdas salariais e à instabilidade no 8 emprego. O poder já não estava somente com o Estado, mas também em instituições sociais que criticavam e denunciavam exclusões e opressões. Nesse período, a Psicologia Social no Brasil, de acordo com Bomfim (2003a), buscou autonomia científica, por um conjunto de atividades: crescimento expressivo da produção publicada, detalhamento das temáticas anteriormente abordadas (educação, saúde, comunidade, trabalho, etc.), inclusão de outras (representações sociais, relações de gênero, movimentos sociais, etc.) através de estudos realizados, além de publicação de estudos e ampliação da divulgação de aplicações da psicologia social, principalmente em relação aos trabalhos com comunidades carentes. Predominou, nesse momento, a busca por uma nova identidade, com muitos debates, congressos, encontros, publicações, reflexões. Cotejem-se alguns aspectos enumerados por Bock (1999): encerravam-se duas etapas da categoria, uma marcada pelas intervenções e lutas corporativistas, e outra que teve como resultado a consolidação da profissão no Brasil; engajavam-se os psicólogos nas lutas junto aos trabalhadores e começavam a participar de movimentos sindicais para a construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A partir daí, iniciou-se uma mudança na história desses profissionais através de debates e reflexões sobre seus problemas, com a proposta de uma atuação mais adequada junto à população brasileira e suas necessidades. Essa década foi importante para a Psicologia Social, pois além do aumento da produção de artigos e dissertações de mestrado, foram criados os primeiros cursos de doutorado específicos nessa área e defendidas as primeiras teses nos cursos instituídos. Vale ressaltar que com a criação das associações científicas, entre elas a “Associação Brasileira de Psicologia Social” (ABRAPSO), em julho de 1980, e a “Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia” (ANPEPP), em julho de 1983, a Psicologia, de modo geral e a social de modo específico, deram um salto de qualidade por meio dos encontros promovidos com a categoria em diferentes eventos científicos. O Brasil da década de 1990 mantinha algumas características da década anterior, tais como estagnação econômica, grave crise social, inflação descontrolada e caos nas finanças públicas, devido às dívidas internas e externas. Foi a época em que a Psicologia, segundo Bock (1999), partiu para a sistematização da diversidade construída na década de 1980, quando os psicólogos refletiram e construíram novas idéias. A categoria que, anteriormente, almejava uma identidade para o psicólogo, deu lugar, na década de 1990, à preocupação com a imagem da Psicologia e do psicólogo junto 9 à população. Segundo Bock (1999, p. 127): “[...] Em 1990, vamos nos deparar com mais certezas e posições. Se a década de 80 levantou questões, a década de 90 parece se propor a respondê-las”. Para isso, ainda segundo a autora, os congressos, as publicações e a realização sistemática de pesquisas sobre a categoria no Brasil tiveram papel importante na discussão de questões relativas à profissão e à própria ciência. Assim sendo, essa década obteve alguns resultados para suas reivindicações, entre eles: o psicólogo começou a ser visto como profissional da saúde; a profissão se aproximou dos contextos sociais; houve aumento do número de profissionais em outros campos de trabalho não tradicionais, o que levou à necessidade de rever a formação tradicional dos psicólogos. Um dos marcos significativos desse período foi a publicação pelo Conselho Federal de Psicologia em 1994 do livro “Psicólogo brasileiro – práticas emergentes e desafios para a formação”. O segundo milênio foi aberto pela Psicologia Social no Brasil sendo considerada como um campo de busca de compromissos sociais, com a apresentação de muitos trabalhos inseridos na temática social. Isso pôde ser demonstrado na “I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia: psicologia e compromisso social”, cuja iniciativa foi do Conselho Federal de Psicologia. Apesar do número elevado de trabalhos apresentados com o cunho “social”, isso não reflete a realidade desse compromisso, pois, segundo Bock (2003), não havia de fato um real comprometimento social dos profissionais com a sociedade. A Psicologia Social que hoje conhecemos e com a qual convivemos, nos diferentes centros de investigação e trabalho, foi e está sendo construída por profissionais que estão aí, em pleno exercício das suas atividades, comprometendo-se com as demandas e necessidades explícitas em seus locais de atuação. Trata-se de pessoas que viveram a “crise” da psicologia social, e colaboraram para chamar a atenção sobre realidades sociais e cotidianas que se diferenciavam daquelas vividas nos centros de domínio econômico, político e científico (FREITAS, 2000). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Limitamo-nos a assinalar, brevemente, autores e algumas obras importantes para o conhecimento da constituição histórica da Psicologia Social. No entanto, vários outros estudiosos poderiam ter sido citados aqui, mas em razão do objeto visto para este texto, deixamos de contar com suas valiosas contribuições. 10 Assinalamos como aconteceu a Psicologia Social no Brasil e, de certo modo, na América Latina, tendo como propósito mostrar porque ela esteve muito tempo ignorada. Essa visão, motivada depois da “crise”, provocou mudança de idéias, que se materializavam pela ação de profissionais e investigadores na luta por se manter e sobreviver em resistência aos clássicos modelos importados dos centros hegemônicos de produção científica, o que no caso específico nosso apresentou-se diferente das múltiplas demandas impostas pelas condições sociais brasileiras. É certo que a história não é estática e nem estagnada, está sempre sujeita a revisões à medida que são revelados novos dados ou novas interpretações de dados já existentes. E só assim, é possível entender que o conjunto de mudanças na sociedade deve ser visto de forma articulada, ou seja, história, sociedade, progresso, transformação. Finalmente, é preciso pensar uma Psicologia Social mais comprometida com a realidade social e com as condições de vida das pessoas no contexto em que elas estejam inseridas, e, para tanto, deve-se acabar com a idéia de que o mundo psicológico está oposto ao social. Nota 1 A Universidade do Distrito Federal foi extinta em 1939 e seus cursos absorvidos pela Universidade do Brasil. REFERÊNCIAS BOCK, Ana Mercês Bahia. Aventuras do barão de Münchhausen na psicologia. São Paulo: EDUC, 1999. BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In: BOCK, Ana Mercês Bahia (Org.) Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. BOMFIM, Elizabeth de Melo. Psicologia social no Brasil. Belo Horizonte, Edições do Campo Social, 2003a. BOMFIM, Elizabeth de Melo. Contribuições para a história da psicologia no Brasil. In: JACÓVILELA, Ana Maria; ROCHA, Marisa Lopes da; MANCEBO, Deise (Org.). Psicologia social: relatos na América Latina. São Paulo: 2003b. FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. O movimento da lente focal na história recente da psicologia social latino-americana. In: CAMPOS, Regina Helena de Freitas; GUARESCHI, Pedrinho (Org.). Paradigmas em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. KAHHALE, Edna Maria Petres; ANDRIANI, Ana Gabriela Pedrosa. Constituição histórica da psicologia como ciência. In: KAHHALE, Edna Maria Petres (Org.). A diversidade da psicologia: uma construção teórica. São Paulo: Cortez, 2002. KRÜGER, Helmuth. Introdução à psicologia social. São Paulo: EPU, 1986.