Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Capítulo 11
Fragilidades sociais: grupos de
vulnerabilidade à pobreza e à exclusão
social no concelho
319
320 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
321
Sumário
Ao contrário dos restantes capítulos deste Diagnóstico, não é possível, no capítulo 11,
elaborar uma síntese de avaliação estratégica, dada a configuração do mesmo. Por
conseguinte, este capítulo serve para identificar, caracterizando-os, os principais grupos de
maior vulnerabilidade à pobreza e exclusão social. São, por isso, abordados os menores em
risco, os deficientes, as vítimas de violência doméstica, os idosos, os dependentes, os
beneficiários de Rendimento Social de Inserção e as minorias ético-culturais.
322 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
323
Se tivermos em vista a consolidação de dinâmicas de inclusão social, a
acção
social
será,
porventura,
a
temática
deste
Diagnóstico
que
mais
directamente se relaciona com as dinâmicas de pobreza e de exclusão. Não
porque as outras áreas sejam de somenos importância, mas porque é através das
instituições e iniciativas de intervenção social, dos equipamentos e das medidas
existentes, que se combatem esses fenómenos sociais de forma tendencialmente
mais directa, quer prestando ajuda em situações urgentes, quer tentando detectar
as suas causas e erradicá-las. As trajectórias e estratégias em prol da coesão e
inclusão social serão analisadas no capítulo temático seguinte. No presente
capítulo tratamos de dar conta das categorias sociais mais vulneráveis à pobreza e
à exclusão social, bem como das suas principais fragilidades. Iremos, pois,
apresentar algumas dinâmicas sociais caracterizadoras do concelho do ponto de
vista da multiplicidade de processos, actores e temáticas que recobrem a exclusão
social.
11.1. Menores em risco
Uma das problemáticas que mais desperta atenção nos técnicos de
intervenção social do concelho de Santo Tirso remete-nos para os menores em
risco; o inquérito efectuado às instituições de intervenção social mostra que 60%
dos casos (15 inquiridos) em que obtivemos resposta inclui as crianças no âmago
da vulnerabilidade à exclusão social1. A inexistência de dados desagregados
alusivos aos menores acompanhados por processos judiciais impossibilita-nos de
proceder a uma análise exaustiva de todas as situações e menores em risco
acompanhados pelas entidades competentes. Estamos, outrossim, em condições
de afirmar que, até Dezembro de 2003, estavam a ser acompanhados 118 menores
em processo judicial, dentre os quais se contabilizam 46 que já tiveram processo na
1
Aos inquiridos foi colocada uma questão de resposta múltipla, na qual lhes foi pedido que indicassem,
de uma lista de grupos sociais, quais os que estão particularmente expostos a situações de pobreza e
exclusão social. A percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número
de inquiridos que responderam a essa mesma opção, num total de 25 respostas válidas.
324 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Comissão de Protecção de Menores2/Comissão de Protecção de Crianças e
Jovens (CPCJ).
Uma análise mais pormenorizada dos processos instaurados e dos menores
acompanhados pela CPCJ de Santo Tirso informa-nos que a CPCJ instaurou, em
2003, 86 processos, acompanhando um total de 111 menores. A figura 11.1. mostra
que estamos a falar de valores nunca antes atingidos, contrariando a tendência
que parecia instaurar-se no triénio 1999-2001, tal como já havia sucedido com a
informação de 2002. A variação observada na figura, especialmente a partir de
2002, apesar de, segundo esta Comissão, ser reforçada pelo abandono escolar,
sobressai ainda mais pelo facto de estarmos perante dados respeitantes ao
concelho de Santo Tirso, o que não acontecia nos anos antecedentes, já que só a
partir desta data é que foi constituída a CPCJ da Trofa, até então englobada na de
Santo Tirso.
Figura 11.1.:
Processos e Menores acompanhados pela CPCJ no concelho de Santo Tirso, entre 1996 e
2003 (n.º)
111
120
93
100
82
81
80
20
47
30
49
76
62
56
60
40
86
69
47
48
34
21
0
1996
1997
1998
1999
Número de menores
2000
2001
2002
2003
Número de processos
Fonte: CPCJ de Santo Tirso.
O mapa 11.1. apresenta-nos as freguesias que em 2003 mais processos viram
ser abertos na CPCJ: Vila das Aves (24 processos) e Santo Tirso (21 processos) –
precisamente os dois principais centros urbanos do concelho.
2
Denominação que antecedeu a actual Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Mapa 11.1.:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
325
Número de processos instaurados pela CPCJ de Santo Tirso, por freguesia, em 2003
AVES
LAMA
PALMEIRA
SEQUEIRÔ
VILARINHO
AREIAS
S.MARTINHO CAMPO
S.SALVADOR CAMPO
REBORDÕES
RORIZ
BURGÃES
SANTO TIRSO
S.TOMÉ NEGRELOS
S.MAMEDE NEGRELOS
S.MIGUEL COUTO
MONTE CORDOVA
S.CRISTINA COUTO
S.TIAGO CARREIRA
GUIMAREI
REFOJOS
LAMELAS
REGUENGA
>9
6-8
ÁGUA LONGA
AGRELA
3-5
0-2
Fonte: CPCJ de Santo Tirso.
Os dados que conseguimos apurar na CPCJ, alusivos ao último triénio,
permitem-nos também sublinhar algumas tendências. Uma delas tem a ver com o
facto de Santo Tirso se ter mantido sempre no topo da escala, distanciando-se,
sobremaneira, das restantes freguesias; outra tendência relaciona-se com o
crescente aumento (significativo) de processos instaurados de menores residentes
em Vila das Aves, com uma variação positiva anual que ronda os 100%; uma
terceira e última tendência, embora sem o peso das duas anteriores, remete-nos
para a freguesia de Rebordões, que tem igualmente visto o seu número de
326 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
processos instaurados aumentar ao longo dos anos e situa-se já, com 7 processos,
no terceiro lugar dos territórios com maior probabilidade de risco.
Em 2003 merecem ainda um destaque optimista as freguesias de Água
Longa, Areias, Guimarei, Lama, Lamelas, Palmeira e S. Mamede de Negrelos, todas
elas sem processos instaurados na CPCJ. Nos casos particulares de Lamelas e
Palmeira é já mesmo o segundo ano consecutivo em que não se verifica qualquer
problema que tenha sido alvo de sinalização e consequente instauro de processo.
Atente-se, porém, no seguinte: tal facto não pode induzir-nos a cair no erro de
afirmar que as freguesias mencionadas não têm problemas, mesmo considerando
que essa seria a situação ideal; antes, parece-nos claro que as situações-problema
existentes dentro dessas comunidades são resolvidas através de recursos locais ou
obscurecidas pelas próprias pessoas e, em consequência, não chegam, sequer, ao
conhecimento da CPCJ.
Tal como já acontecia no ano de 2002, em 2003 a maior parte dos menores
são do sexo masculino (65 – 58,6%), sendo, no entanto, mais considerável do que
no ano anterior a distância verificada para o sexo feminino (46 – 41,4%). Todavia, se
cruzarmos o sexo dos menores com a sua idade, verificamos algumas diferenças:
apenas nos escalões «6-9 anos» e «18-20 anos» o sexo feminino se sobrepõe ao
masculino, mas sem diferenças significativas. Pelo contrário, as crianças e jovens do
sexo masculino são, usualmente, os mais acompanhados pela CPCJ de Santo Tirso,
com especial destaque para aqueles cuja idade se compreende entre os 3 e os 5
anos e entre os 13 e os 15, já que é nestes dois casos que se vislumbram maiores
diferenças relativamente ao sexo feminino (figura 11.2.). Parece-nos pertinente,
ainda, referir que a proximidade da idade limite da escolaridade obrigatória,
patente neste último escalão etário, poderá, por si só, gerar comportamentos de
abandono escolar e, assim, contribuir para as estatísticas da Comissão.
São 28 (26,2%) os menores acompanhados em 2003 que não completaram
ainda o Primeiro Ciclo do Ensino Básico, a que se juntam 5 (4,7%) que se encontram
no Ensino Pré-escolar. Destacam-se, ainda, os 21 (19,6%) que não concluíram o
Segundo Ciclo e os 18 (16,8%) que possuem apenas o Terceiro Ciclo incompleto.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
327
Neste cenário, apenas um menor (0,9%) adquiriu já o diploma da escolaridade
obrigatória3.
Figura 11.2.:
Distribuição dos menores referentes aos processos instaurados pela CPCJ de Santo Tirso,
segundo o sexo e a faixa etária, em 2003
25
23
20
14
15
10
10
9
8
10
9
8
7
5
5
6
1
1
0
0-2 anos
3-5 anos
(16,2%)
(9%)
6-9 anos
(14,4%)
10-12 anos
(16,2%)
Feminino
13-15 anos
16-17 anos
(33,4%)
(9,9%)
18-20 anos
(0,9%)
Masculino
Fonte: CPCJ de Santo Tirso.
De uma forma geral, os dados demonstram, por parte dos jovens em causa,
uma postura de resistência à alteração do rumo que a vida dos seus progenitores
tomou; se obter um nível de escolaridade inferior ao dos seus pais é complicado,
dado este ser nulo ou quase nulo, verifica-se, paralelamente, a inexistência de
mobilidade social ascendente, já que, dentre os 53 progenitores que informaram a
CPCJ, estamos a falar de níveis de escolaridade que rondam o Primeiro Ciclo (20
pessoas – 37,7%) e o Segundo Ciclo do Ensino Básico (14 – 26,4%), havendo lugar
para 6 (11,3%) que não sabem ler nem escrever. Mais uma vez se repete o circuito
de reprodução de desfasamento entre o “mundo” da escola e o “mundo” destes
jovens.
3
Parece-nos útil esclarecer que possuir o diploma de escolaridade obrigatória não é o mesmo que
possuir o certificado de escolaridade obrigatória. No primeiro caso, o indivíduo concluiu com sucesso o
9º ano de escolaridade; no segundo caso, o indivíduo completou nove anos de escolaridade
obrigatória, independentemente de ter, ou não, concluído o 9º ano de escolaridade.
328 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.3.:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Nível de escolaridade mais
elevado atingido pelos
menores acompanhados pela
CPCJ de Santo Tirso, em 2003
16,8%
Figura 11.4.: Nível de escolaridade mais
elevado atingido pelos pais dos
menores acompanhados pela
CPCJ de Santo Tirso, em 2003
0,9%
3,8% 3,8%
22,4%
11,3%
11,3%
5,7%
3,7%
4,7%
19,6%
26,4%
4,7%
37,7%
26,2%
Sem escolaridade
Pré-escolar
Sem escolaridade
Sabe ler e escrever
1º ciclo incompleto
1º ciclo completo
1º ciclo completo
2º ciclo completo
2º ciclo incompleto
2º ciclo completo
3º ciclo completo
Secundário completo
3º ciclo incompleto
3º ciclo completo
Ensino superior
Fonte: CPCP de Santo Tirso.
Se
atentarmos
Fonte: CPCP de Santo Tirso.
nas
problemáticas
relacionadas
com
os
processos
instaurados (tabela 11.1.), obtemos o já referido reflexo dos níveis de escolaridade
da população residente no concelho de Santo Tirso, já que tanto no sexo masculino
(23 – 34,8%) como no sexo feminino (11 – 24,4%), a predominância vai para o
abandono escolar, continuando a ser, portanto, a problemática que mais
influencia o número de processos e menores acompanhados em 2003. É aqui,
contudo, que se observa a maior diferença entre os dois sexos. Nas restantes
problemáticas sinalizadas, a distribuição é mais ou menos equitativa. Assim, com
idêntico significado nos rapazes (12 – 18,2%) e nas raparigas (11 – 24,4%), os casos
de exposição a comportamentos desviantes são os que aparecem em segundo
plano. Com quase tantos casos como na problemática anterior, também a
negligência surge sem grandes diferenças entre ambos os sexos.
Em relação a estas duas últimas problemáticas, parece-nos ainda pertinente
referir que ambas constituem duas das principais preocupações mencionadas
pelos agentes sociais que inquirimos (onde estão incluídas instituições que não
trabalham com menores), o que é bem revelador da relação que o risco que
correm as crianças e jovens do concelho tem com as respectivas famílias, sendo
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
329
importante, por isso, actuar também a esse nível, como forma de prevenir outras
situações indesejadas.
Tabela 11.1.:
Problemáticas verificadas nos processos da CPCJ, segundo o sexo dos menores, no
concelho de Santo Tirso, em 2003
Problemáticas
Abandono………………………………………………………………
Sexo Masculino
n
%
4
6,1
N.º de Menores
Sexo Feminino
n
%
1
2,2
Total
n
5
%
4,5
Negligência…………………………………………………………….
12
18,2
10
22,2
22
19,8
Abandono escolar……………………………………………………
23
34,8
11
24,4
34
30,6
Maus tratos físicos…………………………………………................
6
9,1
6
13,3
12
10,8
Maus tratos psicológicos/abuso emocional…………….………
6
9,1
5
11,1
11
9,9
Abuso sexual……………………………………………………...……
2
3
1
2,2
3
2,7
Exploração do trabalho infantil………………………………...….
1
1,5
0
-
1
0,9
Exposição a modelos de comportamento desviante……...…
12
18,2
11
24,4
23
20,7
Total
66
100,0
45
100,0
111
100,0
Fonte: CPCJ de Santo Tirso.
Ainda no âmbito das problemáticas sinalizadas à CPCJ, mas desta feita
comparando os dados expostos com os de 2002, detectamos, por um lado, um
decréscimo do abandono (-54,5%) e do abandono escolar (-12,8%), o que, não
sendo um decréscimo significativo em termos absolutos, nos permite encarar com
optimismo o futuro dos jovens na actividade escolar4, e, por outro, um aumento
significativo dos maus-tratos físicos (+1 100%), dos maus tratos psicológicos/abuso
emocional (+266,7%) e da exposição a modelos de comportamento desviante
(+109,1%), sendo estas, por isso, as problemáticas que mais atenção devem
merecer por parte dos técnicos com responsabilidade de intervenção nesta área.
4
A este propósito vale a pena referir que um dos grandes desafios do PNAI – Plano Nacional de Acção
para a Inclusão 2003-2005, tendo em conta os objectivos europeus que comummente foram definidos,
passa por combater o abandono escolar precoce, visando atingir, até 2010, em termos de meta
europeia, uma taxa média que não ultrapasse os 10%.
330 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.5.:
Problemáticas verificadas nos processos da CPCJ de Santo Tirso, segundo o sexo
dos menores, entre 1998 e 2003a
45
40
36
35
39
37
34
29 29
30
22
25
20
15
010
3
23
19
18
22
11
10
5
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
99
5
12
6
00
3
1
11
0000
3
11
4
11
4
1
3
7
5
00
000 1
5
5
1
0 000001 001000 0000
1998
1999
2000
2001
2002
Exposição a
modelos de
comportamentos
desviantes
Ingestão de
bebidas alcoólicas
Exploração do
trabalho infantil
Prática de facto
qualificado como
crime
Exercício abusivo
de autoridade
Abuso sexual
Maus tratos
psicológicos/abuso
emocional
Maus tratos físicos
Abandono escolar
Negligência
Abandono
0
2003
Fonte: CPCJ de Santo Tirso.
a
A leitura da figura deve ter em conta três factores. (i) Em primeiro lugar, os dados apresentados até 2001
incluem as situações sinalizadas nas freguesias do concelho da Trofa, já que só a partir deste ano é que este
concelho constituiu a sua CPCJ. (ii) Em segundo lugar, a nomenclatura utilizada para as problemáticas
sinalizadas até 2001 sofreu algumas alterações: a separação entre absentismo e abandono escolar deixou
de ser feita e passou a falar-se apenas em abandono escolar; os maus-tratos físicos e psicológicos eram
agrupados na mesma categoria, o que já não se verifica (os valores apresentados na figura entre 1998 e
2001, no que toca aos maus-tratos físicos, dizem, na verdade, respeito a maus-tratos físicos e psicológicos); as
categorias que indicavam existir outras situações de perigo e outras condutas desviantes foram desdobradas
em prostituição infantil, pornografia infantil, mendicidade, corrupção de menores e problemas de saúde. (iii)
Em terceiro lugar, na sequência do que foi dito antes, é importante referir ainda que, em 1998, devem ser
considerados 6 casos de absentismo escolar e 3 casos de outras situações de perigo; em 1999, devem ser
considerados 6 casos de absentismo escolar, 5 casos de outras situações de perigo e 4 casos de outras
condutas desviantes (prostituição, etc.); em 2000, devem ser considerados 11 casos de outras situações de
perigo e 2 casos de outras condutas desviantes; em 2001, devem ser considerados 10 casos de outras
situações de perigo e 3 casos de outras condutas desviantes.
Aprofundando ainda mais o estudo sobre a realidade concelhia dos
menores em risco acompanhados pela CPCJ, tendo em conta as medidas de
promoção e protecção aplicadas em 2003, aquilo que se verifica é que a maior
parte dessas medidas privilegia a permanência das crianças e/ou jovens na família
biológica ou, quando tal não se afigura possível, a procura de alternativa na família
alargada (figura 11.6.). Tais medidas vão de encontro, aliás, ao tipo de agregados
com quem vivem os menores respeitantes aos processos instaurados no mesmo
ano, já que, conforme podemos observar na figura 11.7., predomina a família
biológica, logo seguida da família com relação de parentesco.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.6.:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Medidas de promoção e
protecção aplicadas no ano
de 2003 pela CPCJ de Santo
Tirso
1
Figura 11.7.: Tipo de agregado com quem
vivem os menores respeitantes aos
processos instaurados pela CPCJ
de Santo Tirso, em 2003
2
5
5,1%
15
2,6%
13
331
5,8%
17,4%
33,3%
60%
23
76,7%
66
Apoio junto dos progenitores
Apoio junto de outros familiares
Família biológica
Apoio à criança/jovem
Família com relação de parentesco
Colocação institucional
Em acolhimento institucional
Fonte: CPCP de Santo Tirso.
Fonte: CPCP de Santo Tirso.
A informação prestada pela figura 11.7. permite-nos ainda asseverar que,
em 2003, 5,8% dos menores foram colocados em instituição. Nesse sentido, não
podemos olvidar a opinião dos técnicos responsáveis por esta problemática no
concelho e que indicia a falta de recursos disponíveis para as emergências
sinalizadas que implicam acolhimento institucional. Todavia, segundo o que
pudemos apurar, a Comissão recorre à tão discutida e polémica institucionalização
apenas quando se esgota toda a intervenção possível junto da família. A
colocação institucional não pode ser vista como um “depósito” de crianças e
jovens sem qualquer rectaguarda familiar ou como solução para a situação; deve,
sim, ser encarada como um novo ponto de partida que proporcione às crianças e
jovens a definição de um projecto de vida que passe quer pela integração numa
nova família, quer pela preparação para a integração na vida activa. Deve, pois,
ter-se em conta que as pessoas são bem concretas, tendo o seu próprio perfil, a sua
história, as suas vulnerabilidades, os seus anseios e os seus desafios. Daí que as
instituições devem ser dotadas de condições e meios capazes de responder às
exigências de cada criança ou jovem na sua individualidade e não serem
caracterizados como espaços frios, sem afectividade, que servem apenas de
dormitórios e refeitórios.
332 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
De acordo com os dados da CPCJ, desde a sua criação e até ao fim de
2003, foi deliberada a colocação em acolhimento familiar de 59 menores, dos
quais, actualmente, 57 (96,6%) se mantêm com a mesma medida, 1 (1,7%) foi
encaminhado para a família biológica e 1 (1,7%) para adopção. Relativamente à
medida de acolhimento institucional, foram 35 os casos em que a mesma foi
aplicada. Após a intervenção e acompanhamento destas situações, tal como no
caso da medida de acolhimento familiar, apenas foram encetadas novas respostas
para 12 menores – 34,3% (8 – 22,9% – regressaram à família biológica, 2 – 5,7% –
foram encaminhados para adopção e 2 – 5,7% – tiveram ainda outro tipo de
resposta). Mantêm-se em acolhimento institucional 23 crianças ou jovens (65,7%).
Deste quadro podemos aferir que, na maioria das situações que obrigam à
retirada das crianças da família biológica, mesmo submetidas a uma intervenção e
acompanhamento especializado, não se regista, por parte dessas famílias, um
investimento na reeducação do modo de vida dos seus descendentes, de forma a
reunir as condições que permitam o regresso das crianças a casa, o que justifica a
baixa percentagem de situações em que o projecto de vida das crianças
institucionalizadas passa pela sua reintegração na família biológica. Importa
reforçar que a intervenção da CPCJ parte da premissa que considera a família
enquanto núcleo fundamental do desenvolvimento psico-afectivo, social e físico
das crianças e jovens, pelo que privilegia as medidas de promoção e protecção
que as mantêm integradas no seu seio familiar.
Vejamos, no mesmo âmbito, a informação disponibilizada pela Associação
de Solidariedade e Acção Social de Santo Tirso (ASAS) – única instituição concelhia
de carácter institucional no que respeita a esta problemática e parceira da CPCJ.
Essa informação reporta-se aos seus equipamentos para crianças e jovens em
situação de risco (Centros de Acolhimento Temporário – CAT), nomeadamente o
CAT Renascer, com capacidade para 24 crianças dos 0 aos 6 anos de idade em
duas modalidades de acolhimento – acolhimento temporário (20 lugares) e
acolhimento de emergência (4 lugares) – e o CAT Raízes, com capacidade para 12
crianças dos 6 aos 12 anos de idade em duas modalidades de acolhimento –
acolhimento temporário (10 lugares) e acolhimento de emergência (2 lugares).
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
333
A leitura da figura 11.8. merece um apontamento inicial: a intervenção da
ASAS é levada a cabo, prioritariamente, no Concelho de Santo Tirso, onde está
sediada, e só depois é que é feita intervenção ao nível de outros concelhos. Neste
contexto, não será de estranhar que entre 1994 e 2003 se verifiquem quase sempre
mais acolhimentos em Santo Tirso por comparação aos restantes concelhos em que
a Instituição intervém. Por outras palavras, ter mais acolhimentos em Santo Tirso não
é sinónimo de município mais problemático.
Com poucas excepções, de resto, a variação observada durante o referido
espaço de tempo em Santo Tirso acompanha a variação dos restantes concelhos.
Destaca-se o ano de 1995, em que a redução do número de acolhimentos sofreu
uma queda abrupta em ambas as unidades territoriais consideradas, e os anos de
2000 e 2001, em que o concelho de Santo Tirso volta a obter números reduzidos de
acolhimento.
Se cruzarmos esta informação com a evolução que o número de processos
instaurados e menores acompanhados pela CPCJ tem sofrido desde a sua criação,
podemos,
hipoteticamente,
considerar
que
sempre
que
se
reduzem
os
acolhimentos institucionais estamos perante outro tipo de soluções, nas quais se
enquadram, por exemplo, o encaminhamento para a família biológica, para
família com relação de parentesco ou para adopção, casos em que as crianças
ou jovens podem sentir de perto o apoio de uma família. Contudo, uma outra
hipótese se pode levantar; a sobrelotação da unidade de acolhimento leva a que
não seja fisicamente possível o acolhimento de qualquer outra criança ou jovem
para além das que já se encontram na instituição. Esta hipótese não só vai de
encontro à opinião dos técnicos que tivemos oportunidade de entrevistar, como
também nos leva a considerar a necessidade de se criarem mais equipamentos de
acolhimento no concelho.
334 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.8..:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Movimento de utentes da Unidade de Acolhimento Renascer, da ASAS, entre 1994 e
2003 – Acolhimentos
20
15
10
5
0
1994
1995
1996
1997
1998
1999
Concelho de Santo Tirso
2000
2001
2002
2003
Outros concelhos
Fonte: Associação de Solidariedade e Acção Social de Santo Tirso.
No que respeita aos encaminhamentos efectuados pela mesma unidade de
acompanhamento,
atente-se,
sobretudo,
no
predomínio
dos
menores
encaminhados para adopção, sendo igualmente importante denotar a subida em
flecha do número de menores que, de 2002 para 2003, foram encaminhados para
a família biológica. A importância das crianças ou jovens em risco se sentirem no
seio de um ambiente familiar, que referimos antes, está bem patente nestas
variações, e segue de perto a política da CPCJ.
Atente-se nos anos de 2000, 2001 e 2002. Neste triénio, a medida mais
adoptada foi o encaminhamento para a outra unidade de acolhimento da
Instituição, podendo constituir a confirmação da segunda hipótese que formulamos
em cima: o baixo número de acolhimentos pode estar associado ao limite da
capacidade da unidade, emergindo a necessidade de reencaminhamento para
outra unidade.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.9.:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
335
Movimento de utentes da Unidade de Acolhimento Renascer, da ASAS, entre 1994 e
2003 – Encaminhamentos
15
10
5
0
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Família biológica
Adopção
Outra
ASAS (U.A. Raízes)
2001
2002
2003
Outra instituição
Fonte: Associação de Solidariedade e Acção Social de Santo Tirso.
A sobrelotação de que falamos, acrescida da medida mais preconizada
pela
CPCJ,
pode
também
estar
na
origem
do
elevado
número
de
encaminhamentos das crianças ou jovens para a família biológica no ano de 2002,
desta feita na unidade de acolhimento Raízes. Mais uma vez, o crescente número
de processos instaurados e de menores acompanhados pela CPCJ contraria a
tendência dos acolhimentos ao longo do tempo, já que em 2003 apenas foi
efectuado um acolhimento de um menor do concelho de Santo Tirso e outro de
outros concelhos. Todos os dados patenteiam, portanto, a necessidade de se
criarem estruturas de apoio a este tipo de problemática.
Tabela 11.2.:
Movimentos de utentes da Unidade de Acolhimento Raízes, da ASAS, entre 2000 e 2003
Acolhimentos
Concelho de
Santo Tirso
N
%
Outros
concelhos
N
%
Encaminhamentos
Total
N
%
Família
biológica
N
%
Outra
N
Total
%
N
%
2000.........................................................
5
71,4
2
28,6
7
100,0
0
-
0
-
0
-
2001.........................................................
6
66,7
3
33,3
9
100,0
1
33,3
2
66,7
3
100,0
2002.........................................................
4
50,0
4
50,0
8
100,0
7
100,0
0
-
7
100,0
2003.........................................................
1
50,0
1
50,0
2
100,0
0
-
0
-
-
-
80,0
2a
20,0
10
100,0
Total.........................................................
a
16
61,5
10
38,5
Um para família de acolhimento.
Fonte: Associação de Solidariedade e Acção Social de Santo Tirso.
26
100,0
8
336 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Apontando o sentido da nossa análise para o perfil do contexto doméstico
onde residem as crianças e jovens, e indo para além do tipo de família e das
habilitações literárias dos pais nos menores acompanhados, estamos ainda em
condições de informar alguns indicadores que atestam bem a possível relação
entre este grupo de vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social – menores em
risco – e o meio familiar e envolvente em que se encontram inseridos.
Dentre os 77 progenitores cuja condição perante o trabalho a CPCJ
conseguiu apurar, não se pode negar que a maioria (47 – 61%) vive dos
rendimentos de uma actividade profissional, mas não deixa de ser menos
importante realçar que 14 (18,2%) recebem a pensão social – cujo valor, no
momento em que redigimos este relatório, se situa nos €151,84 –, 10 (13%) vivem
com a ajuda do Rendimento Social de Inserção, 2 (2,6%) não denunciam ter
quaisquer rendimentos e 1 (1,3%) recebe o subsídio de desemprego. Ou seja,
estamos perante 35,1% de pais de menores que auferem baixos ou nenhuns
rendimentos e que, por isso, experienciam situações propícias à vulnerabilidade ao
risco.
Os principais eixos que caracterizam os menores em risco enquanto grupo
vulnerável à pobreza e à exclusão social conduzem-nos a altos níveis de
preocupação. A falta de instrução dos progenitores condiciona a intervenção dos
responsáveis técnicos, não dando grandes possibilidades, por exemplo, à criação
de condições de aposta na formação e prevenção, a não ser naquilo que
concerne aos próprios menores, que não têm de seguir o mesmo rumo dos pais.
O problema educacional, sempre presente quando se aborda qualquer
problemática no nosso país, não pode ser solucionado a curto prazo. São precisas
algumas gerações para que se consiga melhorar alguma coisa neste sentido. Neste
caso, parece-nos claro que a aposta deverá ser feita no sentido de garantir as
condições necessárias à protecção dos menores e à garantia de uma qualidade
de vida que as próprias famílias não conseguem proporcionar. Não obstante, em
nossa opinião, devem continuar a ser feitos esforços no sentido de melhorar uma
parafernália de condições socio-económicas que alterem o sentido das
fragilidades concelhias e, por que não, nacionais, sob pena de assistirmos a uma
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
337
eterna reprodução dos modelos vigentes e submissão do país à escala
internacional. Voltaremos a reiterar este ponto de vista quando, mais à frente, neste
capítulo, atentarmos no problema da violência doméstica.
11.2. População portadora de deficiência
Outro grupo de vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social são os
deficientes, que consigo arrastam as respectivas famílias, as quais passam, muitas
vezes, por dificuldades extremas, na tentativa de lhes proporcionar a qualidade de
vida possível. A tabela 11.3. informa-nos relativamente ao número total de pessoas
com deficiência em todos os concelhos do Vale do Ave, no ano de 2001. Através
da sua leitura podemos asseverar que Santo Tirso é o segundo concelho onde esta
problemática se manifesta com mais incidência (6,1% da população total) –
apenas superado por Vieira do Minho (6,3%) – pelo que podemos afirmar que
estamos perante um concelho com um número elevado de pessoas deficientes, no
contexto do Ave.
Tabela 11.3.:
População residente com deficiência, no Vale do Ave, em 2001
Homens
Mulheres
Fafe..................................................................................................
1404
1138
2542
Percentagem face
à população total
4,8
Guimarães.......................................................................................
3952
3247
7199
4,5
Póvoa de Lanhoso..........................................................................
541
502
1043
4,6
Vieira do Minho...............................................................................
522
412
934
6,3
Vila Nova de Famalicão...............................................................
3822
3095
6917
5,4
Vizela................................................................................................
518
389
907
4,0
2397
1986
4383
6,1
970
781
1751
4,7
Santo Tirso.......................................................................................
Trofa..................................................................................................
Total
Fonte: INE (2003) – Recenseamentos gerais da população e da habitação: dados comparativos 1991-2001. CD ROM. Lisboa: INE.
A tabela anterior apresenta, porém, o número total de deficientes de cada
concelho, independentemente do grau de deficiência que possuem. Tal equivale a
dizer que nos totais apresentados estão incluídas pessoas com baixos graus de
deficiência, o que pode significar que essas mesmas pessoas estão em condições
de viver o seu dia-a-dia com inteira normalidade, podendo, por isso, exercer uma
338 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
actividade profissional. Reportamo-nos, por exemplo, a pessoas com algumas
dificuldades de visão ou audição, que não impedem a sua realização socioprofissional.
Na tabela 11.4., pelo contrário, estão indicados valores que dizem respeito à
soma dos indivíduos que têm mais de 80% de deficiência com os que têm um grau
de deficiência total, ou seja, pessoas cujo grau de deficiência não lhes permite,
efectivamente, viver uma vida igual à do mais comum dos seres humanos. Neste
contexto, a situação do concelho de Santo Tirso torna-se menos gravosa, por
comparação aos restantes municípios do Ave. Para além de Vieira do Minho,
Póvoa do Lanhoso tem também um valor acima do observado em Santo Tirso
(1,4%), que vê ainda os concelhos de Fafe e Vila Nova de Famalicão com
percentagens muito próximas (1,3%).
Tabela 11.4.:
População residente com grau de deficiência superior a 80%, no Vale do Ave, em 2001
891
663
1554
Percentagem face à
população total
1,3
Guimarães................................................................................
2427
1821
4248
1,1
Póvoa de Lanhoso..................................................................
362
338
700
1,5
Homens
Fafe.................................................................................................
Mulheres
Total
Vieira do Minho.......................................................................
352
219
571
1,5
Vila Nova de Famalicão.......................................................
2377
1666
4043
1,3
Vizela.......................................................................................
339
229
568
1,0
Santo Tirso............................................................................
1381
1036
2417
1,4
620
386
1006
1,0
Trofa.......................................................................................
Fonte: INE (2003) – Recenseamentos gerais da população e da habitação: dados comparativos 1991-2001. CD ROM. Lisboa: INE.
Na fileira das comparações, podemos ainda atestar quais as diferenças de
tipo de deficiência existentes entre os concelhos do Vale do Ave. Quando o grau
de deficiência é total, o destaque vai, por um lado, para os deficientes auditivos,
mentais e cerebrais. No primeiro caso, Santo Tirso apresenta-se como o concelho
com o número relativo mais elevado, isto é, é o concelho que apresenta uma
população com deficiência auditiva com mais peso face à respectiva população
deficiente total. Nos segundo e terceiro casos, Santo Tirso assinala valores relativos
inferiores à média regional. Por outro lado, na senda dos destaques estão os
deficientes visuais e motores, que constituem os tipos de deficiência mais patentes
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
339
em todos os concelhos, sendo, pois, para este nível que os responsáveis técnicos
deverão, prioritariamente, dirigir a intervenção.
Figura 11.10.:
População residente com grau de deficiência total, segundo o tipo de deficiência, no
Vale do Ave, em 2001
Fafe
Guimarães
Póvoa do Lanhoso
Vieira do Minho
V. N. Famalicão
Vizela
Santo Tirso
Trofa
0%
10%
20%
Auditiva
30%
Visual
40%
50%
Motora
60%
Mental
70%
Cerebral
80%
90%
100%
Outra
Fonte: INE – XIV Recenseamento Geral da População, 2001.
Uma análise mais atenta do contexto geográfico tirsense permite-nos
detectar as diferenças entre os escalões etários pelos quais se distribui a população
deficiente. Segundo os dados do INE, a deficiência visual afecta, sobretudo, as
pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 74 anos – quase todas as
faixas etárias –, enquanto que com deficiência motora predominam as pessoas
com 35-79 anos de idade.
Se considerarmos que a deficiência motora pode ser uma doença
adquirida e não congénita, derivada, por exemplo, da precariedade das
condições de higiene e de segurança no trabalho, parece-nos claro que o
contexto laboral do Ave se afigura propício a tal situação, já que nele predomina a
indústria têxtil, cujo trabalho com máquinas de elevada perigosidade é uma
constante. Esta relação de causalidade ganha ainda mais consistência a partir da
leitura da figura 11.10., no qual se comprova que a deficiência motora é uma das
deficiências com maior impacto em todos os concelhos. Um estudo aprofundado
das causas que estão subjacentes a cada um dos casos poderia ajudar a minimizar
o problema. Aliás, a ambiguidade dos dados apresentados pelo INE quanto ao grau
e tipo de deficiência, associada à ausência de dados que nos permitam localizar
340 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
espacialmente a população deficiente, são motivos suficientes para que se
proceda, no concelho, a um levantamento exaustivo desta problemática, para que
sobre ela seja possível intervir de forma concertada.
Outro facto que é possível vislumbrar através da figura 11.11. remete-nos
para o envelhecimento da deficiência. Qualquer que seja o tipo de deficiência,
são as pessoas com mais de 65 anos de idade aquelas que mais são atingidas,
havendo igualmente um peso significativo no escalão 40-54 anos. O progresso que
a medicina tem vindo a desenvolver pode ser o principal responsável por este
prolongamento, que garante às pessoas uma vida mais duradoura.
As camadas mais jovens (15-24 anos e 25-39 anos) são também bastante
atingidas pela deficiência visual. O aumento da escolaridade e a presença
constante das tecnologias de informação na vida quotidiana destas pessoas
podem estar na origem desta tendência. A representatividade destes escalões
etários no contexto da deficiência do concelho diminui quando direccionamos a
atenção para as deficiências auditiva, mental e cerebral.
Figura 11.11.:
População residente deficiente, segundo o tipo de deficiência, por escalões etários, no
concelho de Santo Tirso, em 2001 (n.º)
0-14 anos
450
375
300
mais de 65 anos
225
15-24 anos
150
75
0
55-64 anos
25-39 anos
40-54 anos
Deficiência auditiva
Deficiência visual
Deficiência motora
Deficiência mental
Paralisia cerebral
Outra deficiência
Fonte: INE – XIV Recenseamento Geral da População, 2001.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
341
Mas a opacidade de que esta problemática muitas vezes se reveste impede
os técnicos e as instituições de intervenção social de sinalizarem todos os casos
existentes. Segundo o que pudemos apurar junto da Segurança Social,
normalmente as situações conhecidas emergem de averiguações efectuadas no
âmbito de outras medidas, como são disso exemplo o Rendimento Social de
Inserção,
o
Subsídio
ao
Arrendamento
da
Câmara
Municipal
ou
as
averiguações/intervenções da CPCJ. Neste sentido, e para além dos dados já
apresentados, estamos em condições de referir que são 44 as pessoas deficientes
acompanhadas pela acção social do concelho, no final de 2003, número
substancialmente inferior ao total de deficientes que residem em Santo Tirso, o que
corrobora a opacidade supramencionada.
Simultaneamente, a análise dos inquéritos por questionário informa-nos que
estão a frequentar a única instituição do concelho voltada para esta problemática
– CAID5 – 22 jovens deficientes em formação profissional e 8 em actividades
ocupacionais, havendo lugar a uma lista de espera de 14 jovens para a formação
profissional e 40 para as actividades ocupacionais. A estes acrescem 3 que são
acompanhados por outra instituição, ainda que de forma pontual e indirecta,
dada não ser essa a vocação da instituição a que nos referimos.
Embora tenhamos optado por não apresentar esquematicamente neste
Diagnóstico os dados do INE sobre a deficiência desagregados por freguesia, o
panorama concelhio apresenta características que demonstram a necessidade de
se construírem equipamentos de apoio a este grupo de vulnerabilidade noutras
freguesias, sobretudo se tivermos em consideração a questão das acessibilidades
que enformam o concelho. Quando a rede de acessibilidades constitui um entrave
à deslocação de pessoas sem deficiência, o que se dirá em relação àquelas que
nem sequer o conseguem fazer pelos seus próprios meios.
Não podemos dissociar desta sugestão o facto de no concelho existir
apenas uma instituição para a inserção socio-profissional de deficientes, já que nos
parece ser insignificante face a um concelho que tem um dos maiores números de
5
A caracterização desta e de outras instituições irá ser abordada em pormenor no capítulo 12.
342 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
deficientes em todo o Vale do Ave. Face a este cenário, a solução poderá passar
por dotar o concelho de estruturas capazes de dar respostas a todas as exigências
que se impõem ou garantir a deslocação destas pessoas ao espaço institucional
disponível. Para isso são igualmente necessárias acções de sensibilização junto das
famílias dessas pessoas, no sentido de lhes fazer transparecer a importância que a
integração das pessoas deficientes tem na construção do seu futuro.
11.3. Vítimas de violência doméstica
A exemplo do que acontece com a deficiência, a problemática da
violência doméstica reveste-se, também, de grande opacidade, quer no que
respeita à existência de estatísticas que nos permitiriam elencar a tipologia das
situações denunciadas, quer pela vergonha ou medo que as vítimas sentem na
hora em que têm de orientar a sua postura para uma acusação às autoridades
policiais ou judiciais. Esta é, pois, a realidade do concelho de Santo Tirso.
Neste sentido, o método que nos pareceu mais adequado para a recolha
de informação alusiva à violência doméstica passou pela realização de entrevistas
a todos os técnicos que intervêm socialmente no concelho e que, de forma mais
ou menos directa, actuam junto das famílias mais carenciadas, percepcionando,
consequentemente, algumas das situações de violência doméstica que ocorrem
nestes meios. Salvaguardam-se nesta exposição, desde já, todos os casos em que a
violência doméstica ocorre nas famílias com melhor satus social, na medida em
que essas famílias não são alvo de intervenção técnica.
Ainda que já tenhamos feito referência às entrevistas que foram efectuadas
para o estudo deste tema6, não é demais informar, neste espaço, que as
afirmações que iremos proferir de seguida se baseiam nas dezanove entrevistas
efectuadas, dezasseis das quais foram feitas através de um contacto telefónico e
apenas três na presença dos entrevistados. O sexo feminino foi o único
representado e, em termos profissionais, foram entrevistadas quinze assistentes
6
Vd. capítulo 1.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
343
sociais, três psicólogas e uma educadora social, todas com conhecimentos de
casos concretos de práticas de violência doméstica em famílias residentes no
concelho de Santo Tirso.
As entrevistas efectuadas permitem-nos tirar algumas ilações face à
obscuridade da problemática, mesmo tendo presente que será necessário um
estudo exaustivo para desvendar o dark side da violência doméstica e, assim,
conseguir-se alguma conclusão7. Com efeito, e em primeiro lugar, o destaque vai
para as características-tipo das vítimas da violência, que, maioritariamente, são do
sexo feminino, desempregadas, com idades médias compreendidas entre os 25 e
os 40 anos e com baixos níveis de escolaridade (habitualmente com a antiga 4ª
classe). Trata-se de um perfil que em tudo se assemelha às típicas situações de
vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social.
Embora esta seja uma informação de âmbito qualitativo, vale a pena aludir
a alguns dados quantitativos do Relatório Violência Doméstica 2000, do Ministério
da Administração Interna, como forma de enquadramento do conhecimento que
as técnicas entrevistadas possuem. Assim, em 11 765 ocorrências criminais
registadas pela PSP e pela GNR no contexto da violência doméstica, a quase
totalidade das vítimas (84%) é do sexo feminino, ao passo que quase todos os
suspeitos (89%) são do sexo masculino, indo de encontro às situações vivenciadas
em Santo Tirso.
7
A Irmandade e Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, após a criação da Casa Abrigo que presta
apoio às vítimas de violência doméstica, encontra-se a efectuar um estudo que permitirá, precisamente,
tirar algumas ilações.
344 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Figura 11.12.:
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
Sexo dos suspeitos das
ocorrências criminais registadas
pela PSP e pela GNR no contexto
da violência doméstica, em
Portugal, em 2000
Figura 11.13.:
Sexo das vítimas das ocorrências
criminais registadas pela PSP e
pela GNR no contexto da
violência doméstica, em
Portugal, em 2000
11%
84%
16%
89%
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
In: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres
In: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres
(2000) – Portugal situação das mulheres 2001. Lisboa: Comissão
(2000) – Portugal situação das mulheres 2001. Lisboa: Comissão
para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. p. 113.
para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. p. 113.
Mas este não é o único perfil traçado pelas agentes sociais. Foram-nos
igualmente indicadas profissões com baixos níveis de qualificações ou de exigência
literária, designadamente operários da indústria têxtil, empregadas de limpeza,
operários da construção civil e domésticas, às quais acrescem os beneficiários de
Rendimento Social de Inserção. Apontaram-nos, contudo, algumas excepções: há
conhecimento de três casos cuja vítima é do sexo masculino e um caso em que a
vítima possui o diploma de licenciada. Estas excepções vêm corroborar aquilo que
dissemos no início deste tema: não são apenas as pessoas mais carenciadas ou
com baixos índices culturais que passam por este problema; a diferença está na
sua (in)visibilidade.
O problema torna-se ainda mais penoso quando ouvimos as técnicas
entrevistadas alegarem, em número bastante significativo, que as crianças também
são alvo do mesmo tipo de práticas, embora o sejam, por vezes, indirectamente.
Foram-nos referidos escalões etários que vão desde os 3 aos 15 anos, obviamente
associados à prática de violência parental. Considerando que é desde bem cedo
que deve ser definido o rumo que a vida de cada pessoa deve tomar,
concordamos com as técnicas: para além de uma reformulação das medidas
formais de combate à violência doméstica (que retomaremos adiante), e a
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
345
exemplo daquilo que parece ser o problema capital do nosso país, deve ser
garantido aos menores outro tipo de cultura, distinto do que as leva a encarar a
violência doméstica como uma prática normal, que estão habituados a ver desde
muito novos e que, por conseguinte, tenderão a reproduzir com naturalidade.
O segundo grande destaque vai para as práticas de violência exercidas. De
acordo com as técnicas entrevistadas, o conflito centra-se quase sempre em redor
do casal. A violência conjugal foi, sem espaço para dúvidas, a mais referida; no
entanto, esta prática pode estar associada, em alguns casos, à violência sexual. A
recusa (normalmente) por parte da mulher em ter relações sexuais com o seu
marido ou parceiro, que, por sua vez, não raras vezes tem subjacentes estados de
alcoolismo intoleráveis, origina uma dupla violência: sexual e, por conexão,
conjugal.
A violência sexual, entendida enquanto acto isolado, é ainda menos visível
do que as restantes práticas, por culpa de um inequívoco sentimento de vergonha
por parte das vítimas. Ora, sendo este um tema de difícil tratamento, essa vergonha
só agrava a dificuldade da intervenção preventiva ou assistencial dos técnicos, ao
mesmo tempo que se percebe que, mais uma vez, o problema está na base: o
nível cultural e educativo destas pessoas – patente no alcoolismo cultural – não
permite uma maior abertura dos seus problemas à sociedade interveniente e, como
tal, todas as suas dolorosas experiências acabam por se tornar numa prática diária
de índole geracional.
A violência parental foi a menos mencionada, justificando aquelas opiniões
que
revelaram
que
as
crianças
são
atingidas
indirectamente
pelos
desentendimentos dos pais. A violência educativa não nos foi referida, mostrando
que o motivo de tais práticas nunca está associado a uma tentativa de
proporcionar uma melhor educação aos seus descendentes, até mesmo porque,
como foi demonstrado, os próprios pais não possuem o nível educacional
desejado.
Onde não se vislumbram grandes diferenças de opinião é nas formas de
violência exercidas pelos agressores. Quando confrontamos as técnicas com esta
346 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
questão deparamo-nos com a proeminência da violência física mas a violência
psicológica e a verbal obtiveram quase o mesmo número de citações. Nestes dois
casos convém referir, porém, que por ser não-física a forma de violência exercida
não deixa de ser gravosa. Pelo contrário. A agressão verbal ou psicológica pode ter
consequências desastrosas na personalidade de cada vítima e deixar feridas
incuráveis.
As justificações encontradas para os casos conhecidos pelas diversas
instituições do concelho passam, sobretudo, pelo alcoolismo. Foi esta a razão
apontada pela quase totalidade das entrevistadas. Aliás, em entrevista a uma das
técnicas da Divisão de Acção Social da Câmara Municipal de Santo Tirso, foi
possível compreender que o alcoolismo é um problema cultural em determinados
contextos familiares tirsenses, a par da violência doméstica. Não admira, pois, que o
enraizamento cultural tenha sido considerado como uma das causas apontadas
para a existência de violência doméstica.
Outras causas são ainda de salientar. A instabilidade sócio-económica,
associada ao desemprego, à precariedade de emprego e, concomitantemente, a
baixos rendimentos surge imediatamente a seguir ao alcoolismo. O baixo nível
cultural das pessoas que compõem os agregados onde se detectam situações de
violência doméstica, os problemas de saúde dessas famílias (habitualmente de
esquizofrenia ou de psiquiatria), a permanência do papel de submissão da mulher
aliado ao sentimento de que quem manda em casa é o homem (até porque,
muitas
vezes,
as
mulheres
dependem
economicamente
dos
respectivos
maridos/parceiros em consequência da actividade doméstica que mantêm ou da
condição de desempregadas), a fraca personalidade e a toxicodependência,
constituem-se, igualmente, como potenciais factores que estão na origem da
prática de maus tratos.
Em terceiro lugar, destaca-se a desadequação das medidas formais de
combate à violência doméstica. Afiguram-se insipientes as opiniões contrárias.
Insuficientes e burocráticas foram os adjectivos mais utilizados na qualificação de
tais medidas. A excessiva burocratização leva mesmo a que muitas vítimas desistam
do processo e tenham de voltar à rotina diária, em que têm de coabitar com o
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
347
agressor. Paralelamente, por todo o país “são escassas as estruturas de acolhimento
para as mulheres vítimas de maus tratos. Apenas algumas instituições particulares
acolhem
mulheres
nestas
circunstâncias,
mas
são
insuficientes
para
as
necessidade”8. Santo Tirso não foge à regra.
Perante o cenário traçado, constitui-se como último destaque o conjunto de
medidas de intervenção técnica a considerar no domínio da violência doméstica.
Parece-nos claro que estamos perante dois contextos diferenciados que podem (e
devem) ser alvo de intervenções igualmente distintas, mas complementares. Por um
lado, quando a vítima é já uma pessoa adulta, a medida poderá passar pelo apoio
técnico direccionado para o acompanhamento psicossocial, numa tentativa de
garantir à vítima que os seus direitos enquanto ser humano não mais serão violados.
Deve procurar-se, então, que as respostas existentes sejam cada vez mais eficazes
através de um reajustamento das políticas sociais e, por que não, de uma revisão
das medidas que actualmente vigoram na Lei. Esta é, aliás, a opinião da maioria
das técnicas que tivemos oportunidade de entrevistar.
Por outro lado, quando o problema atinge crianças e jovens, para além das
inevitáveis medidas que referimos no parágrafo anterior, parece-nos que é fulcral
que haja prevenção e sensibilização. É extremamente importante que se mude a
atitude dos descendentes de famílias problemáticas e que se transmita que a
prática da violência doméstica, bem como o alcoolismo, não são «coisas» naturais
nem culturais, como chega a ser encarada por todo o meio social envolvente. A
retirada do agressor do lar pode ser vista pelos menores como uma forma de
penalização pelos actos de que foi responsável e poderá, assim, ter um duplo
resultado. Todavia, as autoridade policiais e judiciais não estão suficientemente
sensibilizadas para este domínio e não procedem em conformidade. Os agressores,
por seu lado, sabem que essa é a postura das autoridades e não cedem a
eventuais pressões.
Face ao exposto, parece-nos que para prevenir situações de violência
doméstica torna-se premente agir nas dependências, criar melhores condições
8
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (2001) – Portugal situação das mulheres
2001. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. p. 110.
348 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
socio-económicas e habitacionais, ou seja, criar um conjunto de estruturas sociais
sólidas capazes de erradicar o problema. Conscientes, porém, de que se trata de
um problema que só poderá ser solucionado a médio-longo prazo, não queríamos
deixar passar em claro que este é, igualmente, um problema para o qual urgem
soluções concretas que permitam que as novas gerações possam usufruir dos seus
direitos de exercício da cidadania. A redução de 153%, num espaço de dois anos,
do número de casos de violência doméstica registados pelas autoridades policiais
de Santo Tirso, como, de resto, vimos no sub-capítulo 9.2., pode ser um bom indício,
ao que se junta a indicação do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança
Social do Porto, segundo a qual Santo Tirso comporta um número de casos de
violência doméstica consideravelmente inferior ao dos restantes concelhos do
distrito.
11.4. População idosa
A população idosa já foi alvo de apreciação neste Diagnóstico, quando
referimos o envelhecimento populacional que tem vindo a atingir o concelho de
Santo Tirso, de uma forma particular, e o país, de uma forma geral. Tal facto faz
com que o problema social que afecta muitos idosos seja, certamente, um dos
mais graves da sociedade portuguesa, levando, inclusive, a que hoje se ouçam
muitos políticos falar em medidas de curto e médio prazo para melhorar o
problema deste estrato social, que, cada vez mais, constitui uma parte significativa
da população residente em Portugal.
Já certificamos, no capítulo temático referente à estrutura demográfica do
concelho, que, no espaço intercensitário, o topo da pirâmide etária da população
tirsense envelheceu. Vimos, também, que mesmo as projecções mais optimistas do
INE apontam para um envelhecimento demográfico nas próximas cinco décadas,
em consequência de um previsto decréscimo populacional. Mas para além destas
informações, no que respeita a Santo Tirso, e de acordo com os dados do Centro
Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto, no final de 2001, podemos
aferir que o concelho comportava 21 793 pensionistas (30,1% da população total
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
349
residente no concelho), dos quais 3 323 (15,2%) estão reformados por invalidez –
uma vez mais presente a questão da deficiência envelhecida –, 12 993 (59,6%) por
velhice e 5 477 (25,1%) recebem uma pensão de sobrevivência.
A realidade tirsense acompanha de perto a realidade nacional, desde logo
porque, sensivelmente, ¼ da população é pensionista (2 545 683 – 24,6% da
população total) e porque os valores relativos assim o indicam: o maior número de
pensionistas é-o por velhice (1 572 910 pessoas – 61,8%), seguidos dos que recebem
a pensão de sobrevivência (616 615 pessoas – 24,2%) e dos que o são por invalidez
(356 158 pessoas – 14%). Trata-se, portanto, de uma sociedade envelhecida que
aponta para novos desafios em termos de intervenção social, tanto no país, de
uma forma geral, como no concelho de Santo Tirso, em particular.
Esses desafios devem ter em conta que o envelhecimento populacional se
dá a três níveis: individual, populacional e activo. Individual, porque a esperança
média de vida é cada vez maior e o progresso da medicina, já aqui mencionado,
possibilita uma maior longevidade das pessoas; populacional, na medida em que
existem cada vez mais pessoas adultas e idosas; activo, no sentido em que o início
da vida activa é cada vez mais tardio e as reformas são cada vez mais precoces9.
É inevitável que quando se fala em idosos se fale em solidão – sendo essa,
de resto, a opinião da grande maioria dos nossos inquiridos (80% dos casos – 12
respostas), já que consideram o isolamento como a segunda problemática que
mais afecta as pessoas da terceira idade, apenas superada pelos problemas de
saúde (86,7% dos casos – 13 respostas) e igualada pelas dificuldades económicas
que estão associadas às baixas pensões10. Referimo-nos não só à organização da
sociedade actual, onde predomina a família nuclear em detrimento da família
alargada, o que leva a que seja cada vez mais difícil juntar mais do que duas
9
Cf. Alfredo Bruto da Costa (2001) – Exclusões sociais. Cadernos Democráticos. N.º 2. Lisboa: Gradiva. p.
86.
10
Aos inquiridos foi colocada uma questão de resposta múltipla, na qual lhes foi pedido que indicassem,
de uma lista de possíveis problemáticas, quais as que afectam as pessoas da terceira idade. A
percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número de inquiridos que
responderam a essa mesma opção, num total de 15 respostas válidas.
350 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
gerações numa só habitação e, portanto, não haja lugar para as gerações mais
velhas, mas também à ausência de um papel a desempenhar na vida social, na
medida em que tudo o que envolve a população idosa é feito apenas em prol
deles mesmos e não da sua integração social com pessoas de outras idades.
Atente-se, por exemplo, nos passeios para idosos, nas colónias de férias para
idosos, no turismo para idosos, nos centros de dia para idosos e nos lares de idosos;
todas situações em que se contribui para que as pessoas mais velhas convivam
apenas entre si, o que, se, por um lado, pode minimizar a solidão que os atinge,
contribui, por outro lado, para a sua guetização11. Colocar pessoas em lares ou em
centros de dia pode ter o mesmo efeito que realojar as pessoas mais carenciadas
em habitação social, normalmente em locais estrategicamente pensados para as
afastar o mais possível do resto da sociedade.
Não queremos com isto negar a importância que os lares ou os centros de
dia para idosos, bem como as iniciativas que para eles são realizadas, têm na
resolução de alguns problemas. No entanto, são acções como a que a Câmara
Municipal de Santo Tirso realizou recentemente – um dia de encontro e convívio
entre pessoas idosas e a respectiva família (em toda a sua extensão) – que
poderão impulsionar a integração social dos mais velhos em toda a vida social.
Importa que a família assuma o papel que teve outrora e que possa, dessa forma,
reduzir a componente institucional que tem vindo a incrementar-se em todas as
medidas efectuadas.
Sabemos que as dificuldades são imensas, tal é o estilo de vida que os
casais têm hoje em dia, onde o exercício de uma profissão assume um papel fulcral
e impossibilita, muitas vezes, que pais e filhos possam conviver diariamente e onde,
habitualmente, o idoso não tem lugar; no entanto, queremos chamar a atenção
para a necessidade de redireccionar as políticas com os idosos para medidas de
matriz familiar e comunitária, em vez de uma crescente segregação. Aliás, a
vertente tridimensional do envelhecimento de que falamos atrás impossibilita-nos
de encarar este estrato populacional enquanto grupo residual, já que, para além
11
Alfredo Bruto da Costa – Op. Cit. p. 87-88.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
351
de serem cada vez mais, confirma-se que a velhice é cada vez menos definida
pela idade das pessoas e mais pelas suas capacidades pessoais.
Resta-nos indicar, neste espaço, que na abordagem dos inquiridos
relativamente aos principais grupos vulneráveis à exclusão social, os idosos
pensionistas agregam a maior percentagem de casos (64% – 16 respostas)12, sendo
bem ilustrativo da importância que as acções de dinamização do isolamento que
os atinge e de melhoria das respectivas reformas podem ter padrões na
repercussões de qualidade de vida e bem-estar mais elevados.
11.5. As dependências: o álcool e a droga
De difícil caracterização quantitativa, na medida em que não existem
dados concretos que nos permitam apontar o número de pessoas e/ou famílias
atingidas por ambas as dependências (tal como acontece com os casos de
violência doméstica), praticamente toda a informação que conseguimos obter
sobre estes grupos de vulnerabilidade foi de cariz qualitativo. A excepção faz-se ao
número toxicodependentes sinalizados no ficheiro geral da acção social do
concelho de Santo Tirso, que totalizam 51 indivíduos, segundo a Equipa de Acção
Social de Santo Tirso do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do
Porto.
No âmbito da toxicodependência, mediante a realização de entrevistas a
técnicos
de
intervenção
social
que
acompanham
algumas
das
famílias
carenciadas do concelho, podemos aferir que este é um problema que atinge
pessoas de todas as freguesias, embora seja particularmente visível em Santo Tirso,
Vila das Aves e S. Martinho do Campo. Veja-se, a este propósito, o comentário de
um jovem da freguesia de Agrela com quem tivemos oportunidade de conversar
12
Aos inquiridos foi colocada uma questão de resposta múltipla, na qual lhes foi pedido que indicassem,
de uma lista de grupos sociais, quais os que estão particularmente expostos a situações de pobreza e
exclusão social. A percentagem de casos de cada opção de resposta diz respeito, por isso, ao número
de inquiridos que responderam a essa mesma opção, num total de 25 respostas válidas.
352 Diagnóstico Social – Santo Tirso
durante um focus-group: “A
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
droga existe mais na cidade. Na freguesia não, porque as pessoas
conhecem-se bem e isso dificulta o consumo e o tráfico”.
Atente-se, igualmente, no facto de serem nas duas primeiras freguesias que
se situam as Escolas de Ensino Secundário. Em S. Martinho do Campo funciona
também a Escola Básica Integrada, que proporciona diversos níveis de ensino até
ao 3º Ciclo do Ensino Básico. Este apontamento serve para demonstrar que o meio
escolar, especialmente no que concerne às suas proximidades, pode constituir-se
como potencial ponto de partida para novos encaminhamentos. A tendência para
a existência de consumo e tráfico de droga – que, pelo conhecimento de alguns
técnicos, usualmente se centra na heroína – na cidade, nos locais mais urbanizados
e perto das escolas, foi referida por alguns dos jovens estudantes que participaram
nos focus-group que realizamos, em resultado da sua percepção diária.
A toxicodependência é, muitas vezes, a última saída para todo um conjunto
de disfuncionamentos familiares. A desestruturação da família, associada a
problemas de insuficiência económica, a problemas de (baixo) nível cultural, a
problemas de desemprego, etc., faz com que a droga seja encarada como «o»
caminho possível.
Visível pelos «arrumadores» que podemos ver nos parques e noutros locais
de estacionamento, a toxicodependência tem parca visibilidade quando nos
reportamos aos familiares das pessoas atingidas, quer porque têm vergonha de o
reconhecer,
tentando
encobrir,
quer
porque
se
recusam
a
dar
novas
oportunidades para o que julgam já não haver solução. Esta postura acaba por
prejudicar o papel dos técnicos e dos projectos existentes, pois a inserção socioprofissional dessas pessoas terá de passar, primariamente, pela própria família. Não
podemos exigir que as entidades empregadoras aceitem estes indivíduos de forma
pacífica quando é a própria família a rejeitá-los. Mais uma vez o problema do nível
cultural e educacional das pessoas não permite que se abram novos horizontes e se
perspectivem outros rumos para além da dependência absoluta das instituições.
Quem também presencia de perto esta problemática são os Presidentes de
Junta de Freguesia e os Párocos do concelho. De acordo com a percepção destes
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
353
agentes sociais, a toxicodependência surge, em doze freguesias, como um dos
principais problemas locais. Para além das já mencionadas freguesias de Santo
Tirso, Vila das Aves e S. Martinho do Campo, observam-se consumos de droga nas
freguesias de Areias, Burgães, Lama, Lamelas, Rebordões, Roriz, Santo Tirso, S.
Mamede de Negrelos, S. Tiago da Carreira e Sequeirô. Embora possamos admitir
que se tratam de pequenos focos, importa, do mesmo modo, erradicá-los.
Conseguimos também apurar, através das referidas entrevistas a técnicos
de intervenção social, que quase todas as famílias que solicitam o apoio da acção
social são atingidas pelos alcoolismo. Tratam-se de famílias onde as pessoas
possuem hábitos de tendência marcadamente alcoólica desde a infância e que
fazem do alcoolismo um forma cultural de estar na vida, atingindo igualmente as
mulheres, embora haja, neste caso, uma menor visibilidade. Não admira, pois, que
o alcoolismo atinja 18 (56,3%) dos 32 progenitores de crianças e jovens com
processo instaurado na CPCJ, não esquecendo que podem existir outras situações
cuja obscuridade não permite contabilizá-las.
Será pois, porventura, nesse facto que reside o problema; tratando-se de
uma questão cultural, aceite pelo meio social que envolve as famílias atingidas, as
pessoas não estão sujeitas à pressão da comunidade para se tratarem. No entanto,
apesar de se afigurar como um problema geracional de tendência reprodutiva, na
opinião dos técnicos que entrevistamos, nota-se, actualmente, uma maior
preocupação dos pais com os filhos, numa tentativa de os desviar dos seus próprios
hábitos.
Tal como acontece com a toxicodependência, a opinião expressa pelos
técnicos acerca do alcoolismo é corroborada pela opinião de alguns dos
Presidentes de Junta e Párocos que tivemos a oportunidade de entrevistar. De
facto, em nove das vinte e quatro freguesias o alcoolismo foi apontado como um
dos principais problemas da comunidade local. Para além dos principais pólos
urbanos (o bairro de Vila das Aves, a título ilustrativo, é um dos exemplos no
concelho onde o alcoolismo surge como um dos principais problemas aí
354 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
existentes13), e com a excepção de Roriz, estamo-nos a referir a um conjunto de
freguesias cujas fronteiras estão interligadas: Burgães, Lamelas, Monte Córdova,
Refojos, Reguenga e S. Tiago da Carreira. Tal não invalida, porém, que as restantes
freguesias tenham famílias igualmente problemáticas. O alcoolismo é uma
dependência transversal a todo o concelho; a diferença reside no grau de
relevância que cada pessoa atribui ao fenómeno enquanto problema que atinge,
efectivamente, as populações.
11.6. Outros grupos de risco
A vulnerabilidade à pobreza e à exclusão social não se esgota nos grupos
que expusemos atrás. O problema global da pobreza atormenta outros estratos
sociais, como são disso exemplo os beneficiários de Rendimento Social de Inserção
e as minorias étnico-culturais. Todavia, a insuficiência de dados justificou a nossa
opção em agrupar num único subponto todos estes grupos, pelo que passamos a
abordar, em traços gerais, cada um deles.
11.6.1. Os beneficiários do Rendimento Social de Inserção
Embora com a designação actual de Rendimento Social de Inserção (RSI), a
informação que obtivemos é, na sua totalidade, referente ao anterior Rendimento
13
Cf. Humberto Valentim, coord. (2000) – Caracterização socio-económica dos moradores do Bairro de
Vila das Aves em Santo Tirso. Policopiado. Lisboa: Instituto de Gestão e Alienação do Património
Habitacional do Estado. Pode ainda dizer-se que, de acordo com Luís Fernandes, “a imagem do bairro
(...) determina grandemente as relações [deste] com a cidade: quando é construída em torno de factos
considerados negativos (...) o estigma a que este espaço fica sujeito potencia a sua ruptura com a
cidade normativa, a homogeneização dos habitantes sob a etiqueta negativa, a perda da auto-estima
colectiva e o consequente agravamento da situação” (Luís Fernandes (1998) – O sítio das drogas:
etnografia das drogas numa periferia urbana. Lisboa: Editorial Notícias. p. 75. O parêntesis recto é nosso),
pelo que se compreende que o Bairro de Vila das Aves seja um dos locais mais problemáticos do
concelho, quer no que toca ao alcoolismo, quer no que diz respeito à toxicodependência.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
355
Mínimo Garantido (RMG), pelo que é essa linha de orientação que aqui
adoptamos, quando o que se pretende é caracterizar os seus beneficiários.
Não constitui novidade a indicação de que o RMG foi concebido para
apoiar as pessoas que se situam no limiar da pobreza e que, por essa razão, não
conseguem fazer face às condições mínimas de sobrevivência dos respectivos
agregados familiares. As condições socio-económicas dessas famílias são,
consequentemente, deficitárias, destacando-se os problemas de saúde (onde se
incluem, também, os do foro psicológico e psiquiátrico), os problemas de
dependências (alcoólicas e/ou tóxicas), os problemas habitacionais (geralmente
são pessoas que não possuem condições condignas), os problemas educacionais
(associados a ciclos geracionais de baixa escolaridade e de uma cultura de vida
que tende a «normalizar» as débeis vivências familiares quotidianas) e os problemas
de (des)emprego (que, para além do factor económico, afecta também a própria
identidade e a relação com o meio social envolvente). A exemplo do que
acontece com outras problemáticas, o enquadramento lógico do RMG passaria
pela apreciação de dados que nos permitissem estabelecer um eixo de
comparação ao longo dos últimos anos e até com outros municípios. A inexistência
de informação disponível, porém, impede-nos de efectuar tal análise.
Os dados concedidos pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança
Social, no entanto, permitem-nos estabelecer uma comparação relativamente ao
último triénio, no que respeita ao número de agregados familiares residentes no
concelho de Santo Tirso que beneficiam do RMG. Com efeito, em 2001 esse total
era de 293, em 2002 de 337 (+15%) e em 2003 de 372 (+10,4%). Esta variação
positiva, embora de tendência decrescente, poderá estar fortemente associada ao
aumento do desemprego que se tem verificado nos últimos anos. De facto, seis
anos após a criação da medida é importante perceber por que razão continuam a
existir inúmeros pedidos de RMG, na medida em que é já um período de tempo
suficiente para todas as famílias carenciadas terem requerido o apoio da medida.
Mas nem só o desemprego pode estar na origem desta situação; a crescente
monoparentalidade (marcada, em grande parte, por gravidez indesejada), os
ciclos de conjugalidade negativos (frequentemente marcados por práticas de
356 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
violência doméstica), a viuvez ou o abandono podem também fazer com que as
pessoas recorram ao RMG como forma de melhorar as suas condições de vida.
Repete-se
a
necessidade
de
preconizar
junto
das
populações
desfavorecidas, especialmente junto dos mais jovens, uma formação de base
capaz de garantir um futuro com as mínimas condições de sobrevivência e
independente de subsídios sociais.
11.6.2. Minorias étnico-culturais
Até finais da década de 60, Portugal era, essencialmente, um país de
emigração. Porém, desde os primeiros anos da década de 70, especialmente após
a descolonização que sucedeu a Revolução de Abril de 1974, o nosso país passou
a ser também um país de imigração. Esta situação é potenciadora de sentimentos
racistas e xenófobos que levam a encarar os imigrantes como rivais indesejáveis. Em
vez de uma sociedade intercultural, onde as diferentes culturas interagem
mutuamente e se abrem ao diálogo e ao conhecimento recíproco, temos hoje
uma sociedade que, graças à massificação da imigração, vê nos imigrantes mais
um problema a resolver em termos de empregabilidade, uma vez que estamos a
falar de pessoas que aceitam trabalhar com salários inferiores ao mínimo nacional e
que, por conseguinte, enfraquecem o poder de reivindicação salarial da
comunidade local14.
A realidade de Santo Tirso contempla também a imigração. Como já
pudemos constatar no capítulo 3 deste Diagnóstico, em 2001 viviam no concelho
472 pessoas de nacionalidade estrangeira, de acordo com a informação do INE.
Tivemos, igualmente, oportunidade de aferir que a preponderância vai para as
nacionalidades francesa e alemã, bem como para a ucraniana, esta última não
considerada nos dados do XIV Recenseamento Geral da População. Até à
presente data não existem registos de comportamento racistas ou xenófobos por
14
Alfredo Bruto da Costa, Op. Cit. p. 69.
Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
357
parte dos tirsenses, que demonstram, assim, ser portadores de uma boa
capacidade hospitaleira.
Este posicionamento da comunidade local face a pessoas provenientes do
exterior do concelho é também visível na atitude tida perante a comunidade
cigana que há cerca de três décadas se instalou em Santo Tirso. A aceitação por
parte da população e das autoridades locais levou, pois, a uma progressiva
sedentarização, originando uma fácil inserção no meio envolvente. De acordo com
a informação prestada pela Câmara Municipal, o número de ciganos a residir no
concelho aumentou, desde 1995, em cerca de 60%, passando de 115 pessoas –
correspondentes a 33 agregados familiares – para 184 pessoas – correspondentes a
49 agregados –, em 2003. Estes valores tendem a aumentar nos próximos anos, uma
vez que se trata de uma comunidade bastante jovem (mais de 75% das pessoas
tem idade inferior a 30 anos), cujos valores culturais se traduzem numa alta taxa de
fertilidade e na ocorrência de casamento precoce.
Tais dados não invalidam a persistência de algumas representações
negativas por parte da população local acerca da comunidade cigana,
associadas a marginalidade, criminalidade e tráfico/consumo de drogas. Essas
representações não levam, contudo, à existência de problemas entre a vizinhança
passíveis de serem aqui assinalados. Paralelamente, quando confrontada com
diferentes problemas, a comunidade cigana recorre às instituições competentes,
facto que indicia a sua crescente inserção na sociedade. Aliás, todo o trabalho
que tem sido desenvolvido junto daquela comunidade tem sido norteado pelo
princípio da igualdade, por forma a que os mesmo venham a ser respeitados como
cidadãos de pleno direito.
No âmbito da caracterização da comunidade cigana residente em Santo
Tirso, realojada em 2000 pela Câmara Municipal em habitação social (já que até aí
viviam em barracas sem as condições mínimas de habitabilidade), podemos ainda
dizer que se tratam de pessoas com baixa escolaridade – os elementos do sexo
feminino, por exemplo, não prosseguem os estudos para além do 4º ano do Ensino
Básico porque os seus familiares consideram que é nessa idade que se inicia a
358 Diagnóstico Social – Santo Tirso
Fragilidades sociais: grupos de vulnerabilidade
à pobreza e à exclusão social
preparação para o casamento e para as lides domésticas – e beneficiárias de RSI,
o que, por si, só é suficiente para percebermos quão vulnerável é este grupo social.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que a descrição que fizemos nos
leva, necessariamente, à identificação de medidas concertadas que eliminem ou
reduzam substancialmente os problemas observados. Sem ser nossa intenção
desvalorizar as medidas de natureza redistributiva, tais medidas parecem-nos
insuficientes para o objectivo a que a sociedade portuguesa, em geral, e a Rede
Social, de forma específica, se propõem quando fazem alusão ao combate à
pobreza e à exclusão social. Pode mesmo chegar-se à perda de identidade por
parte dos excluídos e o que é desejável passa precisamente pelo contrário: pela
reabilitação humana e social, por uma distribuição primária de poder, pela
autosuficiência.
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