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A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL: um pequeno resgate*
Márcia Antonia Piedade Araújo**
Resumo
Este trabalho aponta, de forma breve, a história da Psicologia Social no Brasil a partir de
1920 até o ano 2000 enfocando-se as várias contribuições de estudiosos como Raul
Briquet, Arthur Ramos, Manoel Bomfim, entre outros. Aborda-se a criação dos primeiros
cursos de graduação e pós-graduação em psicologia social no país, além da criação de
entidades – conselhos e associações -, como novos espaços de reflexão e discussão acerca
desse campo. Parte-se do princípio de que o conhecimento de sua construção histórica
pode possibilitar reconhecer melhor as lutas atuais e onde elas se situam ou contradizem a
trajetória histórica.
Palavras-chave: História. Psicologia. Psicologia Social.
Abstract
This work highlights, briefly, the social psychology history in Brazil, from 1920 to 200,
focusing several contributions from scholars such as Raul Briquet, Arthur Ramos, Manoel
Bomfim, among others. The criation of the first graduation and post graduation courses in
social psychology in the country is aproached, besides the criation of counsellings and
associations entities. It starts from the principle that the knowledge of its historical
construction can lead to better acknowledge the present battles and where they are placed
or contradict the historical way.
Key-words: History. Psychology. Social Psychology.
1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento de uma ciência e, sobretudo, as grandes transformações
que nela se registram são produto de um conjunto de determinações históricas, as quais
culminaram por estruturar idéias que fundamentaram e possibilitaram seu surgimento
como ciência.
O processo de constituição da Psicologia foi multideterminado e, dentre suas
várias causas, é pertinente considerar desde a preocupação com os fenômenos psicológicos
que foram, ao longo dos séculos, modificando-se e desenvolvendo-se até conquistar sua
autonomia científica.
Nessa rápida trajetória da Psicologia Social que vamos traçar é imperativo
saber que compreender o processo de sua construção histórica significa abrir caminhos
*
Trabalho apresentado na Mesa Redonda “Psicologia Social no Brasil: percursos e possibilidades de
atuação” do VIII Encontro Humanístico Nacional, São Luís, 2008.
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Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão.
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para que seja possível aprender, questionar e transformar os princípios que fundamentam o
pensamento psicológico. Uma vez que o homem se encontra em constante movimento, sua
construção ocorre de forma sempre contínua, influenciado que é pelas diversas mudanças
por que passa no contexto em que está inserido, sejam elas mudanças de ordem histórica,
política, econômica, social ou cultural (JURBERG, 2000; KAHHALE; ANDRIANI,
2002).
2 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL
Segundo Bomfim (2003a) três referenciais fazem parte do contexto de
produção da Psicologia Social: os relacionados com o progresso de áreas afins como a
sociologia, a antropologia, a educação, a história social e a própria psicologia; o avanço da
psicologia social em países da Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na
América Latina e ainda às condições históricas e econômicas mundiais, especialmente, às
condições nacionais que, aliadas às demandas sociais de comunidades, grupos e
movimentos sociais, abriram caminhos no campo do conhecimento psicossocial.
A Psicologia Social aparece em 1908, com a publicação de “Social
Psychology”, de Edward Ross e “An Introduction to Social Psychology” de William
McDougall. Ross, de orientação sociológica, fazia referência a conceitos como mente
coletiva, costumes sociais, opiniões sociais e conflitos. McDougall referia que as
características sociais e o comportamento se baseavam na natureza biológica, idéia em que
a psicologia social se apoiou em seu desenvolvimento.
Mesmo
sabendo
que
existem
contribuições
nesse
campo
vindas,
principalmente, da Europa e dos Estados Unidos, cabe destacar que vamos nos deter na
história da Psicologia Social no Brasil.
O primeiro livro com título específico referido a Psicologia Social foi
publicado, no Brasil, somente em 1921. De autoria de Francisco José de Oliveira Viana,
intitulado “Pequenos estudos de psychologia”, este fora composto de artigos publicados em
jornais, versando sobre temas como o meio social e o meio político.
Mas, já havia um pensamento psicossocial no Brasil, que é normalmente
denominado de "pensamento social brasileiro". Dentre os autores que mais se destacaram
neste sentido, ainda no século XIX ou na passagem para o XX, citam-se Sylvio Romero,
Raimundo Nina Rodrigues e Manoel Bomfim, cujas idéias traziam as marcas brasileiras de
uma época de pouca industrialização, domínio da oligarquia rural e um contexto intelectual
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regido pelo predomínio das idéias positivistas. Uma questão bastante discutida em suas
obras era o regime escravocrata, que revelava reações diferentes quando incluía discursos
sobre a inferioridade do povo brasileiro e das raças (BOMFIM, 2003b).
Sylvio Romero nasceu em Sergipe, em 1851, e formou-se em Direito, sendo
também sociólogo, professor e historiador. Sua contribuição para a Psicologia Social
ocorreu com a publicação da obra “História da literatura brasileira”, de 1886, na qual
tratava da relação existente entre a literatura e as manifestações políticas, econômicas e
artísticas. No capítulo intitulado “Psicologia Nacional - Prejuízo de educação - Imitação do
estrangeiro” o autor declara sua crença numa psicologia dos povos. Segundo seu
entendimento, o povo brasileiro, em especial, tinha características como apatia, falta de
iniciativa, desânimo e propensão para esperar a iniciativa vinda do poder. Seu texto denota
a situação do Brasil à época, quando 90% da população era analfabeta (preocupação com
educação), com mais de 7% de estrangeiros (preocupação com a questão da imitação).
Assim, ele inaugurou uma linha de estudos em Psicologia Social.
Raimundo Nina Rodrigues nasceu no Maranhão, em 1862 e formou-se em
Medicina na Bahia, em 1886. Entre as várias obras publicadas, destaca-se “As raças
humanas e a responsabilidade penal no Brasil” de 1894, onde afirma que a diferença entre
os povos civilizados e bárbaros é baseada em uma organização cerebral herdada.
Suas idéias comungavam tanto da necessidade ideológica de "entender" a gente
brasileira como também faziam parte da ideologia racial que impunha o urgente
aprimoramento da raça brasileira, considerada inferior. A importante presença de Nina
Rodrigues no campo da Medicina Legal influenciou os campos médico e jurídico no país.
Manoel Bomfim nasceu em Sergipe em 1868 e formou-se em Medicina no Rio
de Janeiro, em 1890. Sua atuação como intelectual do seu tempo envolveu vários campos
disciplinares como Medicina, Educação, História, Antropologia, Língua Portuguesa e
Psicologia Entre suas várias produções, uma se destaca para este contexto: trata-se da obra
“America Latina - males de origem” concluída em 1905, em Paris, na qual o autor,
conforme Bomfim (2003a, p. 24), já destacava que:
“[...] para se estudar um grupo social e compreender os motivos pelos quais ele
se apresenta em determinadas condições, seria preciso analisar não só o meio no
qual se encontra, como também os seus antecedentes. Como conseqüência, a
nacionalidade seria o produto de uma evolução resultante de ações passadas e de
ações do meio [...]”.
A característica significativa dessa obra foi a sua rejeição às teorias raciais, de
caráter racista tão presentes naquele momento. Além disso, Manoel Bomfim fundou e
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dirigiu o Laboratório de Psicologia Experimental no Rio de Janeiro em 1906, época em
que com a reforma do ensino no Brasil, nos fins do século XIX e início do século XX propiciada por Benjamin Constant (1890), houve a introdução de noções de psicologia nos
cursos de educação, sendo criados os primeiros laboratórios de psicologia, objetivando o
desenvolvimento de pesquisas nessa área.
Na década de 1930 surgiram os primeiros cursos superiores em Psicologia
Social. Cabendo a Raul Carlos Briquet o pioneirismo docente. Médico, nascido em São
Paulo em 1887, ele foi responsável pela cadeira de Psicologia Social na Escola Livre de
Sociologia e Política de São Paulo. Desse curso resultou uma publicação do primeiro livro
acadêmico em Psicologia Social, editado em 1935. O livro foi estruturado em duas partes:
a primeira, versa sobre as contribuições da Sociologia, Biologia e Psicologia; a segunda,
denominada de especial, traz temáticas específicas em Psicologia Social, em que o autor
realizou uma análise dos fatores psíquicos que motivam o comportamento social, o
instinto, o hábito, as três formas de identidade social (sugestão, imitação e simpatia), a
inteligência e a vida social.
O segundo curso de Psicologia Social foi ministrado em 1935 por Arthur
Ramos – médico, nascido em Alagoas em 1903 - que resultou na edição do livro
“Introdução à Psychologia Social”, publicado em 1936, na Escola de Economia e Direito
da extinta Universidade do Distrito Federal1. Para ele, a Psicologia Social era uma
disciplina entre a Psicologia e a Sociologia que necessitava de maiores delimitações do seu
campo, com crescente importância, embora seus métodos e objetivos ainda não estivessem
claros. Na sua visão, caberia à Psicologia Social estudar: as bases psicológicas do
comportamento social, as inter-relações psicológicas dos indivíduos na vida social e a
influência total do grupo sobre a personalidade.
A década de 1940 foi marcada, segundo Bomfim (2003b), por missões
estrangeiras que chegaram ao Brasil no auge da II Grande Guerra Mundial, acrescentando,
portanto, várias contribuições psicossociais. Desse grupo pode-se destacar Pierre Weil que
chegou ao país em 1948 para trabalhar em treinamentos do recém-criado Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (SENAC), no Rio de Janeiro. Entre suas obras, merece
destaque “Dinâmica de Grupo e Desenvolvimento em Relações Humanas” (1967) e a partir
dessa obra ele desenvolveu, com colegas, a técnica de Desenvolvimento das Relações
Humanas (DRH).
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Outro autor estrangeiro que veio ao Brasil para ministrar cursos na
Universidade de São Paulo (USP), no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) e no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), foi Emílio Mira
y López. Algumas de suas obras foram: “Manual de Psicologia Jurídica” (1917), “Manual
de orientación profesional” (1947) e “La Psiquiatria en la guerra” (1944).
Na década de 1950, a ideologia desenvolvimentista torna-se mais impregnante
no pais, com a crença de que um parque industrial forte melhorará a qualidade de vida do
Brasil, de que a industrialização e a urbanização levarão à qualificação dos recursos
humanos, ou seja, construir-se-á um país moderno e desenvolvido. Para tanto, houve maior
ênfase no setor educacional. Assim, foram criados órgãos como o “Conselho Nacional de
Pesquisas” (CNPQ) em 1951, “Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino
Secundário” (CADES) em 1954 e o “Serviço de Educação de Adultos”, em 1957. Este
momento foi importante para a Psicologia Social, pois possibilitou as primeiras teses de
doutorado com temáticas comprometidas com essa perspectiva, como a tese de Carolina
Bori, que versava sobre a “Análise dos Experimentos de Interrupção de Tarefas e da Teoria
da Motivação” na obra de Kurt Lewin (1953) e a tese de Dante Moreira Leite com o título
“Caráter Nacional do Brasileiro” (1954), que analisou a visão do que seja o "brasileiro" em
diferentes obras representativas do chamado "pensamento social brasileiro", apontando,
nelas, seu caráter conservador ou progressista.
Além das teses, outras contribuições se fizeram presentes, nessa década, no
periódico “Boletim do Instituto de Psicologia” do Rio de Janeiro criado por Nilton
Campos, quando diretor do Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil. Nesse
boletim, foram publicados uma série de artigos do próprio Nilton Campos além de Antonio
Gomes Penna e de Eliezer Schneider, enfocando as situações do ensino, da pesquisa e das
publicações da Psicologia Social no Rio de Janeiro. Além disso, nesse período na
Psicologia Social, segundo Bomfim (2003a), houve um aumento de estudos sobre
comunicação de massa, violência, papéis sociais, valores e normas, em que o sujeito era
flexível às influências da informação.
Mudanças consideráveis foram realizadas na década de 1960 na sociedade e
nas formas de governo. A rebelião de maio de 1968 na França foi um marco na expressão
dos conflitos e das demandas por mudanças sociais e políticas na busca de uma nova
ordem social, mais justa e mais humana. No Brasil, na primeira metade da década de 1960,
mais precisamente em 1964, ocorreu a revolução militar, acabando com a liberdade
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democrática (política, social, econômica e cultural). Esse regime autoritário era mantido
por pactos com o capital internacional, coordenado pelo Serviço Nacional de Informação
(SNI), pelas práticas de cassação de direitos políticos, prisões e torturas.
A Psicologia Social, até o início dos anos 1960 parecia que daria respostas a
todos os problemas sociais, mas foi atravessada por uma polêmica em torno de seu caráter
teórico e ideológico, ocasionando uma crise. Tal crise foi devida tanto à sua metodologia
como às formas de teorização utilizadas, pois a Psicologia de até então não havia
desenvolvido uma base sólida de conhecimentos estruturada na realidade social e nas
vivências cotidianas. Sua teorização era centrada, segundo Krüger (1986), no cognitivismo
(relevo aos fatores cognitivos do indivíduo), no experimentalismo como método de
pesquisa, no individualismo (ou seja, na análise dos fenômenos sociais a partir da
perspectiva do indivíduo), no etnocentrismo (já que este modelo de indivíduo era o
estabelecido na cultura norte-americana), no uso de microteorias (ou seja, na investigação
de micro-espaços do social) e, finalmente, na perspectiva a-histórica, já que o "homem"
estudado através destes diversos invólucros seria um homem presente em todos os tempos
e espaços. Para superar a crise, segundo Bonfim (2003a), seria necessário buscar uma
maior e mais cuidadosa produção de conhecimento, discutindo as questões ideológicas,
elucidando os conflitos sociais, analisando as diferenças individuais, grupais e
comunidades e questionando seu papel político.
Assim, a crise teórica de caráter internacional que aconteceu nesse período
residiu em grande parte nas dúvidas sobre o método experimental e sobre a sua adequação
à complexidade e exigências do objeto de estudo, pois, as regras do comportamento
humano, contrariamente às das ciências naturais, não podem ser estabelecidas
definitivamente, porque elas se alteram em função das circunstâncias culturais e históricas.
Desse modo, as investigações deveriam estender-se do individual para o social, levar em
conta o político e o econômico, no sentido de se obter uma compreensão apropriada da
evolução da psicologia contemporânea e da vida social.
No Brasil, a Psicologia Social cresceu em meio às conturbações políticas e
sociais internas. Cresceram, também, nas empresas e nas instituições brasileiras, as práticas
de dinâmica de grupo e de intervenção psicossociológica que privilegiavam as relações
interpessoais, empresariais e/ou terapêuticas. Houve ainda um crescente aumento no
número de cursos de psicologia criados no país.
A década de 1960 também foi importante para a Psicologia pela conquista de
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sua autonomia e pelo reconhecimento da profissão de psicólogo regulamentada pela Lei nº
4.119, de 27 de agosto de 1962, que estimulou a criação de novos cursos, assim como
consolidou o ensino da Psicologia nos cursos superiores. Dessa forma, ocorreu o
desenvolvimento da produção psicossocial, principalmente em relação a disciplinas, como
“Dinâmica de Grupo e Relações Humanas”, “Seleção e Orientação Profissional” e
“Psicologia da Indústria”, além da obrigatoriedade da “Psicologia Social”.
Na década seguinte, 1970, o Brasil continuava sob o regime militar que durante
muitos anos buscou controlar a população, suas ações e pensamentos. A Psicologia, por
sua vez, ainda vivia a crise da década passada, refletida em fóruns de discussões, os
impasses da psicologia social enquanto ciência e espaço de práticas políticas e ideológicas.
Entre eles: o “Fórum de Psicologia Social”, que aconteceu no Rio de Janeiro, em outubro
de 1970, promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, o “I Encontro dos
Psicólogos Brasileiros”, em São Paulo em 1971 e o “III Encontro Nacional de Sociedades
de Psicologia”, em 1973 na cidade do Rio de Janeiro, promovido pela Associação
Brasileira de Psicologia Aplicada.
Foi também nessa década, fase áurea da expansão de cursos de Psicologia na
rede privada, que a visão empresarial dominante sustentou a criação de cursos sem
estrutura adequada para a formação de psicólogos. O campo da Psicologia continuava
crescendo, com a implantação dos primeiros cursos de mestrado específicos em Psicologia
Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, os quais geraram dissertações
com temáticas voltadas à realidade brasileira. A produção literária também aumentava,
embora neste período tenha ocorrido o auge das traduções dos livros estrangeiros. Entre a
produção nacional, citamos: “Psicologia Social”, de Aroldo Rodrigues (1972); “Relações
Humanas: psicologia das relações interpessoais” (1978) de Agostinho Minicucci e “Psicosociologia das Relações Públicas”, de Cândido de Andrade (1975). Outro fato marcante
nesse período foi a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Psicologia,
pela Lei nº 5.766 de 20/12/1971. Assim, conforme Bomfim, (2003a), “[...] Essa lei
complementava a Lei 4.119 de 1962 que veio regulamentar a profissão de psicólogo. Com
a instalação dos conselhos de psicologia, foram criadas melhores condições para definição
da área e do exercício profissional”.
O Brasil na década de 1980, ainda sob o regime militar, vivenciou novas
greves resultantes do processo recessivo, devido às perdas salariais e à instabilidade no
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emprego. O poder já não estava somente com o Estado, mas também em instituições
sociais que criticavam e denunciavam exclusões e opressões.
Nesse período, a Psicologia Social no Brasil, de acordo com Bomfim (2003a),
buscou autonomia científica, por um conjunto de atividades: crescimento expressivo da
produção publicada, detalhamento das temáticas anteriormente abordadas (educação,
saúde, comunidade, trabalho, etc.), inclusão de outras (representações sociais, relações de
gênero, movimentos sociais, etc.) através de estudos realizados, além de publicação de
estudos e ampliação da divulgação de aplicações da psicologia social, principalmente em
relação aos trabalhos com comunidades carentes.
Predominou, nesse momento, a busca por uma nova identidade, com muitos
debates, congressos, encontros, publicações, reflexões. Cotejem-se alguns aspectos
enumerados por Bock (1999): encerravam-se duas etapas da categoria, uma marcada pelas
intervenções e lutas corporativistas, e outra que teve como resultado a consolidação da
profissão no Brasil; engajavam-se os psicólogos nas lutas junto aos trabalhadores e
começavam a participar de movimentos sindicais para a construção da Central Única dos
Trabalhadores (CUT). A partir daí, iniciou-se uma mudança na história desses
profissionais através de debates e reflexões sobre seus problemas, com a proposta de uma
atuação mais adequada junto à população brasileira e suas necessidades.
Essa década foi importante para a Psicologia Social, pois além do aumento da
produção de artigos e dissertações de mestrado, foram criados os primeiros cursos de
doutorado específicos nessa área e defendidas as primeiras teses nos cursos instituídos.
Vale ressaltar que com a criação das associações científicas, entre elas a “Associação
Brasileira de Psicologia Social” (ABRAPSO), em julho de 1980, e a “Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia” (ANPEPP), em julho de 1983, a Psicologia,
de modo geral e a social de modo específico, deram um salto de qualidade por meio dos
encontros promovidos com a categoria em diferentes eventos científicos.
O Brasil da década de 1990 mantinha algumas características da década
anterior, tais como estagnação econômica, grave crise social, inflação descontrolada e caos
nas finanças públicas, devido às dívidas internas e externas. Foi a época em que a
Psicologia, segundo Bock (1999), partiu para a sistematização da diversidade construída na
década de 1980, quando os psicólogos refletiram e construíram novas idéias.
A categoria que, anteriormente, almejava uma identidade para o psicólogo, deu
lugar, na década de 1990, à preocupação com a imagem da Psicologia e do psicólogo junto
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à população. Segundo Bock (1999, p. 127): “[...] Em 1990, vamos nos deparar com mais
certezas e posições. Se a década de 80 levantou questões, a década de 90 parece se propor
a respondê-las”. Para isso, ainda segundo a autora, os congressos, as publicações e a
realização sistemática de pesquisas sobre a categoria no Brasil tiveram papel importante na
discussão de questões relativas à profissão e à própria ciência. Assim sendo, essa década
obteve alguns resultados para suas reivindicações, entre eles: o psicólogo começou a ser
visto como profissional da saúde; a profissão se aproximou dos contextos sociais; houve
aumento do número de profissionais em outros campos de trabalho não tradicionais, o que
levou à necessidade de rever a formação tradicional dos psicólogos. Um dos marcos
significativos desse período foi a publicação pelo Conselho Federal de Psicologia em 1994
do livro “Psicólogo brasileiro – práticas emergentes e desafios para a formação”.
O segundo milênio foi aberto pela Psicologia Social no Brasil sendo
considerada como um campo de busca de compromissos sociais, com a apresentação de
muitos trabalhos inseridos na temática social. Isso pôde ser demonstrado na “I Mostra
Nacional de Práticas em Psicologia: psicologia e compromisso social”, cuja iniciativa foi
do Conselho Federal de Psicologia.
Apesar do número elevado de trabalhos apresentados com o cunho “social”,
isso não reflete a realidade desse compromisso, pois, segundo Bock (2003), não havia de
fato um real comprometimento social dos profissionais com a sociedade.
A Psicologia Social que hoje conhecemos e com a qual convivemos, nos
diferentes centros de investigação e trabalho, foi e está sendo construída por profissionais
que estão aí, em pleno exercício das suas atividades, comprometendo-se com as demandas
e necessidades explícitas em seus locais de atuação. Trata-se de pessoas que viveram a
“crise” da psicologia social, e colaboraram para chamar a atenção sobre realidades sociais
e cotidianas que se diferenciavam daquelas vividas nos centros de domínio econômico,
político e científico (FREITAS, 2000).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Limitamo-nos a assinalar, brevemente, autores e algumas obras importantes
para o conhecimento da constituição histórica da Psicologia Social. No entanto, vários
outros estudiosos poderiam ter sido citados aqui, mas em razão do objeto visto para este
texto, deixamos de contar com suas valiosas contribuições.
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Assinalamos como aconteceu a Psicologia Social no Brasil e, de certo modo,
na América Latina, tendo como propósito mostrar porque ela esteve muito tempo ignorada.
Essa visão, motivada depois da “crise”, provocou mudança de idéias, que se
materializavam pela ação de profissionais e investigadores na luta por se manter e
sobreviver em resistência aos clássicos modelos importados dos centros hegemônicos de
produção científica, o que no caso específico nosso apresentou-se diferente das múltiplas
demandas impostas pelas condições sociais brasileiras.
É certo que a história não é estática e nem estagnada, está sempre sujeita a
revisões à medida que são revelados novos dados ou novas interpretações de dados já
existentes. E só assim, é possível entender que o conjunto de mudanças na sociedade deve
ser visto de forma articulada, ou seja, história, sociedade, progresso, transformação.
Finalmente, é preciso pensar uma Psicologia Social mais comprometida com a
realidade social e com as condições de vida das pessoas no contexto em que elas estejam
inseridas, e, para tanto, deve-se acabar com a idéia de que o mundo psicológico está oposto
ao social.
Nota
1
A Universidade do Distrito Federal foi extinta em 1939 e seus cursos absorvidos pela Universidade do
Brasil.
REFERÊNCIAS
BOCK, Ana Mercês Bahia. Aventuras do barão de Münchhausen na psicologia. São Paulo:
EDUC, 1999.
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In:
BOCK, Ana Mercês Bahia (Org.) Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003.
BOMFIM, Elizabeth de Melo. Psicologia social no Brasil. Belo Horizonte, Edições do Campo
Social, 2003a.
BOMFIM, Elizabeth de Melo. Contribuições para a história da psicologia no Brasil. In: JACÓVILELA, Ana Maria; ROCHA, Marisa Lopes da; MANCEBO, Deise (Org.). Psicologia social:
relatos na América Latina. São Paulo: 2003b.
FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. O movimento da lente focal na história recente da
psicologia social latino-americana. In: CAMPOS, Regina Helena de Freitas; GUARESCHI,
Pedrinho (Org.). Paradigmas em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
KAHHALE, Edna Maria Petres; ANDRIANI, Ana Gabriela Pedrosa. Constituição histórica da
psicologia como ciência. In: KAHHALE, Edna Maria Petres (Org.). A diversidade da psicologia:
uma construção teórica. São Paulo: Cortez, 2002.
KRÜGER, Helmuth. Introdução à psicologia social. São Paulo: EPU, 1986.
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ARAUJO. Psicologia Social no Brasil