Discurso da Ministra Nilcéa Freire na cerimônia de abertura da Reunião
Subregional da América do Sul preparatória da IX Conferência Regional
sobre a Mulher da América Latina e Caribe.
Brasília, 23/03/2004.
Bom dia a todas e a todos. Sejam muito bem vindas e bem vindos.
Inicio cumprimentando o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto,
ministro interino de Relações Exteriores; a ministra Mathilde Ribeiro, da
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; a sra. Sonia
Montaño, chefe da Unidade da Mulher da Cepal; o sr. Renato Baumann,
diretor do Escritório da Cepal no Brasil; a senadora Serys Slhessarenko; as
sras. ministras e delegadas presentes à reunião; e os representantes de
organismos internacionais; sras. e srs.
Ao final dos anos 60 e início da década de 70, jovens brasileiros
descobriam que, para além de nossas fronteiras, havia um mundo pouco
conhecido representado por nossos vizinhos da América Latina (muitos de
nós, jovens de classe média dos grandes centros urbanos brasileiros, podíamos
manejar o inglês e o francês com fluência sem que nunca tivesse havido a
preocupação em nos ensinarem o espanhol). Essa descoberta foi sendo feita
em meio à beleza dos movimentos artístico-culturais e à dor de por meio
deles, ouvir o mesmo clamor de liberdade sufocado em nossas gargantas.
Circulavam restritamente como prendas proibidas, à medida que os regimes
autoritários avançavam, o canto de Mercedez Sosa, os poemas de Neruda, os
versos de Violeta Parra, as vozes do Quilapayun, os escritos de Martha
Haenecker. Com Eduardo Galeano, constatamos que a América Latina
sangrava poética e dramaticamente. Dizia ele em As Veias Abertas da América
Latina:
“Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns
países especializaram-se a ganhar, e outro em que se especializaram em
perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi
precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os
europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em
sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas
funções”.
Assim, “volviendo a los 17”, começo a minha breve fala lamentando os
períodos de retrocesso social e político pelos quais nossos povos têm passado
e que nos mantiveram longe do sonho de integração, que custou a vida de
alguns de nossos heróis, e celebrando as possibilidades que se descortinam no
momento, como este encontro que iniciamos hoje. Para além de seus objetivos
específicos, esta reunião se insere no esforço de nossos governos em construir
uma agenda política, econômica e cultural compartilhada, baseada na
solidariedade, no respeito à diversidade, na autonomia e soberania de nossas
nações e na mudança de padrão das relações Norte-Sul.
Nós, mulheres, que representamos em alguns de nossos países mais da
metade da população, estamos conscientes do papel que temos a cumprir no
estabelecimento desta nova realidade.
Desta forma, foi com muito entusiasmo, que aceitamos a incumbência
de sediar a Reunião Preparatória à IX Conferência Regional sobre a Mulher da
América Latina e Caribe. Estamos muito honradas com a presença de todas e
todos vocês aqui hoje.
Nossos desafios são enormes. Paradoxalmente, tanto maiores quanto
maiores são nossas conquistas. Novas e mais sutis formas de discriminação e
subordinação surgem na tentativa de manutenção da “Ordem” tradicional nas
relações de Gênero em suas diferentes dimensões cotidianas seja na esfera
pública ou privada.
Esses desafios estão representados nos dois temas centrais de nosso
encontro. O primeiro, a Pobreza, a autonomia econômica e a eqüidade de
Gênero e, o segundo, o Empoderamento, o desenvolvimento institucional e a
participação política.
Passaram-se quase 30 anos desde a I Conferência Mundial sobre a
Mulher em 1975, na cidade do México. Desde então, foram produzidos muitos
avanços. Mulheres se destacam em diferentes campos da atividade humana,
mas seguimos sendo o maior contingente de desempregados e, quando
empregadas, seguimos percebendo em média menores salários para as mesmas
funções com as mesmas qualificações. Seguimos sendo vítimas da violência
em nossos próprios lares e, ainda, não conseguirmos nos apropriar - e
influenciar - dos temas centrais que definem o rumo das políticas nacionais.
Nosso governo ao conferir estatura ministerial à Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos e, ao
criar a Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial,
reafirmou os compromissos com os acordos internacionais dos quais é
signatário. Ainda explicitou o seu entendimento de que é fundamental
tratarmos afirmativamente as desigualdades de Gênero e raça, sob pena caso
isso não ocorra, de estarmos promovendo desenvolvimento social com a
manutenção dos mesmos padrões de discriminação existentes hoje.
O Congresso Nacional e o Executivo Federal definiram 2004 como o
Ano da Mulher no Brasil. Ele deverá ser marcado pela ampliação de nossas
conquistas e a consolidação de nossos direitos, por meio de um trabalho
pautado pela permanente interlocução com os movimentos sociais feministas e
de mulheres de todo o país.
Nesse sentido, estaremos realizando em julho a I Conferência Nacional
de Políticas para Mulheres para a qual estão desde já todas e todos convidadas
e convidados.
A Conferência tem para nós o significado de ponto de partida e de
chegada. De chegada porque nossa pauta já está há muito tempo colocada. De
partida porque, a partir da sua consolidação enriquecida pelas novas
experiências vivenciadas, estaremos definindo diretrizes que irão compor o
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Finalmente, gostaria de agradecer a CEPAL, na pessoa da sra. Sonia
Montaño, que com grande dedicação e amizade possibilitou a realização dessa
reunião; ao Congresso Nacional, representando pela senadora Serys
Slhessarenko, Parlamento que será nosso parceiro nos avanços que
conquistaremos este ano; ao Ministério das Relações Exteriores, na pessoa do
embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, que tem sido um permanente
aliado no desenvolvimento de nossa missão; e a todas companheiras da
Secretaria Especial de Políticas para Mulheres que, com empenho e
engajamento, evidenciam todos os dias a nossa marca do Ano da Mulher no
Brasil que diz: Faz Diferença Acabar com a Indiferença.
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Discurso da Ministra Nilcéa Freire na cerimônia de abertura