MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
Promotoria da Cidadania, Defesa Comunitária e do Consumidor
Exmº. Sr. Juiz de Direito da
Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, via do Promotor
de Justiça que subscreve a presente, legitimado pelos Artigos 127
“caput” e 129 II e III da Constituição Federal; 1º inciso IV, 11, 12 e
21 da Lei n.º 7.347/85 e 6º da Lei nº 7.853/89 e fundamentado no
artigo 196 da Constituição Federal vem à presença de V.Ex.ª para
propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Com pedido de Antecipação de Tutela
em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO, pessoa jurídica
de direito público, representado por sua Procuradora Geral, a ser
citada na sede da Procuradoria Geral do Estado, no Centro Político
Administrativo, em Cuiabá-MT, pelos motivos narrados a seguir:
1 – Dos Fatos
A Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose
(ABAM), representou à Promotoria da Cidadania e Defesa Comunitária de Cuiabá,
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relatando a dificuldade enfrentada pelos portadores de Fibrose Cística (Muscoviscidose),
via de regra crianças e adolescentes, para aquisição de medicamentos de uso contínuo,
face aos significativos custos dos produtos.
Considerando as informações preliminares, apontando o único
caminho para atendimento às necessidades dessas pessoas como sendo a disponibilidade
dos medicamentos nos tratamentos pela Secretaria de Saúde do Estado, instaurou-se na
Promotoria de Justiça, o Inquérito Civil nº 03/01 (em anexo) com intuito de oportunizar
acordo entre o titular daquela pasta; o Ministério Público Estadual e a recém-criada
Associação de Assistência a Muscoviscidose de Mato Grosso, visando garantir o
fornecimento dos produtos destinados à terapêutica para os doentes daquela
enfermidade.
Conforme se extrai do termo de declarações de fls.109 do
mencionado procedimento administrativo, a Divisão de Assistência aos Usuários do SUS
esclarece que a Secretaria de Saúde está apta a fornecer a maioria dos medicamentos
utilizados pelos enfermos, à exceção de algumas enzimas e do antibiótico
TOBRAMICINA, tido como mais adequado ao tratamento, haja vista o alto custo do
produto, na quantidade reivindicada pela ABAM - 1.568 flaconetes do remédio por mês,
sendo que a caixa contendo 56 unidades custa R$ 2.199,00 (dois mil cento e noventa e
nove reais) o que é demasiadamente oneroso para o Estado.
É importante esclarecer que os medicamentos utilizados no
tratamento desses doentes devem estar disponíveis na farmácia da Secretaria de Saúde e,
a medida em que as prescrições são emitidas, os agentes públicos fornecem às clínicas e
hospitais credenciados. No pertinente aos suplementos alimentares, também por
indicação médica, onde se observa o consumo diário de cada doente, os familiares
retiram os produtos diretamente no órgão público para o consumo sob os cuidados
doméstico.
Atualmente, os portadores de Fibrose Cística recebem, do
Estado de Mato Grosso, parte da medicação e dos suplementos indicados, sendo que
alguns estão defasados, em relação às conquistas da ciência para o combate à essa
doença.
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A justificativa dos representantes do requerido não tem
sustentação e esta Ação Civil Pública objetiva a intervenção do Judiciário para garantir
o tratamento adequado aos pacientes, através de medicação eficiente, uma vez que
constitucionalmente o direito à saúde é reservado a todos os brasileiros.
Na hipótese em comento, o direito desses pacientes consiste em
uma vida mais próxima possível da normal e por mais tempo, vez que, como veremos
adiante, a doença que carregam lhes acompanhará durante a jornada pela Terra.
1.1 – A Doença
Desde o inicio de sua existência, o homem vem, gradativamente,
empreendendo lutas contra as intempéries; os irracionais e uma gama extraordinária de
moléstias que recaem sobre si. Na modernidade a ciência desenvolve uma guerra contra
vírus e males externos ou de raízes no próprio homem, contabilizando vitórias,
conquistas e derrotas. Importante, todavia, é não fenecer e buscar, incansavelmente,
alternativas para enfrentar o desconhecido. É uma luta onde o único caminho, para o
bem da sociedade é a derrota do inimigo, ainda que isso leve milhares de anos.
Especificamente em relação à mucoviscidose ou fibrose cística,
enfermidade desconhecida da maioria dos brasileiros, trata-se de um mal causado por um
defeito de gene CFTR (regulador de condutância transmembrana), semi-letal e
progressivo, confinado não só às crianças e adolescentes, mas também aos adultos.
Em Mato Grosso já foram detectados 22 (vinte e dois) casos e
novas ocorrências de crianças e adultos portadores da doença, aguardam a apuração dos
exames.
A ciência médica, até hoje, não alcançou a cura, mas consegue,
através de tratamento contínuo, dieta especial e medicamentos de custos elevadíssimos,
estabilizar a doença.
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Acredita-se que, o avanço da medicina e um rigoroso tratamento
químico, aumentam a sobrevida dos pacientes, alcançando, atualmente, a média de 30 a
35 anos de vida, bem superior à faixa contabilizada até pouco tempo. Existem sérias
evidências de que a maior sobrevida dos afetados por FC ocorre com os pacientes
tratados em centros onde há atuação de equipe multiprofissional, o que ainda é incipiente
em Mato Grosso.
Em todo o País, os familiares dos portadores de Fibrose Cística
desenvolvem uma luta incansável contra o preconceito; enfrentam dificuldades diversas
em virtude das mazelas da economia e, muitas vezes esbarram no descaso de certos
setores públicos que teimam em fazer do tratamento da doença apenas uma relação
custo/benefício por paciente atendido.
Apesar de tudo, essas famílias procuram se organizar, criando
associações, descobrindo novos centros de tratamento e aliados, via de regra abnegados
que abraçaram a medicina como sacerdócio.
O paciente de Fibrose Cística, grosso modo, necessita
diariamente de incontáveis medicamentos para desenvolver algumas funções básicas do
organismo, como exemplo as enzimas pancreáticas que interferem no metabolismo,
permitindo a digestão.
De acordo com médicos especialistas, são imprescindíveis ao
tratamento:
Antibióticos
(como
aminoglicosídeos,
cefalosporinas,
antipseudomonas,
quinolonas,
sulfas,
amoxicilina-clavulanato,
eritromicina, zaitromicina,
claritromicina,
cloranfenicol, vancomicina,
etc);
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Antibióticos
inalatórios
(Colistin,
tobramicinaTOBI,
amicacina
e
gentamicina),
Enzimas
pancreáticas
(lípase,
tripsina,
quimotripsina),
Suporte
nutricional
adequado, complementos
alimentares e vitamínicos,
principalmente
vitamina
A,D, E, K (Adeks)
Vitaminas
hidrosolúveis
(B,C) e oligoelementos
(Ferro, Zinco, etc),
Corticóides
inalatórios
(Pulmicort 200, Beclosol
250)
Broncodilatadores
inalatórios de ação rápida
(Aerolin)
Mucolíticos
–Pulmozyme
(DNAase)
Vacinas para Influenza e
Pneumococcos
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Oxigênio domiciliar
Drogas específicas, de
acordos com as condições
decorrentes da doença
como:
refluxo
gastroesofágico (Prepulsid,
Antak,
Omeprazol),
hipertensão
pulmonar
(vasodialtadores), doença
hepatobiliar (Ursacol).
A ABRAM e a Associação Mato-grossense dos Portadores de
Muscoviscidose realizaram estudos sobre a estimativa mensal dos medicamentos
utilizados pelos portadores da doença, a fim de concretizar esse pleito em juízo (fls.112
do inquérito civil).
Os medicamentos descritos são pleiteados para que sejam
disponibilizados nos tratamentos dos pacientes na rede pública que, repita-se é contínuo.
Como ressaltado pela representante da Secretaria Estadual de
Saúde, em declarações colhidas na Promotoria de Justiça, atualmente o Estado
desembolsa cerca de R$ 20.000,00/mês por paciente de Fibrose Cística, valor
significativo para a nossa realidade econômica. No entanto, a maior parcela desse valor é
empregada no pagamento de internações de pacientes que, ante a ausência de tratamento
rotineiro eficaz, são obrigados a internações periódicas, ou seja, a forma atualmente
empregada pelo Executivo não permite aos doentes melhor qualidade de vida e ao
mesmo tempo onera o cofre público.
Em face da ausência do tratamento profilático recomendado (não
disponibilidade do suporte nutricional adequado e complexo vitamínicos indicado), os
pacientes vêem-se obrigados a submissão terapêutica constante, em vista das condições
climáticas do Estado de Mato Grosso e, em tais oportunidades, os medicamentos
utilizados não respondem eficientemente, prolongando internações que significam
maiores custos.
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É oportuno recordar que apesar da imprescindibilidade do
tratamento químico é de igual importância os exercícios fisioterápicos, bem como o
acompanhamento ortopédico, psicológico e as demais especialidades médicas.
Urge ressaltar que grande parte dos portadores desse mal não
possuem condições financeiras suficientes para arcar com os altos custos dos
medicamentos necessários e, sendo doença progressiva, agonizam-se os pais, amigos,
parentes e o paciente que não dispõe do remédio. Desde já acentua-se o perigo da
demora como meio idôneo para pleitear, nestes autos, a tutela antecipada.
2 - Do Direito
Irrefutável é a assertiva de que cabe ao Estado reduzir riscos de
doenças e outros agravos e, ainda garantir o acesso universal e igualitário às ações e
serviços, promovendo a proteção e recuperação de moléstias (art. 196 CR/88),
essencialmente se a doença requisitar altas somas mensais para o tratamento, como é o
caso da moléstia em tela.
A Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) é incisiva ao estabelecer a
responsabilidade dos entes públicos no trato da saúde, de acordo com o que vaticina o
excerto legal abaixo transcrito:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental
do ser humano, devendo o Estado prover as
condições
indispensáveis
ao
seu
pleno
exercício.
§ 1°.
O dever do Estado de garantir a
saúde consiste na reformulação e execução
de políticas econômicas e sociais que visem
à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e no estabelecimento de condições
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que
assegurem
o
acesso
universal
e
igualitário às ações e aos serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 6º.
Estão incluídas ainda no
campo de atuação do Sistema Único de
Saúde – SUS:
VI – a formulação da política de
medicamentos,
equipamentos,
imunológicos
e
outros
insumos
de
interesse
para
a
saúde
e
a
participação na sua produção:
A maioria dos pacientes acometidos pela Fibrose Cística são
crianças ou adolescentes, merecendo portanto, tratamento especial, como se depreende
da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 4º É dever da família, da comunidade,
da sociedade em geral e do poder público
assegurar,
com
absoluta
prioridade,
a
efetivação dos direitos referentes à vida,
à saúde, (omissis)
Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro
em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços
públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução
das políticas sociais públicas;
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d) destinação privilegiada de recursos
públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude
Art. 7º A criança e o adolescente têm
direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.
Art. 11. É assegurado atendimento médico à
criança e ao adolescente, através do
Sistema Único de Saúde, garantido o acesso
universal e igualitário às ações e serviços
para promoção, proteção e recuperação da
saúde.
§ 1º A criança e o adolescente portadores
de
deficiência
receberão
atendimento
especializado.
§ 2º Incumbe ao poder público fornecer
gratuitamente àqueles que necessitarem os
medicamentos, próteses e outros recursos
relativos ao tratamento, habilitação ou
reabilitação.
3 – Dos Pedidos
3.1 Da antecipação da Tutela
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Infere-se que a demora na resposta judicial acarretaria na piora do
quadro clínico dos pacientes, podendo levá-los ao óbito. Destaque-se que os pacientes
referidos precisam, de qualquer modo, de tratamento constante e o que se busca através
desta Ação Civil Pública é que esse tratamento seja feito em sintonia com as
recomendações da ciência e não apenas com a apreciação de critérios puramente
econômicos como quer o Estado de Mato Grosso.
Não é demais frisar, para evidenciar a premência do pedido, que
n‘outros Estados da Federação, a utilização dos produtos recomendados para o
tratamento mais eficaz, resultou de ajuste entre o Ministério Público, a Secretaria de
Saúde e os representantes dos pacientes.
Presentes os requisitos autorizativos à concessão da antecipação de
tutela, nos moldes do artigo 273 I do CPC, senão vejamos:
A prova inequívoca do fato evidencia-se na indicação científica
que os pacientes necessitam do tratamento indicado e a posição do réu, através do seu
órgão responsável, acenando com restrições econômicas para disponobilização dos
medicamentos, ao mesmo tempo em que autoriza o pagamento de somas significativas
em tratamentos de eficácia reduzida.
A verossimilhança da alegação deriva das observações que
demonstram, inadequação entre o comando legal, inclusive em sede constitucional e a
posição do gestor público.
O dano irreparável ou de difícil reparação se consubstancia na
medida em que cidadãos estão sendo tratados de forma inadequada, quando a ciência
recomenda outras medidas capazes de proporcionar maior longevidade a essas pessoas e
melhor qualidade de vida, o que é reconhecido, inclusive, em outros Estados.
Ex positis, requer:
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a) A antecipação da tutela, impondo ao Estado de Mato Grosso a obrigação de
fazer, consistente no fornecimento dos produtos indispensáveis ao tratamento
dos pacientes de Fibrose Cística, notadamente as enzimas pancreáticas e o
antibiótico tobramicina, além dos demais itens indicados (doc. 112 do IC),
quando das requisições dos profissionais nas internações e tratamentos
ambulatoriais ou solicitações dos familiares de pacientes, de acordo com
prescrição médica, sob pena de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez
mil reais) por cada paciente não tratado da forma recomendada;
b) A citação do requerido, na pessoa de sua Procuradora Geral, para, querendo,
contestar a presente, no prazo de lei;
c)
Pleiteia-se, ao final, a procedência do pedido, obrigando, definitivamente o
requerido a fornecer os produtos indispensáveis ao tratamento dos pacientes
de Fibrose Cística, notadamente as enzimas pancreáticas e o antibiótico
tobramicina, além dos demais itens indicados (doc. 112 do IC), quando das
requisições dos profissionais nas internações e tratamentos ambulatoriais ou
solicitações dos familiares de pacientes, de acordo com prescrição médica,
sob pena de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a ser
revertida ao Fundo de Assistência de que trata a Lei 7.347/85, por cada
paciente não tratado da forma recomendada;
d) Pugna-se por todos os meios de prova admitidos em direito e requer a
publicação de edital para que terceiros interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, se assim lhes aprouver (artigo 94 do CDC).
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para efeitos do artigo 262 do
CPC, requerendo, ainda, a intimação do Ministério Público à rua Diogo Domingos
Ferreira, 402, Bairro Bandeirantes, Cuiabá-MT.
Cuiabá, 28 de maio de 2001.
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Edmilson da Costa Pereira
Promotor de Justiça
Bruna Henriques de Jesus
Estagiária
Gleiciane Portilho Ribeiro
Estagiária
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Download

Processo n