R E V I S TA LATO & SENSU v. 11, n. 1, jun. 2010 Belém 2010 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 1 REVISTA LATO & SENSU UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA REITOR Antonio de Carvalho Vaz Pereira VICE-REITOR Henrique Heidtmann Neto PRÓ-REITOR DE ENSINO Mário Francisco Guzzo PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO Núbia Maria de Vasconcelos Maciel COORDENADORA PEDAGÓGICA Zenilda Botti Fernandes SUPERINTENDENTE DE EXTENSÃO Vera Lúcia Carneiro Soares SUPERINTENDENTE DE PESQUISA Ana Célia Bahia Silva EXPEDIENTE EDIÇÃO: Editora UNAMA RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira SUPERVISÃO: Helder Leite COORDENAÇÃO: Zenilda Botti Fernandes ORGANIZAÇÃO: Francisca Magnólia de Oliveira Rego NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda REVISÃO: Luiz F. Branco IMPRESSÃO: Delta Gráfica e Editora Ltda. Campus Alcindo Cacela Campus BR Campus Quintino Campus Senador Lemos Av. Alcindo Cacela, 287 Rod. BR-316, km3 67113-901 - Ananindeua-PA Fone: (91) 4009-9200 Trav. Quintino Bocaiúva, 1808 66035-190 - Belém-Pará Fone: (91) 4009-3300 Av. Senador Lemos, 2809 66120-901 - Belém-Pará Fone: (91) 4009-7100 Fax: (91) 4009-9308 Fax: (91) 4009-0622 Fax: (91) 4009-7153 66060-902 - Belém-Pará Fone geral: (91) 4009-3000 Fax: (91) 3225-3909 Catalogação na fonte www.unama.br R454r Revista Lato & Sensu - Belém: UNAMA, v.11, n. 1, jun. 2010 126 p. ISSN: 1519-8758 1. UNAMA - Educação Superior. 2. UNAMA - Periódicos. CDD: 050 2 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009 v.11 n. 1 2010 SUMÁRIO EDITORIAL ........................................................................................................................................ 5 BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA • GRAU DE SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR: um estudo de ergonomia e saúde do trabalhador na Santa Casa de Misericórdia do Pará ...................................................................... 11 Carolina Moraes da Costa Raphaella Santos Loureiro • GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS: o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do desenvolvimento de uma comunidade pobre de Belém/PA .................................................................................................... .... 21 Lidiane Henriques Begot • AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS .................................................................................................... .. 29 Janice Accioli Ramos Rodrigues • ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: por uma postura mais crítica ................................................................ 39 Welton Diego Carmin Lavareda • NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS DE ACOLHIMENTO INSTITICIONAL: um olhar da Psicologia .... 45 Rogério Tavares da cruz Márcia Soares Bezerra • VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: um estudo da fala de vestibulandos de escolas públicas e privadas de Belém ....... 55 Diego de Sousa Cruz Lima Lato & Sensu Belém v.11 n.1 p. 1-132 jun. 201 0 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 3 BOLSISTAS DE MONITORIA • ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS DE VIDA: revisão de literatura .................................................................................................... ............................... 63 Gabriela Albuquerque Silva • AUTOESTIMA NA TERCEIRA IDADE .................................................................................................... ........... 69 José Maria Farah Costa Junior • AVALIAÇÃO E PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES COM HÉRNIA DE DISCO LOMBAR: relato de caso ......................................................................................... 75 Yan Aquino Diniz • DOS ESCRITOS DE EUCLIDES DA CUNHA À CONTEMPORANEIDADE: a Amazônia da fronteira às margens do rio Purus .......................................................................................... 85 William Monteiro Rocha • ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA CONTRATURA DE DUPUYTREN: uma revisão de literatura .................................................................................................... ....................... 95 Rafael de Oliveira Barbosa • ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA ARTROPLASTIA DE QUADRIL ........................................................... 101 Camille Yoldi dos Reis Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira • ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA: revisão da literatura .................................................................................................... ............................... 105 Yuri Fonseca Lelis • MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS: revisão da literatura ................................................................ 111 Bruno Lobato Carneiro Márcio Clementino de Souza Santos • INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: um estudo com pacientes renais crônicos em lista de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV ................................................................................... 117 Carla Marília Pinheiro Pereira 4 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009 EDITORIAL Uma revista e muitos sonhos A revista Lato & Sensu se diferencia das demais porque aposta no sonho. Não no onírico, no devaneio, mas no sonho como ampla possibilidade. A Lato&Sensu é assim: uma aposta no amanhã. E por ser uma publicação que acredita na possibilidade de seus autores, tem um largo espaço para crescer. Vejo, no trabalho dos bolsistas de monitoria, extensão, iniciação científica, TV Unama e Rádio Unama FM, a semente de um novo tempo. A Universidade investe em gente que tem tudo para se transformar em grandes pesquisadores, porque sabe que, sem eles, uma escola de ensino superior fica reduzida à condição de escola. Na UNAMA, o trabalho intelectual não apenas é estimulado como se transforma, desde a graduação, em forma de comprometer o aluno com o saber que está nos livros, mas que vai para além deles. Hoje, a pesquisa é uma porta aberta para a descoberta de novos horizontes e esses horizontes estão, cada vez mais, ao alcance dos estudantes. Descobrir caminhos para eles é o desafio da Universidade, que não pode se contentar apenas em oferecer a chamada “educação bancária”, de que tanto falava Paulo Freire. Para um grupo de estudantes que se interessa em descobrir, valendo-se das próprias mãos, vai bem a máxima chinesa de não entregar o peixe, mas de ensinar a pescar. O ensino superior oferece a dupla opção: traz o peixe e traz o anzol. Há quem fique com o peixe; há quem prefira caniço, linha e o desafio. Esses estão aqui, nesta revista-laboratório, da qual a UNAMA muito se orgulha. Ao ver o trabalho de tantos alunos e professores-orientadores se concretizar por meio de publicação de artigos, penso que estamos no caminho certo. O amanhã que tanto queremos começa agora, na experimentação, na vontade de descobrir, no gesto simbólico de semear conhecimento para colher mais tarde. Como a missão da UNAMA é oferecer educação para o desenvolvimento da Amazônia, aqui estamos criando espaços para que essa tarefa seja realizada, da melhor maneira possível, a partir da sala de aula, ampliando-se para as diferentes fontes que são as outras Revistas da Universidade. A professora Zenilda Botti Fernandes, que há anos acompanha o trabalho de alunos e professores, recebe, em nome de todos que participam dessa missão, o melhor agradecimento da UNAMA e do futuro. Antonio de Carvalho Vaz Pereira Reitor da Universidade da Amazônia Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 5 6 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009 ARTIGOS Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 7 8 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009 BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 9-25, maio, 2009 9 10 GRAU DE SATISFAÇÃO NO AMBIENTE HOSPITALAR: um estudo de ergonomia e saúde do trabalhador na Santa Casa de Misericórdia do Pará1 Carolina Moraes da Costa* Raphaella Santos Loureiro** RESUMO Este artigo apresenta uma análise do grau de satisfação e da percepção subjetiva do ambiente hospitalar dos pacientes e trabalhadores de duas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia do Pará. As enfermarias são diferenciadas por duas variáveis: a localização em relação às ruas e a condição de climatização. Foram realizadas entrevistas com pacientes e trabalhadores do objeto de estudo, usando como ferramenta questionários semiestruturados. Constatou-se que, de forma geral, pacientes e trabalhadores consideram o ambiente hospitalar estudado com um bom grau de satisfação dos aspectos ergonômicos do mobiliário e locomoção, assim como, dos níveis de ruído para a saúde do trabalhador nas duas enfermarias. PALAVRAS-CHAVE: Saúde do trabalhador. Ergonomia. Grau de satisfação. Ambiente hospitalar. 1 INTRODUÇÃO O estudo apresentado é de grande relevância, pois um ambiente agradável e adequado proporciona melhor qualidade de atendimento dos trabalhadores aos pacientes, assim como pode ajudar no processo de cura dos pacientes durante o período de internação, somado ao fato da existência de poucos trabalhos publicados sobre os aspectos ergonômicos voltados para os pacientes, visto que a maioria dos estudos refere-se exclusivamente aos trabalhadores. Segundo Picada (1999) “o conforto ambiental está intimamente ligado às necessidades psicossomáticas do indivíduo que, muitas vezes, têm que ser expressas para que possam ser atendidas e, em outras vezes, por tão específicas e particulares, são relegadas à solução genérica adotada”. A NBR 10.151/2000 da ABNT recomenda de 35 a 45 decibéis como nível de ruído aceitável e não prejudicial ao aparelho auditivo, considerando, ainda, o tempo de exposição ao ruído. Dias (2000), aponta algumas características básicas da saúde do trabalhador: A busca da compreensão das relações (de nexo) entre o Trabalho, a Saúde e a Doença dos trabalhadores, para fins de promoção e prevenção da saúde e da assistência, incluindo o diagnóstico, tratamento e a reabilitação; a ênfase na necessidade de mudança das condições e dos ambientes de trabalho, em direção à humanização do trabalho; a participação dos trabalhadores enquanto sujeitos de sua vida e da sua saúde. * Aluna do 4º ano de Fisioterapia da UNAMA e pesquisadora da Iniciação Científica tendo como linha de pesquisa “Indicadores de Qualidade de Vida”. ** Aluna do 3º ano de Terapia Ocupacional da UNAMA e pesquisadora da Iniciação Científica tendo como linha de pesquisa “Saúde e Ambiente”. ¹ Artigo produzido sob a orientação da professora dr a. Elcione Maria Lobato de Moraes. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 11 A saúde ocupacional dos trabalhadores da área da saúde é de suma importância, tendo em vista que estes precisam estar bem fisicamente e psicologicamente para que atendam o paciente com qualidade. É definida pelo comitê da Organização Internacional do Trabalho – OIT e Organização Mundial da Saúde – OMS tendo como finalidade “incentivar e manter o mais elevado nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as profissões; prevenir todo o prejuízo causado à saúde destes pelas condições de seu trabalho; resumidamente adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho” (NOGUEIRA, 1984). O grau de satisfação no trabalho é importante, pois serve como um termômetro do comportamento do trabalhador em relação à sua atividade. O fato de um trabalhador estar insatisfeito ou não com o seu emprego pode ser explicado por inúmeros fatores (MACHADO, 2008). Quanto à relação entre o grau de satisfação e características pessoais do usuário ainda persiste grande divergência entre os autores. No estudo realizado por Weiss (1988), após uma revisão extensa sobre o tema, são apontados quatro grupos principais de determinantes da satisfação: características dos pacientes, incluindo as sociodemográficas, as expectativas sobre a consulta médica e o estado atual de saúde; características dos profissionais que prestam o atendimento incluindo traços de personalidade, qualidade técnica e a arte do cuidado prestado; aspectos da relação médico-paciente, incluindo o estilo de comunicação entre os dois, bem como o resultado do encontro; fatores estruturais e ambientais, incluindo o acesso, forma de pagamento, tempo de tratamento, marcação de consultas e outros. Já a ergonomia foi definida como “o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência” (LAVILLE, 1977). 12 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 Para a Associação Internacional de Ergonomia (IEA) a ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica que estuda as interações dos homens com os outros elementos do sistema, fazendo aplicações de teorias, princípios e métodos de projeto, com o objetivo de melhorar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema. (DUL; WEERDMEESTER, 2004). A ergonomia e a saúde do trabalhador são utilizadas para recomendar a melhor adaptação dos integrantes ao ambiente hospitalar. Portanto, levando-se em consideração o bem-estar do paciente e trabalhador, optou-se por fazer uma análise ergonômica e ocupacional nas Enfermarias São Roque e Frei Caetano, da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Tendo como objetivo geral analisar o grau de satisfação dos pacientes e dos trabalhadores nas enfermarias, e como objetivos específicos avaliar o grau de satisfação da ergonomia das enfermarias, visando a mobilidade e conforto dos pacientes; quantificar o grau de satisfação dos trabalhadores das enfermarias quanto ao conforto acústico; e verificar o grau de satisfação dos pacientes e trabalhadores em relação ao ambiente onde se encontram. 2 OBJETO DE ESTUDO O objeto de estudo é a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, localizada no bairro do Umarizal, na cidade de Belém. A Santa Casa é um hospital centenário, com 346 leitos, voltado ao atendimento de pacientes de Belém e do interior do estado, em várias especialidades médicas, entre elas, às destinadas ao atendimento materno-infantil. O hospital está situado em uma área considerada pelo mapa acústico de Belém como sendo de condição acústica saturada, ou seja, os níveis sonoros no seu entorno ultrapassam os limites máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde para zonas hospitalares (SOUZA et al, 2010). As enfermarias analisadas são a São Roque e Frei Caetano: a primeira é uma enfermaria de clínica médica adulta, masculina e feminina; fica localizada no limite externo do edifício, voltada para uma rua de trânsito intenso e sofre influência direta do ruído urbano; não é climatizada, tem um quadro de profissionais fixos de 8 por turno, 26 leitos; a outra é uma enfermaria de clínica cirúrgica adulta e masculina; está localizada na área central do hospital e é climatizada; possui um quadro fixo de profissionais de 4 por turno, 14 leitos. 3 METODOLOGIA A metodologia aplicada para o desenvolvimento do trabalho consta de pré-coleta de dados (elaboração do questionário); análises e conclusão. Inicialmente foi elaborado o questionário semi-estruturado com uma abordagem sobre a ergonomia e saúde do trabalhador. Minayo (2004) considera que o questionário semi-estruturado “combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador”. As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro e novembro de 2009. Foram aplicados questionários em 50 pacientes e acompanhantes e 24 funcionários do hospital. O material coletado através de análise qualitativa foi utilizado para o método de tratamento das informações. A opção pela análise de conteúdo deve-se ao fato deste método nos permitir a operacionalização no tratamento dos dados e, consequentemente, a sistematização, análise e interpretação de caráter qualitativo. A análise de conteúdo está conforme as proposições de Bardin (1977). Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo pode ser definida como: Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e obje- tivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção desta mensagem. A análise aconteceu em três momentos. O primeiro trabalhou as respostas obtidas no questionário, a fim de perceber como o indivíduo em questão avalia e compreende seu ambiente de trabalho e os aspectos ergonômicos; no segundo momento, após as coletas dos dados, estes foram analisados de acordo com a literatura; no terceiro momento os resultados, já fundamentados, foram correlacionados. A avaliação do grau de satisfação teve como base uma escala linear e contínua de 15 cm (de acordo com JONES, 1976), com três âncoras nas 2 extremidades (satisfeito e insatisfeito) e uma posição neutra ao centro (PASTRE et al, 2001). 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS I. Enfermaria São Roque A Enfermaria São Roque é classificada como uma enfermaria de clínica médica adulta unissex, tendo um tempo médio de permanência/ internação de aproximadamente 23 dias. É uma enfermaria climatizada e está localizada no limite lateral do hospital, com janelas voltadas diretamente para as ruas que a contornam. Com relação à percepção da ergonomia dos usuários, a tabela 1, abaixo, mostra que 86,7% dos entrevistados declaram não ter dificuldade de locomover-se nessa enfermaria; enquanto 13,3% consideram que não conseguem locomover-se adequadamente. 56,7% dos entrevistados afirmam não ter nenhum tipo de dificuldade para subir e/ou descer do leito. Em relação ao conforto no leito, 56,7% declaram o leito confortável, já em relação ao tamanho do leito, 86,7% alegam ser adequado. 60% destes relatam que o banheiro é adaptado, acessível e seguro. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 13 Tabela 1: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria São Roque. Questões A tabela 2 mostra o porquê dos 40% dos entrevistados não considerarem o banheiro adaptado, acessível e seguro. Isto ocorre devido à falta de barras de apoio, piso escorregadio, altura do registro do chuveiro, sujeira, acento do vaso sanitário quebrado e ser pequeno. A amostra de trabalhadores foi de 15 pessoas. Observa-se que 53,3% dos entrevistados percebem o aumento de ruído no decorrer do hospital onde localiza-se a enfermaria em questão (ver tabela 3). O tempo de trabalho no hospital é diversificado, vai de 22 anos a 1 mês de trabalho. O barulho de obras foi o mais citado como ruído que aumentou com o tempo; alguns entrevistados ressaltaram também o ruído externo, como o trânsito, por exemplo. Nada é feito para minimizar o incômodo causado pelo ruído por 10 en- Tabela 2: Descrição da percepção dos banheiros pelos pacientes da enfermaria São Roque. tempo de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo, apenas 20% percebe que o ruído prejudica muito no desempenho de suas atividades, enquanto que 40% considera que em nada prejudica e 40% que pouco prejudica. 100% dos entrevistados disseram que não participam de nenhum programa preventivo para minimizar o incômodo com o ruído, apesar de 66,7% ter conhecimento do programa Saúde do Trabalhador, do 14 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 trevistados; outros disseram que fecham a porta e ligam o ar-condicionado; outros fecham as janelas e outros disseram não dar importância (ver tabela 4). II. Enfermaria Frei Caetano É uma enfermaria de clínica cirúrgica adulta e masculina; o tempo médio de permanência/ Tabela 3: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria São Roque. internação é de 28,5 dias. A enfermaria está localizada na parte interna do hospital, longe das vias públicas e é climatizada. Quando foi perguntado aos pacientes, sobre a dificuldade de locomover-se na enfermaria a resposta foi unânime, ou seja, 100% dos entrevistados afirmam não ter nenhuma dificuldade. 85% relatam não ter problemas de subir e descer do leito. Já em relação ao conforto no leito 90% o consideram confortável; já em relação ao tamanho do leito, 95% alegam ser ade- quado. 95% destes relatam que o banheiro é adaptado, acessível e seguro. Somente um dos entrevistados não considera o banheiro adaptado, acessível e seguro. Isto ocorre devido ao vaso sanitário ser muito baixo. A amostra de trabalhadores foi de 9 pessoas. Observa-se que 77,8% dos entrevistados percebem não haver aumento de ruído no decorrer do tempo de serviço na enfermaria. Quanto ao prejuízo, 77,8% percebem que o ruído pouco prejudica no desempenho de suas atividades. 100% dos entrevistados Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 15 Tabela 4: Descrição dos trabalhadores da São Roque sobre medidas de prevenção contra o incômodo que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital. Tabela 5: Descrição da percepção ergonômica de pacientes da Enfermaria Frei Caetano. disseram que não participam de nenhum programa preventivo para minimizar o incômodo com o ruído, apesar de 88,9% ter conhecimento do programa Saúde do Trabalhador, do hospital onde se localiza a enfermaria em questão (ver tabela 6). Barulho de obras e equipamentos tecnoló- 16 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 gicos foram citados por alguns entrevistados como os que mais aumentaram com o tempo. Fechar a porta e ligar o ar-condicionado, ignorar, habituar-se, afastar-se são algumas atitudes tomadas para minimizar o incômodo causado pelo ruído (ver tabela 7). Tabela 6: Percepção do incômodo que o ruído causa à saúde do trabalhador na Enfermaria Frei Caetano. Legendas: N / P / M : Nada / Pouco / Muito Tabela 7: Descrição dos trabalhadores da Frei Caetano sobre medidas de prevenção contra o incômodo que o barulho causa, e o aumento deste em relação ao tempo de trabalho no hospital Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 17 5 CONCLUSÕES Percebeu-se que, de acordo com aspectos ergonômicos na Enfermaria São Roque, mais da metade dos pacientes entrevistados relatam locomover-se adequadamente dentro da enfermaria, não ter dificuldade de subir e descer do leito; afirmam que o mesmo é confortável e apresenta um tamanho adequado, além de referir que o banheiro dessa enfermaria é adaptado, acessível e seguro. As condições ergonômicas da Enfermaria Frei Caetano são quase idênticas às da enfermaria citada acima, pois todos os pacientes relatam que se locomovem bem dentro da enfermaria, além do que, a maioria dos entrevistados afirma não apresentar dificuldade de subir e descer do leito, o acham confortável, com tamanho ideal e o banheiro adaptado, acessível e seguro. Esta opinião deve-se ao fato dos entrevistados compararem as enfermarias em questão com outros hospitais ligados ao Sistema Único de Saúde – SUS. Em relação à saúde do trabalhador, as respostas dadas pelos entrevistados da Enfermaria São Roque não foram a esperadas. Estimava-se que pelo fato da enfermaria não ser climatizada e ser localizada ao lado de uma rua com tráfego de veículos intenso a percepção em relação ao ruído seria maior, contudo 46,7% dos entrevistados disseram não perceber aumento do barulho com o tempo de serviço no hospital. Além disso, a maioria dos entrevistados afirmou que o barulho não prejudica ou pouco prejudica o seu desempenho no trabalho, sendo citado o barulho de obras e trânsito como os que mais aumentaram com o tempo. Enquanto que na Enfermaria Frei Caetano, que é climatizada e localizada na área interna do hospital, somente 22,2% dos entrevistados disseram que houve aumento do barulho e 77,8% 18 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 declararam que esse barulho pouco prejudica no desempenho de suas atividades. Os barulhos que mais aumentaram com o tempo, segundo alguns entrevistados, foi o de obras e, também, o de equipamentos tecnológicos. Vale ressaltar o fato de 100% dos entrevistados em ambas as enfermarias relatarem não participar de nenhum programa preventivo para minimizar o incômodo causado pelo ruído; para diminuir esse incômodo algumas medidas são adotadas, como fechar portas e janelas e ligar o ar-condicionado, não dar importância, ignorar, afastar-se. Apenas 33,3% na São Roque e 11,1% na Frei Caetano ressaltaram não conhecer o Programa Saúde do Trabalhador, do hospital, que seria um serviço voltado a preservar a qualidade de vida dos trabalhadores. Considera-se que os trabalhadores, provavelmente, já se acostumaram com o ruído presente nessas enfermarias, levando-se em consideração o fato da maioria deles trabalhar no hospital há mais de 2 anos. Pode-se concluir que o objeto de estudo dentro da ergonomia foi ressaltado com um bom grau de satisfação. Entretanto, em consideração à saúde do trabalhador, constatou-se que apenas pouco mais da metade dos entrevistados considera as enfermarias em questão com grau de satisfação bom, em relação ao ruído. A contribuição deste estudo para as áreas hospitalares é mostrar que o grau de satisfação de pacientes e trabalhadores pode afetar no processo de cura e no atendimento adequado ao paciente. A equipe hospitalar deve estar consciente do ruído e das intervenções ergonômicas e dos efeitos dos mesmos, para que possam atuar de maneira mais efetiva na redução do estresse, da irritação, da impaciência, da poluição sonora, e também de que um ambiente ergonomicamente adequado proporciona bem-estar. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS: NBR 10151-2002: Acústica – Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade – Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2000. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Presses Universitaires de France; Edições 70, 1977. NOGUEIRA, Diogo. Incorporação da saúde ocupacional à rede primária de saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, 1984. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://nev.incubadora.fapesp.br/portal/saude/saudedotrabalhador/frontpage.Acesso em: 11 set. 2009. PASTRE, Tatiana; FISCHER, Daniela; GUIMARÃES, Lia. Análise do grau de satisfação de usuários de uma cozinha hospitalar. Anais Abergo. Gramado, 2001. DIAS, E. C. Saúde no trabalho. Rocca: São Paulo, 2000. Disponível em: www.medicina.ufmg.br/ dmps/textos.htm. Acesso em: 31ago.2009. PICADA, Getúlio de Souza. Tópicos de Conforto Ambiental. Revista Tecnológica, UFSM, 1999 apud RIBEIRO, Rosemary Campos. Análise de conforto ambiental urbano aplicado à área central de Pedro Leopoldo. Belo Horizonte, 2002. DUL, WEERDMEESTER, Bernard. Ergonomia prática. 2.ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2004. LAVILLE, A. Ergonomia. EPU: São Paulo, 1977. MACHADO, Danielle. O grau de satisfação no trabalho é importante, pois serve como um “termômetro” do comportamento do trabalhador em relação à sua atividade. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais,16., 2008, Minas Gerais, 2008. SOUZA, Tonya; MORAES, Elcione; LOUREIRO, Raphaella; COSTA, Carolina. O ruído em espaço hospitalar: um estudo de caso na Santa Casa de Misericórdia do Pará. In: Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica.23, Salvador, 2010. WEISS, L.G. Patient satisfaction with primary medical care: evaluation of sociodemographic and predispositional factors. Med.Care, 1988. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 11-19, jun. 2010 19 20 Lato & Sensu, Belém, v. 10 n. 2, p. 87-93, maio, 2009 GÊNERO, MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS: o empoderamento de um grupo de mulheres a serviço do desenvolvimento de uma comunidade pobre de Belém/PA1 Lidiane Henriques Begot* RESUMO Este trabalho tem como tema central a participação de um grupo de mulheres no desenvolvimento de uma comunidade localizada em uma área de vulnerabilidade social de Belém, especificamente no bairro do Tapanã. Apresenta a discussão sobre o direito à qualidade de vida e meio ambiente ecologicamente equilibrado em uma micropopulação amazônica. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se resguardado no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e pode ser considerado um direito fundamental. Tal direito remete, entre outras questões, ao problema do planejamento das cidades e nele o saneamento básico. A construção de consciência ambiental e sobre a responsabilidade do Estado em oferecer serviços de saneamento resultou de um processo longo que perfilou um quadro de pró-atividade nesse grupo de mulheres. PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Meio Ambiente. Direitos Humanos. Desenvolvimento. 1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO À QUALIDADE DE VIDA O direito mostra-se como uma área do saber interdisciplinar, pois, enquanto ciência social aplicada, produz um conhecimento que, entre outras funções, proporciona a construção de mecanismos capazes de mediar situações de conflito originadas na relação entre os indivíduos. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 representa o instrumento jurídico mais importante no cenário político e social brasileiro, já que nela se encontram as garantias básicas dos indivíduos, e representa ainda o conjunto de leis máximas sob as quais os demais instrumentos jurídicos nacionais, como as Constituições estaduais, por exemplo, estão submetidos. As expressões “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, são aparentemente sinônimas, contudo, são conceitos distintos dentro das ciências jurídicas. Para melhor exemplificar, Canotilho (2003) define direitos do homem como direitos “válidos para todos os povos em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista)” (p.393). Nesse sentido, em uma perspectiva ampla e geral, os direitos humanos, de acordo com a dimensão jusnaturalista-universalista, são aqueles garantidos legalmente na ordem jurídica, válidos intemporalmente. Por outro lado, os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Ambos são da natureza do homem, daí seu caráter inviolá- *Discente do 4º semestre do curso de Direito (UNAMA; bolsista de Iniciação Científica. 1 Artigo orientado pela professora drª. Voyner Ravena Cañete. Lato & Sensu,Belém, Belém,v.v.11, 10n.n.1,2,p.p.21-27, 9-25, maio, 2009 Lato & Sensu, jun. 2010 21 vel. Os direitos fundamentais dos indivíduos são resguardados nesses instrumentos jurídicos, afirma Gilmar Mendes (2002). A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional, denota a intenção do constituinte de lhes emprestar significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em 77 incisos em dois parágrafos (artigo 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata, ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância (p.1). No texto em tela o autor mencionado revela a relação direta da gestão pública, de responsabilidade do Estado, com a garantia dos direitos mencionados no artigo 5º. Nesse cenário a segurança individual do cidadão estaria garantida. Todavia, essa não é a realidade social vivenciada pela população brasileira. Mas, ainda na busca de resguardar direitos fundamentais, estes se mostram diluídos em outros artigos da Constituição. Nesse sentido, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à sadia qualidade de vida, e dentro dela o saneamento, resguardado no artigo 225 pode ser visto como uma estratégia também de garantia de direitos fundamentais. O artigo em questão merece ser aqui retomado: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambien- 22 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 tal, a que se dará publicidade; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Dessa sorte, o artigo acima descrito parece dar continuidade ao texto proposto no artigo 50, especialmente porque garante, através das obrigações do Estado, direitos que também são fundamentais. Reforçando ainda a relação entre esses dois direitos é possível encontrar o que preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade (artigo I). Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (artigo II). Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (artigo III). Sabe-se, porém, que os direitos humanos refletem condições política, social, cultural e, no Brasil, muito há de ser feito para se atingir, se não a excelência, ao menos a existência de condições mínimas de segurança social. Essa questão remete mais uma vez ao poder público enquanto produtor, implementador e gestor de políticas públicas que façam valer os direitos dos milhões de habitantes que formam a sociedade brasileira, mas que vivem em situação de pouco ou nenhum conhecimento de seus direitos. Articulando direitos fundamentais e direitos humanos em cenário de pobreza, o trabalho de Fernanda Doz Costa (2008) permite vislumbrar relações importantes entre esses dois direitos. A autora faz uma classificação reveladora sobre essa temática em seu trabalho, no qual apresenta as seguintes teorias: (1) teorias que concebem a pobreza, por si só, como uma violação de direitos humanos; (2) teorias que definem a pobreza como uma violação de um direito humano específico, a saber, o direito a um nível de vida adequado ou o direito ao desenvolvimento; e (3) teorias que consideram a pobreza como causa ou consequência de violações de direitos humanos. Analisando as proposições da autora, é possível verificar que pessoas em uma situação de pobreza severa encontram-se violadas no que dispõe a carta dos Direitos Humanos, ou mesmo o que consta na Constituição Federal de 1988 sobre os direitos fundamentais. Dentre os direitos deixados para trás chama a atenção o direito da dignidade humana, no qual está implícita a necessidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para Milaré (2005), de acordo com o Princípio nº 10 da Declaração do Rio, de 1992, a melhor opção para se garantir e manter o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se refere ao envolvimento de todas as pessoas que estão ao redor deste. Ou seja, a alternativa seria levar a educação ambiental para todos os interessados nesta questão para que possam se fazer presentes perante a sociedade, reconhecendo seus direitos e deveres como cidadãos, assim possibilitando a todos o saber/consciência para utilizar de forma saudável o meio ambiente, a fim de que todos possam gozar do direito garantido no inciso VI do art. 225. O direito à participação pressupõe o direito de informação e está a ele intimamente liga- do. É que os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e ideias e de tomar parte efetiva nas decisões que lhes interessam diretamente (MILARÉ, 2005. p. 163). Por outro lado, corroborando o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se resguardado no artigo 225º da Constituição Federal de 1988 e pode ser considerado um direito fundamental. Nesse sentido, Santili (2005) aponta que: O meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida, é um direito humano fundamental. Embora não esteja arrojado no artigo 5º da Constituição entre os direitos e garantias fundamentais “explícitos”, a doutrina já reconhece o seu caráter fundamental, baseada em uma compreensão material do direito fundamental (p. 58). Na citação fica explícito que todos têm o direito à garantia, pelo poder público, de usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, um meio ambiente que garanta uma sadia qualidade de vida, com espaços limpos, redes de esgotos, coleta de lixo, de ter saneamento básico de forma geral, e não só para as gerações que estão agora presentes nestes ambientes, mas também às gerações que virão. Expressando esse direito a Constituição Federal de 1988 dispõe: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Tal direito remete, entre outras questões, ao problema do planejamento das cidades e nele o saneamento básico. Este pode ser compreenLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 23 dido como serviços relativos ao fornecimento de água potável, tratamento de esgoto, coleta de lixo e prevenção a qualquer tipo de agente patogênico, visando à saúde das comunidades. Está claro que o não cumprimento desse direito reflete a ausência de qualidade de vida da população afetada. Ampliando, ainda, a questão sobre direitos, é possível inferir que o descumprimento dessas garantias constitucionais remete à própria violação da dignidade humana, trazendo para a discussão o que preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2 COMUNIDADE BOM JESUS I A Região Metropolitana de Belém (RMB) tem uma população estimada em 1.500.000 habitantes, situando-se entre as 23 maiores aglomerações urbanas mundiais localizadas na faixa costeira (Unesco, 1998). Com isso, Belém cresce de forma desordenada, originando conflitos e desigualdades que são visíveis na fisionomia urbana. Ademais das consequências sociais, a ocupação desordenada causa impactos ambientais de dimensões consideráveis, principalmente em função do lançamento de esgoto e lixo doméstico nos rios e igarapés, transformandoos, com o passar do tempo, em canais e esgotos a céu aberto. O governo, de forma geral, corrobora com esse processo, uma vez que suas intervenções são baseadas em modelos externos de urbanização, não visualizando rios, lagos e igarapés como participantes do cenário urbano. Consequentemente, a riqueza hidrográfica que caracterizou o passado dos bairros centrais da cidade de Belém não existe mais, traduzindo-se em diversos corpos de água aterrados ou transformados em canais e depositários de esgoto. Esse cenário de contradição pode ser visualizado na Comunidade Bom Jesus I, localizada 24 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 entre os bairros do Tapanã e Pratinha, às margens do igarapé Mata Fome. Esta se encontra à margem da sociedade, de tal forma que se constitui como socialmente invisível, na medida em que vivencia a ausência de recursos e serviços urbanos básicos e fundamentais como segurança, saúde, educação, água encanada, esgoto, coleta de lixo, educação, saúde, lazer, entre outros, denotando um sério problema de justiça social. Tal cenário repercute diretamente na qualidade de vida dos moradores. A população, em grande parte vinda do interior do estado, inicialmente ocupou a área próxima ao igarapé, para a obtenção de alimentos como peixe, camarão e frutos das matas ciliares. Os dados elucidam essa afirmação. Tabela 1: Zona de origem da família residente. Origem Valor Absoluto % Rural 97 37.89 Urbana 159 62.11 Total 256 100% Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006. Os moradores construíram casas provisórias, e permaneciam tempos na cidade de Belém – geralmente em função da busca de serviços como educação ou saúde e o fazia sazonalmente, fixando-se posteriormente na área. Essa população retirou seu alimento do igarapé durante anos, no entanto, o adensamento da ocupação do entorno desse corpo d’água alterou profundamente a dinâmica ambiental e social que caracterizava o igarapé Mata Fome. As imagens expressam a situação de pobreza e ausência de um ambiente ecologicamente equilibrado na área da comunidade Bom Jesus I, às margens do igarapé. Uma comunidade onde mais de um terço de seus estudantes são beneficiários de políticas sociais evidencia um cenário de pobreza severo, o que revela a importância de projetos que enfoquem processos de empoderamento, tanto na esfera pessoal como social. Buscando trabalhar essa temática o Projeto IMF se instalou na área da comunidade Bom Jesus I. 3 ATIVIDADES DO PROJETO IMF E SEU IMPACTO NO GRUPO DE MULHERES Figura 1: Comunidade Bom Jesus I no igarapé Mata Fome. Figura 2: Casa na Comunidade Bom Jesus I sobre o igarapé Mata Fome O projeto de extensão da UNAMA denominado “O fazer virtuoso: geração de renda, empoderamento e consciência ambiental no igarapé Mata Fome, Belém/PA”, mais conhecido como Projeto Igarapé Mata Fome (IMF), já passou por várias fases, trabalhando em cada uma delas com agentes diferentes. Entre os anos 2002 e 2004, realizou palestras, acompanhamentos psicológicos e grupos de crescimento2 com a finalidade de reconstruir a autoestima, o empoderamento e maior valorização dessas mulheres, perante a comunidade e perante elas próprias. Desenvolveu, também, atividades e oficinas com o intuito de instruir o grupo de mulheres em processos de geração de renda. Dentre as oficinas mais importantes que ocorreram, a de papel reciclado teve destaque, no qual essas mulheres aprenderam a fazer desde o próprio papel reciclado até vários produtos como sacolas, álbuns de fotos, caixinhas etc. Como evidenciado nas imagens acima, a situação de pobreza e exclusão social marca o cotidiano dos moradores e, nesse sentido, os dados relativos às políticas sociais, como o Bolsa Família, reforçam a análise sobre o cenário apresentado. Tabela 2: Número de alunos que fazem parte do Bolsa Família. Figura 3: Produtos feitos com papel reciclado, pelo grupo de mulheres. Fonte: Acervo pessoal, 2007. Fonte: RAVENA-CAÑETE, 2006. 2 Técnicas da psicologia para intervenção em grupo. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 25 nomo de Água e esgoto de Belém (SAAEB), o grupo de mulheres que integra o projeto mostrou seu perfil pró-ativo. Assim, diante das dificuldades de garantir que o sistema implementado atendesse toda a área, o grupo de mulheres se organizou e estabeleceu uma interlocução direta com o poder público no tocante à questão do abastecimento de água. Foi essa ação que garantiu que toda a comunidade Bom Jesus I fosse contemplada com o sistema de abastecimento. Nenhum logradouro ficou fora do quadro de fornecimento de água. 4 CONCLUSÃO Figura 4: Produtos feitos com papel reciclado, pelo grupo de mulheres. As imagens acima revelam uma compreensão de estética capaz de atender um mercado consumidor consolidando, então, processos de geração de renda que podem ser estartados. A geração de renda promovida pelo projeto de extensão, a partir de oficinas, no entanto, mostra-se apenas como um dos objetivos das ações, sendo que processos de empoderamento que se traduzem em cidadania, ocupam o principal foco de intervenção. Nesse sentido, pensar em um meio ambiente ecologicamente equilibrado vem à cena como um direito fundamental e um objetivo de busca cidadã. As atividades do grupo de mulheres passaram a se perfilar. Inicialmente, através de palestras e atividades que apontavam a necessidade da garantia dos direitos da mulher, seguida da apresentação dos direitos fundamentais e, entre eles, aquele voltado para um ambiente ecologicamente equilibrado. Foi nesse cenário de compreensão de direitos que, no decorrer do processo de implementação do serviço de abastecimento de água na área, pelo Serviço Autô- 26 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 O cumprimento dos direitos fundamentais deveria ser garantido pelo Estado, segundo a Constituição Federal de 1988, o direto ao saneamento básico, como disposto no artigo 225, se enquadra nesse cenário. Poucas pesquisas foram realizadas no entorno da área do igarapé Mata Fome, localidade onde se encontra a comunidade foco deste artigo, e dentre as encontradas sobre a área poucas tiveram o objetivo de demonstrar qual a real situação do saneamento básico e da dignidade dessas pessoas que vivem nessa comunidade, articulando os instrumentos jurídicos relativos a essa temática e a realidade social vivida. Diante do descumprimento das garantias a um meio ambiente ecologicamente equilibrado qual a percepção dos moradores da comunidade estudada acerca do saneamento local em que vivem? O episódio de participação das mulheres na interlocução com o poder público, durante o processo de implementação do sistema de abastecimento de água na comunidade Bom Jesus I, mostra-se como uma resposta e um marco de empoderamento pessoal e social. Além de ter garantido um direito básico para os moradores da área, permaneceu na memória do grupo evidenciando processos de empoderamento e fomentando ações futuras. REFERÊNCIA BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contêm as emendas constitucionais posteriores. Brasília, DF: Senado, 1988. CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria Almeida, 2003. COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais. Sur, Rev. int. direitos human. [online]. 2008, v.5, n.9, p.88-119. ISSN 1806-6445. doi: 10.1590/S1806-64452008000200006. http://www.unama.br/extensao/programaAcaoComunitaria/fazerVirtuoso.html. Acesso em : 29 out. 2009. http://www.brasilia.unesco.org/noticias/opiniao/artigow/1998/artigowm. Acesso em: 29 out. 2009. MENDES, Ferreira Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, n.10, p.1-12, jan. 2002. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. RAVENA-CAÑETE, Voyner. A descrição do possível: a experiência de intervenção da UNAMA no igarapé Mata-Fome e o levantamento de dados socioeconômicos. Belém: Unama, 2006. http://www.unama.br/midias/comunicado/arquivo/2006/marco/dia06/noticias/not1006.html. Acesso em: 29 out.2009. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 21-27, jun. 2010 27 28 Lato & Sensu, Belém, v. 10, n. 2, p. 27-32, nov. 2009 AS TRAMAS ATUAIS DAS FIBRAS TÊXTEIS1 Janice Accioli Ramos Rodrigues* RESUMO Várias são as necessidades humanas e, dentre elas, está a de se vestir, a qual começou com roupas desconfortáveis e rudimentares e atualmente é realizada, através de várias opções que oferecem conforto, bem-estar e um acabamento impecável. Para chegar a esse ponto, contouse com a colaboração de pesquisadores de diversas áreas, além dos profissionais da moda, responsáveis pelo design dos modelos e de uma modelagem em prol de que as roupas se ajustem aos corpos de forma satisfatória. O presente artigo trata, justamente, de toda a evolução sofrida pela indústria têxtil chegando até os dias atuais, incluindo o que já se tem, tanto no tocante a avanços tecnológicos que proporcionam um melhor desempenho nas mais variadas atividades, quanto aos produtos confeccionados embasados no apelo sustentável, realidade bastante em voga. PALAVRAS-CHAVE: Fibras têxteis. Tecnologia. Sustentabilidade. Moda. 1 INTRODUÇÃO As fibras têxteis usadas para a confecção de tecidos, com o decorrer do tempo, passaram a ser dos mais variados tipos, estando o algodão como a que mais se destaca entre esses pelo seu uso contínuo até hoje. Houve, também, a evolução da manipulação das mesmas, ou seja, da técnica rudimentar para a utilização de máquinas altamente modernas. O mercado têxtil, por sua vez, obteve, nos últimos anos, um desempenho respeitoso no comércio mundial, os seus respectivos valores arrecadados também foram vultosos, algo que fez o mercado de Moda, por estar inserido neste contexto, tornar-se relevante para o Brasil, pois isto tudo representou um grande avanço na economia deste país. As fibras naturais e as químicas, bem como as novas fibras tecnológicas, são a grande sensação do momento, principalmente pelos inúmeros benefícios proporcionados pelo uso das peças confeccionadas com as mesmas. Os problemas ambientais provocados pelas indústrias têxteis, os quais consistem basicamente na poluição dos rios, por causa de seus resíduos, estão em constantes debates pela comunidade científica, a qual busca possíveis soluções para este caos, estando, então, as fibras * Especialista em Dir eito Civil pel a PUC/MG; bolsista de Iniciação Científica na área temática “Sócio economia da Amazônia” e acadêmica do 5º semestre do Curso de Bachar elado em Moda da Univer sidade da Amazônia (UNAMA). 1 Artigo realizado sob a orientação da professora Vera Lúcia Dias da Silva, Mestre em Engenharia Química na área de Materiais e Processos, professora da UNAMA e IFET-PA. Lato & Sensu, Lato &Belém, Sensu, v. Belém, 10, n.v. 2,11, p. 27-32, n. 1, p.nov. 29-37, 2009 jun. 2010 29 têxteis sustentáveis, associadas aos corantes naturais como uma possível solução por causarem menos danos ao meio ambiente. 2 LINHAS GERAIS SOBRE AS FIBRAS E A INDÚSTRIA TÊXTIL 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA O homem, desde os primórdios da humanidade, tem a necessidade de se cobrir e um dos grandes exemplos disso encontra-se na Bíblia quando Adão, após a ingestão do fruto proibido, adquire a consciência de que está nu e imediatamente cose para si um traje feito de folhas de figueira 2. Além desse material, utilizavam-se peles de animais, inicialmente com alguns buracos para a adaptação no corpo, e, mais adiante, passou-se a manipular tais materiais de outras formas, transformando-os em outros elementos do vestuário, e descobriram-se novos; o linho e o algodão, de origem vegetal, foram os primeiros a ser transformados em fio e o consequente entrelaçamento perpendicular, o que acabou gerando um tecido3. É importante ressaltar que, quanto ao algodão, o mesmo “é usado como fibra têxtil há mais de 7000 anos, podendo dizer-se que está ligado à origem mais remota do vestuário e à evolução dos artigos têxteis” (ALVES; FANGUEIRO; RAPHAELLI, 2006, p.3). No mundo antigo, representou um importante papel cultural e econômico. Outros elementos como a lã e a seda, de origem animal, também são bastante antigos, ou seja, o comércio da primeira existe, pelo menos, desde 4000 a.C., e a segunda começou a ser cultivada em 2640 a.C4. 2 3 4 Bíbli a, Gênesis 3: 7. Disponível em: http:// w w w. ch r i s ti a ni s ra e l . c om /s p ea k i n g bi b l e / po r t u g u e se / B01C003.htm Disponível em: http://www.eb23-gervide.rcts.pt/evt/ textei s.htm Disponível em: http://www.citeve.pt/html-cache/ w r i t e d o c __ q 1 i d _o b j _ — _3 D 2 4 2 52 2 9 _ _ —_ 3 D _ i dc 0 _ — _3D64__—_3D_idc1_—_3D35__—_3D_i dc2_—_3D0__— _3D_l_—_3DPT__q20__q30__q41__q5.htm 30 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 Naquilo que diz respeito à maneira de manipular as matérias-primas integrantes de cada segmento da cadeia têxtil, é importante destacar o valor da Revolução Industrial nesse processo, a qual tinha uma ligação muito forte com a indústria têxtil, pelo fato de ter sido o seu motor propulsor, como frisa Safiotti (1981). Pois antes desse fato acontecer, a tecedura era feita manualmente e depois passou a ser encargo das máquinas, o que facilitou a vida das pessoas, tanto na produção, como na comercialização dos produtos e consequente lucratividade, o que era reforçado pela mão de obra barata e pelas extensas horas de trabalho diário. Outra mudança, que veio durante o caminhar da evolução têxtil, foi o aprimoramento do processo da confecção das estampas, as quais passaram a ser feitas através de métodos mecanizados e também houve o surgimento de fibras sintéticas que demandavam menos mão de obra e menor espaço do que os destinados para a manipulação das fibras naturais. Enfim, os avanços foram cada vez maiores, principalmente no que diz respeito à tecnologia, com o uso do computador, o corte dos tecidos a laser, máquinas para bordar em tecidos com extrema delicadeza e a utilização, pela alfaiataria de fábrica, “de máquinas que fazem pontos de costura semelhantes aos feitos à mão”, como diz Monteiro (2010, p. 1). Isso tudo mostra que há facetas da tecelagem tão perfeitas que são consideradas verdadeiras obras de arte e, assim, bem-vindas ao ser aplicadas no mundo da moda, como afirma Chataignier (2006). 3 MERCADO TÊXTIL 3.1 DADOS MUNDIAIS E NACIONAIS No contexto mundial, o mercado têxtil é um dos que mais movimenta recursos, em todos os seus setores. Os dados apontam que em 2006, o comércio internacional de têxteis e ves- tuário o obteve o faturamento de US$ 530 bilhões, divididos em US$ 218,6 bilhões para os têxteis e 311,4 bilhões para as confecções. A China obteve a classificação de maior produtor mundial têxtil (43,4%), vindo logo após os Estados Unidos (7,9%) e; na indústria de confecções, a China também obteve o primeiro lugar (43,5%) e a Índia o 2º (6,3%)5. Em relação ao Brasil, segundo informações da ABIT6, este país faturou US$ 34,6 bilhões, o que implica dizer que houve um crescimento de 4,85% em relação a 2006, quando foram registrados US$ 33 bilhões. Quanto às exportações brasileiras, os valores circulam na casa dos US$ 2,4 bilhões e as importações em US$ 3,0 bilhões. O número de trabalhadores desta indústria perfaz o valor de 1,65 milhão de empregados, sendo a quantidade de mulheres 75% desse total, sendo o segundo maior empregador na indústria de transformação, possuindo 30 mil empresas no ramo de confecções; todos esses dados o colocam como sexto maior produtor têxtil e de confecções e o segundo maior produtor de deni7 do mundo, sendo que isso tudo representa 17,5% do PIB da indústria de transformação e aproximadamente 3,5 % do PIB brasileiro8. É importante ressaltar que, de acordo com o friso de Silveira (2010, p. 1) “a região Sul concentra 86% do volume da produção nacional de moda, junto com o Sudeste”, o que significa que a indústria de confecções tem o seu maior êxito nessas regiões. As tabelas 1 e 2 mostram como ocorre a movimentação dos recursos têxteis e de confecção no contexto brasileiro, respectivamente: No tocante às fibras no Brasil, a matériaprima de maior destaque é o algodão, por ser a 5 Disponível em: <http://www.investinfo.com.br/AbrilExame/ Sinopse.aspx?codSubSetor=074>. 6 Associação Brasi leira da Indústria Têxtil e Confecção. Disponível em: www.abit.org.br. 7 Denim é a matéria-prima utilizada para a fabricação do jeans. Disponível em: http://www.por taisdamoda.com.br/ glossario-moda~tecido+denim.htm. 8 Disponível em: <http://www.comunidademoda.com.br/modae-mercado-%E2%80%93-o-mercado-da-moda.html>. mais utilizada, em detrimento da lã, seda, linho, dentre outras. Massuda (2005, p.66) mostra que o centro de produção algodoero do Brasil está localizado na região Centro-Oeste, posto antes ocupado pelo Paraná, sendo que a primeira região valeu-se de “utilização intensiva de tecnologia para alcançar maior produtividade, especialmente na colheita mecânica”. 3.2 MERCADO DE MODA Um dos grandes motivos pelos quais o Brasil obteve um grande crescimento no mercado têxtil foi pela moda, o que, por sua vez, deve-se aos investimentos, os quais estão situados na casa de US$ 1 bilhão/ano, em tecnologia, educação, principalmente no que diz respeito aos cursos de moda, aos estilistas talentosos que já existiam e os que vêm surgindo e aos mais de 50 eventos também de moda existentes em várias capitais como o São Paulo Fashion Week e a Semana de Moda / Casa de Criadores, ambos em São Paulo, Fashion Rio, Dragão Fashion em Fortaleza, Colóquio de Moda etc., de acordo com Quadros (2010). Outro ponto importante dentro do contexto citado foi a criação da Associação Brasileira de Estilistas (ABEST)9, em 2003, com o intuito de tornar forte e fazer a promoção da indústria de moda/design do Brasil, ao propiciar que as marcas alcançassem o âmbito internacional, através de suas peças criativas e autênticas, divulgando tais informações, além do próprio estilo de vida do brasileiro. Essa associação sem fins lucrativos iniciou os seus trabalhos com cinco estilistas e nos dias atuais conta com 33 associados que vendem seus produtos para 38 países, sendo que a cada ano, abarca mais criadores brasileiros. Um índice importante quanto ao mercado de moda é aquele mostrado na pesquisa feita pelo IBGE10 sobre produção física, na qual 9 10 Disponível em: http://www.abest.com.br /2009/ abest.php?lang=pt Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.nepci.ufam.edu.br/ibge.htm>. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 31 a produção do vestuário saiu de 5,11% negativos e cresceu 4,53% positivos até o ano de 2007, assim como a produção têxtil que saiu de 1,54% negativo, em 2006, e passou para 1,54% positivo também em 2007; esses números poderiam ser maiores, visto que o mercado fashion nacional tem um potencial elevado, mas ainda não possuem as mesmas condições que o mercado internacional para competir com paridade,, principalmente quanto a tecnologia avançada, e também não incluem o mercado informal e o ilegal, os quais também possuem valores significativos 11. mente, ainda o é, sendo que o linho é considerado como a fibra menos agressiva ao meio ambiente, por necessitar de menos pesticida e fertilizante, e possui qualidades importantes como a leveza e a resistência. O algodão, por sua vez, também é utilizado desde muito tempo, e é considerada a fibra mais popular e utilizada de todas, principalmente por sua resistência ao uso, toque agradável e ser biodegradável, porém é uma planta que possui uma cultura delicada e sujeita extremamente a pragas, necessitando de uma grande quantidade de herbicidas e fungicidas. 4 CLASSIFICAÇÃO DAS FIBRAS TÊXTEIS 4.2 FIBRAS QUÍMICAS OU NÃO NATURAIS As fibras têxteis podem ser classificadas em dois grupos, os quais abrangem uma imensa variedade. São fibras produzidas por processos industriais e dividem-se em dois grupos: 4.1 FIBRAS NATURAIS Como o próprio nome já dá a entender, são fibras oriundas da natureza. São agrupadas em três tipos, pelos dizeres de Chataignier (2006): a) Fibras vegetais: semente - algodão, sumaúma/ caule - linho, cânhamo, juta, rami/ folha – sisal, carnaúba, buriti/ fruto – cairo, coco etc. b) Fibras animais: secreção glandular – seda/ pelos - lã, coelho, angorá, cashmere, mohair, lhama, alpaca etc. c) Fibras minerais: amianto. Dentre as fibras que foram citadas, “o linho foi a primeira fibra têxtil conhecida e traços de sua utilização remontam a 8.000 anos a.c.” (GOMES, 2009, p. 2). Seu uso era bem diversificado, ou seja, em vestimentas, tecidos funerários, velas para bancos e cordas e, atual- 11 http://www.comunidademoda.com.br/moda-e-mer cado%E2%80%93-o-mercado-da-moda.html 32 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 12 a) Artificiais - São polímeros naturais transformados pela ação de agentes químicos, sendo que os tecidos obtidos, por meio destas fibras, de acordo com Sabino (2007, p. 264), “costumam ser absorventes e confortáveis”. Exemplos: celulose, acetato, derivadas da celulose, raiom, viscose e triacetato. b) Sintética - São polímeros obtidos por síntese química, os quais inserem nos tecidos fabricados, a partir das mesmas, leveza, fácil lavagem e tingimento, rápida secagem e boa resistência. Exemplos: poliamida, poliéster, poliuretano, acrílicas, polipropileno e Alya Eco, este último consistindo na combinação entre poliéster originário da garrafa pet mais algodão ou viscose. Um destaque que pode ser dado, dentro do contexto acima, é para o poliéster, o qual é considerado “a fibra química mais barata”, algo que o torna mais utilizado do que as outras 12 Disponível em: http://www.troficolor.pt/img_upload/ 02_Fibras%20Texteis.pdf fibras sintéticas, como diz Oliveira (2010, p.1). Outro ponto é o fato de que a indústria das fibras químicas vêm crescendo graças aos investimentos crescentes em produtividade e capacitação tecnológica, o que dá aos seus produtos excelente qualidade. 4.3 AS NOVAS FIBRAS TECNOLÓGICAS Não é de hoje que as pesquisas em torno da descoberta de novas fibras químicas são feitas. Segundo Chataignier (2006, p. 112), esses estudos datam desde 1869, “Quando foi criado o fio sintético de acetato de celulose”. Daí por diante, o interesse no assunto não parou mais, principalmente depois de grandes sucessos como a primeira fibra sintética a existir, ou seja, a poliamida, criada pela Dupont em 1935, como ensina Lange (2005). A microfibra, por sua vez, foi lançada pela Rhodia no Brasil, em 1992, sendo a mesma considerada como o primeiro tecido inteligente, visto que reunia praticidade, conforto e beleza em um só produto, algo que fez este tecido se tornar-se popular entre as mulheres do mundo todo. O avanço da tecnologia acabou revelando a habilidade conseguida para misturar fios naturais e artificiais, resultando, assim, nos tecidos inteligentes, como ressalta Carmello (2009). Atualmente, no mercado, podem ser encontrados os tecidos que respiram e controlam a transpiração humana como o dry-feet, petdry, tactel, suplex, este último com aparência semelhante à do algodão, os compostos de 100% algodão que, com certas lavagens químicas tornaram-se livres de vincos ou amassados, tecidos com efeito anticelulite e hidratante, como o caso da lycra aplicadas em lingeries, couros com formação sintética (fakes), vegetais (composição envolvendo látex) e lycra e fibras sustentáveis que vão da malha de algodão ao jeans envolvendo o pet e ou- tros materiais na sua composição, os quais serão abordados mais adiante 13. A Rhodia foi o primeiro fabricante de “um fio de poliamida 6.6, com efeito bacteriostático, denominado Biotech, que controla a proliferação de bactérias no artigo têxtil” (GOMES, 2009, p. 26). Já na linha esportiva, ela fabricou o fio Emana, o qual possui em seu DNA cristais ativos que prometem melhorar o processo de circulação sanguínea, além do chamado Compression Control, o qual ajuda no desempenho do atleta, por causa da compressão muscular; o Acquos, próprio para natação, proporcionando conforto térmico e secagem rápida do tecido; o X-Bio com proteção solar e grande elasticidade Sportiva Pro, que adere ao corpo e evita câimbras, assim como outros males circulatórios e o Tencel, o qual é uma fibra natural celulósica, sendo bastante prática e agradável, dentre outros. Diante de tantas inovações, o que se observa é que todas as fibras citadas têm o objetivo de melhorar a vida do homem nos mais diversos momentos. Porém, em contrapartida, pela quase miraculosidade das propriedades destas novas fibras, os custos altos de fabricação são altos, só havendo retorno financeiro quando são comprados em grande quantidade pelos clientes, tanto que “só são vendidos para confecções no mínimo de médio a grande porte” (CHATAIGNIER, 2006, p. 117). De acordo com a mentalidade sustentável dos dias atuais, a qual não abarca apenas os tecidos ecológicos, há o dever de se fabricar todos materiais dentro de um processo que não agrida o meio ambiente, a saúde das pessoas e seja comprovadamente assim, através da aferição aos mesmos de certificação como o Oekotex14. É importante ressaltar, também, o papel da nanotecnologia, a qual tem proporcionado o surgimento de fibras cada vez menores, que ajudam, assim, no entrelaçamento de vários materiais com inúmeras utilidades e possibilitam a fabricação de tecidos cada vez melhores. 13 14 As fibras têxteis sustentáveis, p. 12. Di sponível em: http://ww w.oeko-tex.com/ OekoTex100_Public/index.asp?cls=09 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 33 5 OS IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DO DESCARTE DE EFLUENTES TÊXTEIS E AS ALTERNATIVAS PARA QUE ISSO SEJA EVITADO Apesar do que já existe para evitar a degradação da terra, a fabricação de tecidos é preocupante, visto que os dejetos oriundos desse processo, além de ser abundantes, são difíceis de ser destruídos, algo que ainda piora se não sofrerem uma dinâmica própria para isso, pelo friso Antoniali, Oliveira e Vidal (2010), dinâmica esta que consiste em tratamentos químicos, físicos e biológicos, sendo estes últimos dos mais eficientes e naturais, sem agredir o meio ambiente, pois não são utilizadas substâncias químicas nos seus procedimentos, sendo um exemplo disso o fungo basidiomicete da podridão branca (white-rot fungi), o qual, além de degradar os resíduos têxteis, recupera a área em que está atuando, de acordo com Souza e Rosado (2009). Quando os tratamentos citados não são aplicados, há a contaminação das águas nas proximidades das fábricas, podendo provocar a morte da flora e fauna aquáticas, sendo que alguns corantes podem ser carcinogênicos15 e/ou mutagênicos, pondo, assim em risco a vida e a saúde do homem. Além dos danos materiais que podem ser provocados pelos efluentes têxteis, há a questão dos volumes de água e energia elétrica que são gastos nas indústrias têxteis, os quais são vultosos, como no caso do algodão, pois “para a produção de 1 kg do mesmo são utilizados 8 mil litros de água e de 15 a 20 kwh de energia” (GOMES, 2009, p. 17). A quantidade maciça de produtos químicos empregados na fabricação e beneficiamento das matérias-primas e, consequentemente, dos próprios produtos têxteis, dentre os quais também figura o algodão, pois são utilizados 25% de todo o inseticida do planeta no cultivo dessa semente, são situações que contribuem para a extinção dos recursos naturais e da própria vida na terra. 15 Provocam alterações no DNA e até câncer. Disponível em: http://vsites.unb.br/fs/ccb/onco.htm 34 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 Para combater a problemática acima, muitas medidas já têm sido tomadas, seja por parte dos governos, através da demarcação de áreas de preservação ambiental e padrões estabelecidos para a emissão de poluentes, dentre outros, seja por parte dos próprios industriais com o emprego da tecnologia na criação de “equipamentos sofisticados antipoluição” (MELLO, 2000, p. 4), bem como investimentos em processos que propiciam o reaproveitamento da água, para que se siga um padrão sustentável na área industrial, como no caso da coagulação e absorção, os quais se utilizam de materiais como “carvão ativado da casca do coco e serragem” (QUADROS, 2005, p.16). Os pesquisadores das mais diversas áreas também estão envolvidos na busca de alternativas para contribuir com isso, a exemplo da produção mais limpa (P+L), parâmetro que deve ser adotado pelas indústrias, o qual consiste, primeiramente, na otimização dos processos têxteis, provocando a melhoria do seu desempenho e, posteriormente, na reutilização e reciclagem dos resíduos. Além disso, a própria educação ambiental já tem sido promovida por algumas escolas, o que poderá a vir influenciar no comportamento do aluno quando adulto e futuro gestor ou proprietário de uma indústria têxtil, pois lhe fornece uma nova forma de encarar a natureza, principalmente por que independente da função que ocupe, sempre será um cidadão. Neste mesmo sentido, ou seja, quanto à mudança de mentalidade, estão as articulações feitas pelas ONGs, pois o fazem tanto no tocante aos cidadãos, com campanhas a favor da sustentabilidade, quanto à exigência de padrões industriais os quais respeitem o meio ambiente, a exemplo da CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável)16 e a ECOAR17. Há também o uso de materiais recicláveis, reaproveitamento de partes de elementos naturais, como casca de árvores, sementes, caules etc. e mistura de fibras naturais 16 17 Disponível em: http://www.cebds.org.br/cebds/ Disponível em: http://www.ecoar.org.br/ com fibras extraídas dos mais diversos elementos, como as de garrafa pet, dentre outros, tudo isso enquadrado na categoria das chamadas fibras sustentáveis ou ecologicamente corretas. 6 AS FIBRAS TÊXTEIS SUSTENTÁVEIS Atualmente, a melhor forma de demonstrar que se está aderindo a um padrão sustentável de produção é fabricar produtos que contenham na sua composição “fibras recicladas ou tecnologias mais limpas” como diz Lange (2005, p. 25), significado que pode ser dado à denominação “fibras têxteis sustentáveis”. Já podem ser encontrados vários exemplos desse tipo de fibra, como no caso dos algodões coloridos, nas cores verde, marrom e tons avermelhados, produzidos pelo Embrapa. Além disso, fibras como a do milho já estão sendo utilizadas na fabricação de tecidos, assim como a da bananeira, pela marca australiana masculina AussieBum em cuecas; essa peça é composta de 27% com o material proveniente das bananeiras, sendo o restante algodão orgânico (64%) e lycra (9%). Outros exemplos, na mesma linha, são o algodão orgânico puro, cultivado sem o uso de pesticidas, fertilizantes químicos e reguladores do crescimento, ao contrário do algodão comum18, o qual foi introduzido no mercado na década de 80, pela grife Patagônia, “quando o mesmo ainda era novidade” (ADEODATO; MARQUES, 2009, p. 56) e, como se percebe, está cada vez mais sendo utilizado na indústria têxtil, do vestuário a roupas de cama19; O bambu, o qual pode reproduzir-se em abundância sem pesticidas e fertilizantes, sendo sua fibra naturalmente antibactericida, biodegradável e extremamente macia, se adequando às distintas estações do ano20, estando, po- rém, essa fibra, sob a observação de alguns estudiosos, que têm suas ressalvas quanto à veracidade do título de “ecologicamente correta” dada a ela21. As misturas entre PVC reciclado e látex natural para acessórios e detalhes em roupas, fibras de juta, couro de peixes e tecidos orgânicos encontrados na grife Osklen, também fazem parte do contexto sustentável, as quais são pesquisadas, descobertas e experimentadas no instituto –e, ONG vinculados à marca em questão. Há também a junção entre algodão orgânico e tecidos feitos de algodão tradicional, mais a fibra extraída da garrafa pet, sendo esta aplicada em camisetas, como no caso das marcas Hering e PUC, destacando a primeira que também recicla retalhos de malha e os transforma em novos tecidos, transformação essa que manipula os fios sem utilizar água nem processos químicos22 e só o algodão comum mais a fibra extraída de oito garrafas pet, combinação empregada na já conhecida “malha pet” e agora pela empresa Nike na nova camisa da Seleção brasileira de futebol. 23 As fibras celulósicas extraídas da faia, empregadas no Modal, que é um tipo de microfibra que confere “maciez, conforto e alto poder de absorção do suor às malhas” (SABINO, 2007, p.448), a qual é utilizada, dentre outras coisas, em roupas de baixo e as fibras naturais produzidas de modo biológico, como o algodão e a lã24, são integrantes da moda sustentável. Um material bastante interessante é a juta, planta cultivada na Amazônia, a qual tem tido vários usos, dentre eles, o EcoVogt, um tecido 100% ecológico e orgânico, fabricado pela Companhia Têxtil de Castanhal e é utilizado na confecção de camisetas, ecobags etc. Esse tecido é inteiramente ecológico, visto que na hora do tin21 18 19 20 Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/ noticias?iNoticia=218# Disponível em: http://area3.updateordie.com/author/ dguerreiro/ Disponível em: http://www.tabloidealternativo.com.br/ noticias?iNoticia=218# Disponível8em:http://www.bambubrasileiro.com/arquivos/ A%20fraude%20das%20falsas%20fibras%20texteis%20de%20bambu%20%20Hans%20Kleine.pdf. 22 Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9 23 Disponível em: http://www.ecotece.org.br/blog/?cat=9 24 Disponível em: http://www.consumoresponsavel.com/wpcontent/rncr_fichas/RNCR_Ficha_D5_2.pdf Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 29-37, jun. 2010 35 gimento são empregados fixadores e amaciantes extraídos de plantas nativas brasileiras como o açafrão, pau-brasil, urucum, entre outras, que compõem a cartela de 12 cores25. Um outro exemplo da utilização da juta é sua associação com o algodão mais a fibra de garrafa pet para criar o primeiro tênis 100% ecológico, da marca Naturezza, integrante do grupo Via Uno26. O curauá, também uma fibra de origem amazônica, é utilizada pela grife paraense Manufatura, segundo Maia e Rocha (2007), em peças como vestidos, blusas etc. e o tururi, fibra extraída do ubuçu, a qual, pode ser tingida e ter diferentes texturas, além de ser empregada na confecção de bolsas, como vendo fazendo Rosa Leal, com grife de mesmo nome, também do estado do Pará, mostrando que a Região Amazônica é rica em substratos de cunho sustentável, os quais são úteis à industria têxtil nos moldes atuais. Por fim, pode ser citada a soja, que pode ser pura ou associada ao algodão, lã, seda, viscose, dentre outros, a qual está sendo considerada como a fibra verde do novo século, devido seu tratamento não ser tóxico, ter as propriedades das fibras sintéticas, ser confortável e de fácil manutenção, como ressaltam Alves, Raphaelli e Fangueiro (2006). 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Vê-se que houve um avanço extremo em relação às origens das fibras têxteis até o está- gio atual, principalmente no que diz respeito à tecnologia para manipulação dessas fibras, estágio no qual muito tem se falado em sustentabilidade, porém os investimentos ainda são poucos no tocante aos produtos, se comprados ao comércio dos não sustentáveis, e na própria conscientização das pessoas para seu consumo. Os exemplos que foram dados acima, no tocante ao que já está sendo feito no contexto têxtil para a contribuição à uma qualidade de vida, certamente dispendem muitos recursos financeiros em sua feitura, porém se não forem produzidos, não serão conhecidos pelas pessoas e, assim, não poderão, um dia, ficar mais baratos, vindo a se tornar comum o uso. Um outro fator importante é que, depois de já se ter a consciência ambiental, deve-se avaliar se os produtos existentes são totalmente sustentáveis, visto que se neles vierem corantes artificiais, seu valor como ecologicamente corretos será perdido, pois é sabido que essas tinturas oferecem grandes riscos à natureza. Finalmente, a consciência individual, em meio às dificuldades da vida urbana moderna, deve falar mais alto, ou seja, no ato de se vestir, o melhor a ser feito é que se privilegiem as roupas que, além de modelagem mais confortável, tragam em sua composição os tecidos inteligentes ou os ecológicos, pois o bem-estar pessoal, que inclui a felicidade e a saúde, fundamental para uma vida longa e sustentável. REFERÊNCIAS ADEODATO, Sérgio; MARQUES, Dimas. Moda consciente. Revista Horizonte Geográfico, São Paulo: Horizonte, n.121, v.21, p. 55-62, 2009. ALVES, Gabriela Jobim da Silva; FANGUEIRO, Raul; RAPHAELLI, Nathália. Desenvolvimento sustentável na indústria têxtil: estudo de propriedade e características de malhas produzidas com fios biodegradáveis. Anais do XXII Congresso Nacional de Técnicos têxteis e VIII Fenatêxtil. 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Almeja-se com este ensaio, refletir sobre a importância de uma política linguística que proporcione ao graduando uma prática docente menos arbitrária e, ao mesmo tempo, mais atenta com o compromisso de descrever a língua da forma que realmente é empregada em determinados contextos comunicativos. Visto que, é fundamentalmente necessário que discussões aflorem neste panorama para que possamos construir um ambiente escolar mais democrático e menos segregador. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Aprendizagem. Complemento Verbal. Pronome Oblíquo Átono. Política Linguística. 1 INTRODUÇÃO Trabalhar com questões que envolvem língua e sociedade é muito mais do que relacionar regras e conceitos tradicionais. Em muitas escolas ainda encontramos “professores” que visam o ensino de língua portuguesa relacionado com verdades absolutas e pré-moldadas, e dentro deste padrão, continuam repassando alguns conceitos que não condizem com a situação linguística atual do português brasileiro. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (2007), da área de códigos e linguagens, o ensino de língua portuguesa precisa estar pautado no objetivo de desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística e ativar no educando seu papel efetivo de leitor dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Entretanto, como desenvolver essas práticas se muitos professores ainda pensam que discutir sobre língua é ensinar gramática normativa?; Se os julgamentos de certo ou errado ainda são presentes no ensino de língua Portuguesa? Com o intuito de diagnosticar a prática do professor em sala de aula e, ao mesmo tempo, problematizar discussões sobre o ensino da língua materna, este estudo se insere no seguinte panorama: analisar como o professor está adaptando o livro didático em sua prática docente, em especial, de que maneira o professor trabalha os * Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura; graduado em Letras e ex-monitor da disciplina Fundamentos de Linguística e Aspectos Fonéticos e Fonológicos (UNAMA). 1 Artigo elaborado sob supervisão da Professora Dr a. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva e orientação do Professora Ms. Antonio Hilton da Silva Bastos. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 39 casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal e a ocorrência de pronomes oblíquos átonos. Assim, poderemos visualizar como as escolas estão tentando dialogar com os fenômenos linguísticos que já fazem parte da tradição social de nossa língua materna devidamente cristalizados em seu uso, inclusive pelos próprios professores no seu cotidiano e também em sala de aula e que por algum motivo, ainda não constam na maioria dos livros didáticos. Vale ressaltar que o enfoque desta investigação não é o de criticar como o professor vem ensinando seus alunos, mas de proporcionar uma atividade interativa de reflexão e debate em torno de temas que colocam em pauta a relação de manifestações linguísticas com a verdadeira realidade dos alunos, no contexto da escola regular. Afinal, mudanças significativas podem ocorrer, se a dimensão da formação do cidadão/aluno e professor/educador for mais ampla e, de fato, trabalhada em uma situação que oportunize medidas curriculares eficientes para a construção do saber de ambos os indivíduos. Pois a instituição escola, como um todo, começaria agir pautada na presença de cenários diversos, onde há necessidade de assumir algumas peculiaridades. Revitalizar saberes e indagações também faz parte do perfil de uma boa instituição. Isto posto, é preciso en- para uma política linguística, verdadeiramente, inclusiva e não dogmática. 2 OS USOS EFETIVOS DA LÍNGUA 2.1 PERÍODO DE OBSERVAÇÃO Na busca de vivenciar de perto como alguns professores estavam trabalhando os casos de emprego de ele(s) / ela(s) como complemento verbal e a ocorrência de pronomes oblíquos átonos, passamos dois meses (agosto a outubro de 2009) em uma escola da rede particular de ensino, da cidade de Belém, observando a rotina da escola, os alunos e o desempenho dos professores em sala de aula. Contribuíram com o corpos da pesquisa dois professores de língua portuguesa, onde adotamos como critério inicial que lecionassem a mesma disciplina, só que em níveis diferentes, e que tivessem de forma equivalente o mesmo período de atuação na docência. Como pode ser observado na tabela 1: 2.2 ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE Para uma catalogação mais didática, resolvemos mostrar os exemplos que os sujeitos S1F e S2H trabalharam em sala de aula, quando fo- Tabela 1: Caracterização dos professores Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009. tender que a escola deve avançar nas questões que envolvem reformulação curricular, formação continuada de professores, preconceito lingüístico, no sentido de reafirmar ações consistentes 40 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 ram explicar aos alunos os casos de ele(s) ela(s) como complemento verbal e a ocorrência de pronomes oblíquos átonos. Como mostram as tabelas 2 e 3: Tabela 2: S1F / Ensino Fundamental Segundo Ciclo Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009. Tabela 3: S2H/ Ensino Médio Fonte: Pesquisa de campo agosto a outubro de 2009. O primeiro fator que nos chamou atenção foi o fato de que, apesar do nível de aprendizagem ser diferente, as explicações sobre os assuntos são muito parecidas. Ambos os professores trabalham a língua Portuguesa em um ambiente desconectado com a realidade linguística do educando, ou seja, utilizam frases soltas, fora de um contexto, para tentar fazer com que o aluno “apreenda” o assunto2. Logo, nota-se a concepção de ensino que prevalece nesta escola e a visão deturpada, reduzida e falseada com que os professores tratam o português brasileiro. Não custa nada lembrar que o ensino de uma determinada nomenclatura gramatical, não 2 Em 1973, Wanderley Geraldi, em seu atualíssimo trabalho: As sete pragas do ensino de português, já nos ensinava essas questões. Vale a pena, e muito, ler o artigo. In: O txto na sala de aula. reconhece de fato que o usuário da língua consiga dominar o sistema por completo. Segundo Antunes (2007, p.54), a abordagem simplista que basta saber gramática para falar, ler e escrever bem fundam-se na estreita daquele primeiro equívoco: o de que gramática normativa equivale à língua. Desta maneira, a concentração dos programas pedagógicos em questões puramente gramaticais e o “clamor” dos pais junto às escolas para que essas deem aulas de gramática – passem exercícios – só se justificam pela crença de que o conhecimento da gramática basta. Em outras palavras, é mais do que necessário refletir acerca do que consiste a aula de língua portuguesa. Afinal, a gramática sozinha é absolutamente insuficiente. É importantíssimo ressaltar, que o problema não é ensinar norma padrão (aquela que detém o maior prestígio), até porque o aluno precisa ter Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 41 um maior contato com esta variante, mas não se pode atribuir ao ensino desta vertente regras que reduzem o universo linguístico e as possíveis maneiras de interação verbal que a língua possui. Destarte, não podemos considerar como “incorreta” uma variação do tipo – O moço da farmácia, Ana viu ele quando a moça assistia ao jogo, como mostrado na explanação do sujeito S2H. Pois esta mesma construção está presente em vários contextos de escrita e na fala de diversas comunidades, assim, a variante considerando Ele como objeto direto já é um dado real no português brasileiro, sendo, inclusive, constatado em jornais, revistas. Segundo Brandão (2007, p. 35), pensarmos que esse erro é um erro da língua portuguesa, quer dizer, uma impropriedade sem legitimidade histórica que deve ser evitada em todas as situações de fala e de escrita. Encontrei ele em casa é do séc. XX e Damos ele a vós é do séc. XIII. O que isso significa? Já erravam os monges e escribas do século XIII? Mas como se não existia Brasil no século XIII? [...] Creio que não podem separar-se estes exemplos da fase antiga da língua de uma construção paralela existente no português do Brasil. Não me parece que se trate de uma inovação brasileira. Como se pode ver, trata-se não de um problema generalizado, mas, na verdade, de um uso já existente em Portugal, ainda que em menor proporção aos o(s) la(s) como complemento verbal, que, trazido pela boca dos portugueses de todas as classes sociais, caiu no gosto dos nascidos em terras brasileiras (VIEIRA; BRANDÃO, 2007, p. 35). Portanto, até podemos ensinar regras tradicionais, que poderão inclusive ser cobradas em concursos, vestibulares que queiram testar o conhecimento da norma padrão, ensinada e preconizada pela escola. Mas o ensino de língua não pode seguir a lógica do “é assim e ponto final.” Os sistemas educacionais, principalmente os professores de língua, precisam entender e lutar para que o educando tenha habilidade para reconhecer os caminhos de eficácia e graça comunicativa que a língua possui. 42 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 Em se tratando da colocação de pronomes oblíquos átonos, nos estudos tradicionais de sintaxe, segundo Carone (1986), há uma preocupação exagerada com este assunto em relação aos verbos e pouca ênfase ao estudo da colocação de outros componentes sintáticos no interior das frases, que, em muitos casos, ao se posicionarem em ordem diferente, mudam o significado dos enunciados. Em: Cobre-te com este casaco (exemplo utilizado pelo sujeito S1F ) e Te cobre com este casaco, o significado é o mesmo nas duas construções, quer com o pronome átono antes do verbo (próclise), quer depois do verbo (ênclise). Existe apenas uma ligeira mudança na pronúncia que pode, inclusive, ser influenciada por diversos fatores como: grau de abertura da boca, clima de uma determinada região. Daí uma das diferenças prosódicas entre português do Brasil e o português de Portugal3. Logo, é sintaticamente irrelevante o posicionamento do pronome oblíquo átono em relação ao verbo. Por outro lado, deveria ser bem mais útil o estudo de fatos sintáticos em que a organização de certos constituintes (elementos) nas frases provoca mudança de significado. Como podemos notar: o velho morador partiu hoje (1) possui uma carga semântica, enquanto que O morador velho partiu hoje (2) possui outro significado. As frases 1 e 2 exemplificam e trabalham regras típicas do português brasileiro que podem proporcionar ao momento sala de aula, um diálogo construtivo na cumplicidade de saberes entre professor e aluno, principalmente, se forem exploradas em um ambiente de leitura. Onde, também, poderiam ser explorados diversos parâmetros que norteiam o português brasileiro, como exemplo: a topicalização, fenômeno bastante comum na fala, que trata-se do deslocamento para o início da construção certas unidades significativas que ficam enfatizadas, como se pode observar em: o gato comeu o peixe (3) e o peixe, o gato comeu (4). Na oração 3, o peixe é objeto direto e o enfoque co3 O português brasileiro, principalmente em situações de fala, é proclí tico (me empresta a caneta) em vez de encl ítico (empresta-me a caneta). municativo é no gato. Já na oração 4, o peixe continua sendo objeto direto, só que neste caso o foco e a força ilocucionária da frase estão nele. Fato que refletiria positivamente no crescimento do aluno e na prática pedagógica da escola, porque ultrapassaria os limites da instituição, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem, fomentaria a prática da leitura, além de possibilitar o uso efetivo da língua em suas modalidades oral e escrita. Ou seja, definitivamente, é fundamental que a escola use o que se fala, como se fala, como se expressa, extramuros e aprenda a ensinar alguma coisa para ser usada fora, também destes muros. 3 MÚLTIPLOS OLHARES Sabemos que mudar é complicado. Ainda mais quando o hábito nos deixa cego para identificar inúmeras possibilidades de adaptação e de crescimento, porém é essencial compreender que toda grande mudança requer trabalho, disposição e flexibilidade para que o “medo de encarar o novo” seja substituído pela esperança de construir novos comportamentos e pensamentos produtivos para o desenvolvimento de novas perspectivas educacionais. Por isso, necessitamos contextualizar cada vez mais o aluno com a realidade em que ele vive, fazendo com que este indivíduo tenha contato com leituras e práticas pedagógicas que possam possibilitar múltiplos olhares. Multiplicidade que refletirá no âmbito familiar, nas relações de amizade, nas futuras relações de trabalho. Segundo Silva (2009), são notórios os méritos das gramáticas normativas, sobretudo quanto ao estabelecimento de padrões que são compartilhados pelos falantes. Entretanto, a consulta a uma gramática normativa deve ser feita criticamente, avaliando-se as particularidades da linguagem utilizada pelos falantes. Um exemplo no português brasileiro é o futuro simples: “Eu buscarei o livro amanhã”. Para uma grande mai- oria de falantes do português brasileiro o futuro simples não ocorre na língua falada. Em seu lugar ocorre o futuro composto: “Eu vou buscar o livro amanhã.” Note, contudo, que o futuro simples é utilizado na linguagem escrita e em algumas variantes do português brasileiro (e certamente no português europeu). (SILVA, 2009, p. 15). Faz-se, portanto, pertinente registrar estes dois usos efetivos do futuro simples no momento da interação com o alunado. De posse destas informações, o professor poderia proporcionar uma série de exercícios e discussões relevantes para a formação acadêmica do aluno, sem definir padrões em termos de julgamento de correto-incorreto. Ponto-chave para que o ensino de língua materna comece atingir dimensões mais democráticas, no sentido de mostrar ao educando características que fazem parte da realidade linguística nacional. Os professores e, por meio deles, os alunos têm de estar bem conscientes de que existem duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são recebidas de maneira diferenciada pela sociedade. Algumas conferem prestígio ao falante, aumentando-lhe a credibilidade e o poder de persuasão; outras contribuem para formar-lhe uma imagem negativa, diminuindo-lhe as oportunidades. (BORTONI-RICARDO, 2005, p.15). Há que se entender, também, que os alunos que chegam à escola falando “tu visse”, “menas gente”, por exemplo, têm que ser respeitados e habilitados para o uso das variantes de prestígio dessas expressões. Não podemos ignorar estas especificidades da língua e nem fazer com que as portas se fechem para estes educandos. Precisamos, sim, é de uma distribuição mais justa de bens culturais, onde os alunos possam ter o direito a explicações que vão pelo menos um pouco além das “precárias listas de certo-errado”. Afinal, e a rigor, só ocorrem estas situações porque há permissão da língua. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 43 4 PARA REFLETIR Ao longo deste ensaio fomos pontuando teorias e práticas educativas no que se refere à natureza das línguas, sobretudo visões que envolvem sociedade, cultura e identidade. E relacionar todos estes contextos com o ensino de língua materna é, fundamentalmente, conscientizar cada vez mais a necessidade de investimento em pesquisas, estudos e análises de caráter educacional. Visto que, se pretendemos mudanças significativas na educação, nada mais coerente que adotar comportamentos que busquem o aperfeiçoamento de novas práticas docentes. Mesmo com os avanços significativos dos veículos de informação, segundo o professor Wanderley Geraldi, em uma de suas apresentações no XV Fórum Paraense de Letras/2009, infelizmente, o estudo do texto é mais praticado em outras disciplinas do que nas aulas de língua portuguesa que, em princípio, deveriam desenvolver precisamente as mais variadas formas de interlocução leitor/texto/autor. Fato que dificulta e compromete a aprendizagem de uma língua ou da variedade de uma língua. Por isso, consideramos as observações desta pesquisa, construtivas para o “repensar” de algumas ações pedagógicas, afinal, acreditamos que é possível fazer um desenho curricular diferente, ou seja, quando denunciamos que uma determinada prática docente está “presa” a um determinado sistema, queremos na verdade, tentar oportunizar novos sonhos docentes que possam ser benéficos para o verdadeiro processo construtivo do saber. Segundo Bastos (APUD SILVA, 2008, p.43), o professor precisa conhecer seu objeto de ensino, aliando espírito crítico-reflexivo à competência técnica. Claro que ensinar língua à luz desses princípios requer maior esforço de sua parte, pois “dá mais trabalho”. Entretanto, é certamente mais prazeroso para os envolvidos, alunos e professores, e, sem dúvida, mais esperançoso para a realização de uma nova postura acadêmica. Portanto, pensar o ensino de língua materna em um cenário altamente múltiplo em termos de aprendizagem, é promover o fazer científico em todos os níveis. Deixando margens para que o aluno consiga constatar seu verdadeiro papel na sociedade e, ao mesmo tempo, permitir verdadeiras descobertas linguísticas, históricas e culturais. REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & Educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. CÂMARA JR., J. Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1997. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006. SILVA, Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da (Org.) As interfaces dos estudos linguísticos. Belém: UNAMA, 2008. v. 4. 228 p. SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 2009. CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1986. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no primeiro e segundo graus. São Paulo: Cortez, 1996. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2006. VIEIRA, Silvia; BRANDÃO, Silvia. Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. 44 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 39-44, jun. 2010 NOVAS PERSPECTIVAS ACERCA DAS MEDIDAS DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: um olhar da Psicologia1 Rogério Tavares da cruz* Márcia Soares Bezerra** RESUMO Este artigo pretende discutir os novos modelos de abrigamento no Brasil permitindo refletir sobre o novo serviço que vem sendo apresentado, além de fazer um percurso histórico acerca dos abrigos, utiliza-se como método revisão bibliográfica, permitindo analisar segundo as produções científicas fatores de risco-proteção e enfatizando o papel deste espaço como promotor de desenvolvimento e espaço coletivo de integração, precisando rediscutir suas ações e modelos de funcionamento, além de tentar trabalhar de forma sistêmica e em rede. PALAVRAS-CHAVE: Instituições de Acolhimento Infantil. Medidas de Proteção. Crianças e Adolescentes. Políticas Públicas. A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na infância Gilberto Dimenstein (1994, p8-9) Este trabalho é fruto de problematizações acerca das medidas de abrigamento, sendo resultado das primeiras questões trazidas de um projeto de iniciação científica da Universidade da Amazônia, procurando observar os atendimentos e as ações promovidas nestes espaços e, além disso, refletir sobre o que a literatura e as leis que são desenvolvidas para a proteção de crianças e adolescentes esperam dessas instituições. Será que a promoção do desenvolvimento dos atendidos nestes são o foco dessas instituições? De que forma se desenvolvem os trabalhos com as famílias e as crianças? Que práticas inovadoras e tradicionais coexistem e como as percepções da equipe promovem o cresci- mento e o acolhimento nesses espaços? Vale ressaltar que existe um grande número de crianças e adolescentes que estão cumprindo medidas de acolhimento institucional. Pesquisas como a do IPEA (2004) junto ao UNICEF mostraram que mais de 20.000 crianças cumprem este tipo de medida de proteção no país, existindo mais de 670 abrigos cadastrados rece* Aluno do 9º semestre do curso de Psicologia da Universidade da Amazônia, bolsi sta do progr ama de iniciação científica. ** Professora orientadora do programa de iniciação científica e do curso de Psicologia UNAMA / UFPA. 1 Artigo produzido como parte da pesquisa do programa de iniciação científica Instituições de acolhimento infantil: concepções dos cuidadores acerca das crianças e suas práticas de cuidado. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 45 bendo verbas do governo federal através do serviço de ação continuada – SAC / Abrigos. Dados estes associados a mais de 58% de meninos entre 7 e 15 anos, negros de famílias de baixa renda, dados estes corroborados por Souza & Carvalho (2007). Mais o que leva tantas crianças e adolescentes estar abrigados? Como esses serviços de abrigamento desenvolveram -se em nosso país? No Brasil, novos paradigmas acerca das políticas publicas direcionadas a crianças e adolescentes foram apresentados, primeiramente gerados pelas pressões de mecanismos internacionais, como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1989 realizada na ONU, e também das pressões dos movimentos sociais e da sociedade civil democrática, que veio, após o processo de redemocratização, em busca de seus direitos, sendo consolidados com Constituição de 1988 e, mais tarde da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 1993), ambas procurando garantir a toda população direitos sociais antes negados (OLIVEIRA & MILNITISKY-SAPIRO, 2007), além da promulgação da Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo aprovado em 1990, trazendo consigo um novo olhar direcionados às crianças e adolescentes, colocando estes na posição de sujeitos de direitos, permitindo a partir dessa mudança, novas práticas, olhares e políticas para o atendimento integral das crianças e adolescentes em nosso país Segundo Rizzini, Rizzini, Naif & Batista (2007) a partir da promulgação da lei em 13 de julho de 1990, a prática centenária de institucionalização é condenada, permitindo, a partir desta nova visão, uma política de atendimento que tem nessa medida um caráter excepcional e de transitoriedade, citadas no artigo 101 desta lei, ressaltando que a ênfase baseia-se na convivência familiar e comunitária, reforçando que a medida de acolhimento institucional deve ser a última a ser tomada, pois segundo Weber (2000) apud Souza & Castro (2007) esta se mostra ineficaz como política pública, pois não focaliza os 46 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 verdadeiros problemas que são motivo de abrigamento, como a miséria social, a carência de apoio socioeducativo às famílias e formas de combate e prevenção de violência doméstica infanto-juvenil. Autores como Rizzini & Rizzini (2004) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) consideram a medida, a de acolhimento institucional, como uma medida de proteção às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, política esta reconhecida efetivamente dentro da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e mais especificamente do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como política da proteção social especial de alta complexidade, que garante proteção integral no caso do abrigo, a crianças que necessitam ser retiradas do convívio familiar e comunitário, em especial aquelas famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social e em situação de violência. Para entender o processo de construção da categoria crianças e adolescente e, consequentemente, dos serviços e políticas direcionadas a estes, devemos analisar a partir da história brasileira, pois segundo Pinheiro (2006) cada representação emerge de um contexto sócio-histórico específico e dentro de cada representação citada se fundem valores, políticas, instituições, assim como práticas sociais e de cuidado. Para Frota (2007) devemos compreender a infância de modo particular, não a tornando um estado universal que acontece com todos ao mesmo tempo, devendo largar ideias pré-concebidas. Segundo Phillippe Áries (1978) apud Frota (2007) a infância foi uma invenção da modernidade, afirmando também como uma categoria construída socialmente. Nos séculos XVI e XVII são associadas à ideia de inocência e de fragilidade corroboradas durante o século XVIII por filósofos como John Locke que difundiram a idéia de tábua rasa para o desenvolvimento infantil e que também foi base do pensamento de Jean Jacques Rousseau, que defendia a natureza humana como boa, em especial as crianças que vêm puras ao mundo e a sociedade que as corromperia (FROTA, 2007). No Brasil o primeiro olhar que se move para elas é através destas como objeto de proteção social cuja principal manifestação é garantir a sua sobrevivência, associando-as ao pensamento cristão que estimulava a filantropia, valores como compaixão, amor ao próximo e a caridade são alguns dos preceitos marcados dentro dessa representação social. Dentro desse contexto a primeira medida tomada acerca de políticas foi o acolhimento de crianças no século XVIII na cidade do Rio de Janeiro, cujo objetivo era acolher menores muito pobres ou bastardas nas instituições chamadas Casas de Roda, também chamadas Casa dos Expostos (MARCILIO, 1997). Neste aspecto a preservação destes segundo Pinheiro (2006) era um ato que já revelava um problema social que se iniciava, o de omissão ou transferência de responsabilidades, iniciando-se aí os primeiros passos do que seria uma proteção social nos moldes assistencialistas. Muitos passaram a colocar filhos ilegítimos, frutos da libertinagem e das transgressões sociais tornando-os de acordo com Costa (1999) apud Pinheiro (2006) & Marcilio (1997), locais que passaram a superlotar e sofrer de precárias instalações. Já no final do século XIX e no inicio do século passado, o cenário do país transforma-se. Estamos no início do período republicano, da abolição da escravatura e do movimento higienista, que se inspira nos moldes europeus, de acordo com Pinheiro (2006) e, nesse contexto, surge uma nova concepção acerca da criança e do adolescente, a de objeto de controle e disciplinamento social, tendo como característica principal estes como investimentos do Estado brasileiro, isto é, deveriam ser estes recrutados para a nova nação que estava nascendo, sendo a favor do Estado, ações como a escolarização e a profissionalização importantes a fim de que estes fossem usados como mão de obra subalterna e submissa aos interesses da nação, em especial as crianças e adolescentes das classes po- pulares, pois havia iniciado o processo de industrialização que abria vagas em empregos de baixa qualificação. Essas práticas também eram medidas preventivas para a elevação da criminalidade que estava em seu início em nosso país, pois este passava a ser tornar urbano, fenômeno conhecido como êxodo rural, aumentado as populações da cidade em especial, das periferias. O lema deste modelo, segundo Pinheiro era, “..disciplinar e controlar para produzir e não para delinguir” (2006, p.58). Pinheiro (2006) declara haver outra concepção que surge neste mesmo período, isto é, a criança e adolescente como objetos de repressão social, que entra em vigor pelo Estado em virtude de combater a delinquência juvenil, combatendo determinados tipos de comportamentos através de repressão, porque estes eram considerados uma ameaça à ordem social (aqueles que não foram enquadrados nas políticas de controle e disciplinamento). É nesse contexto que surgem práticas e instituições como o Código de Menores em 1927 e do SAM em 1940, que atendia menores de 18 anos abandonados e delinquentes, segundo (PINHEIRO, 2006 & FROTA, 2007) e aí que se inicia a fase do isolamento em instituições e também da retirada do convívio social. Entre as práticas de cuidado vigente nestes espaços são destacados o uso da punição como instrumento de correção. Esta concepção vem acompanhada com a ideia de perigo que crianças e adolescentes de classes menos favorecidas trazem para a sociedade, e a institucionalização veria com o papel fundamental de reeducá-los para a sociedade, trazendo-os de volta ao convívio social (SANTOS & BASTOS, 2002). Essas três concepções têm algumas similaridades, em especial às crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, vítimas da exclusão social que acompanha o país há séculos, como se estas fossem inferiores e precisassem de ações desse cunho para salvá-las dos seus destinos. É nesses últimos dois contextos que surgem a doutrina da situação irreLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 47 gular e o termo “menor”. A doutrina embasava as ações e práticas tanto das instituições como foi o marco que orientava o Código de Menores de 1927 e o Código de Menores 1979. Durante quase todo o século XX as ações do Estado eram baseadas na “prevenção de comportamentos potencialmentes criminosos através da escolarização e da profissionalização, e da repressão a delinquentes a fim de recuperá-los” (PINHEIRO, 2006, p.69), para que não sejam mais perigosos para a sociedade. Autores como Lago et al, (2009) ressaltam que até esse momento (antes da promulgação do ECA, os espaços institucionais atendiam toda a demanda de crianças e adolescentes, inclusive nas antigas FEBEM, onde se pôde perceber tanto as crianças vítimas de violência como as que cumpriam medidas socioeducativas resultantes de ato infracional. Essa transformação se dá pela Lei 11.800/02 que cria duas instituições distintas que visam a separação dos serviços e paradigmas, separando as medidas protetivas e as medidas socioeducativas. Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1947 e mais tarde com a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, em 1958, vários países começam a rever suas práticas e políticas acerca das crianças e adolescentes. No Brasil, com o processo de redemocratização e da luta pelos direitos humanos, e principalmente pela aprovação da Constituição Federal de 1988 e também da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, em 1989, surge uma nova concepção, principalmente nesse último evento, que é o da doutrina da proteção integral que norteará as nações nas ações, práticas e políticas públicas na atenção a esses “sujeitos”. É nesse contexto que,segundo Pinheiro (2006); Frota (2007) surge uma nova representação social acerca das crianças e adolescentes, estes como sujeitos de direitos. Essa concepção surge no Brasil acompanhada da luta dos movimentos sociais pela reivindicação de 48 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 seus direitos, também acompanhada pelo agravamento da situação social como a elevação dos indicadores econômicos e o agravamento dos índices sociais, como exemplo, o depauperamento das classes populares. É nesse contexto que essa nova representação inicia-se e vem acompanhada com dois princípios fundamentais: a igualdade perante a lei e o respeito à diferença. O primeiro vem norteado pela garantia de todos os direitos fundamentais às crianças e adolescentes baseandose na inclusão daqueles que antes eram excluídos nas outras três concepções. Essa mudança de paradigma baseia-se na noção de igualdade social e de direitos à cidadania; o segundo princípio vem expresso na ideia de que estes são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; segundo que estes requerem cuidados decorrentes das suas peculiaridades. Isto vale para o Estado, para a sociedade e para a família. Cuidados esses que não deveriam torná-lo mais inferior e sim diferente, estes meios por sinal deveriam procurar desenvolver as potencialidades e habilidades destes de forma que seu desenvolvimento ocorra de forma sadia, por isso denomina-se doutrina da proteção integral, pois são várias ações articuladas que promoverão esse desenvolvimento (educação, saúde, assistência social, segurança etc.). É nessa nova concepção que as práticas sociais alteram-se, como é o caso do combate à institucionalização prolongada em troca de um atendimento que tem como foco a convivência familiar e comunitária, tidas como fundamentais para o desenvolvimento pleno dessas crianças e adolescentes. Esse novo marco que impulsiona em 1990 a promulgação da Lei 8.069 (o Estatuto da Criança e Adolescente) que irá nortear as políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes no país, no caso a ser estudadas as instituições de acolhimento (RIZZINI, RIZZINI, NAIF & BATISTA, 2007). REFLETINDO ACERCA DAS INSTITUIÇÕES DE ACO- LHIMENTO (ABRIGOS) É nesse contexto, da aprovação da Lei 8.069 (ECA), que os abrigos e toda a rede de atendimento que até então fazia os serviços de proteção a crianças e adolescentes é repensada, portanto como ressalta Guará (2005) promove-se uma cadeia de reordenamento ocorrendo a partir da perspectiva do novo paradigma políticojurídico com a aprovação da lei em 1990, destacando a implantação de novos serviços e transformando outros que já existiam, como é o caso dos abrigos. Mas o que é abrigo? Segundo Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) os conceitos mais comuns são relacionados a asilos, refúgios, moradia e esconderijo, estes termos denotam a ideia de recolhimento, confinamento e isolamento social. Destacando que nos casos específicos as crianças denotam a ideia de afastamento do olhar público daquilo que atenta à ordem social e à dignidade humana. No decorrer da história a política de abrigamento sempre serviu para acolher crianças órfãs, pobres e que foram abandonadas, mantendo viva a crença de que esta medida é a mais adequada para estes. Na perspectiva do IPEA (2004) o abrigo apresenta-se como um instrumento de política social legitimada pelo estatuto (1990) e pela LOAS (1993) em especial no artigo 2 que trata do “..amparo a crianças e adolescentes carentes..” , a partir de que esse ofereça proteção e assistência à criança que se encontra sem os meios necessários para a sobrevivência, situações de “incapacidade” dos pais ou responsáveis e, além disso, situações cotidianas de graves riscos à integridade física, psicológica e sexual da criança (CAVALCANTE, MAGALHÃES & PONTES, 2007). Nessa perspectiva o abrigo deve oferecer proteção especial para as crianças que estão em situação de vulnerabilidade social, promovendo a acolhimento, segurança, moradia e cuidados diários, devendo ser articulado com outros órgãos, programas e ações para poder desempenhar seu papel em meio a essa complexidade, integrando as demais redes de serviços das políticas sociais básicas e aos serviços assistenciais, isso também se reflete aos familiares da criança abrigada (GUARÁ, 2005). De acordo com Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) & Arpini (2003) o abrigo pode apresentar-se como instituição total, cujo regime é apresentado como autoritário e disciplinar, destacando nesses estudos os trabalhos de Foucault (1997); Goffman (1974) que mostram as consequências que são geradas pela vida institucional, como por exemplo, o aniquilamento de sua identidade, a estigmatização das crianças e dos profissionais que trabalham no espaço e as dificuldades de re-inserção social (ARPINI, 2003), outros questões são citadas por Koller & Campos (2004) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) como fundamentais acerca do abrigo como instituição total ressaltando, por exemplo, a ruptura dos vínculos familiares afastando-se do ideal do estatuto em garantir a convivência familiar. Além disso, outro aspecto é ressaltado nesse espaço total que é o grande numero de abrigados afastando-se da perspectiva da Lei 8.069, pois assim desconsidera o atendimento individual e personalizado. Nesses espaços, como destaca Benelli (2003) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007), os objetivos dessas instituições que foram criadas são a promoção da estratificação social, a segregação e a modelagem de comportamentos caracterizados pela alternância entre punições e recompensas, dispositivos estes utilizados pelos dirigentes e que muito marcaram as políticas de atendimento no inicio do século XX, inspirados pelo Código de Menores de 1927, cujo objetivo era institucionalizar aquelas crianças e adolescentes delinquentes e “perigosas” para o convívio social e reeducá-las (PINHEIRO, 2006)”. Essas instituições representam um padrão de cuidado infantil bastante nocivo para o desenvolvimento da criança tornando paradoxal a relação proteção-riscos em seu cotidiano (CAVALCANTE, 2007). Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 49 Este mesmo espaço deve ser entendido de acordo com Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) como ambiente coletivo de cuidado infantil, cujo motivo baseia-se na característica deste em conter no seu espaço características como uma estruturação não familiar, convivência intensa entre as crianças e seus pares, assim como seus cuidadores e, além disso, a ausência de um espaço individualizado, essas similaridades são vistas em creches e pré-escolas. Vale ressaltar que aspectos importantes a ser analisados dentro dessa perspectiva como, por exemplo, o espaço físico, os equipamentos e as atividades de rotina todos esses facilitadores de desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e como ambiente coletivo de cuidado. Dentro da perspectiva ecológica é percebido o abrigo como contexto de desenvolvimento humano, pois a criança que apresenta em situação de acolhimento institucional tem condições reais para desenvolver habilidades e competências decisivas para a formação da personalidade e das habilidades sociais (CAVALCANTE, MAGALHÃES & PONTES 2007). Nessa abordagem, segundo Brofenbrenner (1996), o contexto onde a criança cresce e se desenvolve não é limitado somente a um único espaço mas a várias interconexões em diferentes ambientes, ressaltando que, no caso do abrigo, quanto maior for suas aberturas, mais fluidas serão suas fronteiras e interfaces, permitindo maior desenvolvimento a partir da conexão entre vários micros e mesossistemas, possibilitando para as crianças abrigadas permanente crescimento e formação, destacando que essa interação é determinada pelo aspecto bi-direcional da interação entre criança e o ambiente, sendo que esta deve ser estimulada, enfatizada inclusive pelo estatuto (ECA), permitindo abrir espaços de trocas sociais e afetivas entre as pessoas envolvidas, inclusive seus cuidadores. Segundo Cavalcante, (2007) o olhar da perspectiva ecológica acerca do abrigo deve ser permeado pelas seguintes características: 50 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 o ambiente físico e social constituindo esse aspecto como, por exemplo, a questão estrutural do espaço; que espaços existem; que tipos de equipamentos são utilizados; quais as rotinas do abrigo e de seus cuidadores e a dinâmica institucional. A Psicologia dos cuidadores (crenças, percepções, valores dos cuidadores e técnicos) e suas práticas cotidianas. Na conclusão desses autores é possibilitada uma visão de abrigo que perpassa como um ambiente de cuidado coletivo e como contexto de desenvolvimento ecológico, compondo uma visão mais ampla da dualidade proteção e risco e permitindo através desse olhar, buscar o desenvolvimento desse espaço como um meio de desenvolvimento para a criança abrigada. Nesse paradigma proteção-riscos, muitos estudos têm sidos desenvolvidos acerca dos aspectos nocivos da institucionalização e seus efeitos para a saúde mental e física das crianças abrigadas. Estudos de Spitz (1965/1998) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007) destacam que no primeiros anos de vida desenvolvem-se a formação do apego, a formação de vínculos primários, logo, se estes forem privados dos cuidados maternos nessa fase sensível, terão efeitos traumáticos para o seu desenvolvimento. É importante ressaltar que a perspectiva ecológica valoriza a relação entre cuidador-criança, pois esta é importante para o seu desenvolvimento, permitindo colocar esse espaço como ambiente de cuidado, porém existem situações já citadas que determinam aspectos nocivos aos abrigos como o tratamento massificado, a privação da convivência familiar e o confinamento social (todos esses distantes do ideal do estatuto), porém destaca-se a combinação desses fatores e sua intensidade como importantes na configuração desses como fatores de riscos. Autores como Sigal, Perry, Rossignol & Quimet (2003) apud Cavalcante, Magalhães & Pontes (2007), permitem explanar alguns fatores acerca da institucionalização cujos fatores podem minimizar os efeitos nocivos, assim como possibilitar ver este espaço como fator de proteção e de desenvolvimento, como por exemplo, a presença de um adulto cuidador. Dentro desse olhar otimista os estudos de Tizard & Rees (1974) citados pelos mesmos declaram que é importante obter uma qualidade no ambiente e na interação com o cuidador, destacando que muitas crianças não encontram essas características no seu ambiente familiar. Dentro da nova perspectiva pós ECA percebeu-se que a necessidade de um novo modelo de atendimento, baseado no olhar das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, permitindo as estes um atendimento mais humanizado e percebendo as instituições de acolhimento como local de potencialidades, possibilidades, de acolhimento, afeto e proteção, possibilitando a partir desse novo parâmetro ter esse espaço como ambiente propício ao desenvolvimento humano (ARPINI, 2003). Essas instituições tornaram-se mais abertas, com atendimentos mais personalizados e em menor número, permitindo garantir a individualidade do atendimento, além do fato da perspectiva de permanência temporária, destacando que essas diretrizes estão escritas na própria lei, no artigo 92, outras são citadas como a não separação de irmãos, devendo-se também evitar a transferência de abrigados para outras instituições sempre que possível, além de manter a participação da comunidade no espaço, e vice-versa tentar aproximar esses dos vínculos comunitários também, preparando-os para o desligamento institucional, como se este fosse apenas provisório e processual. Seguindo esse caminho o IPEA (2004) sugere que um abrigo possua no máximo 25 crianças, redimensionado as suas reais capacidades e necessidades de atendimento. Dentro dessa nova perspectiva é vital tornar esse espaço um ambiente propício ao desenvolvimento, garantindo a acolhida e o não rompimento dos vínculos familiares, assim como desempenhar nesse espaço um atendimento humanizado, onde os cuidadores e o próprio ambiente podem ser facilitadores de melhor qualidade de vida, proporcionado através da promoção de vínculos mais positivos, com maior segurança e estabilidade, além de promotores de resiliência, visto como capacidade de responder de forma positiva a situações adversas (CARVALHO & VECTORE, 2008). Vale lembrar que estes cuidadores devem procurar manter uma relação afetiva, pois segundo Brofenbrenner (1996) as formas de interação de cuidado com as crianças deve ter três características: a reciprocidade caracterizada como feedback mútuo entre cuidador-crianças tornando essa interação mais complexa de acordo com o tempo. Outra característica que deve estar presente em qualquer contexto institucional deve ser o equilíbrio de poder, permitindo à criança aprender a lidar com relações de poder diferenciais, embora essa distribuição deva gradualmente reduzir-se dando a estes autonomia; a outra característica ressalta a importância da relação afetiva no desenvolvimento de sentimentos positivos uns para com outros, considerando que a dimensão afetiva é parte inerente das relações humanas, portanto não deve ser excluída do contexto institucional. É importante também reconhecer e valorizar seu papel enquanto cuidador no ambiente institucional (CONANDA/ CNAS 2008). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os espaços de acolhimento institucional neste novo modelo de funcionamento devem ter como constantes desafios o rompimento dos paradigmas de uma instituição de isolamento, permitindo que o público atendido possa estar em constante desenvolvimento e interação com dos diversos âmbitos e sistemas que garantam a eles a permanência dos vínculos comunitários e familiares, e garantindo a aquisição de novos vínculos construídos nesses espaços com seus cuidadores e com os seus pares, além da equipe técnica em serviço no abrigo. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 45-53, jun. 2010 51 Além disso, é importante ressaltar a capacitação contínua e a reflexão dos profissionais que lidam com crianças e adolescentes que cumprem esse tipo de medida, possibilitando a avaliação de suas relações, concepções que permeiam suas práticas, além de ter uma visão contextual e sistêmica do seu trabalho, favorecendo analisar as diversas questões que cercam os motivos de abrigamento, em especial os conflitos familiares, favorecendo analisá-los para futuras intervenções junto a essas famílias, garantindo a reinserção dos abrigados em suas famílias de origem. Importante também ressaltar o trabalho em rede com outras instituições que permitam a troca de informações e intervenções eficazes entre os abrigados e suas famílias, buscando soluções em conjunto para esse problema tão complexo e amplo, garantindo a inserção de diversas políticas públicas e a inserção das famílias em projetos de valorização e de construção de vínculos mais sólidos entre seus membros. Devemos também refletir acerca da representação social em que os espaços foram construídos, permitindo quebrar paradigmas pelos profissionais que trabalham nestes espaços e também da própria sociedade, que ainda olha estes espaços ou de forma assistencialistas ou de forma de disciplinamento e repressão, permitindo sempre avaliar este espaço como promotor de acolhimento e desenvolvimento, ainda que seja temporário, permitindo que o trabalho seja desenvolvido com todas as partes em questão, os abrigados e suas famílias, quebrando este círculo vicioso da violência, tanto intergeracional como social, pois as próprias famílias também são vítimas de uma sociedade excludente e com ausência de políticas públicas que garantam a proteção e atendimento integral às famílias e suas diversas demandas. REFERÊNCIAS ARPINI, M. A Repensando a perspectiva institucional e a intervenção em abrigos para crianças e adolescentes. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, 21(3), p. 70-75, 2003. FROTA. A. M. 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Dada a contribuição e expansão desta à Região Amazônica, em especial a Belém, já que está se propõe a fazer parte integrante do Projeto Valunorte, desenvolvido na UNAMA,o que trará um grande reconhecimento como polo de estudos linguísticos na região Norte. O reconhecimento da existência de uma variação linguística desmitifica as influências de um passado colonizador, então temos de levar em consideração as diferenças culturais: de identidade, credo, raça, multiculturalismo e multilinguísmo, embora os puristas cultuem certas formas do bem falar em detrimento das variações da real língua dos falantes. É de grande importância salientar o reconhecimento voltado ao estudo do falar brasileiro para um campo de interesse científico. Daí algumas críticas direcionadas a bem fundada variação, por isso o preconceito linguístico. Sua espontaneidade e imprevisibilidade tornam a língua um fato social, acarretado por influências temporais e espaciais. O surgi- mento da sociolingüística concebe a língua como um fato social, envolvido junto às comunidades falantes e sua cultura. Nesta pesquisa os dados linguísticos serão tratados de acordo com a sociolinguística, em uma perspectiva variacionista, ou seja, por meio de pesquisa quantiqualitativa extrairemos os dados, sendo considerados os contextos extralinguísticos, o que permitirá percebermos a sistematicidade da variação, considerando os chamados fatores externos à análise linguística, neste caso, além daqueles previstos no Valunorte, o tipo de escola (pública e privada). Os pontos mais importantes, que foram ligados para encontrar os padrões que guiam a variação de um dado sistema linguístico são encontrados nas variáveis extralinguísticas, como lugar de moradia, classe social, faixa etária, grau de escolaridade e sexo dos falantes, já previstos no Valunorte. * 1 Graduando do 6º semestre do Curso de Letras / habilitação em Língua Inglesa e bolsista de pesquisa do Pr ojeto Valunorte (UNAMA/FIDESA). Artigo elaborado sob a orientação da Professora Dr a . Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva coordenadora do projeto Valunorte Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010 55 O principal objetivo desta pesquisa é analisar os usos linguísticos, de caráter fonéticofonológico na fala urbana de concluintes do ensino médio, especificamente os que estão se preparando para prestar vestibular, cujo fator a ser considerado será o tipo de escola, pública ou privada. Mas para se chegar a esse objetivo, deve-se passar por objetivos menores, mas não menos importantes, que é produzir, juntamente com os pesquisadores do Valunorte, as informações necessárias à composição do banco de dados do projeto. Selecionar, no corpus em questão, excertos que evidenciem os usos de aspectos fonético-fonológicos, pelos alunos de cada tipo de escola. Descrever os contextos de uso, tendo como parâmetro a norma padrão vigente. as, graças à imigração japonesa, sendo até hoje o maior produtor de pimenta-do-reino do país. No início do século XX Belém vivenciou o período áureo da borracha, quando recebeu inúmeras famílias europeias, o que veio a influenciar grandemente a arquitetura de suas edificações, ficando conhecida na época como Paris n’América. O mês de julho é ideal para se desfrutar o verão de Belém, porém, até novembro, ainda se sente o calor belenense. Os termômetros registram nesse período temperaturas que variam de 25 graus mínimos à máxima de 38 graus. A cidade de Belém, capital do estado do Pará, cuja altitude é: 10m; clima: equatorial AM; fuso horário: UTC -3 e demais dados, do tipo área, população e densidade demográfica estão expostos no quadro 1. 2 SELEÇÃO DO CONTEXTO Capital A pesquisa se dará em Belém do Pará - metrópole da Amazônia, conhecida pela abundancia de mangueiras em suas ruas, e carinhosamente chamada de Cidade das Mangueiras. Também denominada de Cidade Morena, característica herdada da miscigenação do povo português com os índios tupinambás, nativos habitantes da região à época da fundação. Fundada em 12 de janeiro de 1616. Foi o capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco quem aportou às margens da baía de Guajará para assegurar o domínio da nova terra e expedições da Coroa portuguesa, em busca de novos territórios, na foz do rio Amazonas, e a fim de resguardá-la do ataque de corsários vindos da Inglaterra e da Holanda. Em seus quase 400 anos de história, Belém vivenciou momentos de plenitude. Há 200 anos, a Corte portuguesa embarcava em direção ao Brasil, numa viagem que mudaria completamente o rumo da história brasileira. A família real foi para o Rio de Janeiro, mas na região Norte, outra cidade se preparou para ser a capital do reino, Belém do Pará se tornou a Capital das Especiari56 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010 Área (km²) Número de Bairros População residente (Censo 2006) Belém 1.064,91 km² 2 1.428.368 Densidade demográfica (Censo 2006) 1.342,4 h/km² Quadro 1 Fonte: [email protected]. 3 ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ROTEIROS PARA PRODUÇÃO DE DADOS Os roteiros de entrevistas serão os mesmos desenvolvidos e aplicados pelo Projeto Valunorte, que são desenvolvidos a partir de temas da atualidade, matérias televisivas, de grandes revistas, assuntos que estejam em foco na mídia. Com o tema já escolhido, se inicia um diálogo com os sujeitos cujo objetivo é produzir dados de fala. Esses dados serão gravados em um gravador, mp3 ou qualquer outro recurso que possibilite a captação de som. 4 SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS A conversa gravada, ou melhor, a fala, resultante dos diálogos, conseguida por meio do roteiro, constitui os dados brutos. Deles serão extraído ocorrências, segundo as categorias que constituem a base da língua portuguesa, fonético-fonológicas, morfossintáticas e semânticas. Esses dados serão “refinados”, informatizados e divididos pela frequência em que aparecem. Em seguida, deverão ser cruzados, por sexo, bairro e grau de escolaridade (como vimos nas tabelas anteriormente, 1°, 2° e 3° anos do ensino médio), entre os tipos de escolas. Lembrando que será dado enfoque aos fonético-fonológicos. As gravações serão transcrevidas grafematicamente, e a partir daí, a frequência delas no corpus permitirá avaliar o grau de produtividade da ocorrência, ou seja, a recorrência desses dados. Esses estudos ficarão à disposição a qualquer pessoa interessada a acessar e consultálos, para estudos e pesquisas, de usos linguísticos reais, de falantes reais, em situações reais de comunicação. 5 CRITÉRIOS E SELEÇÃO DOS SUJEITOS Os sujeitos serão selecionados segundo a faixa etária, grau de escolaridade, sexo, bairro e tipo de escola (pública ou privada). O primeiro critério será o bairro, que serão 2 (dois) o bairro do Umarizal e o de Nazaré. Sendo as escolas selecionadas: EEEFM Dr. Ulisses Guimarães, EEEFM Dr. Freitas, Colégio CESEP e Colégio Sophos. Estes bairros foram selecionados por já estarem servindo como campo de pesquisa ao Valunorte juntamente com outros bairros. Para os demais critérios veja as tabelas a seguir: Tabela 1: Ensino público. Tabela 1: Ensino público. Tabela 2: Ensino privado. Tabela 2: Ensino privado. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010 57 Tabela 3: Ensino público – Telégrafo. Tabela 3: Ensino público - Telégrafo. Tabela 4: Ensino privado - Telégrafo. Tabela 4: Ensino privado – Telégrafo. Tabela 5: Ensino público – Souza. Tabela 5: Ensino público - Souza. Tabela 6: Ensino privado – Souza Tabela 6: Ensino privado - Souza. 58 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010 REFERÊNCIAS BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Contexto, 1997. ______. Norma linguística. São Paulo: Loyola, 2001. ______. Português ou brasileiro? um convite à pesquisa. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2001. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? sociolinguística e educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Educação em linguagem: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à sociolinguística variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. (Cadernos didáticos UFRJ). SILVA, Maria do P. Socorro Cardoso. 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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 55-59, jun. 2010 59 60 BOLSISTAS DE MONITORIA 61 62 ASPECTOS SUPRASSEGMENTAIS DA LINGUAGEM NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS DE VIDA: revisão de literatura1 Gabriela Albuquerque Silva* RESUMO Os aspectos suprassegmentais, elementos da linguagem que constituem o ritmo da fala de uma determinada língua, começam a ser visualizados na criança, aproximadamente aos seis meses de idade, ao utilizar aparentemente o comportamento prosódico. Objetivo: revisar a literatura científica sobre aspectos suprassegmentais da linguagem, nos três primeiros anos de vida. Metodologia: estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na biblioteca da Universidade da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Scielo, no período de março a abril de 2009. Conclusão: verificou-se, que a aquisição dos traços suprassegmentais se dá de forma diferente em crianças com aquisição normal, com atraso simples e com distúrbio de aquisição, sendo, portanto, mais visível o retardamento destes traços em crianças autistas, ao se comparar com o padrão de normalidade. PALAVRAS-CHAVE: Suprassegmentais. Prosódicos. Prosódia. Linguagem. Balbucio. 1 INTRODUÇÃO Traços suprassegmentais ou prosódicos são os elementos da fala que não pertencem a vogais e consoantes distintas, mas que as acompanham. Relacionam-se à forma como dizemos algo (LOWE, 1996). Os principais elementos suprassegmentais são acento, duração, sonoridade e entonação. Esses aspectos da prosódia da língua são tidos como menores e sem importância, mas a habilidade para perceber e produzir apropriadamente esses aspectos prosódicos é crucial para tornar a comunicação efetiva (BISHOP et al, 2002). Pode-se observar que desde bebê já há uma sensibilidade para a prosódia da língua, ou seja, para os traços suprassegmentais, que se referem ao ritmo, aos tons, à entonação da fala (OLIVEIRA, 2004). Uma melhor compreensão dos traços suprassegmentais e de seu desenvolvimento pode nos oferecer importantes orientações sobre a transição do balbucio às primeiras palavras e sobre a estreita interconexão da aquisição dos elementos suprassegmentais (LOWE, 1996). 2 OBJETIVO Revisar a literatura científica sobre aspectos suprassegmentais da linguagem, relacionando-os aos três primeiros anos de vida. * Acadêmica do 7º semestre de Fonoaudiologia e monitora da disciplina Prática em Fonoterapia. 1 Trabalho orientado pela professora MsC. Heloísa Machado e Silva Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010 63 3 MÉTODO Este estudo foi produzido por meio de um levantamento bibliográfico no período de fevereiro a março de 2010, na biblioteca da Universidade da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas na internet, por intermédio da biblioteca virtual Scielo. Para tal pesquisa foram utilizados os seguintes descritores: linguagem suprassegmental e desenvolvimento da linguagem. 4 REVISÃO DA LITERATURA O desenvolvimento de traços suprassegmentais ou prosódicos nas crianças ganhou uma importância considerável nos últimos anos. Literatura recente apoia o ponto de vista da estreita interação entre traços prosódicos, fala inicial direcionada à criança, e desenvolvimento inicial da linguagem (LOWE,1996). A infância é um período impregnado de curiosidades e vontade de explorar no qual as crianças manifestam clara intenção de interagir. Este fato passa, necessariamente, pela demonstração das crianças em idades mais precoces, de que à medida que crescem não lhes basta observar, sentir, explorar – é preciso dizer, comunicar a alguém tais saberes (BESSA e LIMA, 2007) Peña-Casanova (1994) apud Bessa e Lima (2007) relata que a aquisição da linguagem acontece com base numa ordem constante, embora o ritmo de evolução se revele de grande variabilidade, equivalendo a aproximadamente seis meses relativamente à margem normal. No desenvolvimento da linguagem, duas fases distintas podem ser reconhecidas: a prélinguística, em que são vocalizados apenas fonemas (sem palavras) e que persiste até os 1112 meses; e, logo a seguir, a fase linguística, quando a criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Posteriormente, a criança progride na escalada de complexidade da expressão. Este processo é contínuo e ocorre de forma ordenada e sequencial, com sobreposição consi64 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010 derável entre as diferentes etapas desse desenvolvimento (SCHIRMER et al, 2004). Oller e Lynch apud Bessa e Lima (2007) relata que de 0-8 meses, observa-se vocalizações reflexas, nas quais se incluem sons (choro) e gritos vegetativos, seguidos de produções de sílabas arcaicas, passando a ser observadas sequências fônicas constituídas por sílabas primitivas claramente perceptíveis, formadas por sons quase vocálicos (ecolalia), sendo, portanto, uma etapa em que os aspectos suprassegmentais se fazem presentes através do crescente controle da fonação e dos parâmetros de frequência das vocalizações. No intervalo entre o 3º e o 8º mês, há o balbucio rudimentar. Nessa fase é verificada a presença notória de traços suprassegmentais, pois a criança já tem um poder surpreendente para jogar com a voz, verificando-se contrastes significativos no nível da freqüência (alternância entre sons agudos e graves) e no nível de intensidade (gritos seguidos de sussurros); por volta dos 6 meses, surgem as primeiras combinações de consoante-vogal (CV), que se encontram ainda afastadas do padrão linguístico convencional (BESSA e LIMA, 2007). O período do 5º ao 10º mês é caracterizado pelo balbucio canônico, surgindo neste momento a reduplicação silábica (“mamama” ou “papapa”). Coincidindo com o estágio do balbucio canônico, ou começando aproximadamente aos 6 meses de idade, a criança utiliza padrões aparentes de comportamento prosódico (LOWE, 1996). Crystal (1986) apud Lowe (1996), afirma que certos traços são agora empregados consistentemente, principalmente entonação, ritmo e pausa. Lowe (1996), continua, afirmando que embora estes enunciados não transmitam nenhum significado, os padrões de entonação parecem ser para o ouvinte os de interrogação, afirmação e exclamação. Esses padrões prosódicos continuam a se diversificar até o período do balbucio constituído por sílabas do tipo consoantevogal (CV) bem formadas, as quais posteriormen- te se diversificarão, dando origem ao reforço da percepção, possibilitando dessa maneira uma gradual diferenciação entre os diversos e distintos agregados sonoros. Bessa e Lima (2007) relatam que a etapa de 9 meses a 1 ano e 6 meses é denominada de balbucio misto. Nessa etapa ocorrem produções de palavras dentro do balbucio. Este contém elementos significativos e sílabas não reconhecíveis como unidades léxicas. Lowe, (1996) cita que quando um enunciado balbuciado de uma ou duas sílabas é produzido com um padrão prosódico específico, o resultado parecerá com uma tentativa de um enunciado significativo. É compreensível, então, que nesse estágio os pais tentem frequentemente interpretar o que a criança está realmente “dizendo” com base na unidade de produção prosódica ouvida. Segundo Dore (1975) apud Lowe (1996), não há muita informação sobre esse breve intervalo de tempo entre o final do balbucio e as primeiras palavras. Parece claro que no final do balbucio variado a criança produz unidades específicas prosodicamente orientadas ou que foi denominada “estrutura prosódica”. À medida que a criança passa do final do período do balbucio para as primeiras palavras, observa-se, contudo, uma continuação dos contornos entonacionais previamente observados. Esses traços suprassegmentais, que a princípio só ocorrem brevemente, tornam-se mais frequentes e podem ser mantidos por um período de tempo mais longo (LOWE,1996). Schirmer et al (2004), afirma que aos 18 meses (1 ano e seis meses), a criança poderá ter de 30 a 40 palavras em seu vocabulário (mamá, bebê, miau, pé, ão-ão, upa, etc.), começando também a combinar duas palavras (por exemplo: dá papá). Lowe (1996) reafirma que durante esse estágio é observada a variação prosódica. Exemplos da fala de crianças durante esse período incluem variações de altura (alto x baixo) para indicar diferenças no significado. Aos 24 meses (2 anos), a criança tem um vocabulário com cerca de 150 palavras e usa combinação de duas ou três palavras. (SCHIRMER et al 2004). Aos 30 meses (2 anos e 6 meses), usa habitualmente linguagem telegráfica (papá pão, mamã vai papá). Ao completar aproximadamente 36 meses (3 anos), a criança inicia o uso de artigos, plurais, preposições e verbos auxiliares. No período em que as crianças começam a utilizar enunciados de duas palavras, ocorre outro desenvolvimento na utilização de suprasssegmentais: o acento contrastivo. Esse é utilizado para sinalizar diferenças de significado entre palavras semelhantes. Assim na frase: “Papai come” (ambas as palavras sendo enfatizadas) poderia indicar que “papai está comendo”, enquanto que na frase: “Papai come” (somente a segunda palavra sendo enfatizada) poderia indicar talvez que “Papai deveria sentar-se e comer” (LOWE,1996). Contudo Lowe (1996), afirma que o verdadeiro domínio de todo o sistema suprassegmental não parece ocorrer antes que a criança atinja os 12 anos de idade. Portanto, embora a aquisição dos suprassegmentais comece cedo, tratase de um longo processo que pode se estender além da aquisição do sistema fonológico segmental da criança. As alterações em relação à linguagem, e em especial os aspectos suprassegmentais, estão presentes, por exemplo, em crianças com autismo e atraso de linguagem. Gadia et al (2004), afirma que nos autistas as dificuldades na comunicação ocorrem em graus variados, tanto na habilidade verbal quanto na nãoverbal de compartilhar informações com outros. Algumas crianças não desenvolvem habilidades de comunicação. Outras têm uma linguagem imatura, caracterizada por jargão, ecolalia, reversões de pronome, prosódia anormal, entonação monótona etc. Os que têm capacidade expressiva adequada podem ter inabilidade em iniciar ou manter uma conversação apropriada. Os déficits na linguagem suprassegmental e na comunicação Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010 65 persistem na vida adulta, e uma proporção significativa de autistas permanecem nãoverbais. Aqueles que adquirem habilidades verbais podem demonstrar déficits persistentes em estabelecer conversação, tais como falta de reciprocidade, dificuldades em compreender sutilezas de linguagem, piadas ou sarcasmo. Klin (2006), considera que de 20 a 30% dos indivíduos com autismo não chegam a falar. Esse percentual é consideravelmente menor do que era há cerca de 10 a 15 anos, graças, em grande parte, à intervenção precoce e intensiva. Retardos na aquisição da linguagem são as reclamações mais frequentes dos pais. Os padrões usuais de aquisição da linguagem (brincar com os sons e balbuciar) podem estar ausentes ou ser raros. A linguagem pode ser não recíproca em sua natureza. A criança produz uma linguagem sem intenção de comunicação. Mesmo que a sintaxe e a morfologia da linguagem estejam relativamente preservadas, o vocabulário e as habilidades semânticas podem ter um desenvolvimento lento e aspectos dos usos sociais da linguagem (pragmática) são particularmente difíceis para os indivíduos com autismo. Portanto, o humor e o sarcasmo podem ser uma fonte de confusão, na medida em que a pessoa com autismo pode não conseguir apreciar a intenção de comunicação do falante, resultando em uma interpretação completamente literal da declaração. Em geral, a entonação de voz é apagada ou monótona e os demais aspectos comunicativos da voz (ênfase, altura, volume, e ritmo ou expressões) são idiossincráticos e pobremente modulados. (KLIN, 2006) Nos indivíduos com síndrome de Asperger, a linguagem pode ser marcada pela prosódia pobre, ainda que a inflexão e a entonação possam não ser tão rígidas e monotônicas como no autismo. Eles geralmente exibem um espectro restrito de padrões de entonação que é utilizado com pouca relação no funcionamento comunicativo da declaração (asserções de fato, comentários bem-humorados). A velocidade da 66 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 63-67, jun. 2010 fala pode ser incomum (fala muito rápida) ou pode haver falta de fluência (fala entrecortada) e há, frequentemente, modulação pobre do volume; a voz é muito alta, apesar da proximidade física do parceiro da conversação (KLIN, 2006). Bishop (2002), afirma que nas crianças com síndrome de Down, o balbuciar reduplicado começa por volta dos 8 meses (faixa de variação dos 6 aos 10 meses), equiparando-se com as crianças de desenvolvimento normal; no entanto as primeiras palavras da criança com essa síndrome só ocorre por volta dos 24 meses. Feitosa (2003) aponta estudos os quais relatam que o desenvolvimento pré-linguístico e o uso funcional da linguagem em bebês com síndrome de Down é diferente de bebês normais. O desenvolvimento fonológico é lento em pessoas com a síndrome, embora a sequência geral pareça acompanhar o desenvolvimento de crianças normais. A inteligibilidade da fala permanece baixa na maioria das pessoas com a síndrome; verifica-se maior variabilidade na prosódia: frequência fundamental e inadequação no controle da taxa de fala e na entonação da sentença. Dificuldades articulatórias parecem intensificar essas dificuldades fonéticas e fonológicas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nesta revisão da literatura, verificou-se que os aspectos suprassegmentais da linguagem, também chamados de aspectos prosódicos, mais importantes são: variação de altura, intensidade e velocidade. O bebê, desde os primeiros anos de vida, já apresenta uma sensibilidade com relação aos traços suprassegmentais. Coincidindo ainda com o balbucio canônico, os traços prosódicos manifestam-se mais aparentes a partir aproximadamente do 6º mês de idade. Conclui-se que, o processo de desenvolvimento dos traços suprassegmentais é importantíssimo, visto que se torna um apoio para que, durante o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, a criança possa ser com- preendida segundo a situação contextual em que se encontra. A aquisição dos traços suprassegmentais é um processo gradual que pode se estender até a adolescência. A revisão da literatura demonstrou que a aquisição dos traços suprassegmentais se dá de forma diferente em crianças com aquisição normal, com atraso simples e com distúrbio de aqui- sição. O retardamento desses traços ocorre de forma mais visível em crianças autistas, pois muitas nem chegam a desenvolver habilidades de comunicação. Com relação às crianças com síndrome de Down, elas apresentam os traços supra-segmentais, sendo que esse processo ocorre de forma atrasada, comparando-se com aquelas de aquisição normal. REFERÊNCIAS BESSA, Maria; LIMA, Rosa Maria. 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As limitações funcionais seguidas de sintomas depressivos levam ao idoso a uma baixa autoestima. Objetivo: Revisar a literatura científica sobre o aspecto da autoestima de idosos, relacionando a sua melhoria com a realização de atividades físicas. Métodos: Tratase de uma revisão literária realizada na Biblioteca Central da Universidade da Amazônia - UNAMA e na base virtual do Scielo e Schoolar Google. Considerações finais: O idoso confronta-se com modificações que provoca a diminuição da sua autoestima. Na realização de exercícios físicos, existe a oportunidade de o indivíduo ter uma sensação de sucesso que, por sua vez, trás pontos positivos para a sua imagem e autoestima. PALAVRAS-CHAVE: Idoso. Envelhecimento. Depressão. Baixa autoestima. Exercício Físico. 1 INTRODUÇÃO A população idosa representa cerca de 9% da população Brasileira e é estimado que esse segmento da população representará 24% no ano 2050 (IBGE, 2000). O prolongamento da vida é uma aspiração de qualquer sociedade. No entanto, só pode ser considerado como uma real conquista na medida em que se agregue qualidade aos anos adicionais de vida. (VERAS, 2009) A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, definiu a saúde como um estado que contempla não somente a ausência de enfermidade, como também o bem-estar físico, psicológico e social. O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial e, no Brasil, as modificações ocorrem de forma radical e bastante acelerada. As projeções mais conservadoras indicam que, em 2020, o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos, com um contingente superior a 30 milhões de pessoas. (CARVALHO et al, 2003) Segundo Schneider (2008), o desempenho funcional dos indivíduos declina progressivamente, devido ao processo fisiológico do envelhecimento. As limitações funcionais seguidas de sintomas depressivos levam o idoso a uma baixa autoestima. A participação em programas de exercícios físicos é uma forma efetiva para reduzir e/ou prevenir declínios funcionais associados ao envelhecimento, sendo que as evidências sugerem que o envolvimento em exercícios físicos regu- * Acadêmico do 7Ú semestre do Curso de Fisioter apia da Univer sidade da Amazônia - UNAMA, ex-moni tor de Bioquímica Aplicada à Fisioterapia e Farmacodinâmica. E-mail: [email protected] 1 Trabalho orientado pela Professora da disciplina Fisioterapia na Terceira Idade Ana Júlia Cunha Brito. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010 69 lares pode também fornecer benefícios psicológicos relacionados à preservação da função cognitiva, alívio dos sintomas de depressão, aos distúrbios relacionados ao comportamento, e a uma melhora no autoconceito de controle pessoal e autoeficácia (ACSM, 1998). 2 OBJETIVO Buscar, na literatura, considerações acerca da autoestima na terceira idade. Assim como também, relacionar a sua melhoria com a realização de atividades físicas. população total. A partir de então, aconteceu uma brusca queda na taxa de natalidade, caracterizando uma transição demográfica de caráter irreversível. (SCHMIDT et al, 2007) Segundo Schimidt (2007), envelhecer não significa, necessariamente, declínio ou perda das faculdades e funções, não sendo o número de anos que se vive o determinante para o comportamento e as vivências, mas uma série de fatores que influem no processo do envelhecimento. Pontes (1996) afirma que o envelhecimento não é apenas a velhice, mas um processo irreversível que ocorre durante toda a vida, do nascimento à morte. 3 METODOLOGIA 4.2 DEPRESSÃO NA TERCEIRA IDADE O presente estudo foi realizado a partir de uma revisão bibliográfica na Biblioteca Central da Universidade da Amazônia - UNAMA e na base virtual do Scielo e Schoolar google, no período de 20 de Fevereiro a 15 de Março de 2010. Foram utilizados dois livros e dezesseis artigos científicos que faziam referência ao assunto proposto, os quais foram lidos de forma crítica e criteriosa. 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1 ENVELHECIMENTO O termo envelhecimento refere-se a diversos aspectos da passagem do tempo, em diferentes níveis de abordagem. Quando se denomina o envelhecimento de maneira geral, o termo refere-se a um evento multideterminado e, portanto, de difícil conceituação (STOPPE JUNIOR et al, 1997). O envelhecimento da população é um fator incontestável em todo mundo. É uma fase em que o idoso pode se entregar à vida com mais alegria, porque já não possui a preocupação com o trabalho. Até a década de 1970, a curva demográfica brasileira apresentava grande estabilidade quanto à proporção das diferentes faixas etárias na 70 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010 Depressão é a doença psiquiátrica mais comum entre os idosos, frequentemente sem diagnóstico e sem tratamento. Ela afeta sua qualidade de vida, aumentando a carga econômica por seus custos diretos e indiretos e, pode levar a tendências suicidas. (OLIVEIRA et al, 2006) No Brasil, a prevalência de depressão entre as pessoas idosas varia de 4,7% a 36,8%, dependendo fundamentalmente do instrumento utilizado, dos pontos de corte e da gravidade dos sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006) Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a presença de depressão entre as pessoas idosas tem impacto negativo em sua vida. Quanto mais grave o quadro inicial, aliado à não existência de tratamento adequado, pior o prognóstico. As pessoas idosas com depressão tendem a apresentar maior comprometimento físico, social e funcional afetando sua qualidade de vida. Em pacientes idosos, além dos sintomas comuns, a depressão costuma ser acompanhada por queixas somáticas, hipocondria, baixa autoestima, sentimentos de inutilidade, humor disfórico, tendência autodepreciativa, alteração do sono e do apetite, ideação paranóide e pensamento recorrente de suicídio. (STELA et al, 2002) 4.3 AUTOESTIMA EM IDOSOS A autoestima reflete o julgamento implícito da nossa capacidade lidar com os desafios da vida, sentindo-nos confiantemente adequados a ela. Desenvolver a nossa auto-estima é expandir nossa capacidade de ser feliz. Quanto maior ela for, maiores serão as nossas possibilidades de manter relações saudáveis, em vez de destrutivas. (SILVA et al, 2004) Quando a autoestima é alta, decorre de experiências positivas com a vida; por outro lado, quando a autoestima é baixa, resulta de fatores negativos. (MAZO et al, 2006) Estudo realizado com mulheres idosas verificou que: quanto melhor a autoestima, melhor foi a autoimagem das idosas; idosas mais ativas estão satisfeitas com a sua autoimagem e a sua autoestima; idosas com ausência de doenças apresentaram melhor autoestima e menor percepção de sentimentos negativos. (MAZO et al, 2006) Deprimidos pela imagem que fazem de si mesmos, muitos velhos que rejeitam o próprio envelhecimento, desenvolvem um sentimento de baixa autoestima e de autodesvalorização, ignoram as próprias limitações físicas impostas pela idade, expondo-se a situações inadequadas e de risco para a saúde. Alguns buscam condutas autodestrutivas e, até mesmo, o suicídio. (ROCHA e CUNHA, 1994) Para uma vida satisfatória, é indispensável a presença de uma autoestima positiva, que leva o indivíduo a sentir-se confiante, adequado à vida, competente e merecedor, pois a autoestima é composta de sentimentos de competência e de valor pessoal, acrescida de auto-respeito e autoconfiança. (BRANDEN, 1995). 4.4 ATIVIDADES FÍSICAS NA MELHORIA DA AUTOESTIMA A atividade em geral, seja física ou de outra ordem, é uma variável frequentemente citada na literatura como sendo de grande relevância para a qualidade de vida na velhice. (MIRANDA et al, 2003) A atividade física regular é um meio de promoção de saúde e de qualidade de vida. Em relação aos programas mundiais de promoção de saúde, a atividade física é destacada, pois evidências epidemiológicas sustentam o efeito positivo de um estilo de vida ativo e/ou do envolvimento dos indivíduos em programas de atividade física ou de exercício, na prevenção e minimização dos efeitos deletérios do envelhecimento. (MAZO et al, 2006) A participação em atividades físicas leves e moderadas pode retardar os declínios funcionais. Assim, uma vida ativa melhora a saúde mental e contribui na gerência de desordens como a depressão e a demência (BENEDETTI et al, 2007). Estudos recentes têm mostrado a influência da atividade física e da música (canto, coral, instrumentos) na melhora da autoestima do idoso. Estes são apenas alguns exemplos de atividades que podem ser muito prazerosas e benéficas para o idoso. O convívio com a família e os amigos também podem proporcionar experiências enriquecedoras e contribuem para elevar a autoestima no idoso (MIRANDA, 2008). Chogahara et al (1998) afirma que a prática de atividade física pelos idosos possibilita benefícios nas relações sociais com a família e amigos, na integração social, no bem-estar e na melhora da autoestima. Perracini et al (2009) justifica que o treinamento com exercícios permite desenvolver ao idoso parte de sua dependência e autonomia, tornando-o capaz de realizar atividades diárias. Assim, os idosos passam a sentir competentes e capazes, aumentando a sua autoestima. Bebber (2003) avaliou o grau de autoestima, através da escala de autoconhecimento proposta por Rosenberg (1973), em 90 idosos (com idade entre 60 a 80 anos), divididos em três grupos: 30 que praticavam atividade física, 30 sedentários e 30 que participavam de grupos de convivência. Os três grupos apresentaram eleLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010 71 vada autoestima, sendo que o grupo sedentário demonstrou menor grau de autoestima (7%), atribuído à falta de exercícios físicos. Em uma pesquisa realizada em 2004, com 174 idosos que praticavam atividades físicas três vezes por semana, evidenciou-se que em sua grande maioria, eram indivíduos bastantes satisfeitos com a vida. (PERRACINI et al, 2009) Do ponto de vista mental, a atividade física, sobretudo quando praticada em grupo, eleva a autoestima do idoso, contribui para a implementação das relações psicossociais e para o reequilíbrio emocional (STELA et al, 2002). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Envelhecimento implica em algo que é associado à idade cronológica, mas não idêntico a ela. O termo envelhecimento pode ser utilizado de diversas formas: como uma variável independente para explicar outros fenômenos, ou como uma variável dependente que é explicada por outros processos (STOPPE JUNIOR et al, 1997). As causas de depressão no idoso configuram-se dentro de um conjunto amplo de componentes onde atuam fatores genéticos, eventos vitais, como luto e abandono, e doenças incapacitantes, entre outros. Cabe ressaltar que a depressão no idoso frequentemente surge em um contexto de perda da qualidade de vida associada ao isolamento social e ao surgimento de doenças clínicas graves (STELA et al, 2002). Além do declínio da saúde, das dificuldades financeiras e da viuvez, outras perdas significativas, como morte de amigos e parentes próximos, ausência de papéis sociais valorizados, desvio da imagem corporal do ideal, podem afetar a autoestima do idoso de maneira a causar uma situação séria de crise emocional (GATTO, 1996; ROCHA e CUNHA, 1994). O exercício físico está também associado ao aumento da alegria, da autoeficácia, do autoconceito. Parece que as atividades físicas dão a oportunidade de o indivíduo ter uma sensação de sucesso que, por sua vez, reforça a autoimagem e a autoestima positiva (MAZO et al, 2006). REFERÊNCIAS CSM - American College of Sports Medicine Position stand on exercise and physical activity for older adults. Med. Sci. Sports Exerc. p.992-1008, 1998. BEBBER, A. J. O grau de autoestima de idosos em diferentes contextos sociais. Florianópolis, 2003. 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Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 69-73, jun. 2010 73 74 AVALIAÇÃO E PROPOSTA DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES COM HÉRNIA DE DISCO LOMBAR: relato de caso1 Yan Aquino Diniz* RESUMO Este artigo irá tratar inicialmente da anatomia da coluna, da fisiopatologia da hérnia de disco, seguida de uma avaliação fisioterapêutica e finalizando com uma proposta de protocolo de tratamento fisioterapêutico. Objetivo: apresentar uma proposta de tratamento fisioterapêutico diante de uma avaliação minuciosa de uma paciente com hérnia de disco lombar. Metodologia: relato de caso de uma paciente com hérnia de disco lombar que foi avaliada em 11 de dezembro de 2009. Conclusão: a proposta de tratamento fisioterapêutico foi bem abrangente, englobando 3 áreas da fisioterapia, tais como traumato-ortopedia, fisioterapia aquática e recursos técnicos manuais, buscando a melhor qualidade de vida do paciente em questão. PALAVRAS-CHAVE: Hérnia de Disco. Avaliação Fisioterapêutica. Protocolo de Tratamento Fisioterapêutico. 1 INTRODUÇÃO A coluna vertebral é formada por um conjunto de vértebras separadas entre si por um disco intervertebral. Constituindo a base do tronco, proporcionando suporte rígido e flexível, composto por 33 vértebras formando cinco regiões, as quais: cervical, torácica, lombar, sacral e coccígea, cada região é denominada curvatura recebendo a mesma nomeação. No feto existe uma única curvatura côncava anteriormente, que formam as curvaturas primárias (região torácica e sacral); no desenvolvimento da criança acentuam-se as curvaturas secundárias (região cervical e lombar), estas últimas se desenvolvem respectivamente no período de sustentação da cabeça e a outra no período em que a criança procura ficar de pé e iniciar a deambulação. Entre os corpos adjacentes às vértebras sobrepõem-se os discos intervertebrais que são bastante deformáveis, permitindo mudanças quanto à forma da coluna vertebral. A raça, o sexo, o desenvolvimento genético e fatores ambientais causam as variações nas vértebras (MOORE, 2001). As pessoas de 30 a 45 anos de idade são mais suscetíveis a lesões sintomáticas do disco, porém, excesso de peso, traumas e desvios da coluna vertebral, podem acarretar uma desestruturação do disco intervertebral através, da protrusão do núcleo pulposo, o que leva a uma hérnia discal (KISNER & COLBY, 1998). * Acadêmico do 5º semestre de Fisioterapia da Universidade da Amazônia; monitor das disciplinas Citologia e Genética Humana; Histologia e Embriologia Humana. 1 Artigo orientado pela docente Tainá Alves Teixeira, graduada em Fisioterapia pela Universidade da Amazônia, especialista em Fisi oterapia nas disfunções traumato-ortopédicas; mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano; docente das disciplinas Recursos Terapêuticos Manuais e Mecânicos e Fisioterapia nas Enfermidades e Distúrbios dos Sistemas Osteo-nioarticulares. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 75 A hérnia de disco lombar é caracterizada pelo extravasamento do líquido do núcleo pulposo por pressão axial, já que a coluna lombar suporta a metade do peso do corpo. Os discos intervertebrais são constituídos por cartilagem hialina, divididos em uma parte central denominada núcleo pulposo, composto por 88% de água e fibras colágenas, e a parte periférica chamada de anel fibroso, que fecha o núcleo em compartimento entre os platôs vertebrais. As principais funções do disco intervertebral é a manutenção do espaço entre as vértebras, evitando o atrito entre elas e amortecendo os impactos causados pelas forças de compressão, além de ser responsável pelos movimentos da coluna vertebral (KAPANDJI, 2000). A coluna lombar sofre grande pressão axial onde a substância do núcleo pulposo pode fluir em diferentes direções ocasionando a produção de rasgaduras infrafasciculares. Essas fugas da substância do núcleo podem ser anteriores (são mais raras) e posteriores, já que o ligamento vertebral comum posterior é menos espesso (frequentes). A hérnia de disco só é aparentemente possível se o disco for deteriorado por microtraumatismos repetidos que causam a degeneração pela desidratação do disco, por aumentarem de volume e se deslocarem cada vez mais para o canal vertebral até o conflito com alguma raiz do isquiático, ou se as fibras do anel começar a se degenerar (KAPANDJI, 2000). O fator envelhecimento também é considerado quando se fala em desidratação discal. Com o passar da idade, o disco intervertebral sofre uma série de degenerações histológicas, histoquímicas e bioquímicas. Com isso o núcleo pulposo perde sua capacidade amortecedora, fazendo com a distribuição de carga sobre o anel fibroso torne-se desigual, o que pode provocar a ruptura das fibras do disco. (KAPANDJI, 2000) A herniação se dá no decorrer de alguns momentos. Em um primeiro momento, o extravasamento permanece unido ao núcleo, ficando bloqueada debaixo do ligamento vertebral 76 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 comum posterior e unida ao núcleo, denominada também de protrusão. Com a frequência a hérnia afunda o ligamento vertebral comum posterior e pode ficar livre no interior do canal vertebral, sendo uma hérnia discal “livre”. Em outros casos a hérnia fica bloqueada pelas fibras do anel fibroso, que não deixam que este líquido extravasado retorne ao núcleo, logo é uma hérnia que se caracteriza por ficar presa entre as fibras do anel. Quando esta alcança a fase profunda do ligamento vertebral comum posterior, a hérnia pode deslizar para cima ou para baixo, sendo denominada de hérnia migratória subligamentar. Caso as fibras do anel fibroso sejam resistentes, a hiperpressão pode provocar o afundamento dos platôs vertebrais, e esta será denomina de “hérnia intra-esponjosa” (KAPANDJI, 2000). Com o extravasamento do núcleo pulposo, substâncias contidas nele provocam irritações nas raízes nervosas gerando a dor. A compressão das raízes nervosas impede que a irrigação sanguínea alimente os nervo o que provoca a inflamação, dores e formigamentos na região lombar da coluna, podendo estar associadas a irradiação para membros inferiores, limitação de amplitude de movimento e déficit de força. O diagnóstico de hérnia discal lombar é dado de acordo com o relato do paciente, exame físico e exames complementares por tomografia computadorizada (TC) e imagem de ressonância magnética (RM). A hérnia de disco pode ser sintomática ou assintomática, o que vai variar de acordo com os diversos fatores, como a localização, o tamanho e o tipo de hérnia lombar, que podem ocasionar lombalgia (dor na região lombar que vai de leve à intensa), radiculalgia (ocorre após a lombalgia, quando a hérnia comprime o nervo vertebral, gerando dor na coluna) que ocasiona a irradiação da dor para o membro inferior pela compressão dos nervos da medula espinhal. A emissão de dor também pode ser explicada pelo ligamento vertebral comum posterior ou ligamen- to longitudinal posterior, que é muito inervado e constitui uma fita que se estende do processo basilar até o canal do sacro, criando um limite posterior para o disco intervertebral. 2 RELATO DE CASO Esta paciente não foi submetida ao tratamento, apenas foi feita a sua avaliação no dia 11 de dezembro de 2009; assinou termo de consentimento livre e esclarecido; diante disso foi traçada uma proposta de tratamento pelo autor deste artigo para a paciente. Paciente em questão L.G.H.C., do sexo feminino, 32 anos, relatora pública, com diagnóstico clínico de hérnia de disco lombar em L3-L4, L4L5 e L5-S1, queixa-se de dor na região lombar do lado direito com irradiação para o membro inferior contralateral. A história da dor teve início no dia 7 de julho de 2009, ao sentar, a paciente procurou serviço médicos onde foram prescritos pelo médico medicamentos analgésicos e antiinflamatórios. O quadro álgico é progressivo, ainda utiliza medicação analgésica. Os antecedentes médicos pregressos do paciente negam diabete, hipertensão e doenças infecto-contagiosas. No exame físico foi realizada a inspeção da postura global da coluna vertebral em pé na vista posterior, constando hiperlordose lombar e na vista lateral anteroversão de pelve. Na palpação do quadril não foi evidenciado alterações de temperatura e espasticidade muscular, porém na face anterior foi evidenciado dor na crista ilíaca, e E.I.A.S. (Espinha Ilíaca Antero -Posterior ) direita, e na face posterior foi evidenciado dor na E.I.P.S. direita, processos espinhosos de L2, L3 e L4 e túber isquiático direito. A amplitude de movimento foi verificada pela goniometria bilateralmente para determinar presença ou não de disfunção, estabelecimento de diagnóstico, objetivo de tratamento, avaliar a recuperação e melhora funcional para direcionamento de recuperação de limitações articulares, baseado na coluna lombar e quadril. Quadro 1: Mostra a amplitude de movimento normal, segundo Gross et AL (2000), e a goniometria de coluna lombar da paciente em questão.*Déficit de Amplitude de movimento. Quadro 2: Mostra a amplitude de movimento normal, segundo Gross et al (2000), e a goniometria de quadril da paciente em questão.*Déficit de amplitude de movimento. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 77 continuação do quadro II... A perimetria de perna foi realizada em 2 medições nas distâncias de 15 e 20 centímetros partindo do ponto de referência da borda inferior da patela, em torno da região da perna, bilateralmente. Quadro 4: Mostra a perimetria de perna direita e esquerda da paciente em questão, partindo do ponto de referência a borda inferior da patela, 15 e 20 centímetros abaixo. Teste de força muscular foi realizado dentro da escala de força, onde (0) indica ausência de contração, (1) contração sem movimento; (2) movimento eliminando a gravidade; (3) movimento vence a gravidade; (4) movimento vence pequena resistência; (5) movimento vence grande resistência. A perimetria de coxa foi realizada com 3 medições em distâncias de 10, 15 e 20 centímetros partindo do ponto de referência na borda inferior da patela, em torno da região da coxa bilateralmente. Quadro 3: Mostra a perimetria de coxa direita e esquerda da paciente em questão, partindo do ponto de referência a borda inferior da patela, 10, 15 e 20 centímetros acima. 78 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 Quadro 5: Mostra o teste de força muscular da paciente em questão. Além do teste de força muscular foi realizado teste para disfunção neurológica em L3 e L4, com reflexo patelar ausente, caracterizando arreflexia. Também foi realizado reflexo aquileu de L5 e S1, normorreflexo (normal). Para ajudar na confirmação do diagnóstico foram utilizados testes especiais. O teste de elevação da perna teve finalidade de evidenciar o comprometimento da articulação lombar e irritação da raiz do nervo isquiático; a paciente foi posicionada em decúbito dorsal e elevou a perna esquerda em extensão até 90º, sendo positivo para diagnóstico de irritação nervosa (GROSS et al, 2000). Outro teste utilizado foi o de abaixamento para evidenciar tensão meníngea, radiculopatia e discopatia, onde a paciente fica sentada com as mãos atrás das costas seguindo essa ordem: primeiro a paciente inclina para frente e o terapeuta mantém o queixo; segundo o terapeuta aplica uma pressão unilateral no ombro e solicita flexão cervical; terceiro, o terapeuta aumenta a pressão para flexão cervical torácica e lombar; em quarto, o paciente extende uma perna; em quinto, dorso-flexão do pé da perna que foi extendida e, em sexto faz extensão da cervical; este teste foi positivo (GROSS et al, 2000). O outro teste utilizado foi o de Schober para limitação verdadeira lombar realizado com paciente em pé, o terapeuta faz uma marca entre as EIPS e outra marca 10 centímetros acima, é pedido à paciente a flexão da coluna sem dobrar os joelhos; é medido esse espaço; neste teste; a paciente apresentou alteração igual a 12 centí- metros, constatando positividade do teste, a normalidade seria maior ou igual a 15 centímetros (CICONELLI & TORRES, 2006). Como exames complementares foi analisada a ressonância magnética da coluna lombo-sacra obtida nos planos sagital e axial com ponderações em T1 e T2, técnica de supressão de gordura e sem administração de meio de contraste paramagnético. Foi evidenciado no exame: protrusão focal posterior e mediana caracterizando hérnia discal em L4L5 com grande conteúdo discal no interior do canal medular determinando marcada compressão sobre a superfície anterior do saco dural e redução na amplitude dos forames neurais, aspecto circunferencialmente protruso do disco intervertebral de L3-L4 associada compressão dural anterior, pequena ruptura do anel fibroso em projeção mediana e posterior e discretaredução na amplitude dos forames neurais, discos intervertebrais de L3-L4, L4-L5 e L5-S1 mostrando modificação da intensidade de sinal relacionado à desidratação degenerativa incipiente. No diagnóstico cinético-funcional a paciente apresenta déficit funcional motor na região lombar (L2, L3 e L4), com quadro álgico (7 na escala de EVA), compressão do nervo ciático com irradição para membro inferior esquerdo, perda de força muscular para flexo-extensão do quadril e adução do quadril esquerdo, limitação da ADM na flexão da coluna lombar em decorrência de hérnia de disco lombar (L3 - L4), (L4 – L5), (L5 – S1). Quadro 6: Mostra a escala visual analógica de dor. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 79 Os objetivos do tratamento visam diminuir ou eliminar o quadro álgico, aumentar ADM para flexão de coluna lombar, aumentar o grau de força muscular para flexo-extensão de quadril, adução de quadril esquerdo e promover orientação postural. 3 PROPOSTA DE TRATAMENTO A proposta de tratamento é baseada em um cronograma semanal, constando três vezes na semana um tratamento com a eletroterapia, os recursos terapêuticos manuais e cinesioterapia, e duas vezes um tratamento baseado na terapia aquática. Na eletroterapia seria utilizado o TENS acupuntura, como conduta analgésica em fase crônica, pela atuação na liberação de opióides endógenos (endorfinas e encefalinas), pela inibição da dor no SNC. Os parâmetros para o tratamento foi de 5 Hz, pulso de 200us, com intensidade em limiar motor e tempo de aplicação de 20 minutos ou mais (AGNE,2008). Também pode-se usar ondas curtas, que irão agir termicamente de forma a promover uma vasodilatação, aumento da circulação sanguínea, aumento do metabolismo, da atividade enzimática e redução da dor, pois há uma diminuição da excitabilidade dos nervos periféricos, já que a aplicação de calor sobre a área de um nervo periférico produz aumento do limiar de dor na área inervada por ele, esses efeitos são causados pela ação antiinflamatória e relaxante promovida pelo calor, além do aparelho permitir a melhor contração e relaxamento com maior rapidez dos músculos devido o aumento da temperatura (AGNE, 2008). As doses de ondas curtas são divididas em três categorias, sendo estas: a alta, onde há claro aumento do calor; a média, onde os efeitos térmicos são fracos, e a baixa, no qual os efeitos térmicos não são observáveis, embora haja efeitos fisiológicos nessas dores. O protocolo de tratamento de cinesioterapia consiste principalmente no reforço muscular e alongamento das estruturas envolvidas, retor80 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 nando estas à homeostase adequada. Para isso, a cinesioterapia irá dispor de recursos e técnicas apropriadas para garantir ao paciente melhoria dos sintomas, tais como dor, diminuição de amplitude de movimento, déficit de força muscular, hipotrofia muscular ou discrepância entre membros, hemicorpos e/ou segmentos. Para a paciente foram prescritos os seguintes protocolos: Adotando Escala Visual Analógica de 7 pontos, relatada pela paciente (EVA: 7) 1) Exercícios a) Exercício ativo livre – Flexão de coxofemoral: 3 séries de 8 repetições i n te r v a l o entre as séries de 40s. b) Exercício ativo livre – Abdução de coxofemoral: 3 séries de 8 repetições i n te r v a l o entre as séries de 40s. c) Exercício ativo livre – Adução de coxofemoral: 3 séries de 8 repetições i n te r v a l o entre as séries de 40s. d) Exercício ativo livre – Extensão de coxofemoral: 3 séries de 8 repetições i n te r v a l o entre as séries de 40s. e) Exercício ativo livre – Extensão de coluna lombar: 3 séries de 8 repetições i n te r v a l o entre as séries de 40s. Evolução: de acordo com a evolução da paciente podemos fazer readaptações dos exercícios acima citados, bem como aumento no número de repetições de 8 para 10, diminuição do intervalo entre as séries de 40s para 30s, para ganho de força e resistência. Após essa fase, a paciente evoluirá para o exercício cinesioterapêutico ativo resistido, que contará com o auxílio de uma resistência, que pode ser mecânica (halteres, caneleiras), elástica (fitas, ou tubos elásticos) ou mesmo resistência manual exercida pelo fisioterapeuta. 2) Alongamentos a) Alongamento de cadeia posterior de membro inferior (isquiotibiais) b) Alongamento de flexores (quadríceps) c) Alongamento de adutores (adutor curto e adutor longo) d) Alongamento de abdutores (tensor da fáscia lata) e) Alongamento de paravertebrais f) Alongamento de flexão de coluna lombar com auxílio de bola suíça. g) Alongamento de extensão de coluna lombar com auxílio de bola suíça. O alongamento passivo é realizado pelo fisioterapeuta, que aplica uma força externa e controla direção, intensidade, velocidade e duração do alongamento dos tecidos moles que estão causando a contratura e a restrição da mobilidade articular. O alongamento autopassivo é um tipo de exercício de flexibilidade que a paciente realiza sozinha. O paciente pode passivamente alongar suas próprias contraturas ou fazê-lo usando seu peso corporal como força de alongamento (KISNER & COLBY, 1998). Para a utilização de recursos terapêuticos manuais podemos usufruir das técnicas de manipulação. O alisamento superficial, que é útil para dar início a uma sequência de massagens, é realizado lenta e suavemente em qualquer direção visando o relaxamento. O alisamento profundo é administrado com uma pressão maior com bastante lentidão, que visa estimular a circulação ao tecido muscular mais profundo; pode ser utilizado para a dilatação das arteríolas nos tecidos mais profundos. Os alisamentos foram utilizados para o relaxamento geral ou local, baseado em seus efeitos pelo impacto mecânico sobre os tecidos pelo sistema nervoso sensitivo (DOMENICO, 1998). A effleurage é um movimento de alisamento lento; compressão crescente na direção do fluxo venoso, terminando em um grupo de nodos linfáticos superficiais, com o objetivo de mobilizar o conteúdo das veias e dos vasos linfáticos superficiais; é realizada de forma lenta, com pressão significativa gradualmente para “empurrar” o sangue venoso e a linfa através de veias e canais linfáticos. O fluxo linfático é acelerado implicando a fluidez mais rápida do sangue, estimulando a circulação e eliminando os produtos dos catabólitos, facilitando a cura pela absorção de exsudato inflamatório (DOMENICO, 1998). Para a eficácia deste tratamento manual são essenciais manipulações de pètrissage ou manipulações de pressão, pelos quatro tipos de técnicas: amassamento, beliscamento, rolamento e torcedura (DOMENICO, 1998). No amassamento os músculos e tecidos subcutâneos são alternadamente comprimidos e liberados em sentido circular, a fim de afetar tecidos profundos pela mobilização de fibras musculares e tecidos profundos para o funcionamento normal da musculatura; é utilizada a técnica com a superfície palmar, com bastante lentidão, com pressão significativa e adaptada e bastante leveza. O beliscamento ocorre quando os músculos são agarrados e erguidos dos tecidos subjacentes, comprimidos e soltos na mesma direção das fibras musculares, no sentido da origem até a inserção, com pressão de cima para dentro, lento contínuo e ritmo visando à mobilização individual ou por grupos para o aumento da mobilidade muscular. Na torcedura os tecidos são levantados com ambas as mãos em oposição, com a mesma finalidade da torcedura, onde as mãos movimentam-se alternadamente ao longo do eixo longitudinal do músculo, com velocidade lenta à média, ritmo uniforme e com pressão razoável. O rolamento da pele e os tecidos subcutâneos são rolados sobre as estruturas mais profundas, onde a pele é dobrada sobre si própria, sendo provável que esta mobilize o conteúdo dos vasos superficiais, melhorando a circulação para a área; é realiLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 81 zada de forma muito lenta e não exige pressão significativa (DOMENICO, 1998). As manipulações percussivas podem ser utilizadas para o tratamento, visando à estimulação dos tecidos por ação mecânica direta ou por ação reflexa. Os movimentos utilizados foram: palmadas, pancadas, cutiladas e socamento (DOMENICO, 1998). A palmada é um movimento com as mãos em concha que golpeiam rapidamente a superfície cutânea comprimindo o ar e provocando uma onda de vibração que penetra nos tecidos; estimula os tecidos por ação mecânica direta, quando a palmada é aplicada de forma leve e rápida sobre a musculatura estimula a atividade pela ativação direta; dos fusos musculares; a velocidade varia de acordo com o conforto do terapeuta e do paciente. O movimento de pancada é realizado com as mãos em que o pulso frouxamente cerrado golpeia a parte do corpo, com a mesma finalidade da palmada, porém mais estimulante, pela rapidez adaptada de acordo com a coordenação do terapeuta. A cutilada foi realizada com as bordas laterais e as superfícies dorsais dos dedos que golpeiam a superfície da pele em rápida sucessão com efeito estimulante e vigoroso de forma leve e rápida. O socamento é realizado com as bordas ulnares dos pulsos frouxamente cerrados que golpeiam alternadamente e em rápida sucessão; deve ser rápido até quanto a coordenação do terapeuta é permitida. Para a realização dos movimentos citados acima foram utilizados duas posições pelo terapeuta. No alisamento superficial e profundo, effleurage, e as técnicas de pètrissage adota-se a posição de esgrimista, e para as técnicas percurssivas adota-se a postura ereta. O tratamento em curto prazo através da fisioterapia aquática será feito inicialmente com um aquecimento para promover o reconhecimento e ambientação do paciente com o local, em seguida seria realizado alongamento e fortalecimento com hidrocinesioterapia ativando as cadeias posteriores e anteriores de membro inferior e coluna lombar para manter ou aumentar a amplitude de mo82 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 vimento, ampliar o grau de força muscular para flexo-extensão e adução de quadril de acordo com o grau de força do paciente (BIASOLI & MACHADO, 2006), que está em grau quatro. Após o fortalecimento será promovido o relaxamento dorsolombar, o qual é constituído por cinco etapas: • • • • • Massagem: realizada por toda a região lombar e membros inferiores, com o paciente em posição supina e o terapeuta em posição de cubo. Hidromassagem: Terapeuta movimenta as mãos no sentido latero-lateral por cinco minutos. Alongamento (apoio inferior): fisioterapeuta estabiliza a pelve do paciente com o próprio tronco e com a mão (contralateralmente), posiciona a outra mão (que está livre) na região infraaxilar. Em seguida, alonga-se a musculatura paravertebral. Caso o paciente apresente muita dor, a mão livre deve ser posicionada um pouco mais abaixo da região infra-axilar, pois uma grande amplitude no movimento pode agravar a dor do paciente. Esta manobra pode ser repetida três vezes com duração de 5 a 10 segundos cada vez. Tração: fisioterapeuta posiciona-se ao lado do paciente, coloca uma das mãos no sacro do mesmo e a outra no dorso. Simultaneamente são realizados movimentos opostos, onde a mão que está no dorso segue em sentido cranial e a mão que está no sacro no sentido caudal. Essa manobra pode ser repetida três vezes com duração de 5 a 10 segundos cada vez (posição de guerreiro para o terapeuta) Algas: finalizando o relaxamento, o fisioterapeuta movimenta as pernas do paciente para cima e para baixo, mesclando também com movimentos para os lados durante 20 seg. no total. Em longo prazo o tratamento será feito da seguinte forma: aquecimento, alongamento, hidrocinesioterapia ativa, método anéis de bad ragaz e relaxamento dorsolombar. O método dos anéis de bad ragaz têm como objetivos: melhorar a resistência em geral, aumentar a amplitude de movimento, tracionar e alongar a musculatura espinhal e, principalmente, o fortalecimento. 4 DISCUSSÃO A diatermia por ondas curtas, que promove calor profundo, pode apresentar benefícios diminuindo a sintomatologia, porém o tratamento com diatermia é caro e precisa de estudos clínicos randomizados nos quais sua aplicação seja acompanhada por um protocolo de cinesioterapia para alongamento e fortalecimento muscular, porém Brandt (1998) relata não haver evidências que tratamentos com calor são mais efetivos em analgesia do que somente exercícios. Briganó & Macedo (2005), fizeram uma comparação entre os efeitos da terapia manual e da cinesioterapia em pacientes com lombalgia e a mobilidade lombar em indivíduos sintomáticos e assintomáticos com diagnóstico clínico de lombalgia crônica que foram submetidos à avaliação de dor, mobilidade lombar e ao tratamento fisioterápico composto por terapia manual e cinesioterapia. Como resultado foi encontrada diferen- ça estatisticamente significante na comparação da dor antes e após o tratamento fisioterápico e para mobilidade da coluna lombar em indivíduos com e sem dor. Os autores do estudo concluíram que a cinesioterapia e a terapia manual têm influência significativa na melhora da lombalgia, bem como a mobilidade lombar é diminuída quando comparada a indivíduos assintomáticos. Segundo Bates & Hanson (1998), a hidroterapia tem uma terapêutica abrangente que utiliza os exercícios aquáticos na reabilitação de diversas patologias. Essa terapêutica promove os resultados de relaxamento muscular, alívio da dor, redução do espasmo muscular, redução da força gravitacional, aumento da amplitude de movimentos, melhora da circulação periférica, e dentre outros, a melhora da autoconfiança. 5 CONCLUSÃO Este trabalho visou propor um tratamento fisioterapêutico após uma avaliação, a fim de estabelecer um tratamento eficaz para a patologia abordada englobando diversas técnicas e áreas da fisioterapia. Concluímos que este artigo foi de grande importância para o esclarecimento e manipulação das técnicas adequadas que devem ser abordadas para o tratamento de hérnia na região lombar do caso relatado. REFERÊNCIAS MOORE, K. Anatomia Orientada para a clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001, cap 4, p.81-93,380. KISNER, C.; COLBY, L. Exercícios terapêuticos: fundamentos e técnicas.[s.l.]: Manole, 1998. KAPANDJI, A. I. Fisiologia articular: esquemas comentados de mecânica humana. [s.l.]: Panamericana, 2000. V. III. GROSS, J. FETTO, J.; ROSEN, E. Exame musculoesquelético. Porto Alegre: Artmed, 2000. CICONELLI, R.M.; TORRES, T.M. Instrumentos de avaliação em espondilite anquilosante. Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 46. suppl.1, jun.2006. AGNE, Jones E. Eletrotermoterapia: teoria e prática.[s.l]: ed. Orium, 2008. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 83 DOMENICO, G.; WOOD, E. C. Técnicas de massagem de Beard. 4. ed. SãoPaulo: Manole, 1998. BRIGANÓ, J.U.; MACEDO, C.S.G. Análise da mo- BIASOLI, M.C.; MACHADO, C.M.C. Hidroterapia aplicabilidades clínicas. Revista Brasileira de Medicina, v. 63-n. 5, maio, 2006. e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências BRANDT, K.D. The importance of nonpharmacologic approaches in management of osteoarthritis. Am. J. Med. 1998; 105(1B): 39S .44S. BATES, A.; HANSON, N. Exercícios aquáticos te- 84 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 75-84, jun. 2010 bilidade lombar e influência da terapia manual Biológicas e da Saúde, v.26, n.2, p.75-82, 2005. rapêuticos. São Paulo: Manole, 1998. DOS ESCRITOS DE EUCLIDES DA CUNHA À CONTEMPORANEIDADE: a Amazônia da fronteira às margens do rio Purus1 William Monteiro Rocha* RESUMO Euclides da Cunha, ilustre e desempregado em 1904, foi nomeado pelo Barão do Rio Branco chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. A viagem do famoso escritor brasileiro pela Amazônia permitiu-lhe testemunhar a complexidade e riqueza da região, tal como a difícil situação de isolamento e descaso das populações que ali viviam. Tais constatações levariam Euclides a projetar a redação de inúmeros textos genuinamente propositivos e repletos de sua concepção republicana e aliados de uma profunda análise social. Mesmo cem anos depois, a realidade dessa região encontra-se pautada em muitos aspectos descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios amazônicos, como buscar-se-á demonstrar neste artigo, por meio de dados resultantes de uma pesquisa de campo à cidade de Santa Rosa do Purus (AC), parte da região onde o autor esteve um século atrás. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Fronteira. Rio Purus. Euclides da Cunha. Relações Internacionais. mada numa clivagem cujo tênue equilíbrio repousa sobre a solidez das certezas transcendentes do autor. Pode-se mesmo entrever nessa característica um indício oportuno para explicar a fixação do escritor em enfocar a realidade a partir dos seus aspectos desencontrados e confli- 1 INTRODUÇÃO O Escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha teve uma formação intelectual permeada de certa introspecção e uma visão mediada pela ciência, que permitiu a ele ao longo de sua trajetória de vida descrever ambientes, situações e espaços, tal como perfilar escolas, vertentes e ideologias. A preocupação de realizar uma síntese entre a linguagem literária herdada e a elocução científica do presente constitui uma verdadeira obsessão para Euclides, como demonstra Sevcenko (1995): Síntese entre literatura e ciência, combinação de estéticas, cruzamento de gêneros, oposições de estilos; sua obra parece ressudar tensões por inteiro. Ela é composta estruturalmente de camadas heterogêneas díspares e mesmo incompatível, ar- * 1 Internacionalista; bacharel em Relações Internacionais da 1ª turma formada pela Universidade da Amazônia (Unama); ex-monitor da disciplina Teoria das Relações Internacionais I (2009); ex-bolsista do projeto de pesquisa Gestão das Águas da Amazônia: peculi aridades e desafios no contexto sociopolítico regional da bacia do rio Purus (CNPq/PPG7). Atualmente é assi stente de pesquisa do projeto Identificando preferências através do conhecimento incerto: a interpretação dos resultados eleitorais em municípios paraenses através da utilização das redes bayesi anas. Contato: [email protected] | (091) 8151-5717 Artigo orientado pelas professoras Nirvia Ravena, dr a em Ciência Política, professorap/pesquisadora da Universidade da Amazônia (Unama) e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPa); e Voyner Ravena Cañete, Dr a em Desenvolvimento Sócioambiental, professora/pesquisadora da Universi dade Federal do Pará (UFPa). Contato: [email protected] | [email protected] Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 85 tantes. É uma constante em sua obra a ênfase sempre reincidente sobre os contrastes, as antíteses, os choques, os confrontos, os desafios, os cotejos, as oposições, os antagonismos (SEVCENKO, 1995, p.136). Desde os artigos escritos nos tempos em que estudava na Escola Militar, passando pelas contribuições em jornais do Rio de Janeiro e São Paulo até a publicação relevante de Os Sertões, Euclides, decisivamente influenciado por concepções modernas, compunha o projeto dos intelectuais brasileiros da época afinados com os centros europeus em promover a modernização do país, do ponto de vista político, social e cultural, e isso lhe permitira desbravar e descrever com genialidade duas regiões distintas do Brasil: o sertão baiano e a selva amazônica. A escolha de Euclides da Cunha para realizar a cobertura da Guerra de Canudos foi um episódio ímpar em sua vida. Como repórter, retratou a realidade da forma mais próxima possível. Pelos relatos, detinha os entrevistados com frequência para esclarecer, principalmente, expressões verbais, ditos populares e construções frasais raras e sonoras. Descreveu com riqueza de detalhes o conflito em si, a geografia local, a população, o Exército e, sobretudo, a maneira oficial, de ver a guerra, sempre colocando os acontecimentos na perspectiva do que julgava bom para o Brasil e para a República. Almeida (2008) consubstancia que: Toda a obra é construída a partir de níveis de compreensão. O meio físico evolui para a particularidade da terra como representação científica (nas suas variáveis geológicas e botânicas, que tanto explorou) e daí para o sertão como representação de um país desconhecido e inóspito. Da definição racial do povo do lugar, Euclides avalia o homem (“o cerne vivo da raça”) expresso na figura do jagunço, o brasileiro excluído do projeto nacional. E do momento, ou seja, a realização ou a ação se expressa no conflito armado, no instante de desencontro entre o arcaico e o moderno. (ALMEIDA, 2008, p.197). 86 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 De sua viagem pela Amazônia resultaram inúmeros artigos e obras relevantes à análise do período e da região em questão. Euclides aludia especificamente à impressão visual que a Amazônia causa no visitante. A uniformidade da vegetação, a longa extensão dos rios, a magnitude da floresta, tudo geraria no observador uma espécie de entorpecimento dos sentidos. A igualdade daquele cenário, em toda sua vasta extensão, resultaria no que Euclides denominou de “monotonia”. Esclarece esse sentimento a partir de uma analogia com os mares: “[...] em poucas horas o observador cede às fadigas de monotonia inaturável e sente que o seu olhar, inexplicavelmente, se abrevia os sem-fins daqueles horizontes vazios e indefinidos como os dos mares.” (CUNHA, 1994). Em seus escritos sobre a Amazônia, Euclides vai carregar nas cores com que descreve a região, trabalhando com um jogo de antíteses que se presta a impressionar o leitor. Essas antíteses são componentes fundamentais de seu estilo, que primava em lidar com as oposições e contrastes. Em suas palavras: “Parece que ali a imponência dos problemas implica o discurso vagaroso das análises: às induções avantajamse demasiado os lances da fantasia. As verdades desfecham em hipérboles”. (CUNHA, 2006). Nesse trecho, Euclides deixa claro e evidente que além da “fantasia” e deslumbramento aos olhos que a Amazônia faz ao visitante, muito são os problemas, o isolamento e o descaso para com a região. Essa característica descritiva bastante presente nas obras do escritor pela Amazônia, revestem-se de aspectos contemporâneos que nos capítulos seguintes serão abordados. Euclides da Cunha foi, sem sombra de dúvida, um republicano convicto. O contato com a realidade política e social dominante, cheia de contradições, aliado ao pessimismo como método de análise da realidade, era a maneira pessoal do autor interpretar o mundo. Como intelectual, não se furtou de manifestar por meio da imprensa (com a qual contribuiu significativa- mente ao longo de sua vida) suas impressões e críticas sobre a política brasileira no momento da instauração da República. Sua formação e vocação ao republicanismo ocorreram em um ambiente coberto de ideais positivistas que colocavam em xeque a monarquia e, colocavam a ciência como instrumento primordial de análise da sociedade e da natureza. Tal formação cientificista, obtida nos anos em que estudou na Escola Militar da Praia Vermelha, estará presente de modo indelével em suas convicções políticas (PONTES, 2005). A participação de Euclides na imprensa marca o início de sua atividade como intelectual público. Suas colaborações nos jornais A Província de São Paulo (atual O Estado de S. Paulo) e no Democrata, evidenciam o surgimento do pensador influenciado pela ciência e o escritor de estilo hiperbólico, engajado na militância pela reforma social. Tal envolvimento com o processo de mudança política e transformação social não cessou com a Proclamação da República. As deficiências do novo regime farão com que Euclides, frustrado com os rumos do país, continue defendendo mudanças, ainda que de forma mais discreta. Ao entusiasmo inicial, portanto, seguiu-se a desilusão com a República (MOURA,1964). Decepcionado com os problemas da Primeira República, Euclides chegou a ingressar na vida política, se candidatando a deputado por São Paulo com o apoio de Júlio Mesquita, do jornal A Província de São Paulo. Tal incursão na política foi malsucedida, pois Euclides não obteve votos necessários para sagrar-se deputado pelo Partido Republicano de São Paulo. Kassius Pontes (op.cit.) evidencia: A ligação de Euclides da Cunha com a política apresenta, por conseguinte, características bem definidas. O republicanismo e a defesa de reformas sociais são traços marcantes de sua atuação, bem como uma espécie de romantismo ou idealismo aos quais ele se referiu em diversas ocasiões. Sua personalidade combativa do ponto de vista intelectual teve pouca de- senvoltura, contudo, no plano da prática político-partidária. O fracasso de sua primeira tentativa eleitoral e a precoce desistência de uma outra candidatura em Minas Gerais indicam que Euclides não estava preparado para as lides eleitorais, sobretudo em função de seu alegado escrúpulo em solicitar favores e adesões e em travar contato com políticos tradicionais. Seus ímpetos revolucionários não encontravam, por conseguinte, espaço para progredir no cenário político da Primeira República (PONTES, op.cit. p.24). A participação política de Euclides vai se concentrar na colaboração com a imprensa e no contato com personagens proeminentes da época. Seu transitar nos círculos intelectuais permitiu-lhe o acesso a importantes políticos e burocratas da época. A ligação com o Barão do Rio Branco, por exemplo, surgiu com intermédio de intelectuais renomados, como José Veríssimo e Oliveira Lima. O quadro de ascensão da República e a crença de Euclides nas possibilidades do novo regime, bem como do papel que a intelligentsia2 da classe média desempenhou nesse período, fundamenta a análise e interpretação das obras de Euclides, inclusive dos textos sobre a Amazônia e sobre política internacional, escritos em sua maior parte durante o desempenho de atividades no Itamaraty. Para compreensão de sua obra é necessário observar um ideal republicano que depois cede a decepção republicana transformada em crítica, juntamente a observação das questões políticas e pregação de reformas sociais. Tais concepções políticas vão se fazer presentes na totalidade de sua obra literária e suas análises. Durante cinco anos (1904-1909) trabalhou com o Barão de Rio Branco. No início, esperando a nomeação para uma próxima expedição pelo interior do Brasil e, mais tarde, produzin2 Nome dado a uma determinada classe social de pessoas engajadas em trabalho de disseminação complexa e criativa direcionada ao desenvolvimento e propagação de questões políticas, sociais e até mesmo culturais, abrangendo grupos sociais e intelectuais próximos. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 87 do relatórios, estudos e mapas – muitos mapas – sobre regiões de litígios entre estados, detalhamentos de fronteira ou mesmo o mapa oficial do Brasil, como o de 1907. Esperava também que Rio Branco o efetivasse como quadro do Ministério das Relações Exteriores, situação que nunca aconteceu. Cabe ressaltar que, apesar do seu posto no Itamaraty, Euclides não era diplomata, mas pensava do ponto de vista da diplomacia os fatores estratégicos que se relacionavam à ação do poder publico na região, acrescentando à discussão sobre o território a variável social. Suas obras, em especial no período que trabalhou na chancelaria brasileira, são de profundo entendimento sobre a realidade internacional. Era um observador e como tal analisava questões internacionais, mas sem ambição de tornar-se formulador ou executor de política externa (diplomata). Mais correto, segundo Pontes (op.cit.) é considerá-lo um intelectual cuja vocação era revelar o lado pouco conhecido do país, ou seja, um intérprete do Brasil, preocupado em afirmar a nacionalidade e refletir sobre a construção da República, que o levou a manifestar juízos sobre as relações internacionais do país. Tal propensão em escrever sobre política externa surgiu em momentos anteriores a sua admissão ao Itamaraty, e foram intensificadas com o início dos trabalhos na chancelaria ao lado do Barão do Rio Branco. 2 FRONTEIRA E TERRITÓRIO: cenários históricos e conceitos A Amazônia, ainda sob o aspecto estritamente físico, conhecemo-la aos fragmentos. Mais de um século de perseverantes pesquisas e uma literatura inestimável, de numerosas monografias, mostram-no-la sob incontáveis aspectos parcelados. A inteligência humana não suportaria, de improviso, o peso daquela realidade portentosa (CUNHA, op.cit.). 88 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 Escreveu Euclides da Cunha, no início do século XX, quando nomeado chefe da comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purus, com o objetivo de demarcar limites entre o Brasil e o Peru. Mais de cem anos se passaram desde que Euclides esteve nesta região e o excerto acima ainda se mostra evidente. A região de fronteira a qual o célebre autor foi apresentado em 1905 se mostrava uma área portentosa e ao mesmo tempo conflituosa. Segundo Pontes (op.cit), Euclides dava á “Amazônia uma visão de constante mutação, de construção inacabada, uma espécie de página incompleta do Gênesis3”. Essa página incompleta e quase esquecida a qual Euclides referencia a Amazônia encontra-se ainda no imaginário ocidental desde o século XVIII como uma área de fronteira marcada pela ideia de espaço vazio. Tal compreensão permanece até os dias atuais, tanto nas concepções dos indivíduos que migram para este território quanto para os tomadores de decisão que operam nas políticas públicas. Mesmo cem anos depois, a realidade desta região encontra-se pautada em muitos aspectos descritos por Euclides em seus inúmeros ensaios amazônicos. No entanto, existe uma diferença fundamental que caracteriza esse espaço de tempo: os problemas da época de Euclides eram fronteiriços e marcados pela luta do território no que ele considerava como um “conflito inevitável” entre brasileiros e peruanos. Já no contexto atual, evidenciam-se inúmeros problemas sociais envolvendo as populações tradicionais com a gestão pública, para acesso aos recursos e até mesmo aos processos políticos. O conflito que a expedição de Euclides visava diplomaticamente sanar, com a demarcação dos limites de Brasil e Peru, era entre os cau3 Vale lembrar que Euclides da Cunha integrava um corpo de intelectuais mar cadamente influenciados pela l ógica evolucionista que, além de forjar o escopo das ci ências naturais, se espraiou para as ciências humanas, especialmente a antropologia. Daí a ideia de gênesis, como cenário inicial da formação ou “gestação do mundo” (CUNHA, 1994). cheiros4 peruanos e os seringueiros brasileiros. Atualmente, na região em questão inexistem conflitos nesse sentido. Entretanto, problemas sociais são evidentes nos dois lados da fronteira, com outra relevante diferença dos tempos de Euclides, o numeroso contingente de grupos indígenas distribuídos ao longo da região transfronteiriça da qual o sinuoso rio Purus separa. Fronteira em seu conceito amplo, diz respeito a uma determinada área de duas partes distintas. Tal conceito foi ao longo da história se consolidando e tanto no período das monarquias nacionais, quanto da Paz de Westphália 5, o estabelecimento e delimitação do alcance do poder do Estado necessitavam de uma maior exatidão. No entanto, essa fronteira pode representar muito mais que uma mera divisão ou unificação de partes. Esse conceito pode representar também, o nível de autonomia e soberania de um Estado sobre o outro, dois regimes políticos e/ou ideológicos, duas formas de organização e o que a fronteira que se buscará explicar neste trabalho exemplifica: o de duas realidades distintas. Atrelado, e muitas vezes sinônimo ao conceito de fronteira, o conceito de limite é comu- mente utilizado. Entretanto, cabe diferenciação. A fronteira, no seu sentido amplo, marca e coloca o outro lado como o diferente, ou seja, como o começo do novo, pode-se assim dizer. Já o limite, designa o fim do controle de uma determinada unidade político-territorial. Em outras palavras, fronteira diz respeito a uma ordem e/ou demarcação natural, geométrica e até mesmo arbitrária, ou seja, de integração, todavia, o limite é uma abstração como fator de separação. Na região foco deste trabalho, a fronteira é natural, na verdade, a fronteira é o próprio rio. O rio Purus caracteriza-se por uma sinuosidade peculiar que somado à dinâmica dos períodos de seca e de cheia, resulta em uma navegação repleta de desafios em sua totalidade de quase 3.300 km. É considerado um rio de águas brancas e o aspecto meândrico que é conferido a ele é notado desde sua nascente no Peru, passando pela Bolívia e desembocando nos estados do Acre e do Amazonas, no Brasil. A característica transfronteiriça que também é atribuída ao rio Purus deve ser atentamente analisada, pois ações voltadas ao desenvolvimento da região não podem se limitar a aspectos meramente geopolíticos. Nesse sentido é preciso ir além e, visualizar a bacia hidrográfica como um todo, respeitando fatores político-econômicos, mas sobretudo, resguardando o fator social da região. 4 2.2 O MUNICÍPIO DE SANTA ROSA DO PURUS (AC) 2.1 REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE FRONTEIRA 5 Faz referência ao caucho, árvore presente na fauna da região e muito explorada na época. Dela é possível extrair uma goma elástica que, alem de ser de qualidade inferior ao látex, não se renova. borracha e o caucho criaram tipos humanos diferentes, métodos de extração diversos, modos de vida peculi ares. A pri meira estabiliza o homem nas estradas, porque o corte feito nas árvores se renova periodicamente. A planta encontra meios de r evitalização, e, sarada das fissur as abertas no tronco, suporta outras mais, sempre generosa em leite. O segundo faz do homem um eterno itiner ante na floresta, dadas as características de sua fisiologia que vão se refletir no fato social. Excessivamente frágil, não resiste às sangrias periódicas, definha e morre (TOCANTINS, 2001, p.392). Foram uma série de tratados, que além de encerrarem conflitos como a Guerra dos Trinta Anos, e inauguraram o moderno sistema internacional ao col ocarem consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado nação. Em suma, delimitaram as frontei ras de poder de um Estado com o outr o e se transformaram em um marco das relações internacionais. Localizada na região do Alto Purus (figura 1), no estado do Acre, Santa Rosa do Purus é um município resultante do desmembramento da cidade de Manuel Urbano, e foi constituída através da lei estadual nº 1.028, de 28 de abril de 1992. Como município de fronteira internacional (Brasil/Peru), Santa Rosa do Purus encontra-se bastante isolada, pois o acesso ao município restringe-se ao transporte fluvial e a pequenas aeronaves que chegam à pista de pouso improvisada de terra batida mantida pela gestão pública local. Cerca de 4000 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 89 habitantes vivem no município, dentre os quais, mais de 50% da população é indígena. A participação dessa população se dá também no âmbito político, no qual o vice-prefeito é indígena e a Câmara de Vereadores é composta também por índios. A ausência de rodovias evidencia um isolamento que marca todo o entorno do município. As atividades econômicas giram em torno, especialmente, do extra- De toda sorte, pensar em Santa Rosa do Purus significa pensar na fronteira a partir de seu conceito clássico, ou seja, significa pensar na ocupação de áreas pouco povoadas e que têm nesse processo de ocupação uma dinâmica social própria marcada pela ausência do Estado e das regras institucionalizadas que normalmente orientam as ações dos atores sociais (CASTRO e HÉBETTE, 1989). Figura 1: Localização de Santa Rosa do Purus Fonte: Wikipédia (adaptado pelo autor) tivismo, sendo a pesca de subsistência a segunda atividade mais importante. As atividades agrícolas restringem-se à produção de culturas de consumo local em decorrência do difícil escoamento da produção. Este se dá normalmente por via fluvial, ainda que bastante limitado pelas imposições da dinâmica da cheia e vazante do rio que impedem a navegação de embarcações de grande calado. 90 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 3 RIO PURUS: fronteira e análise social Cem anos depois da viagem e dos relatos de Euclides, o cenário da Região Amazônica que se apresenta, encontra-se pautado em muitos aspectos descritos pelo autor em seus inúmeros ensaios sobre a região. Sua expedição à Amazônia, que deveria dar origem a uma segunda grande obra intitulada Um paraíso perdido, não che- gou a ser concluída, e pretendia “vingar a Hiléia maravilhosa de todas as brutalidades das gentes adoidadas que a maculam desde o século XVII” (CUNHA apud HARDMAN, 2009). Seu contato com a natureza da região levou-o a constatar uma terra inacabada, imprópria à ocupação humana e adversária do homem. Esta natureza poderosa e considerada invencível, entretanto, acabara cedendo lugar à demanda de uma ação organizada e sistemática do governo nacional sobre a região visando torná-la parte efetiva do território nacional. A expedição de Euclides pela Amazônia, que tinha como objetivo principal a demarcação de fronteiras, acabou resultando em uma valiosa e profunda análise social da região. Nomeado chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus, o autor percorreu grande parte da fronteira entre o Brasil e o Peru no intento de sanar diplomaticamente um conflito de fronteira entre caucheiros e seringueiros, e, sobretudo resguardar a soberania brasileira, segundo as premissas da diplomacia do Barão do Rio Branco. Euclides, que viu na Amazônia do início do século XX uma página incompleta do Gênesis, descreveu um espaço de tempo caracterizado por problemas fronteiriços, marcados pela luta do território no qual ele considerava como um “conflito inevitável” entre brasileiros e peruanos. Já no contexto atual, se evidenciam inúmeros problemas sociais envolvendo as populações tradicionais com a gestão pública, para o acesso aos recursos e até mesmo nos processos políticos. Muitas das impressões que abalaram o autor continuam presentes. Euclides chamou a Amazônia de “um deserto” e descreveu sua combinação de grandiosidade com tristeza. O Alto Purus continua com o mesmo clima de abandono, como se fosse quase inabitado, com longos trechos de rio sem manifestação humana ao redor. A natureza continua muito semelhante; a mata permanece quase toda intocada, com suas imbaúbas e pau-mulatos. Entretanto, resguarda-se uma relevante diferença dos tempos de Euclides, o numeroso contingente de grupos indígenas distribuídos ao longo da região transfronteiriça da qual o sinuoso rio Purus separa. A presença de inúmeras aldeias de índios caxinauás e kulinas, é algo que Euclides definitivamente não viu. Ambas etnias são predominantes ao longo do rio, e suas aldeias, tal como vilas, são vistas com frequência no alto de barrancos à margem. Rabetas e canoas (figura 2) ficam “estacionadas” na base enlameada do barranco que raramente possui degraus. Vivem de maneira semelhante a seus ancestrais, plantando milho e mandioca, e morando em malocas com telhado de palha. No entanto, o contato com a sociedade nacional foi e é algo irreversível. A realidade das etnias indígenas é pautada por uma relação direta com o poder público, seja atuando nas instâncias locais como no caso de Santa Rosa do Purus, ou sendo assistidos por políticas públicas sociais do governo 6 e principalmente os caxinauás demonstram um envolvimento direto com a sociedade do entorno. Uma outra característica marcante dessa relação indígena com o poder público refere-se ao espaço de fronteira. A fronteira atual da região se mostra favorável à migração de indígenas peruanos ao território brasileiro, tendo em vista o acesso das políticas já acessadas pelos índios brasileiros, e por outro lado, considerando o cenário de participação dessas atnias na vida política em território peruano, os caxinauás identificam as possibilidades de aprendizagem de uma lógica do campo político que também pode ser usada nas experiências no Brasil7. 6 7 Programas como o Bolsa Escola e Bolsa Famí lia, a capacitação para se tornar AIS (Agente Indígena de Saúde), AISAN (Agente Indígena Sanitário) ou técnico de enfermagem e até mesmo programas voltados para a capacitação no ensino superior de i ndígenas são exemplos de políticas sociais do governo, dentre as quais muitos índios da região aces sam. A cidade de Esperanza (território peruano) localizada também na região do Alto Purus, teve no último processo eleitoral um índio caxinauás escolhido para ocupar o cargo de Alcaide, um cargo semelhante ao de prefeito, na estrutura burocrática e de gestão brasileira. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 91 A realidade atual da fronteira difere em parte do que Euclides da Cunha constatou em sua viagem à região. Os atores de agora não são mais os seringueiros ou os caucheiros, e, sim os indigenas e a própria gestão pública local, que não deflagram um conflito que ponha em risco a soberania, e, sim trazem consigo uma carga histórico-colonizadora marcada pela exploração, descaso e isolamento que, aliado às intervenções antrópicas as quais seus recursos naturais foram submetidos, marcam o espaço de fronteira descrita pelo autor brasileiro como uma fronteira social. a Madeira-Mamoré, o IBGE, e, até mesmo, a Calha-Norte (LIPPI, 1998). Tal integração da Amazônia ao Brasil proposta por Euclides, colocava a região na agenda de política externa do Brasileira, o que até hoje se apresenta como fundamental para o resguardo de nossa soberania. Atualmente o intento de trazer desenvolvimento à região remete aos tempos de Euclides da Cunha e mesmo com inúmeras políticas para a região, tal efetiva integração até os dias de hoje mostra-se se como algo que se almeja e apresenta como desafio. Cabe notar que os escritos do Figura 2: Rabetas e canoas na margem do rio Purus Fonte: Pesquisa de campo – junho de 2009 Euclides da Cunha pode ser considerado um missionário do progresso. Da mesma forma com a qual desejou integrar o Sertão nordestino à vida nacional, assim o fez em relação à Amazônia. O autor propôs a recuperação do rio Purus (para torná-lo melhor navegável), a construção de uma estrada de ferro – a Transacreana – que seria capaz de espalhar frentes de colonização e prote92 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 ger as fronteiras do país. Além do mais, incitou sempre em seus escritos, a integração da Amazônia ao resto do país e que tal integração não se desse apenas territorialmente, mas de fato, trazendo o desenvolvimento a esta região. Neste sentido, Euclides pode ser visto como um precursor de ideias e projetos que foram implementados, com ou sem sucesso, anos mais tarde, como autor acerca dos problemas da Amazônia revestem-se de atualidade. Algumas questões por ele expostas, como o abandono da região e a “porosidade das fronteiras como o agravamento da situação social” (PONTES, op.cit.) demonstram ainda, temas básicos de reflexão e entendimento da região. Euclides da Cunha pensou sob a ótica da diplomacia fatores e premissas estratégicas que se relacionavam à ação do poder público na região. Fato esse que deve ser entendido e tido como referência ao analisar não só a região do Alto Purus, mas a Hiléia de forma geral. Dentre inúmeros processos e viés de integração da região, em especial do Alto Purus em 2009 foi dado um passo importante na história da região. Uma proposta de integração econômica e comercial entre as regiões do Alto Juruá e Alto Purus8, entre Brasil e Peru, fazendo do rio Purus uma alternativa de escoamento para a produção de ambos os países. Cem anos depois da passagem de Euclides pela região, uma integração efetiva e mediada pelo Ministério das Relações Exteriores parece acenar na direção já proposta pelo escritor. O entendimento proposto por Euclides da Cunha retratando a Amazônia sob o viés historiográfico, permitiu uma leitura renovada dos problemas de fronteira, de integração física e de inclusão social, dando ênfase, assim, à importância dessas três dimensões para a formulação da política externa brasileira da época. Tais dimensões devem servir de base ao analisar a região, que, resguardando as riquezas naturais, apresenta o fator social e humano como peçachave da interação que leva ao desenvolvimento e é exatamente nesses múltiplos cenários que se impõe, como desafio o desvendar de cada fragmento da história da região. 8 Agência de Notícias do Acre. Alfândega Provisória no Alto Purus inaugura nova rota comercial Brasil-Peru. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=9011&Itemid=139 . Acesso: 10 / 10 / 2009 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Amazônia hoje se tornou fundamentalmente um espaço-chave para o prosseguimento da aventura humana no planeta Terra, e com ela inúmeras formas da biodiversidade cuja evolução desencadeou. A região, muito antes da dramaticidade que alcançou, teve vários momentos de elaboração, análise e crítica, na história da ciência e da cultura, em particular na chamada literatura dos viajantes, dos cronistas aos naturalistas românticos, e destes aos primeiros ficcionistas. Todos a seu modo tentaram representar o sublime daquela paisagem, em seu desmesuramento de real-maravilhoso que guarda igualmente os segredos do deslumbre e do fantástico. Euclides da Cunha, depois do sucesso estrondoso de sua narrativa acerca da tragédia sertaneja de Canudos, foi um dos primeiros escritores latino-americanos modernos a encarar o desafio de “escrever a Amazônia”. Euclides julgava imparcial a marcha do progresso, da civilização e do desenvolvimento, que traria a absorção do indígena e do sertanejo em detrimento do avanço unicamente das “raças” e “culturas” tidas como superiores. Os sertões, quer nordestinos, quer amazônicos, eram e são tidos como desertos, espaços fora da escrita. Ao explorar a caatinga e a floresta e resgatar o sertanejo e o seringueiro do esquecimento, o escritor procurava integrar os sertões e a floresta à escrita e à história, cujos limites e fronteiras estariam em constante expansão. Para Euclides, fora da escrita, da história e do consequente desenvolvimento, “não há salvação, só existe o deserto” (CUNHA, op.cit.). O discurso etnográfico e por vezes sócio-antropológico do autor sobrepunha inclusive as fronteiras nacionais, como visto em seus escritos sobre a política internacional da época. Mais de cem anos depois da passagem de Euclides pela Amazônia a região mostra-se em estado semelhante, seja do ponto de vista de seu espaço e, seja ao mesmo tempo, tão díspare quando se pensa na pluralidade de culturas, Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 93 naturezas e sociedades aqui existentes. Testemunho de seu tempo, o autor no início do século XX já abordava a importância da Amazônia no contexto internacional e destacava a relevância em integrar a região ao Brasil, efetivando assim, uma política exterior voltada para a região, resguardando a soberania e podendo levá-la ao desenvolvimento. A riqueza amazônica gera cobiça internacional e o conhecimento dessa riqueza muitas vezes não é reconhecido pelos próprios brasileiros. Buscar entender, estudar e analisar a região é algo que também pode ser visto sob a ótica da diplomacia e das relações internacionais, resguardando primordialmente a questão humana e social. Resta saber se daqui a cem anos, na Amazônia, o homem e a natureza continuarão a ser inimigos, como disse Euclides, ou se o paraíso perdido pode passar a ser o paraíso desenvolvido. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Luis Alberto S. Desilusão Republicana: Percursos e Rupturas no Pensamento de Silvio Romero, Euclides da Cunha e Lima Barreto. 2008. 340 p. Tese de Doutorado (pós-graduação em Literatura) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. Disponível em: http://www.euclides.site.br.com/teses.htm. Acesso: 09 / 09 / 2009. LIPPI. Lucia O. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento Brasileiro. In: História, Ciências, Saúde-Manguinhos. v.5. Rio de Janeiro: 1998. ISSN 0104-5970. Disponível em: http:// w w w . s c i e l o . b r / scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010459701998000400011&lng=pt&nrm=iso. Acesso: 23 nov. 2009. CASTRO, Edna Maria Ramos de e HÉBETTE, Jean (Org.) Na trilha dos grandes projetos: modernização e conflitos na Amazônia. Belém: UFPA/ NAEA. Cadernos NAEA, n. 10, 1989. MOURA, Clóvis. Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, 166 p. CUNHA, Euclides. À margem da história. São Paulo: Martin Claret, 2006. 234 p. PONTES, Kassius Diniz S. Euclides da Cunha, O Itamaraty e a Amazônia. Dissertação de Mestrado. Instituto Rio Branco. Brasília: Funag, 2005. 150 p. _______. Um paraíso perdido: ensaios, estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia. Organização, Introdução e Notas de Leandro Tocantins. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. 280 p. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. São Paulo: 1995. 257 p. HARDMAN, Franscisco F. A vingança da Hiléia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a Literatura Moderna. São Paulo: UNESP, 2009. 375 p. TOCANTINS, Leandro. Formação histórica do Acre. 4. ed. V. 1 e 2. Brasília: Senado Federal, v.1, 511 p. ; v.2 548 p. 2001. 94 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 85-94, jun. 2010 ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NO TRATAMENTO DA CONTRATURA DE DUPUYTREN: uma revisão de literatura¹ Rafael de Oliveira Barbosa* RESUMO A contratura de Dupuytren é uma enfermidade de caráter fibro-proliferativo da fáscia palmar que causa espessamento e retração da aponeurose e consequente desenvolvimento de nódulos fibrosos, podendo progredir rapidamente a contratura em flexão de um ou mais dedos e até a incapacidade funcional. É uma doença que acomete frequentemente a população masculina acima de 50 anos com histórico de alcoolismo crônico, epilepsia, diabetes e tabagismo. Objetivo: revisar na literatura científica sobre contratura de Dupuytren, enfatizando suas peculiaridades e atuação da fisioterapia. Método: estudo realizado no acervo da Biblioteca da UNAMA e em sites e revistas especializados no período de janeiro a fevereiro de 2010. Conclusão: Resultados mostram que uma reabilitação pós-operatória bem sucedida tem se mostrado eficaz no tratamento, e que ainda se observa escassez na literatura de estudos que retratam a atuação do fisioterapeuta na patologia. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento. Contratura de Dupuytren. Fisioterapia. 1 INTRODUÇÃO A contratura de Dupuytren (CD) foi inicialmente descrita por Cooper na Inglaterra e em seguida por Boyer na França por volta de 1823, quando então, em 1832, Guillaume Dupuytren publica um artigo descrevendo a afecção relatando minuciosamente a patologia e o seu tratamento cirúrgico que, devido à descrição detalhada, passou a ser chamada de Contratura de Dupuytren (CORAL, et al,1999; GOMES, et al, 2006). Consiste em uma doença de caráter fibroproliferativa da fáscia palmar, com espessamento e retração da aponeurose tendo como característica marcante o desenvolvimento de nódulos fibrosos podendo progredir rapidamente a uma contratura em flexão de um ou mais dedos, causando até mesmo a incapacidade funcional (DIB et al, 2008; XHARDEZ, 2001). Estudos mostram que a incidência da CD predomina em indivíduos do sexo masculino acima de 50 anos, afetando principalmente pessoas de pele clara. pesquisas revelam ser uma doença de caráter hereditário, existindo também vários outros fatores que podem estar associados ao surgimento da enfermidade, tais como diabetes mellitus, epilepsia, tabagismo e alcoolismo crônico (DUTTON, 2006). O sinal clínico precoce da doença é o aparecimento de um nódulo palmar, geralmente localizado na metade ulnar, assintomático, po- * Concluinte do curso de Fisioterapia pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e ex-monitor das disciplinas Citologia e Genética Humana e Histologia e Embriologia Humana. ¹ Artigo elaborado sob orientação do professor Erielson Bossini, fisioterapeuta e docente do curso de fisioterapia da UNAMA da área de Estágio Supervisionado em Fisioterapia osteomio-articular. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010 95 dendo evoluir para flexão fixa de um ou mais quirodáctilos devido à retração aponeurótica. Outros sintomas que podem ser encontrados são edema, sudorese e alterações térmicas. Schroder (2007), citado por Sayegh e Lopes (2009), revela que no tratamento conservador para CD foram testados vários procedimentos terapêuticos, e que os resultados esperados não ocorreram, afirmando, que a única terapia, com promessas de sucesso é, atualmente, a cirurgia. Embora a reabilitação não seja tão eficaz no tratamento conservador da contratura, ela possui um papel imprescindível no tratamento pósoperatório da doença, sendo que 50% dos resultados dependem fundamentalmente da imobilização e do exercício efetivo (FREITAS, 2005). 2 OBJETIVO Realizar uma revisão literária atualizada sobre a contratura de Dupuytren enfatizando suas peculiaridades, assim como a atuação fisioterapêutica. 3 MÉTODO Este estudo foi produzido através de um levantamento bibliográfico no período de janeiro a fevereiro de 2010 na Biblioteca da Universidade da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas em revistas especializadas e na internet, através das bibliotecas virtuais Pubmed e Scielo. 4 REVISÃO DE LITERATURA A contratura de Dupuytren é um transtorno fibroproliferativo progressivo que acomete a fáscia, principalmente da aponeurose palmar, e de vários outros componentes da fáscia digital, que tem como característica o desenvolvimento de nódulos fibrosos em localizações específicas, junto das linhas de tensão longitudinal palmar. O engrossamento e o encurtamento da fáscia causam contratura, que se comporta de forma 96 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010 similar à contratura e maturação da cicatrização da lesão. Estas contraturas geralmente se formam nas articulações MCF, IFP e IFD (DUTTON, 2006; ROSSI, 2006). Basicamente três componentes da aponeurose palmar estão envolvidos na contratura que são as bandas pré-tendíneas, o ligamento natatório e ligamento transverso superficial. Esses três componentes podem estar acometidos sozinhos ou combinados, dependendo do estado de severidade da doença (GOMES, et al, 2006). FREITAS (2005) descreve que em uma fáscia palmar normal as estruturas seriam denominadas de bandas e que, quando espessadas na CD, passariam a ser denominadas de cordas, tais como a natatória, espiral, lateral, central e a retrovascular, sendo cada uma destas estruturas responsável pela contratura de uma determinada articulação. Lembrando que em alguns casos, o polegar também pode ser acometido pela doença. Acredita-se que sua etiologia seja multifatorial cuja maior incidência ocorre em homens (10:1), brancos, entre 5a e a 7a década de vida. Acomete frequentemente a mão dominante, sendo comum a bilateralidade e, neste caso, a deformidade é mais importante na mão dominante. Estudos revelam ser uma doença hereditária, autossômica dominante, contudo, existe alta incidência em indivíduos epiléticos, alcoólatras, diabéticos e também acamados por longo período, permanecendo, portanto, sua etiologia um pouco obscura (DIB, 2008). Entretanto, três teorias merecem ser mencionadas como possíveis causas para o desenvolvimento da doença. São elas: (i) a teoria intrínseca, que afirma que a enfermidade tem sua origem em segmentos bem definidos da aponeurose normal preexistente; (ii) a teoria extrínseca, que descreve que a metaplasia do tecido fibroadiposo seria a causa da CD; (iii) e a teoria histoquímica que estabelece a adiposidade palmar como sítio de origem da enfermidade, sendo que alterações na composição e distribuição de ácidos graxos levariam à hipóxia na pele e tecido adiposo dos indivíduos acometidos (BARROS; BARROS; ALMEIDA, 1997). Dutton (2006) descreve uma classificação da doença em três estágios biológicos. O primeiro que seria o estagio proliferativo caracterizado pela proliferação intensa de miofibroblastos e pela formação de nódulos. O segundo estágio, involucional, é representado pelo alinhamento dos miofibroblastos junto às linhas de tensão. Nessa fase, pode-se observar a retração dos nódulos, adquirindo uma consistência mais firme e aderida, assim como o aparecimento de cordas lineares, que caracteriza a doença. E o terceiro e último estágio, residual, o tecido se torna na maior parte acelular e destituído de miofibroblastos, permanecendo somente bandas espessas de colágenos. O diagnóstico da CD é essencialmente clínico, tendo, na fase inicial, a presença de depressões e/ou invaginações da pele palmar, progredindo para nodulações maiores localizadas na prega palmar distal, mais frequentemente em direção ao dedo anular. Posteriormente, o aparecimento das cordas lineares que seguem o trajeto longitudinal em direção aos dedos, e o encurtamento dessas cordas é o que irá caracterizar a doença (ARAÚJO; BARROSO; AQUINO, 2000). Quanto ao tratamento, Schroder (2007, apud Sayegh e Lopes, 2009), relata que a intervenção cirúrgica é, nos dias atuais, a única terapia de sucesso para CD e que no tratamento conservador, no qual foram utilizados vários procedimentos terapêutico, com o decorrer do tempo, os resultados esperados não ocorreram de forma satisfatória. Divergindo deste posicionamento, Sayegh e Lopes (2009) em um estudo feito com paciente com diagnóstico CD mostraram resultados consideráveis ao término do tratamento, demonstrando os benefícios que a fisioterapia tem a propor, na qual foram utilizadas técnicas de deslizamento miofascial, ultrassom, exercícios de alongamentos, dentre outros. Nesta mesma linha de pensamento, Dutton (2006) cita que as intervenções conservado- ras não provaram ainda ser clinicamente úteis ou de qualquer valor a longo prazo no tratamento das contraturas estabelecidas, o que não foi confirmado no estudo de Sayegh e Lopes (2009), no qual a curto prazo foram obtidos resultados satisfatórios com melhora considerável na ADM da articulação MCF do 4º dedo, diminuindo de 16º em flexão para 4º em flexão. Para a determinação do plano terapêutico, é importante esclarecer o estágio em que se encontra a doença. Dentre os procedimentos conservadores mais utilizados no campo da fisioterapia tem-se a imobilização, o ultrassom terapêutico e a cinesioterapia (SAYEGH & LOPES, 2009). Os casos mais leves da CD são tratados conservadoramente, na tentativa de evitar contraturas articulares secundárias, por meio de exercícios de extensão forçada e aumento da extensibilidade da fáscia através do uso de correntes ultrassônicas ou outra modalidade de calor profundo. O uso do ultrassom tem se verificado eficiente no tratamento conservador da CD, aliviando a dor e diminuindo a retração cicatricial. Outra técnica fisioterapêutica que tem se mostrado eficaz é o uso do banho de parafina no segmento acometido (GOMES, et al, 2006). Silva, Fernandes e Fridman (1999) afirmam que as opções conservadoras devem ser reservadas para casos em que a doença se apresenta no estágio dito “nodular”. Desde que a cirurgia tem sido considerada como o único método realmente eficaz no controle dessa patologia, muito se tem investigado quanto às técnicas cirúrgicas. A primeira delas iniciou-se pelo relaxamento da fáscia contraturada (DUPUYTREN, 1834), seguida pela fasciectomia (FERGUSSON, 1846), pela dermofasciectomia com enxerto de pele (LEXER, 1931), pela fasciectomia com preservação da pele (SKOOG, 1967), pela fasciectomia regional (HAMLIN, 1952 e HUESTON, 1961), pela técnica da palma aberta (McCash 1964), pela fasciotomia limitada (COLVILLE, 1968), pela aponeurectomia segmentar (MOERMANS, 1986) e pela fasciotomia percutânea. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010 97 Barros, Barros e Almeida (1997) definem as indicações de cirurgia segundo os estágios da enfermidade, que são: a contratura em flexão da MCF e” 30º; contratura em flexão da IFP e” 20º; e contratura da membrana interdigital, particularmente entre o indicador e o polegar. Já Xhardez (2001) estima que a intervenção cirúrgica se faz necessária quando se aplica o teste de Hueston, o qual coloca a mão afetada sobre a mesa, e observa que a palma não toca na mesma. Quanto ao tratamento pós-operatório (PO) Freitas (2005) afirma que o propósito mais importante é melhorar ou restaurar a função máxima da mão. A reabilitação visa manter a extensão completa dos dedos, reobter a flexão, controlar o edema e a cicatriz, restaurar a força e prevenir complicações pós-operatórias. Para a reabilitação PO são realizados exercícios ativos ao longo de toda a amplitude articular. Esses devem ser iniciados, se possível, no primeiro dia de PO. Todos os movimentos de polegar, dedos e punho são realizados regularmente e modificados até a obtenção de toda a amplitude articular. Podem ser utilizadas talas, uso de órteses para posicionamento de extensão dos dedos, em conjunto com um programa cinesioterápico (GOMES, et al, 2006). Quanto ao programa de exercícios que podem ser aplicados, Freitas (2005) cita alguns destes, que inclui exercícios de extensão e flexão para cada articulação (MCF, IFP e IFD); exercícios de abdução e adução dos dedos: oposição do polegar a cada dedo, e exercícios de ADM para o punho e o polegar. Exercícios com hand-helper, digiflex, ou mesmo exercícios de flexão e extensão com massinhas são usadas, com o terapeuta tendo sempre o cuidado de equilibrar exercícios de flexão e extensão para prevenir perda de exten- 98 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010 são. Exercícios que visam atividades funcionais são introduzidos desde o início do tratamento para estimular o uso da mão. Inicia-se com atividades mais suaves, como segurar cones e bolinhas, e progride para atividades mais complexas, como macracrê, entre outros. Algumas atividades podem parecer ridículas ao paciente, se ele desconhecer o seu propósito. Cabe ao terapeuta, portanto, tornar explícito o propósito para que a atividade seja significativa. Como dizia Trombly, “a melhor atividade é aquela que exige intrinsecamente o movimento exato em que se determina a necessidade da melhora”. Com essas atividades, são estimulados movimentos coordenados que irão auxiliar na recuperação da ADMs, força e da função manual. Com o decorrer do tratamento, as atividades são gradativamente substituídas pelas tarefas do dia a dia (FREITAS, 2005). 5 CONCLUSÃO A contratura de Dupuytren é uma doença de caráter fibro-proliferativo da fáscia palmar que acomete a maior parte da população masculina com mais de 50 anos e com histórico de alcoolismo crônico, epilepsia e diabete. Considera-se que a intervenção cirúrgica ainda é o procedimento mais eficaz na maior parte dos casos da contratura, e que resultados mostram que uma reabilitação pós-operatória bem sucedida tem se mostrado eficiente na recuperação do indivíduo. Baseado na revisão realizada, observou-se que há uma extensa escassez na literatura de estudos que retratam a atuação da fisioterapia na CD, e que necessita de estudos mais aprofundados para melhores esclarecimentos sobre a etiologia da doença. REFERÊNCIAS AGNE, J.E.; Eletrotermoterapia: teoria e prática. Santa Maria: Orium, 2005. ARAÚJO, J.R.; BARROSO, R.B.; AQUINO, A.P.R. Cirurgia da técnica da palma aberta no tratamento da contratura de Dupuytren. Rev. Hosp. São Francisco Penit., v.3, n.1, p.10-12, 2000. BARROS, F.B.; BARROS. A.; ALMEIDA, A.F. Efermidade de Dupuytren: avaliação de 100 casos. Rev. Bras. Ortop., v.32, p. 177-183, 1997. CORAL, P.; ZANNATA, A.; TEIVE, H.A.G.; NETO, Y.C.; NÓVAK, E.M.; WERNECK, L.C. Doenças de Dupuytren e de Ledderhose associadas ao uso crônico de anticonvulsivantes. Arq. Neuropsiquiatr., v.57, n.3, p.860-862, 1999. DIB, C.C.; GERVAIS, J.; ZAHLUTH, C.G.; MONTEIRO.; MENDOZA, E.; PÉREZ, R.A.; PIMENTEL. Doença de Dupuytren: nossa conduta. Ver. Bras. Cir. 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São Paulo: Phorte, 2007. p. 181-188. SILVA, J. B; FERNANDES, H; FRIDMAN, M. A técnica da palma aberta na contratura grave de Dupuytren. Ver. Brás. Ortop., v. 34, n. 1, p.51-54, 1999. XHADEEZ, Y. Vade-Mecum de cinesioterapia e reeducação funcional: técnicas, patologia e indicações de tratamento. São Paulo: Andrei, 2001. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 95-99, jun. 2010 99 100 ABORDAGEM HIDROTERAPÊUTICA NA ARTROPLASTIA DE QUADRIL Camille Yoldi dos Reis* Profª. Msc. Ediléa Monteiro de Oliveira** RESUMO A artroplastia é uma cirurgia que tem o objetivo de substituição articular. Pode ser realizada em várias articulações, sendo mais comum nas regiões do ombro, quadril, joelho e metacarpofalangianas. É um recurso empregado para a melhoria da qualidade de vida de pacientes que sofrem de dores incapacitantes e perda da função da articulação acometida. Ainda assim, faz-se necessária a atuação da fisioterapia para melhora da dor e recuperação da função, no que diz respeito à marcha e fortalecimento muscular dos indivíduos que se submetem a essa intervenção cirúrgica. PALAVRAS-CHAVE: Artroplastia. Hidroterapia. Idosos. 1 INTRODUÇÃO Tornar-se velho é um processo fisiológico com características específicas, diferentes de quaisquer outras apresentadas nas diversas etapas da vida dos seres humanos. Por conta disso, é importante estar atento a conceitos que diferenciem o envelhecimento fisiológico (senescência) do patológico (senilidade), já que sem o conhecimento aprofundado ou a devida experiência no que tange ao tratamento com idosos, fica cada vez mais fácil confundir doença e velhice (ROSSI, 2008). A senescência está intimamente ligada a mudanças físicas que ocorrem de forma diferente em cada indivíduo. Nas articulações, há diminuição do poder de agregação dos proteoglicanos, diminuição da resistência mecânica das cartilagens além da desidratação e do aumento da afinidade do colágeno pelos íons de cálcio; no tecido ósseo, ocorre a osteopenia fisiológica, que é a perda progressiva e absoluta da massa óssea. Esse fato passa a acontecer após os 35 anos, pois nessa idade há o pico de massa óssea e a estabilização seguida de reabsorção e diminuição do tecido ósseo, o que sofre agravamento após a quinta década de vida (FREITAS, 2006). A senilidade faz alusão à qualidade de vida, hábitos pouco saudáveis e a genética desfavorável, levando ao aparecimento de diversas patologias. Considerando ainda o sistema osteoarticular, sabe-se que este é acometido, principalmente, por artrite, artrose, fraturas e osteoporose. Com o avançar da idade e o agravamento das doenças, a melhora da dor incapacitante apenas com o tratamento conservador torna-se inviável, sendo por vezes necessário intervenções cirúrgicas, como debridamentos articulares ou osteotomias e artroplastias (LIANZA, 2001; ROSSI, 2008; MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993). * Acadêmica do 7° semestre do curso de Fisioterapia e exmonitora das disciplinas: Bioquímica Aplicada à Fisioterapia e Farmacodinâmica. ** Fisioterapeuta, professora de Prática Supervisionada na área de Fisioterapia Comunitária e subárea de Geriatria. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 101 2010 2 OBJETIVOS Revisar na literatura dados relevantes acerca da artroplastia de quadril e suas indicações, enfatizando o papel da fisioterapia através dos recursos da hidroterapia (crioterapia e exercícios aquáticos terapêuticos) durante o tratamento. 3 METODOLOGIA Esse estudo foi realizado através da pesquisa de dados bibliográficos na Biblioteca da Universidade da Amazônia, banco de dados Scielo, PEDro, Google Acadêmico, LILACS, Bireme e livros de acervo pessoal, no período de 15 a 18 de março de 2010. 4 REFERENCIAL TEÓRICO A artroplastia é uma cirurgia para substituição articular total ou parcial, muito utilizada como recurso extremo para a melhoria da qualidade de vida de pacientes que sofrem de dores incapacitantes, sendo indicada principalmente, nos casos de osteoartrose, osteoartrite, artrite reumatóide e fraturas complexas (PORTER, 2005). Segundo Lianza (2001), as artroplastias mais utilizadas são nas articulações do quadril, joelho, ombro e metacarpofalangianas. Rondinelli et al. (1993), cita em seu artigo, a existência de dois tipos de próteses utilizadas na artroplastia de quadril, a cimentada e a não cimentada. A primeira, mantém o melhor contato articular, contribuindo com o fator mecânico e apresentando melhor fixação, já que o cimento preenche irregularidades. Porém, tem como fator controverso o aumento da perda óssea. A segunda promove a fixação biológica, sem danos para o paciente. Na artroplastia de joelho, a prótese condilar total com estabilização posterior foi a que apresentou melhor resultado nos quesitos prevenção de luxação anterior, grau de flexão de joelho e maior habilidade na transferência de peso, na bipedestação e ao levantar-se de uma cadeira (MESTRINER; LAREDO FILHO, 1993). 102 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010 No que diz respeito à coluna, Vialle, Vialle e Bley Filho (2008) relatam que, apesar de pouco estudada, a artroplastia da coluna lombar vem sendo bastante utilizada nas enfermidades de degeneração discal, obtendo mais de 80% no índice de satisfação. No entanto o grupo que apresenta melhor prognóstico pós-cirúrgico é o dos jovens, com problemas em apenas um nível da coluna, sem herniações ou doença facetária. É importante atentar aos fatores de risco existentes na artroplastia em qualquer segmento corporal. Infecções e soltura dos componentes protéticos devem ser consideradas, além da idade, o prognóstico, a expectativa de vida e as condições de retorno ás atividades de vida diária de cada paciente, para que o processo de reabilitação pós-cirúrgico seja o mais proveitoso possível (LIANZA, 2001). Um recurso muito empregado é a hidroterapia, que utiliza os efeitos físicos e fisiológicos proporcionados pela imersão do corpo na água aquecida ou em seu estado sólido (gelo), o que auxilia na execução do movimento e na melhora das alterações funcionais (CANDELORO; CAROMANO, 2007). No processo de reabilitação, a crioterapia pode ser utilizada na fase aguda, até dez dias no pós-cirúrgico, visto que seus efeitos de vasoconstrição diminuem a temperatura e o metabolismo local, influenciando no desaparecimento dos sinais flogísticos (calor, rubor, edema, dor e limitação funcional), proporcionando analgesia (AGNE, 2005). Essa terapêutica pode ser aplicada através de massagem com cubos de gelo, bolsa de gelo, almofadas frias, imersão na água gelada ou em gelo picado, spray e jato de ar frio, variando seu tempo de aplicação dependendo da sensibilidade, da área aplicada e da técnica utilizada. As contraindicações estão relacionadas com alterações de sensibilidade, diminuição da vascularização periférica e soluções de continuidade na pele (AGNE, 2005; ISERHARD; WEISSHEIMER, 1993). Na fase crônica, os pacientes podem iniciar a hidroterapia utilizando os efeitos fisiológicos proporcionados pela água, como manutenção e melhora da amplitude de movimento articular, redução da tensão muscular, relaxamento e diminuição da compressão e do impacto causado nas articulações e diminuição da dor e da rigidez, proporcionando maior liberdade na execução de exercícios (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). No período de 10 a 14 dias após a cirurgia deve-se lançar mão de equipamentos flutuadores até três semanas do pós-cirúrgico. Após essa etapa, serão iniciados exercícios que diminuem a dor, espasmo muscular, edema e propriocepção, além de estimular o aumento da amplitude de movimentos e o fortalecimento dos músculos do quadril e perna, para corrigir anormalidades da marcha, já que dentro dágua, o indivíduo pode superar completamente as forças gravitacionais (BATES; HANSON, 1998). 5 DISCUSSÃO Melo et al. (2003) demonstraram em seus estudos que na artroplastia de quadril, apesar de ser uma intervenção para alívio da dor e aumento da mobilidade, ainda nota-se alterações na marcha após a cirurgia, por isso faz-se necessária a intervenção fisioterapêutica nas fases aguda e crônica do processo de reabilitação para prevenir e corrigir possíveis deformidades. A fisioterapia deve ser iniciada no primeiro dia após a cirurgia, com elevação de membro e analgesia com crioterapia através de bolsa de gelo e almofadas frias, com aplicação de 15 a 20 minutos sobre o local, em intervalos de 40 minutos entre as aplicações, durante um período de, no mínimo, 72 horas. Outro fator importante é a proteção da pele com uma toalha úmida, entre a pele e a almofada, e posteriormente cobrir tudo com plástico e toalhas secas para prolongar o resfriamento (AGNE, 2005). Segundo Porter (2005), reduzir a temperatura tecidual para 14°C alivia os sintomas inflamatórios através da liberação diminuída de algumas citocinas (interferon-gama e fator de necrose tumoral); promove a diminuição da dor através da inibição dos neurônios vertebrais e diminui também as demandas metabólicas, fator que limita os efeitos hipóxicos da vasoconstrição e do edema. Na hidroterapia, o uso da água aquecida deve ser entre 30° a 34°C para diminuir a tensão e as dores musculares, além de promover relaxamento global do paciente (KOURY, 2000). Segundo Ruoti, Morris e Cole (2000), a terapia com água, deve ser iniciada após a cicatrização da incisão cirúrgica, para evitar contaminação na exposição da ferida aberta. Com a imersão do corpo na água, ocorre um bloqueio dos estímulos sensoriais ligados aos estímulos dolorosos, o que leva à diminuição da dor. O fortalecimento muscular é promovido através da propriedade de viscosidade da água, e a diminuição do edema ocorre pelo efeito da pressão hidrostática sobre a articulação (CANDELORO; CAROMANO, 2004). 6 CONCLUSÃO É importante conhecer a prática geriátrica e os conceitos que a norteiam, para saber distinguir velhice de doença, e perceber que é importante ter uma vida de qualidade para um envelhecimento bom e saudável. A artroplastia é um tratamento cirúrgico, bastante utilizado, mas, para uma recuperação efetiva da região acometida, deve haver a intervenção do tratamento conservador com a hidroterapia através da crioterapia e dos exercícios aquáticos, objetivando analgesia e recuperação da função perdida ou diminuída e melhoria da qualidade de vida do paciente. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 101-104, jun. 2010 103 REFERÊNCIAS AGNE, Jones. Eletrotermoterapia: teoria e prática. Orium: Santa Maria, 2005. BATES, Andrea.; HANSON, Norman. Exercícios aquáticos terapêuticos. São Paulo: Manole, 1998. CANDELORO, Juliana Monteiro.; CAROMANO, Fátima Aparecida. Graduação da resistência ao movimento durante a imersão na água. Revista Fisioterapia Brasil, São Paulo, v. 5, n. 1. p. 73-76, jan./fev. 2004. CANDELORO, Juliana Monteiro; CAROMANO, Fátima Aparecida. Efeito de um programa de hidroterapia na flexibilidade e na força muscular de idosas. 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ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DA ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA: revisão da literatura1 Yuri Fonseca Lelis* RESUMO A artrogripose múltipla congênita (AMC) é uma síndrome complexa caracterizada por contraturas de várias articulações presentes ao nascimento, com graus variados de fibrose e encurtamento dos músculos afetados e espessamento de cápsulas periarticulares e dos tecidos ligamentares. Objetivo: Realizar uma revisão de literatura sobre os diversos aspectos da Artrogripose Múltipla Congênita, destacando a atuação da fisioterapia nesta síndrome. Conclusões: É de extrema importância o conhecimento das características da síndrome, assim como o seu diagnóstico e tratamento precoce através da fisioterapia, para que o prognóstico seja, dentro do possível, o melhor, propiciando ao paciente boa qualidade de vida. PALAVRAS-CHAVE: Artrogripose Múltipla Congênita. Tratamento Fisioterapêutico. Tratamento Clínico. 1 INTRODUÇÃO A artrogripose múltipla congênita é uma síndrome rara que constitui um grupo heterogêneo de malformações congênitas de caráter estacionário e etiologia desconhecida, provavelmente multifatorial, caracterizada principalmente por severas contraturas articulares (TECKLIN, 2002). A adequada movimentação intrauterina é essencial para a perfeita formação das articulações fetais, o que ocorre durante o terceiro mês gestacional. Qualquer alteração que limite os movimentos do concepto durante este período crítico do desenvolvimento poderá levar à instalação das contraturas congênitas. O processo deve iniciar-se precocemente, uma vez que os espaços articulares estão quase completos na oitava semana gestacional. A síndrome foi descrita pela primeira vez por Otto, em 1841, que definiu uma criança com múltiplas contraturas congênitas, onde acredi- tava que o processo patológico era devido a uma miodistrofia congênita e somente em 1923, Stern denominou de “artrogripose múltipla congênita”. De acordo com Richards 2002, o nome é derivado do grego artrogriposis: articulação encurvada, torta ou em gancho. A doença é pouco comum, e, numa estatística realizada em Helsinque, obteve-se uma incidência de 3 para 10.000 nascimentos, podendo esse valor ser mais elevado em países menos desenvolvidos (TACHDJIAN, 2001). A fisioterapia motora é muito importante no tratamento da artrogripose, já que esta não atua apenas no campo das deformidades, mas * Acadêmi co do curso de Fisioterapia, ex-moni tor das discipl inas Fisiot. nas Enf. e Dist. Osteo-Articulares e Geriátr icos, e atualmente monitor das disci plinas Fisioterapia nas Enf. e Dist. do Sistema Nervoso e Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil. 1 Artigo realizado sob orientação da docente Dayse Danielle de Oliveira Silva do curso de Fisioterapia, da disciplina Fisioterapia nas Enf . e Dist. Infanto-Juvenil. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 105 2010 também no desenvolvimento global do indivíduo, procurando sempre a funcionalidade dos movimentos. O tratamento cirúrgico, em casos mais graves, objetiva manter as extremidades em posição funcional e uma maior amplitude de movimentos articulares (MURRAY, 1997). ticidade das cápsulas articulares. As deformidades são atribuídas à falta de desenvolvimento dos músculos, à substituição deles por tecido fibroso e ao desequilíbrio muscular intrauterino (SAMEKOVA, 2006). 3.2 ETIOLOGIA 2 OBJETIVO Realizar uma revisão de literatura sobre os diversos aspectos da artrogripose múltipla congênita, destacando a atuação da fisioterapia nessa síndrome. 3 REVISÃO DA LITERATURA 3.1 ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA A artrogripose constitui um grupo heterogêneo de malformação congênita de caráter estacionário. O recém-nascido apresenta deformidades múltiplas, rigidez de articulações e contratura dos tecidos moles (CARVALHO, 2008). A classificação de AMC mais conhecida é adotada por Hall (1985), na qual se encontra dividida em três tipos diferentes, a saber: tipo 1: contraturas articulares com acometimento apenas dos membros, sem outras anormalidades; tipo 2: contraturas articulares com acometimentos dos membros e outros órgãos; e tipo 3: contraturas articulares com acometimento dos membros e sistema nervoso. O quadro varia de um caso para outro; os quatro membros podem estar afetados, apresentando o lactente, pés equino-varos, joelhos em flexão ou em extensão, luxação dos quadris, coxas fletidas em abdução ou em adução, mão em garra ou cerradas, cotovelos em flexão ou extensão de ombros em adução. As articulações são mantidas fixas nessas posições (SHEPHERD, 1996). A rigidez das articulações é de origem extra-articular, sendo devida ao encurtamento dos músculos e à contratura das cápsulas articulares. Observam-se espaçamentos e perda da elas106 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010 A maioria dos autores concorda que a causa da artrogripose múltipla congênita é desconhecida, estando, porém associada a diversos fatores (CARVALHO, 1996). A patogênese da síndrome pode ser determinada por fatores intrínsicos, ou seja, do próprio embrião (alterações neuropáticas, miopáticas), ou ainda extrínsecos (oligoidrâmnios ou outras anormalidades uterinas que causariam a diminuição do movimento fetal). Exposição materna a drogas, hipertermia, infecções virais específicas, agentes bloqueadores neuromusculares ou imobilização. A mecânica do abdômen materno também é apontada como fator etiológico (BRUSCHINI, 1998). Infecções virais maternas no primeiro trimestre de gestação, assim como comprometimento vascular entre mãe e feto, um septo no útero ou menos líquido amniótico, ocasionando menos espaço para o feto, são causas que devem ser consideradas (RATLIFFE, 2000). É importante lembrar que a principal causa das contraturas articulares congênitas é a diminuição dos movimentos fetais sendo as suas principais causas às neuropatias, miopatias, anormalidades do tecido conectivo, espaço limitado no útero e doenças maternas (HALL, 1997). 3.4 QUADRO CLÍNICO A apresentação clínica é típica, existem contraturas articulares, geralmente simétricas dos quatro membros os quais parecem atróficos e têm formato fusiforme ou cilíndrico (HO, 2008). O recém-nascido apresenta deformidades múltiplas, rigidez de articulações e contraturas de tecidos moles. Parece à primeira vista que as articulações estão comprometidas, porém não existe anquilose óssea (SALTER, 2001). As articulações são rígidas e deformadas, a pele é fina, lisa, tem pouca sudorese, o tecido subcutâneo é escasso. Os músculos são fracos e atróficos, sendo que a sensibilidade e propriocepção são normais (BRUSCHINI, 1998). A rigidez das articulações é de origem extra-articular sendo devida ao encurtamento dos músculos e às contraturadas cápsulas articulares. Observam-se espessamento e perda da elasticidade das cápsulas articulares (FENICHEL,1995). Os membros afetados são pequenos em circunferência; ao contrário, as articulações parecem largas e fusiformes, os músculos são fracos, hipotônicos e finos, frequentemente não palpáveis e os reflexos tendinosos estão ausentes (HALL, 1997). Frequentemente essas crianças têm inteligência acima da média. A despeito de suas deformidades, elas são capazes de deambular e é surpreendente como elas desenvolvem um grau funcional de destreza no desempenho de atividades diárias como a autoalimentação e vestirse (BRUSCHINI, 1998). Aproximadamente 40% dos pacientes têm acometimento dos quatro membros, 20% predominantemente dos membros inferiores e 10% dos membros superiores. A maioria dos pacientes não apresenta anomalias viscerais, entretanto é reconhecida a associação entre artrogripose e gastroquise, atresia intestinal, alteração do trato urinário e malformações cardíacas (TECKLIN, 2002). 3.5 DIAGNÓSTICO Não há um exame laboratorial capaz de diagnosticar a AMC durante o pré-natal. Caso o médico suspeite de alguma anormalidade, a ultrassonografia pode ser válida para avaliar possíveis anomalias e os movimentos fetais. Nos primeiros seis meses de vida, o estudo imunológico pode ser útil para identificar infecção viral (RICHARDS, 2002). Posteriormente pode-se realizar um exame oftalmológico, analisando a retina. Este exame permitirá saber se houve um processo infeccioso durante a gestação. Os músculos foram embriologicamente formados normais, e depois, durante o desenvolvimento fetal, foram substituídos por tecido fibroso (SALTER, 2001). A biópsia muscular, no caso dessa patologia, será, de acordo com o músculo em questão. Análises histológicas poderão revelar se os músculos estarão ou não normais. Estes poderão apresentar acúmulo de tecido fibroso, mas poderão estar normalmente inervados (SAMEKOVA, 2006). Através do exame eletromiográfico podese detectar que, em músculos diferentes de um mesmo paciente, há alterações de origem miopática e neuropática (ALENCAR, 1998). 3.6 TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO A fisioterapia consiste em alongar os tecidos moles rígido, em mobilizar as articulações delicadamente, em incentivar os movimentos ativos de tronco e membros e em ajudar esses pacientes a adquirir habilidade na realização de atos funcionais. Os entalamentos progressivos têm por finalidade manter as correções conseguidas. Este esquema de tratamento deve ser aplicado com a maior intensidade possível, sobretudo durante o primeiro ano de vida, mas é provável que esses pacientes necessitem de tratamento e apoio pelo menos até atingirem a idade adulta, recebendo em seguida ajuda quando for necessário (SHEPHERD, 1996). O posicionamento e os exercícios de alongamento passivo devem começar logo após o nascimento. O engessamento em série começa nos primeiros meses para a deformidade dos pés e para as contraturas em flexão do joelho e do punho. Deve-se tomar precaução para alongar apeLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010 107 nas até o final da amplitude e manter o alongamento com um gesso ou com uma órtese. O alongamento agressivo de uma articulação rígida pode resultar em dano à cápsula articular e aos tecidos moles periarticulares (TECKLIN, 2002). O pé equino-varo grave pode ser tratado com aparelhos de gesso aplicados em série sobre a face interna, os quais serão substituídos o quanto antes pela correção com ataduras, permitindo que os pais e o fisioterapeuta mobilizem o pé do paciente. Sempre que possível, recomenda-se evitar a imobilização rígida: a mobilização é fundamental. O decúbito ventral deve ser promovido mais precocemente possível, com a finalidade de alongar as estruturas da porção anterior dos quadris, e para manter a extensão dessa articulação após a cirurgia de correção da deformidade em flexão (SHEPHERD, 1996). servador, assim como de outras deformidades dos membros. O tratamento da luxação do quadril consiste em tração, tenotomia dos adutores, descolamento do músculo psoas rígido e imobilização ou, se houver necessidade, em reposição da articulação coxofemoral, acompanhada pelo transplante do músculo iliopsoas, nos casos em que os extensores do quadril não funcionam (SHEPHERD, 1996). Via de regra, a cirurgia dos membros superiores é adiada até a época em que for possível avaliar as necessidades futuras do paciente, como a capacidade de alimentar-se sozinho. A criança cujos braços se mantêm em extensão precisa muitas vezes de cirurgia para conseguir o grau necessário de flexão e tornar-se capaz de levar as mãos até à boca (SHEPHERD, 1996). 3.7 TRATAMENTO CIRÚRGICO 4 CONCLUSÃO A maioria dos casos de AMC acaba necessitando de cirurgia reconstrutora, mas deve ser provavelmente adiada até se obter a maior mobilidade possível, graças à aplicação dos métodos conservadores. Operações frequentemente realizadas com a finalidade de reduzir a rigidez dos tecidos moles são a capsulotomia posterior da articulação do joelho e o alongamento do tendão-de-aquiles; a cirurgia de reconstrução esta frequentemente indicada na correção do pé equino-varo refratário ao tratamento con- A artrogripose é uma síndrome incapacitante, que necessita de cuidados e tratamento precoce, logo após o nascimento, sendo que os pacientes acometidos têm na fisioterapia um importante aliado no restabelecimento de seus movimentos. Porém, é de extrema importância o conhecimento das características da síndrome, assim como o seu diagnóstico e tratamento precoce através da fisioterapia, para que o prognóstico seja, dentro do possível, o melhor, propiciando ao paciente boa qualidade de vida. REFERÊNCIAS ALENCAR, C. A. J.; LUCENA, F. E.; GONTEI, F. M. Diagnóstico Pré-Natal da Artrogripose Múltipla Congênita – Relato de Caso. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. Rio de Janeiro, v.20, n.8, set. 1998. BRUSCHINI, S. Ortopedia pediátrica. 2.ed. São Paulo: Atheneu,1998. CARVALHO, E. S.; CARVALHO, W.B. Terapêutica e prática pediátrica. São Paulo: Atheneu, 1996. 108 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010 CARVALHO, R. L.; SANTOS, C. E. Efeito da imersão associada à cinesioterapia na artrogripose. Pensamento plural: Revista Científica do UNIFAE, São João da Boa Vista, v.2, n.1, 2008. FENICHEL, G.M. Neurologia pediátrica: sinais e sintomas. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. HALL, J. G. Athrogryposis Multiplex Congênita: etilogy, genetics, diagnostic classification, and general aspects. Journal of Pediatric Orthopaedics. 6(3), p.159-166, 1997. HALL, J. G. Genetic aspects of arthrogryposis. Clin. Orthop. Relat. Res. (194), p. 54-9,1985. SALTER, R.B. Distúrbios e lesões do sistema musculoesquelético. 3. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001. HO C.A.; KAROL L.A. The utility of knee releases in arthrogryposis. J. Pediatr. Orthop. v.28, n.3, p. 307-13, 2008. SAMEKOVA, H.; BIALLIK, V. M.; BILIAK, G. Arthogryposis Multiplex Congenita. Orto Traumatol Rehabil, v.28, n 8, p. 69-73, 2006. MURRAY, C, FIXSEN, J. A. Management of knee deformity in classical arthrogryposis multiplex congenita (amyoplasia congenita). J. Pediatr. Orthop. B. 6(3):186-91. 1997. SHEPHERD, R.B. Fisioterapia em pediatria. 3.ed. São Paulo: Santos, 1996. RATLIFFE, T. K. Fisioterapia clínica pediátrica. São Paulo: Santos, 2000. TACHDJIAN, M. O. Ortopedia pediática: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. RICHARDS, S. Atualização em conhecimentos ortopédicos: pediatria. São Paulo: Atheneu; 2002. TECKLIN, J. S. Fisioterapia pediátrica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 105-109, jun. 2010 109 110 MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS: revisão da literatura1 Bruno Lobato Carneiro* Márcio Clementino de Souza Santos** RESUMO A morte súbita relacionada ao esporte pode ser definida como a morte que ocorre de modo inesperado, instantaneamente ou não. Alguns autores definem mais especificamente como um evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos considerados previamente sadios em até 24 horas após o início dos sintomas. Objetivo: Revisar a literatura científica sobre as miocardiopatias que levam à morte súbita em atletas esportistas, enfatizando suas peculiaridades e medidas avaliativas adotadas para esses atletas. Metodologia: Estudo de revisão bibliográfica, desenvolvido na Biblioteca da Universidade da Amazônia – UNAMA, e na base virtual Pubmed e Scielo no período de janeiro a março de 2010. Conclusão: A morte súbita em atletas jovens é um evento raro. Este pode ser prevenido com a avaliação cardiológica adequada que antecede ao período de competição. PALAVRAS-CHAVE: Morte súbita. Miocardiopatia hipertrófica. Anomalia da artéria coronariana. 1 INTRODUÇÃO A morte súbita relacionada ao esporte pode ser definida como a morte que ocorre de modo inesperado, instantaneamente ou não. Alguns autores definem mais especificamente como um evento fatal que ocorre abruptamente em indivíduos considerados previamente sadios em até 24 horas após o início dos sintomas (BERGAMASCHI, 2007). O coração de atleta passa por adaptação reversível, estrutural e funcional do tecido miocárdico, provocado pelo longo e regular treinamento físico. O treinamento físico predominantemente aeróbico, quando intenso e prolongado, gera adaptações cardíacas tanto estruturais como funcionais. Este remodelamento cardíaco, conhecido como “coração de atleta”, representa uma adaptação benigna que inclui o aumento do volume das câmaras cardíacas ventriculares e espessamento da parede ventricu- lar. Dentre as causas de morte súbita em atletas, a cardiomiopatia hipertrófica representa a principal causa cardiovascular de morte (PETKOWICZ, 2004). O treinamento físico intenso realizado por atletas, visando à busca do melhor rendimento esportivo, expõe o coração a intensas sobrecargas ao longo de meses ou anos. Essa frequente exposição a sobrecargas resulta em alterações no automatismo cardíaco, como bradicardia de repouso e alteração de condução atrioventricular; despolarização e repolarização * 1 Acadêmi co do 8º semestre de Fisi oterapia, monitor de Fisioterapia; nas Enfermidades e Distúrbios do Sistema Respiratório e Cardiovasculares. Trabalho orientado pelo professor Msc. Márcio Clementino de Souza Santos. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 111 ventricular. Os ajustes estruturais do coração também são marcantes, podendo levar a aumentos de até 85% na massa do ventrículo esquerdo. Apesar de essas alterações funcionais e estruturais serem devidamente documentadas, ainda são desconhecidos os seus limites de normalidade e suas consequências longo prazo (AZEVEDO et al, 2006). A importância do estudo dessas adaptações cardíacas está no fato de que as modificações, quando presentes, podem ser modestas em algumas pessoas, mas substanciais em outras, assemelhando-se a processos patológicos importantes e fatais e ocasionando dilema no diagnóstico. O falso diagnóstico de doença cardíaca em um atleta pode levá-lo a se retirar dos treinamentos com prejuízo em sua vida profissional ou até mesmo dos benefícios da atividade física. Entretanto, o diagnóstico do “coração de atleta”, quando na realidade há uma patologia cardíaca, pode significar morte súbita (SOUZA, 2005). 2 OBJETIVO Revisar a literatura científica sobre as principais miocardiopatias que levam à morte súbita em atletas esportistas, sua fisiopatologia e seus sinais e sintomas, enfatizando suas peculiaridades e medidas avaliativas adotadas para esses atletas. 3 MÉTODO Este estudo foi produzido através de um levantamento bibliográfico no período de janeiro a março de 2010 na Biblioteca da Universidade da Amazônia (UNAMA), bem como pesquisas realizadas na internet, através das bibliotecas virtuais: Pubmed e Scielo. Para tal pesquisa foram utilizados os seguintes descritores: coração do atleta, morte súbita e fisiologia cardíaca e do exercício. 112 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 4 REVISÃO DA LITERATURA 4.1 MORTE SÚBITA EM ATLETAS ESPORTISTAS A morte súbita é um evento trágico e com grande impacto, principalmente quando ocorre em pessoas jovens e atletas. A morte súbita relacionada ao exercício é considerada quando o evento fatal ocorre durante atividade física e até uma hora após o término (BERGAMASCHI, et al, 2007). Outra definição amplia o período após exercício, morte súbita relacionada com o exercício é o evento não traumático em indivíduos aparentemente saudáveis que ocorre 6 a 24 horas após o início dos sintomas ou até duas horas após o término da prática esportiva (PETKOWICZ, 2004). Deve-se acrescentar a esta definição mais um elemento; a morte deve ser provocada por algum transtorno no funcionamento normal do sistema cardiovascular, a fim de que sejam excluídos atletas que venham a falecer durante a prática de esportes com risco de vida intrínseco, como paraquedismo, alpinismo, automobilismo, entre outros (STEIN, 2001). 4.2 EPIDEMIOLOGIA Em números absolutos, a incidência de morte súbita cardíaca relacionada ao esporte é de 0,75/100.000 para homens e de 0,13/100.000 para mulheres, ou seja, é cerca de cinco vezes mais incidente no sexo masculino do que no sexo feminino. Isso provavelmente ocorre por existir um número total maior de homens participantes em esportes competitivos, por eles estarem geralmente expostos a uma carga em treino e em competições de intensidade maior, e por apresentaram uma taxa mais elevada de doenças congênitas do coração do que as mulheres (CORRADO, et al, 2006; DREZNER, et al, 2000). Algumas séries apontam o futebol e o basquete como os esportes que mais frequentemente acarretam casos de morte. Entretanto, outros estudos sugerem que a morte súbita ocorre com mais frequência em maratonistas do que em praticantes de outras modalidades esportivas, sendo esta incidência estimada em 1/50.000 nesses corredores (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008). 4.3 FISIOPATOLOGIA Não se conhece muito a respeito da fisiopatologia da morte súbita em atletas, porém sabe-se que a taquiarritmia ventricular é o mecanismo responsável pela morte súbita em 80% dos casos, ficando os outros 20% a cargo da bradiarritmia e da assistolia. Esses mecanismos não ocorrem ao acaso, e sim em corações com processos patológicos subjacentes que resultem em hipertrofia, alterações estruturais de fibras cardíacas, fibrose ou necrose no miocárdio, com ressalva de deficiências nos canais iônicos que também podem desencadear arritmias ventriculares, mesmo em corações estruturalmente normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008). Alguns desses fatores que podem agir em um miocárdio suscetível durante o exercício físico são: demanda miocárdica de oxigênio elevada e redução simultânea da diástole e do tempo de perfusão coronária (STEIN, 2001). Dentre os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na morte súbita destacam-se a doença aterosclerótica, as valvopatias, a cardiopatia hipertrófica e as arritmias (TASK FORCE, 2002). Quando os ateromas estão localizados nas artérias coronárias ocorre diminuição do fluxo sanguíneo no músculo cardíaco, e diante de uma grande demanda, como nos exercícios intensos, leva aos quadros de isquemia, arritmias, desfibrilação ventricular e morte súbita. Existem também os casos que as placas de ateroma se desprendem do vaso e acabam obstruindo ramificações menores, impedindo parcialmente ou totalmente a irrigação sanguínea naquele local do miocárdio, levando à morte do tecido do local e, dependendo do grau, também levando ao óbito (THRALL, 2005). Existe também a cardiopatia hipertrófica, que se caracteriza por enfraquecimento do músculo cardíaco e uma incapacidade ventricular de bombear sangue suprindo as necessidades periféricas. Sua fisiopatologia é simples, onde o sangue é represado nas câmaras cardíacas e, consequentemente, diminui a irrigação dos tecidos periféricos. Quando a demanda de oxigênio para suprir o esforço físico é muito alta e o bombeamento de sangue não é suficiente, ocorre taquicardia, fadiga e dispnéia, promovendo assim, isquemia, arritmia, desfibrilação ventricular e a morte (MCKENNA, 2007). 4.4 PRINCIPAIS FATORES QUE LEVAM À MORTE SÚBITA Miocardiopatia Hipertrófica: é uma doença cuja principal característica é a marcante hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, na ausência de alguma outra explicação fisiopatológica. Tal hipertrofia pode acometer, de forma assimétrica, o septo interventricular de um ventrículo esquerdo não dilatado. Logo, tende a não produzir disfunção ventricular sistólica, gerando, no entanto, disfunção diastólica em função da maior pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (STEIN, 2001). Anomalia da Artéria Coronária: a anomalia coronariana mais frequentemente encontrada em casos de morte súbita em atletas é a artéria coronária esquerda anômala a partir do seio direito de Valsalva. Seu mecanismo mais provável de isquemia é a alteração da angulação da artéria coronária em sua origem ou compressão da artéria anômala entre a aorta e o tronco da artéria pulmonar durante o exercício (OLIVEIRA, 2005). Hipertrofia idiopática do ventrículo esquerdo (VE): é uma hipertrofia na qual, inexplicavelmente, o ventrículo esquerdo excede o tamanho normal de uma hipertrofia fisiológica do coração de um atleta. Diferentemente da cardiomiopatia hipertrófica, essa doença apresenta hipertrofia simétrica e concêntrica, não possui um caráter genético nem existe desarranjo miofibrilar no miocárdio. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 113 Tabela 1: Porcentagem das principais causas cardiovasculares na morte súbita em atletas. Cardiomiopatia hipertrófica Anomalias da artéria coronária Hipertrofia idiopática do VE 36% 17% 8% (SIEBRA E FEITOSA FILHO, 2008) As demais patologias ou desordens são relatadas como aterosclerose coronariana prematura, ruptura de aneurisma da aorta, displasia arritmogênica do ventrículo direito, miocardites, anemia falciforme, impactos na caixa torácica seguido de arritmias e, em especial, fibrilação ventricular, entre outras (OAKLEY e SHEFFIELD, 2001). 4.5 SINAIS E SINTOMAS A maioria dos atletas esportistas não evolui com sintomas, muita das vezes esses indivíduos apresentam miocardiopatias que não se manifestam através de sintomas e acabam evoluindo ao óbito durante uma prática esportiva. Algumas manifestações que podem surgir são geralmente benignas, tais como tonturas, principalmente por desidratação ou hipotensão pósexercício; dor torácica, de possível origem músculo-esquelética por trauma resultante do contato físico entre os atletas ou por traqueítes; palpitações, por extrassístoles, muitas vezes relacionada ao consumo de café, álcool ou fumo; e falta de ar, decorrente geralmente de infecções respiratórias ou broncoespasmo induzido por exercício. Em mais de 50% dos casos, a parada cardíaca súbita ocorre sem sintomas prévios. Em alguns pacientes, podem ocorrer palpitações, falta de ar, desmaios prévios e tonturas, soprocardíaco, hipertensão arterial e dor torácica (OAKLEY e SHEFFIELD, 2001). 4.6 AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA DO ATLETA As recomendações da American Heart Association, em relação à avaliação médica 114 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 de atletas antes da prática esportiva incluem investigação dos antecedentes pessoais (sopros cardíacos, hipertensão arterial sistêmica, fadiga, síncope, dispnéia ou dor torácica relacionadas ao exercício), revisão dos antecedentes familiares (cardiopatias ou casos de morte súbita, principalmente antes dos 40 anos de idade) e exame físico (MARON, et al, 1996). Alguns autores consideram que uma avaliação cardiológica básica deve ser incluída no protocolo, sugerindo um eletrocardiograma de repouso de 12 derivações. O eletrocardiograma de 12 derivações aumenta a sensibilidade da avaliação na detecção de cardiomiopatia hipertrófica, anomalias coronarianas, Síndrome do QT-longo, entre outras (BORAITA, et al, 2000; CAVA, et al, 2004). Desta forma podem-se evitar alguns casos de morte súbita de causa cardiovascular em atletas (BERGAMASCHI, et al, 2007). O consenso europeu, fortemente influenciado pela experiência italiana, preconiza para atletas jovens a realização de anamnese, exame clínico e eletrocardiograma de repouso, como o mínimo indispensável. Desta forma, considerando os objetivos da avaliação préparticipação e a maior possibilidade de doenças cardiovasculares e metabólicas correlacionadas à faixa etária, a avaliação de um atleta master deve incluir obrigatoriamente anamnese, exame clínico, eletrocardiograma de repouso, ecocardiograma e teste ergométrico. A realização de exames laboratoriais, tais como hemograma, bioquímica e lipidograma, e uma telerradiografia de tórax pode ser altamente recomendável. Caso haja sintomas sugestivos de doença cardiovascular, alterações ao exame clínico ou nos exames diagnósticos iniciais, outros exames complementares poderão ser indicados (CASTRO, 2008; LAZZOLI, 2009). Pode ser realizado um estudo eletrofisiológico, o qual é um tipo de cateterismo cardíaco que utiliza eletrodos especiais ligados a polígrafos computadorizados que são colocados no inte- rior das cavidades cardíacas, guiados por sofisticados equipamentos de raios-X. Este procedimento, por meio de estimulação elétrica programada, permite avaliar a formação e a condução normal e patológica do estímulo elétrico do coração. Há outros testes que podem ser realizados, como mencionado anteriormente nesses indivíduos que apresentam grande risco cardiovascular, como o teste ergométrico que é um exame complementar, que consiste em submeter o indivíduo a uma determinada modalidade de esforço físico graduado e monitorado com eletrocardiograma, objetivando aumentar sua demanda metabólica global e em especial a demanda metabólica do coração, podendo assim avaliar a função cardiovascular e a capacidade funcional do atleta nos esforços físicos, seus limites fisiológicos e sua evolução com a preparação física, além de conseguir diagnosticar algumas cardiopatias silenciosas, em especial a doença arterial coronária normais (SIEBRA e FEITOSA FILHO, 2008). 4.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A morte súbita em atletas jovens é um evento raro. Suas principais causas são as cardiovasculares (cardiomiopatia hipertrófica, anomalia da artéria coronária). A avaliação clínica de um atleta antes da participação esportiva pode contribuir para detectar alguns fatores de risco e, nestes casos, uma avaliação cardiológica mais completa se faz necessária. A prevenção da morte súbita em atletas jovens pode ser possível com uma adequada abordagem médica profissional nesses indivíduos. A completa segurança da saúde dos atletas consiste em periódica avaliação clínica pré-participação bem como de medidas emergenciais, principalmente em locais de competição, compostas por disponibilidade de profissionais de saúde aptos para a realização do suporte básico de vida e por meio de rápida comunicação para solicitação de suporte avançado de vida. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Luciene Ferreira, BRUM, Patrícia Chakur, ROSEMBLAT, Dudley, PERLINGEIRO. Características cardíacas e metabólicas de corredores de longa distância do ambulatório de cardiologia do esporte e exercício, de um hospital terciário. Arq. Brás. Cardiol, 88(1), p.17-25, 2007; BERGAMASCHI, J. P. M.; MATSUDO , S. M.; Matsudo , V. K. R. Morte súbita em atletas jovens: causas e condutas. R. Bras. Ci e Mov, 15(3), p.123-135, 2007. CASTRO, Renata R. T. Cardiologia do exercício: avaliação mínima do atleta. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia- INTO. Data? LAZZOLI, José Kawazoe. Avaliação mínima do atleta. Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, v. 9, Supl. 1, jun. 2009. MARON BJ, THOMPSON PD, PUFFER JC et al. Cardiovascular preparticipation screening of competitive athletes: a statement for health professionals from the Sudden Death Committee (clinical cardiology) and Congenital Cardiac Defects Committee (cardiovascular disease in the young), American Heart Association. Circulation, 94, p. 850-856,1996; MCKENNA W. J. Recommendations for Athletic Participation in Patients with Cardiomyopathy. Deutsche Zeitschrift Für Sportmedizin. v. 58, n. 1, p. 39. 2007. OLIVEIRA, Marcos Aurélio Brazão. Cardiomiopatia hipertrófica, atividade física e morte súbita. Rev. Brás. Med. Esporte, v. 8, n. 1, jan./fev. 2002. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 115 OLIVEIRA, Marcos Aurélio Brazão, LEITÃO, Marcelo Bichels. Morte súbita no exercício e no esporte. Rev. Brás. Med. Esporte, v. 11, Supl. 1, ago., 2005. STEIN. Morte súbita relacionada ao exercício. Revista Brasileira de Medicina Esporte, Niterói, v.7, n.5 Sept./Oct. 2001. OAKLEY D, SHEFFIELD UK. The Athlete’s Heart. Heart, 86, p. 722-726. 2001. SASAKI J. E. & DOS SANTOS M. G. The role of aerobic exercise on endothelial function and on cardiovascular risk factors. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. v. 87, n. 5, p. 226-31, 2006. PETKOWICZ, Rosemary de Oliveira. Coração de atleta e morte súbita. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do.., Ano XIII, n. 01 jan./fev./mar./abr. 2004. SIEBRA, Felipe Bezerra Alves, FILHO, Gilson Soares Feitosa. Morte súbita em atletas: fatores predisponentes e preventivos. Rev. Brás. Clin. Med., 6, p.184-190, 2008. SOUSA, Bolivar Saldanha. Coração de atleta. Centro de Estudos de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Data? 116 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 111-116, jun. 2010 Task Force on Sudden Cardiac Death, European Society of Cardiology. Europace. v. 4, n. 1, p. 3– 18, 2002. THRALL G. & LIP G. Y. H. Exercise and the prothrombotic state - A paradox of cardiovascular prevention or an enhanced prothrombotic state? Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular Biology. v. 25, p. 265-266, 2005. INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: um estudo com pacientes renais crônicos em lista de espera por terapia renal substitutiva na FHCGV Carla Marília Pinheiro Pereira* RESUMO O estudo objetiva discutir como a instrumentalidade do serviço social ocorre junto aos pacientes renais crônicos internados na Clínica Médica da Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV), em Belém do Pará, à espera por uma vaga para um dos tratamentos que compõem o grupo de terapia renal substitutiva. Na metodologia utilizou-se de recursos das pesquisas bibliográficas, documental e de campo. Os dados da pesquisa de campo foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e observação participante junto a 10 (dez) pacientes internados na lista de espera por uma vaga e a 1 (uma) assistente social que trabalha na Clínica Médica. Os resultados evidenciam que, devido ao grande número de pacientes nessa clínica, a instrumentalidade com teor de racionalidade substantiva fica impedida de acontecer plenamente. Destaca-se ainda o fato de alguns dos pacientes entrevistados quererem ficar na fila de espera por mais tempo visando receber os recursos do Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Nesse momento couberam interligações a respeito das críticas de Habermas ao Estado paternalista. PALAVRAS-CHAVE: Instrumentalidade do Serviço Social. Pacientes Renais Crônicos. Questão Social. 1 INTRODUÇÃO Este artigo é resultado de meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para a obtenção do grau de bacharel em Serviço Social pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Ele reflete minha pesquisa no período de fevereiro a novembro de 2009 em que estagiei na FHCGV. Sua exposição traz como tema central a instrumentalidade do serviço social. As discussões acerca da instrumentalidade do serviço social pelas quais perpassam este artigo giram em torno dos pacientes renais crônicos internados na Clínica Médica da FHCGV, da prática profissional da assistente social que trabalha junto a eles e da insuficiência de vagas para o tratamento denominado Terapia Renal Substitutiva como uma expressão da questão social. Para isso, foram entrevistados 10 (dez) pacientes renais crônicos dos 28 (vinte e oito) internados no hospital no mês de junho de 2009 e a assistente social que trabalha junto a eles na Clínica Médica; realizou-se também pesquisa bibliográfica e em sites da internet referentes ao assunto. A análise dos dados pauta-se na perspectiva crítico-dialética. Os passos da pesquisa obedeceram ao cronograma apresentado em maio de 2009 ao Comitê de Ética em Pesquisa da FHCGV. * Assistente social graduada pela Universidade da Amazônia – UNAMA; atuou como monitora da disciplina Pesquisa em Serviço Social I durante os dois semestresde 2009. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 117 2010 No que tange à profissão, cabe mencionar que a partir da década de 70 é perceptível uma renovação no serviço social, conforme Netto (1995). Nesse processo há um enxame de autores homogêneos que discutem sobre a profissão. Logo, cabe aqui citar as ideias de Gomes (2009) que ressalta o fato de o serviço social sempre possuir um viés crítico atenuado a partir do Movimento de Reconceituação. Dessa forma Yolanda Guerra encontra-se, segundo Netto (1995) no conjunto de autores que emergiram na profissão na década de 90. É com essa autora dentre outros, portanto, que venho tecer considerações sobre a instrumentalidade e sua relação entre a assistente social da Clínica Médica da FHCGV e os pacientes renais crônicos à espera por uma vaga por terapia renal substitutiva. Ressalto o fato de essa instrumentalidade poder ser regida por uma racionalidade instrumental ou por uma racionalidade substantiva. No primeiro item, portanto, tecerei considerações a respeito da instrumentalidade do Serviço Social. Nele há esclarecimentos sobre a instrumentalidade, diferenciando-a de instrumental e instrumento. As explicações deixarão claro que há diferenças entre esses três termos, mas todos são próprios do assistente social. A discussão travada neste artigo versará no segundo item sobre a expressão da questão social compreendida na insuficiência de vagas para a terapia renal substitutiva e diante disso qual o posicionamento da assistente social, ou seja, em que momento é possível perceber a instrumentalidade do serviço social pautada na racionalidade instrumental ou na racionalidade substantiva. O terceiro item disserta sobre a FHCGV, os pacientes renais crônicos e o trabalho da assistente social a partir de uma possível instrumentalidade pautada na racionalidade instrumental ou na racionalidade substantiva. As discussões, portanto, elencarão posicionamentos do profissional de serviço social diante desses pacientes. O quarto item contém reflexões em torno das críticas de Habermas quanto às ações do Es118 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 tado paternalista percebidas no decorrer da análise dos dados empíricos. Esse último item já foi apresentado no Congresso Internacional Habermas 80 Anos, ocorrido em setembro de 2009, onde expus acerca da instrumentalidade e do Estado paternalista ao analisar as entrevistas concedidas para a pesquisa. Ao final há as considerações finais, onde espero ter contribuído para a literatura do serviço social por meio de pesquisas e apreciações da instrumentalidade como uma categoria essencial à profissão. 2 COMPREENDENDO A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL Conforme Guerra (2004), por diversas vezes a categoria instrumentalidade é confundida com o conjunto de instrumentos técnico-operativos (entrevista grupal ou individual, mobilização de comunidades, visita domiciliar, visita institucional, ata da reunião, livro de registros, diário de campo, relatório social, parecer social e outros). É necessário, portanto, perceber que a questão da instrumentalidade não deve ser reduzida: “aos conteúdos, aos repertórios e aos procedimentos técnico-operativos da profissão, tal como naquela concepção ‘técnico-instrumentalista’ anteriormente apontada” (GUERRA, 2004, p.112). A autora interpreta a instrumentalidade do serviço social como a maneira de o profissional se portar diante da realização de sua prática profissional. Souza (2009) distingue instrumento, instrumental e instrumentalidade. Instrumento é cada mecanismo, por exemplo, visita domiciliar, orientação, informação, observação que compõe a prática profissional do assistente social. Instrumental é o conjunto desses instrumentos e técnicas que possibilitam a operacionalização da ação profissional a partir de reflexões e análises sobre cada situação. Instrumentalidade é uma categoria inerente ao serviço social decorrente da maneira como esse profissional aplica os instrumentos e as técnicas. A postura do profissional pode então estar voltada para uma instrumentalidade pautada por uma racionalidade instrumental ou por uma racionalidade substantiva. A saber: A racionalidade instrumental refere-se ao exercício de uma racionalidade científica, típica do positivismo, que visa à dominação da natureza para fins lucrativos, submetendo a ciência, a técnica e a própria produção cultural ao capital. [...] A racionalidade instrumental é a forma de razão que prevaleceu no mundo ocidental após o surgimento do capitalismo. Esta forma de racionalidade fez prevalecer a disseminação de que todos deviam trabalhar e contribuir para o aumento das riquezas, e onde tudo é passível de racionalização, de quantificação, de matematismo. A ciência econômica tem sido as rédeas da sociedade (CRUZ, 2007, p.1). Compreende-se o fato de a racionalidade instrumental estar centrada na impessoalidade burocrática. Ela é voltada para a técnica, focada em interesses, funcional. Seu domínio sobre a natureza apresenta fins meramente lucrativos, ou seja, está centrada no capital. Ao utilizar a instrumentalidade do serviço social partindo da racionalidade instrumental, o assistente social possui reflexões voltadas para o mercado, não propagando a emancipação da classe. Dessa forma, suas atitudes ficam submissas ao sistema capitalista de visão de lucro para os detentores de maior poder aquisitivo. Ao contrário dessa racionalidade estão: “[...] os valores humano-sociais da racionalidade substantiva que privilegiam a cooperação e a compreensão entre as pessoas, a emancipação da consciência individual e a preocupação com o bem-estar [...]” (FERREIRA et al, 2009, p.1). Logo, o assistente social que realmente conhece o significado da instrumentalidade e a emprega em uma perspectiva da racionalidade substantiva não cruza os braços diante de situações aparentemente difíceis. Ele age, objetivando a garantia de direitos do cidadão. Colocar em prática a instrumentalidade do serviço social levando em conta a racionalidade substantiva às vezes é um pouco difícil, pois diariamente há uma intensa demanda para o profissional. Assim: A instrumentalidade é principalmente um elemento discursivo. [...] Não consigo colocar a instrumentalidade em larga escala no Hospital (FHCGV). É uma Instrumentalidade limitada. Na questão dos renais crônicos muda de figura. Por esse motivo é possível colocar a instrumentalidade em prática. [...] A instrumentalidade é mais forte com os renais crônicos porque eles ficam internados mais tempo. Uma orientação não é suficiente. [...] Eu preciso de vários contatos com pacientes para colocar a instrumentalidade em prática. É uma questão de frequência. [...] Não dá para fazer instrumentalidade com uma conversa; porque instrumentalidade é um processo que se constrói (PACHECO, assistente social exercendo há 4 anos a profissão na FHCGV). As inúmeras demandas da profissão podem comprometer a qualidade do atendimento do assistente social. Logo, isso dificulta que a instrumentalidade com teor de racionalidade substantiva seja colocada em prática. É extremamente necessário, portanto, reflexão, cautela e mediação durante o exercício da profissão. Segundo Guerra (2009), apesar de solicitar ações, algumas vezes imediatas, a prática do serviço social não deve ser repleta de ações instrumentais. A repetição contínua dessas ações instrumentais impele o profissional a não atingir a eficácia1 e a eficiência2 verdadeiras. Alguns assistentes sociais, de acordo com Guerra (2004), devido à grande quantidade de demandas da profissão acabam por priorizar a atuação técnica. Vasconcelos (2007) discute sobre esse atendimento rápido ao se reportar à 1 2 Eficácia, conforme Lakatos (1997), é a relação do que foi planejado com o resultado. Eficiência, de acordo com Lakatos (1997) está relacionada aos meios para realização de algo. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 119 situação da saúde pública do Rio de Janeiro. O assistente social e os demais profissionais ligados à área da saúde passam por entraves tão grandes quanto os dos usuários. A rotina de trabalho concentrada resulta em uma carga horária semanal exaustiva. Na percepção de Souza (1995), alguns profissionais de serviço social enfrentam vários problemas decorrentes provavelmente da falta de habilidade para lidar com as exigências institucionais. Nessa linha: O assistente social espera tudo da formação profissional e, num segundo momento, passa a esperar tudo da instituição. Com isto, torna-se um agente profissional sem perspectiva, dependente e predisposto a engajar-se acriticamente em qualquer plano de trabalho (SOUZA, 1995, p.11). Atitudes como essas impossibilitam a real percepção do significado da profissão. Dessa forma é um tanto difícil compreender e aplicar a instrumentalidade. De acordo com Guerra (2007), refletir acerca da instrumentalidade do serviço social tal qual está referendada nessa pesquisa implica em ter como matéria-prima a profissionalidade do serviço social. Nesta perspectiva o assistente social que possui uma postura voltada para a instrumentalidade age sem as amarras do conservadorismo de um serviço social não reconceituado. Logo, a categoria instrumentalidade é procedente do profissional interventivo e pró-ativo. Essa discussão a propósito da instrumentalidade perpassa um serviço social mais voltado para os preceitos marxistas, de acordo com Guerra (2004). A autora discursa ainda sobre o fato de essa categoria ser inerente ao serviço social voltado para os movimentos de reconceituação e pós-reconceituação: Considerando que a questão da instrumentalidade só se aplica no universo do trabalho como categoria onto-primária, os supostos dos quais sua tematização parte, no que tange 120 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 ao serviço social, só poderiam ser legatários da tradição marxista. Nesse âmbito, a reflexão sobre a “ instrumentalidade do serviço social” – que se pretende herdeira da tendência que intenta que o serviço social se libere das suas amarras com o conservadorismo da ordem burguesa – tem tanto sua existência hipotecada quanto se beneficia diretamente das análises teóricas e das orientações prático-políticas dela emergentes no serviço social e fora dele (GUERRA, 2004, p.113). Pensar sobre a instrumentalidade e colocála em vigor em uma racionalidade Substantiva implica em rever, em dar novo formato às práticas rápidas e rotineiras concernentes ao cotidiano do assistente social. Alguns desses profissionais, porém são conduzidos conforme Pontes (2007) a entender de maneira deturpada o marxismo; gerando, por conseguinte: “problemas daqueles enviesamentos na compreensão da teoria marxiana: fatalismo, messianismo, voluntarismo e cientificismo” (QUIROGA 1991, apud PONTES 2007, p.158). Esses profissionais devem entender que o serviço social não possui caráter fatalista, logo há soluções a serem tomadas. É necessário, ainda, não ser messiânico, ou seja, lembrar sempre que a profissão não possui habilidade para resolver todos os problemas do mundo. O assistente social não deve trabalhar com a prática do voluntarismo sem valorizar a reflexão das demandas. Esse profissional também não pode se submeter ao cientificismo, onde a teoria é bastante desenvolvida, mas não ampara a prática. A práxis compreendida como ação transformadora só pode ser enquadrada em assistentes sociais que agem de acordo com a instrumentalidade. Dessa forma: Mais ainda, a práxis tem na atividade seu traço vital: a instrumentalidade coloca-se a práxis como conduto de passagem, ao mesmo tempo que a práxis produz, porta e expressa uma determinada racionalidade, já que o pensamento encontra-se substantiva e organicamente vocacionado para a ação (GUERRA, 2007, p.14). Diariamente o assistente social se depara com novas demandas para a sua prática profissional. Essas situações novas requerem o aprimoramento dos instrumentos ou a renovação desses. Partindo desse pressuposto a autora compreende que antes de aprimoramentos é preciso mais ainda uma racionalidade para a prática profissional com o intuito de fundamentar essa prática profissional, aliando-a à teoria. Tudo isso a fim de que o profissional não faça prática pela prática, ou seja, não apresente uma postura instrumental. 3 INSUFICIÊNCIA DE VAGAS PARA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA: uma expressão da questão social Guerra (2009) conceitua questão social como uma expressão do processo tanto de formação, quanto de desenvolvimento da classe operária e da entrada dela no cenário da sociedade. Essa entrada exigiu o reconhecimento do operariado como classe por parte do empresariado e do Estado. Na percepção da autora citada, a questão social se torna objeto de intervenção sistemática contínua do Estado no estágio monopolista do capitalismo. A partir deste momento é instaurado um espaço determinado na divisão social e técnica do trabalho para o serviço social e outras profissões. Dessa forma, o serviço social se torna uma profissão indispensável devido às necessidades sociais. Historicamente o serviço social adquiriu esse espaço, ao interferir sistematicamente nas refrações da questão social institucionalmente transformada em questões sociais. A questão social, portanto, foi complexificada e tratada pelo Estado. Ela foi então fragmentada e recortada, surgindo assim várias questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais. Cabe então ao assistente social intervir nessas questões e em suas refrações. Entre essas expressões da questão social está a insuficiência de vagas para o tratamento denominado terapia renal substitutiva 3. A ausência, por exemplo, de máquinas para a hemodiálise4 resulta em meses de internação em hospitais por todo o país. Entre os anos de 1999 e 2005, segundo o Ministério da Saúde (MS)/ Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) – Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) e base demográfica do IBGE (2009), é possível perceber o aumento da prevalência de pacientes atendidos no SUS para terapia de diálise renal em todas as faixas etárias e regiões do Brasil. Esse aumento só não ocorreu para os pacientes com idade inferior a 30 anos nas regiões Sudeste e Sul do país. O número de pacientes atendidos nessas duas regiões chega a ser até quatro vezes superior ao da região Norte, devido ao fato de nas duas primeiras regiões haver mais oferta de serviços especializados do que na última. Vale ressaltar que esses valores estão de acordo somente com a diálise ambulatorial, excluindo-se os pacientes internados em hospitais à espera por uma vaga para tratamento. A taxa de prevalência de pacientes em diálise5, do ano de 2005, apontava que 11,4 pessoas a cada 100.000 habitantes em 2005 estavam sendo submetidas ao tratamento financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ela ainda indica3 4 5 A terapia renal substitutiva é o grupo formado pelos seguintes tratamentos para a insuficiência renal crônica: hemodiálise, diálise peritonial ambulatorial contínua, diálise peritonial automática e diálise per itonial Intermitente. Hemodi álise é uma das modalidades do tratamento denominado terapia renal substitutiva. Ela é realizada em média quatro horas por dia, durante três vezes por semana. Consiste em uma máquina que filtra todo o sangue que circula pelo corpo do paciente, el iminando as toxinas; trabal ho esse que o rim debil itado não consegue desempenhar. Segundo Aguiar (2007), o termo taxa de preval ência é concebido como a proporção de pessoas com determinado diagnóstico de saúde em um dado momento temporal. Prevalência, portanto, é definida através da proporção de casos predominantes referentes à população de interesse da qual extraímos os casos prevalentes. Conforme MS/ SAS/ SAI/ SUS (2009), taxa de prevalência de pacientes em diálise significa o número de pacientes submetidos a tratamento de diálise renal no SUS, por 100 mil habitantes, na população residente em determinado espaço geog ráfico e no ano considerado. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 121 va que 47 pessoas entre 30 e 59 anos também se submetiam a esse tratamento. A taxa apontava também 162,9 pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (MS/ SAS/ SAI/ SUS, 2009). Na região Norte, em 2005, essa taxa de prevalência de pacientes em diálise indicava que 6,5 pessoas menores de 30 anos estavam em tratamento custeado pelo SUS. A taxa para indivíduos entre 30 e 59 anos apontava que 24,4 estavam sendo submetidos a esse mesmo tratamento. Para pessoas com 60 anos ou mais a taxa indicava 107,8. Essa situação de espera não deveria acontecer, pois conforme a Portaria Ministerial n°1101/2002, para cada 15.000 habitantes é necessário haver uma máquina para Diálise funcionando em três turnos. Seguindo essa linha de raciocínio a mesma portaria determina que para cada 30.000 habitantes deve haver duas máquinas (2 pontos) que atendam até doze (12) pacientes em três turnos por semana, com utilização máxima do referido equipamento. De acordo com Associação dos Renais Crônicos e Transplantados do Pará – ARCTPA (2009), o Pará carece de 31 serviços, pois atualmente há apenas 15, sendo sete em Belém6, dois em Santarém e os demais nos municípios de Ananindeua, Castanhal, Marabá, Altamira, Redenção e Marituba, inaugurado em setembro de 2009. A questão de não haver vagas suficientes está entrelaçada a diversos fatores, como por exemplo, a melhoria da qualidade do diagnóstico e a deficiência de políticas de prevenção, segundo Pacheco (2009). Outro fator responsável pode ser a política implantada pelo ex-presidente da República Fernando Collor de Melo que governou o país de 1989 a 1992, determinando limites de gastos para o Estado. De acordo com Vasconcelos (2007), a não efetivação completa do SUS deve realmente ser considerada como uma das consequências dessa política. Como uma bola de neve, há diversas sequelas para essa política, que vêm se estendendo ao longo dos anos. Visando assegurar vagas para todos, foi criado no Pará em 2005 o Plano Estadual de Atenção ao Portador de Doença Renal em Alta Complexidade da Secretaria de Estado de Saúde Pública. Esse plano propunha que 100% dos serviços de nefrologia do Pará fossem expandidos proporcionalmente para cada município. Se esse plano for efetivado, a Associação dos Renais Crônicos e Transplantados do Pará – ARCTPA (2009) acredita que os custos do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) serão reduzidos em aproximadamente 60%. Apesar de medidas como a Portaria Ministerial n° 1101/2002 terem sido tomadas, ela ainda não foi divulgada suficientemente. Como pode ser percebido nas falas dos pacientes entrevistados7 em junho de 2009: 6 7 Em Bel ém os serviços estão localizados na FHCGV, no Hospital Ofir Loyola, Pro-Rim, Clínica do Rim, Nefroclína, Fundação Santa Casa de Misericórdia e Clínica de Cirurgia Integ rada. 122 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 Tem muita gente morrendo, esperando vaga. [...] Não conhecia a portaria (Denise, 40 anos, solteira; paciente há 4 meses internada à espera por uma vaga para hemodiálise na Clínica Médica da FHCGV, moradora do município de Barcarena – Pará). Deveria ser assim mesmo; aí, em Cametá teria tratamento. Era muito melhor (se a Portaria fosse implantada). A gente ficava perto da família (Marcelo, 41 anos, casado, paciente há 4 meses internado à espera por uma vaga para hemodiálise na Clínica Médica da FHCGV, morador do município de Limoeiro do Ajuru – Pará). Nem sei o que dizer [silêncio]. Tenho seis filhos [...] O marido já veio e trouxe a menor (de 6 anos para ela ver). Todos eles estudam. [...]. Passo bilhete (para meus filhos) [...] Ficam reclamando: Mamãe, por que tu não vem? (Ana, 34 anos, casada, paciente há 3 meses internada à espera por uma vaga para hemodiálise na Clínica Médica da FHCGV, moradora do município de Bacuri – Maranhão). Os nomes dos pacientes foram trocados, guardado o sexo de cada um, a fim de preservar a integridade dos mesmos. Vale ressaltar que prevalecem os artigos femininos e masculinos no intuito de informar o sexo do paciente. A partir das falas acima é perceptível o desconhecimento dos pacientes em relação à Portaria Ministerial n° 1101/2002. Embora os pacientes não saibam o significado dessa portaria, eles têm noção de que é preciso implantá-la. Há de se considerar a angústia da espera, pois são pacientes que se deslocam de seus municípios e deixam família, amigos e trabalho em virtude de uma longa internação em Belém na FHCGV. Cabe então ao serviço social informar ao paciente sobre essa portaria, por intermédio do instrumento denominado Informação. Portanto, informar não é, e não pode ser simplesmente o ato de relatar ou descrever fatos e dados, mais do que isso é relacionar e interpretar diversos fatos, buscando a compreensão dos fenômenos. Que no âmbito do uso da linguagem realiza-se através de alguns mecanismos como nivelação (valor nos detalhes); acentuação (colocar em relevância os dados mais importantes); assimilação (reordenamento de dados já apresentados); sentido (explicar sem deformar) e; terminologia (técnica, institucional, popular) (SARMENTO, 2005, p.29). Compreende-se que o profissional deve utilizar o instrumento informação não expondo sobre a portaria como algo que ainda não fora efetivado e sim com entonação na voz; a fim de instigar o paciente renal crônico a participar de conferências e conselhos acerca de questões relacionadas com a insuficiência de vagas para a terapia renal substitutiva. Há, diante da desinformação, o fato de a participação política, segundo Pereira (2009) ainda continuar restrita ao voto. O povo não compreendeu ainda o fato de a verdadeira participação representar a luta pelo direito de todos os indivíduos e não por individualidades. ‘‘Vivemos em uma situação de elevados déficits de capital social, o que permite a permanência de uma cultura política que desafeta a participação’’ (BAQUERO, 2001, p.9). Cabe ressaltar que apenas 1 (uma) paciente, do total de 10 (dez) pacientes entrevistados, sabia acerca dessa portaria: “A portaria a senhora dos renais me disse.” (Marina, 58 anos, casada, paciente há 9 meses internada à espera por uma vaga para hemodiálise na Clínica Médica da FHCGV, moradora do município de São Miguel do Guamá – Pará). Apesar de seu conhecimento, há uma dúvida constante: qual o motivo da portaria não ter sido implantada até o presente momento? Diante desse questionamento o assistente social fica sem resposta definida, se deparando com os entraves da profissão. Pacheco (2009) admite: Eu conheci essa portaria pelo seu trabalho. [...] O Minitério da Saúde coloca normas que não estão sendo efetivadas. [...] Então eu não considero [...] que seja um absurdo não ter uma máquina para cada quinze mil habitantes. [...] Porque existem várias normas propagadas que não estão sendo feitas. [...] Eu fico bestificada quando vejo o PIB do Brasil e não é feito nada [...] (Pacheco, assistente social exercendo há 4 anos a profissão na FHCGV). Nesta perspectiva, a assistente social percebe outras situações que também ainda não foram resolvidas no Brasil. No decorrer da entrevista, ela esclareceu não adiantar o profissional estar imbuído de legislações e teorias, se ele não age; ou seja, é necessário lutar pelos direitos dos pacientes renais crônicos, mas sem cometer equívocos como fatalismo, messianismo, voluntarismo e cientificismo. Em minha prática de estágio percebo que há compromisso éticopolítico dessa profissional por seus pacientes. Deve-se considerar o fato de as novas demandas da profissão implicar, segundo Bastos (2004), em novos contextos de atuação do assistente social. A situação dos renais crônicos se apresenta, então, como uma expressão da quesLato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 123 tão social relacionada ao não cumprimento do artigo 5o da Constituição Federal de 1988 que determina “a saúde como direito de todos e dever do Estado”. Assim, se não há vagas suficientes por falta de máquinas e se algumas dessas, de acordo com Ferreira (2009) estão paradas por falta de recursos, cabe ao assistente social refletir sobre a situação e imbuído da instrumentalidade do serviço social pautada em uma racionalidade substantiva, buscar a melhor maneira para intervir. Sobre esse aspecto: Assim, a prática do assistente social exprime não só a capacidade de ‘‘saber fazer ’’, mas também e primeiramente, sua posição político ideológica, sua intencionalidade. E é justamente essa posição do profissional que particulariza a intervenção profissional (BASTOS, 2004, p.95). Partindo desse princípio é possível perceber os impasses pelos quais a Assistente Social passa diariamente. A instrumentalidade dentro da racionalidade substantiva precisa ser colocada em prática, porém isso se torna uma tarefa difícil no campo de ação profissional. O assistente social, na percepção de Bastos (2004, precisa agir dotado de intencionalidade diante de questões, como a insuficiência de vagas para pacientes renais crônicos. Na FHCGV 22 (vinte e dois) assistentes sociais trabalham em diversos setores e horários. Se todos ou alguns deles exercem suas práticas a partir de uma intencionalidade e de instrumentalidade, há dúvidas. Por esse motivo, ressalta-se que o intuito dessa pesquisa foi entender se há a instrumentalidade no cotidiano da profissional da Clínica Médica. Qualquer associação, portanto, com a postura dos demais profissionais pode conduzir a equívocos. 4 SERVIÇO SOCIAL NA FHCGV E A SUA POSSÍVEL INSTRUMENTALIDADE Em 1982 foi iniciado o projeto arquitetônico da FHCGV e somente em 1º de abril de 2001 124 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 ocorreu sua inauguração oficial. Nesse interregno de tempo ocorreu a inauguração da clínica psiquiátrica, do bloco de acesso e serviços externos, de parte do estacionamento e do bloco de serviços gerais em 1987. Somente em 1989 os leitos foram disponibilizados. Nesse mesmo ano houve também a primeira paralisação da obra que só foi reiniciada em 1991. Nesse mesmo ano foi inaugurado o ambulatório de especialidades e parte da administração. Apenas em 1998 a obra foi retomada e finalmente concluída em 2000. Na inauguração oficial, em 2001, a FHCGV continuou a ser referência em psiquiatria e passou a abarcar como referência os serviços de nefrologia e cardiologia. Começou a oferecer consultas e internações para as clínicas cirúrgica, médica, pediátrica, ginecológica e obstétrica. Essa instituição do Governo do Estado do Pará ligada à Secretaria Especial de Proteção Social possui 242 (duzentos e quarenta e dois) leitos em suas clínicas e unidades de terapia intensiva neonatal, adulto e pediátrica, além de um ambulatório com 19 (dezenove) consultórios, bem como serviços laboratoriais e de diagnóstico por rádio-imagem e métodos gráficos. Ela abriga também um serviço de terapia renal substitutiva com 15 (quinze) máquinas de hemodiálise. Há ainda um conjunto variado de profissionais como assistentes sociais, médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, professores de educação física, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, fonoaudiólogo, dentre outros. A clínica médica, local em que foi realizada a pesquisa de campo que deu margem à construção desse artigo encontra-se no quarto andar do prédio da FHCGV. Seus atendimentos destinam-se a pacientes acima de 14 anos de idade, de acordo com as seguintes especialidades: médica, cardiologia, nefrologia e infectologia. Os pacientes cardiopatas e renais são de origem da Central de Leitos de Belém, do Serviço de Apoio à Triagem e da Emergência Cardiológica. Vale ressaltar que atualmente cerca de 40% dos 40 (quarenta) leitos da clínica estão sendo ocupados por pacientes renais crônicos internados à espera por uma vaga ambulatorial para terapia renal substitutiva. A espera por uma vaga para o referido tratamento pode durar um longo tempo, como percebi durante as entrevistas: Dia 23 de dezembro de 2008 fui para o Pronto Socorro da 14. De lá fui para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital de Clínicas, dia 8 de janeiro de 2009. Estou aqui (clínica médica) desde 3 de março de 2009. (Mário, 60 anos, casado, paciente há 6 meses internado à espera por uma vaga para hemodiálise na FHCGV, morador do município de Belém – Pará). Tenho quatro meses de internação. [...] Vim de Limoeiro pra cá pra Belém e aqui vim descobri [que era renal crônico]. [...] O tratamento [de hemodiálise] era muito caro. Vendi uma casa por R$12.000,00 para pagar as seções. [...] Era a casa que eu morava. Aí eu passei a morar com a minha mãe (Marcelo). Tenho três meses de internação. [...] Tô pedindo a Deus para sair (Joaquim, 71 anos, casado, paciente há 3 meses internado à espera por uma vaga para hemodiálise na clínica médica da FHCGV, morador do município de Benevides – Pará). Tô internada desde 4 de fevereiro de 2009. Pra onde sair (a vaga) eu vou, por que tenho que cuidar dos meus filhos. Minha de 14 quer namorar. [...] Só escuto queixa de caderno dos filhos. [...] Se for contar todos os motivos por que quero uma vaga [...] Tem minha filha, minha neta, meus filhos (D enise) . Vai fazer dez meses. Ave Maria. Deus me livre! (Marina) As expressões “Ave Maria. Deus me livre!” têm uma significação carregada de paciência com certo teor de revolta e embora evoque sua religiosidade, transparece como uma evocação de limite físico por se tratar do processo de saúde. Mediante esse quadro é que nos vemos diante de um paradoxo, de acordo com Vasconcelos (2007), pois se por um lado na realidade brasi- leira nunca houve um momento histórico em que a saúde contasse com tantos direitos assegurados formalmente, eles ainda precisam ser garantidos na prática. Diante desse tempo de espera, que varia entre 9 (nove) e 2 (dois) meses a assistente social da clínica médica lida com esse longo período de internação a partir de inúmeras demandas que surgem, tais como ausência de renda de alguns pacientes renais crônicos, desinformação a respeito de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), o atraso no pagamento do TFD, perda de vínculos familiares, pois o paciente fica internado e em alguns casos se distancia de sua família. A exemplo da quebra desses laços é válido mencionar a paciente Ana procedente de Bacuri, município pertencente ao estado do Maranhão. No caso dela, a internação afastou-a dos filhos e do marido, pois devido à distância não há visitas constantes. Cabem, portanto, ações envolvendo a instrumentalidade do serviço social em uma racionalidade substantiva. Para isso é extremamente necessário que o assistente social compreenda o objeto de sua intervenção: “como um aspecto da realidade na qual o profissional pretende intervir” (BASTOS, 2004, p.93). Durante minha pesquisa de campo percebi que assistente social da clínica médica possui claro entendimento acerca de seu objeto de intervenção. Na coleta de dados empíricos, notei que os pacientes renais crônicos percebem o trabalho do serviço social, como por exemplo: Muito útil. Ela (a assistente social da clínica médica) resolve tudo pra nós. Ela encaminha. Faz qualquer coisa pra nós. Pelo menos comigo tem sido assim (Marina). Apesar de não ter havido reclamações sobre o agir da assistente social, ainda há dúvidas sobre sua função. Nas afirmações dos pacientes há reconhecimentos pelo trabalho da assistente social quanto às ações voltadas ao encaminhamento para o TFD, para a perícia médica, em Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 125 orientações sobre benefícios e outros. Sobre esse aspecto: Eu não conheço bem o trabalho do assistente social. [...] Vocês (do serviço social) se interessam pela aposentadoria e mais outras coisas com os pacientes (Denise). Nessa fala percebi que em alguns momentos o trabalho do serviço social ainda é percebido como um favor, algo que qualquer pessoa pode realizar. Cabe, então, ao assistente social utilizar a instrumentalidade com teor da racionalidade substantiva em sua prática profissional a fim de apresentar um caráter mais técnicocientífico à sua prática. Durante a entrevista Pacheco (2009) relatou: O trabalho consiste em orientar. [...] Uma enumeração rápida: diálogo, encaminhamento, ofícios. A partir do diálogo eu realizo uma entrevista. [...] Talvez outros assistentes sociais não achem, mas o diálogo para mim é mais importante. [...] Eu obtenho as informações a partir do diálogo. [...] É uma questão de habilidade e pronto. Porque tem pessoas que contam para mim e não para você e viceversa. São os instrumentais que [...] preciso então me comunicar com as instituições [...] para me comunicar então às vezes é por telefone. [...] Não os aplico de modo estanque e sim dinâmico. [...] Dinâmico é perceber as necessidades de cada paciente para adaptar o meu diálogo a cada paciente. [...] Com relação aos outros instrumentais. [...] Aí eu tento ser fiel à realidade que o paciente me coloca [...]. Essa profissional assegura o direito de cidadão do paciente, cumprindo, portanto, o que está previsto no Código de Ética Profissional do Serviço Social em seu artigo 3°: “a) desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade, observando as legislações em vigor” Apesar disso, Pacheco (2009) crê que: “O assistente social não consegue abraçar tudo de uma vez só”. 126 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 Cabe, portanto, ao assistente social trabalhar, tendo clareza de seu objeto de intervenção. O agir não deve, portanto, conforme Guerra (2009), em virtude de solicitar ações, algumas vezes imediatas, ser repleto de ações instrumentais, pois a repetição contínua dessas ações leva o profissional a não atingir a eficácia e a eficiência verdadeiras. Em suas reflexões, Souza (1995) afirma que o assistente social diariamente se depara envolvido em bloqueios formados pela instituição. Karsch (2008) traduz essas situações como a burocratização dos serviços. Diante desses obstáculos o profissional precisa agir com competência, segundo Souza (1995), a fim de relacionar teoria e prática e se apresentar como força social; aplicando a instrumentalidade conceituada como: “uma mediação que permite a passagem das ações meramente instrumentais para o exercício profissional crítico e competente” (BASTOS, 2004, p.96). Esse profissional deve agir utilizando a instrumentalidade em uma racionalidade substantiva diante da insuficiência de vagas para o tratamento denominado terapia renal substitutiva que se apresenta como uma expressão da questão social. Ressalto o fato de “a saúde ser um direito de todos e dever do Estado”, conforme determina o artigo 5o da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, a falta de vagas para o tratamento ambulatorial de hemodiálise acarreta, portanto, a negação desse direito aos pacientes internados. A instrumentalidade, portanto, possui um papel de destaque diante dessa questão. Sendo o assistente social o profissional que historicamente agiu intervindo sobre as questões sociais, a negação da instrumentalidade implica consequentemente na negação dos preceitos formadores de sua identidade. Há questões que devem ser medidas pelo assistente social a fim de reafirmar essa identidade. Nessa linha: “O serviço social tem muitas racionalidades, compreendidas como modos de ser, pensar e agir, e sempre foi polarizado por momentos de predominância, ora do pensamento conservador, ora do pensamento crítico” (GUERRA, 2002 apud BASTOS, 2004, p.95). Para lidar com esses pacientes renais crônicos que traduzem a expressão da questão social a partir da insuficiência de vagas e no decorrer de sua internação apresentam inúmeras demandas é necessário um profissional de serviço social com postura voltada para a instrumentalidade e que esteja inserido em uma racionalidade substantiva. 5 REFLEXÕES ALÉM DA INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL Durante a coleta de dados empíricos para a construção do artigo para este TCC foi possível tecer reflexões que encontram-se além da análise da instrumentalidade do serviço social. Nesta perspectiva, cada paciente compreende de maneira diferente o seu longo período de permanência na FHCGV, sempre expresso nas falas e pensamentos que perpassam diversas situações, como por exemplo: No hospital tem muita coisa que precisa melhorar: a parte da alimentação, a higiene não está bem feita. O nosso banheiro fica dois dias sem ser lavado. A lâmpada está queimada. [...] Eu acho um absurdo o paciente vir de Bragança se tratar aqui. Tem que ter centro. [...] Gosto daqui (FHCGV). Pra mim, aqui já é minha casa, porque todos me tratam bem. [...] Gosto daqui, mas quero ir embora, porque aqui não é um hotel. [...] Enquanto eu tô aqui (FHCGV) eu vou me tratando. Só vou recebendo benefícios. [...] (Marina). Diante disso, cabem aqui análises a partir de críticas em uma perspectiva habermasiana sobre o Estado paternalista. Habermas critica o Estado paternalista que não favorece a emancipação do ser humano, apenas amenizando a situação material com benefícios desnecessários, se por acaso houvesse um centro para terapia renal substitutiva em cada município, ou próximo ao paciente. Agir partindo de pressupostos paternalistas implica em ser autoritário. Ocorre um processo de dominação camuflado por concessões e benefícios. Nesta perspectiva, o Estado paternalista exerce a dominação sobre o cidadão fazendo a concessão de benefícios no caso de pacientes renais crônicos, em vez de assegurar vagas de hemodiálise. Conforme Mata (2009), a cidadania no Brasil está muito longe de ser alcançada devido às ações do Estado paternalista que oprime os sujeitos ansiosos em se tornarem cidadãos de direitos desde a época da colonização. A exemplo dessa ânsia é válido mencionar as inúmeras revoluções reprimidas pela Corte no período em que o Brasil não possuía sua independência proclamada. Concessões feitas como a Lei Áurea (1888) já apresentava indícios do paternalismo e seu teor autoritário. As formas camufladas de não efetivar a cidadania seguem por anos e anos em nosso país. Prova disso são os benefícios concedidos aos pacientes renais crônicos. A passividade diante da ausência de vagas é decorrente de um Estado paternalista que nega ações como a participação política. A população, sem ter conhecimento de seus direitos, acaba sucumbida por concessões desnecessárias. Nessa linha: Eu acho que [...] não é só pessoal do interior que tinha que receber Tratamento Fora do Domicílio -TFD. [...] Se a gente sai daqui, tem que ter dinheiro. [...] Exemplo do seu [o entrevistado citou o nome de um paciente internado, mas por sigilo não revelarei o nome] que gasta muito e só o benefício não dá. [...] Tu já pensou quem é aposentado com um salário. [...] Isso sai muito pesado, porque tem que comprar remédios, transporte. [...] Quem é do interior tem menos gasto com transporte do que quem é de Belém. Porque do interior o município pega e leva. [...] A carteirinha (de passe livre intermunicipal) ajuda, mas não é só isso. [...] Eu tirava R$ 2.700,00 e hoje recebo R$ 700,00. Então faz muita diferença. [...] É um dos motivos pelos quais eu quero voltar para o interior [Salinas, onde ele tem uma casa]. Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 127 [...] Quero ir para o interior para ter uma ajuda a mais [ele está falando do TFD]. Essa ajuda é importante para mim. [...] A gente [ele e a esposa] queremos ir para o interior e ver se consigo o TFD. [...] (Mário) Na fala de Mário (2009) é perceptível o fato dele querer sair de Belém, cidade onde vive e fará o tratamento ambulatorial, para um local mais distante da capital no intuito de ser beneficiado com o TFD. Compreende-se que o paciente não medirá esforços para receber o recurso do TFD, devido a sua insatisfação no valor da aposentaria recebida, por ela não cobrir todas as suas despesas. De acordo com Habermas, o Estado paternalista age oferecendo benefícos aos cidadãos a fim de não permitir que ele se emancipe. Enquanto o paciente poderia participar de todo o processo público pela garantia de seus direitos (debates, fóruns, conferências, conselhos e outros), ele pensa em artifícios para ser beneficiado por esse Estado paternalista. Dessa forma, não há a emancipação do ser humano e sim o seu aprisionamento na teia do Estado. Cabe ao assistente social empregar a instrumenlidade com teor de racionalidade substantiva a fim de apresentar a real situação ao paciente: não há vagas suficientes para terapia renal substitutiva e o Estado gasta 60% do orçamento do TFD com pacientes renais crônicos. Se houvessem vagas suficientes e distribuídas nos municípios do Pará, o tempo de espera seria pequeno ou não existiria. Segundo Guerra (2004), o assistente social deve se libertar das amarras do conservadorismo profissional para promover a instrumentalidade. Logo, o profissional que aplica essa categoria, seguindo os preceitos da racionalidade substantiva, inerente ao serviço social, compreende as críticas de Habermas ao Estado paternalista, reflete sobre o assunto e repassa tal informação ao paciente. O welfare state, segundo Sandroni (1999), poderá no futuro corresponder a uma nação equitativa, onde serão alcançados os ideários da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraterni128 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 dade. Até o presente momento, na acepção de Barros (2009), ele só possibilitou a dominação da população e a coação da participação social. Nesta premissa, o Estado paternalista é traduzido pelo mesmo autor como aquele que não contava com a participação democrática. Esse Estado estaria incumbido de decidir através de altas esferas de governo o melhor para a sociedade, porém sem contar com a participação da mesma. Nesse modelo de Estado estão previstos benefícios ao cidadão a fim de proporcionar-lhes padrões de vida mínimos. Essas concessões não podem inibir ou desestimular o sujeito a lutar por seus direitos. A partir das falas de alguns entrevistados é possível perceber que a emancipação do cidadão é impedida de acontecer, quando o estado concede benefícios em vez de assegurar a saúde do cidadão. Habermas, conforme Deluiz (2009) discute que um diálogo com o cidadão de maneira clara e aberta possibilita a quebra da alienação. Logo, o assistente social possui postura pautada na instrumentalidade seguindo os preceitos da racionalidade substantiva, possibilita a partir de uma práxis a saída para o fim da alienação e o caminho para o processo de emancipação. “Em Economia Política, a alienação é um dos conceitos básicos do marxismo, significando a perda sofrida pelo trabalhador de uma parte de seu ser, quando o capitalista se apropria do fruto de seu trabalho” (SANDRONI, 1999, p.21). O indivíduo, portanto, se reconhece como sujeito de direitos a partir da autoconsciência. Deluiz (2009) enfatiza que o processo de emancipação haverá somente, segundo Habermas, quando o ser humano começar a questionar o que lhe é imposto pela instituição. A busca pelo motivo da longa fila de espera para terapia renal substitutiva, no caso dos pacientes renais crônicos, é um fator que contribui para a emancipação. Por intermédio do discurso atrelado à instrumentalidade repassado pela assistente social, o paciente precisa perceber o sistema do Estado que não assegura vaga para todos e não silenciar ao receber algum benefício. A emancipação é possível a partir do momento em que o sujeito se percebe em condição de não cidadania, ou seja, seus direitos ainda não foram assegurados, os quais só serão quando houver o questionamento do significado do Estado paternalista. Nessa linha, Habermas apud Deluiz (2009) defende que o fim da alienação depende do reconhecimento do sujeito como cidadão de direitos. Para isso é necessário que seja atingida a plataforma da argumentação, ou seja, o paciente reconhece sua condição de exploração e luta por seus direitos após ter refletido e compreendido que eles lhe foram negados no que concerne ao longo período de espera por uma vaga. A concepção de cidadania completa só será alcançada, quando o sujeito perceber sua condição de exploração e começar a lutar por seus direitos. Dessa forma, o exercício da democracia consiste na conscientização de classes, na participação política e na reflexão da questão social e suas retrações, conforme Deluiz (2009). O assistente social, portanto, não deve agir sem refletir sobre a situação, ou seja, não deve pregar uma revolução sem medidas. Nesta perspectiva, precisa ter um discurso a partir de: o conceito de direito subjetivo desempenha um papel central na moderna compreensão do direito. Ele corresponde ao conceito de liberdade de ação subjetiva: direitos subjetivos (rights) estabelecem limites no interior dos quais um sujeito está justificado a empregar livremente sua vontade. E eles definem liberdades de ação iguais para todos os indivíduos ou pessoas jurídicas, tidas como portadoras de direitos (HABERMAS, 1997, p.113). Seguindo essa linha de pensamento, cabe citar aqui a equidade presente tanto nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Serviço Social: “Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;”, quanto nas reflexões: Kant apoia-se neste artigo, ao formular o seu princípio geral do direito, segundo o qual toda ação é equitativa, quando máxima permite uma convivência entre a liberdade de arbítrio de cada um e a liberdade de todos, conforme uma lei geral. O primeiro capítulo da justiça, de Rawls, ainda segue a máxima: Todos devem ter o mesmo direito ao sistema mais abrangente possível de iguais liberdades fundamentais (HABERMAS, 1997, p. 114). Logo, o profissional que segue a instrumentalidade em postura de racionalidade substantiva está seguindo o seu código de ética e possui reflexões a partir de autores como Habermas que critica o Estado paternalista presente em ações como, por exemplo, oferecer um benefício em vez de garantir um direito assegurado por lei. Nesse caso o direito negado é o estabelecido na Portaria Ministerial n° 1101/2002: para cada 15.000 habitantes é necessário haver uma máquina para diálise funcionando em três turnos. Recentemente foi inaugurado um novo centro de hemodiálise no município de Marituba, no estado do Pará. Esse centro tem capacidade para atender 132 pacientes renais crônicos à espera por uma vaga. Atualmente, segundo o jornal “Amazônia” de 31 de agosto de 2009, há 210 pacientes renais crônicos cadastrados nas centrais de alta complexidade à espera por uma vaga. Se houvessem apenas 210 pacientes em todo Pará à espera, o número de leitos do novo centro seria um tanto quanto suficiente, porém só há dados para pessoas cadastradas. Dessa forma, há uma noção apenas da quantidade de pessoas internadas em hospitais esperando por uma vaga e há incertezas sobre quantos estão aguardando por uma vaga em outros locais. A acomodação de alguns pacientes diante desses dados e o desconhecimento de outros exigem a atuação do serviço social a partir da categoria instrumentalidade voltada para a racionalidade substantiva como de fundamental importância. Logo, é preciso compreender a presença do Estado paternalista diante da percep- Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 129 ção de que 40% dos pacientes entrevistados na FHCGV demonstraram passividade e ausência de consciência crítica sobre seus direitos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a análise dos dados coletados foram perceptíveis traços da instrumentalidade do serviço social em uma dimensão de racionalidade substantiva com algumas limitações. Essas, por sua vez, são decorrentes da ausência de espaço que o profissional possui para realizar sua função de propagador do sistema de exploração vivenciado pelo indivíduo. Creio que instrumentalidade compreende um processo desencadeado a partir de ações do ponto de vista emancipatório por parte de assistentes sociais engajados com os preceitos de um serviço social reconceituado. Para lidar com o sujeito imerso na teia do Estado paternalista é extremamente necessário um profissional que parta de pressupostos da instrumentalidade do serviço social nessa racionalidade substantiva. As ações desse Estado são claras manifestações de impedimentos da emancipação defendida por Habermas conforme Deluiz (2009). Logo, percebeu-se nessa pesquisa ações desse Estado e compreendeu-se que fica a cargo do assistente social combatê-las. Ressalta-se que esse profissional não é o “salvador da pátria”, mas sim parte de uma profissão contrária à exploração humana. A partir da análise dos dados empíricos procurou-se apresentar o processo de passividade e ausência de consciência crítica por parte de alguns pacientes entrevistados na FHCGV. Partindo desse pressuposto atrelaram-se à situação de passividade as críticas traçadas por Habermas ao Estado paternalista. Interligou-se ainda a situação do assistente social e a categoria instrumentalidade pautada na racionalidade substantiva, que deveria ser inerente a todos os profissionais dessa área, mas não é devido a entraves institucionais e à acomodação de alguns profissionais. 130 Lato & Sensu, Belém, v. 11, n. 1, p. 117-132, jun. 2010 Nessa premissa são perceptíveis vários desafios que o serviço social possui para o término da condição de exploração do indivíduo. É válido ressaltar que isso não se constitui em tarefa única e exclusiva do assistente social, mas representa um processo de construção que deve ocorrer a partir da conscientização de toda a população. A gênese do serviço social reconceituado prega o fim da exploração e do processo de alienação. Logo, é extremante necessário que o profissional não cruze os braços, mas, aplique a instrumentalidade pautada na racionalidade substantiva a fim de assegurar o direito ao cidadão. Habermas critica o Estado paternalista e suas estratégias de dominação, segundo Deluiz (2009). Cabe, portanto, o reconhecimento da categoria instrumentalidade a fim de que o profissional de serviço social apresente durante a sua atuação a situação da ausência de vagas para terapia renal substitutiva como expressão da questão social. A partir disso é perceptível a seguinte reflexão: há a dominação exercida pelo Estado paternalista e, diante disso, a assistente social deve se posicionar seguindo a instrumentalidade voltada para ações da racionalidade substantiva como categoria inerente à profissão, explicando ao paciente sua condição de negação de direito a fim de que possa ser estabelecida a consciência crítica desse paciente, formando assim um sujeito de direitos capaz de refletir e exercer sua cidadania. Assim, o serviço social competente e crítico, capaz de decifrar as desigualdades que se expressam na política de saúde voltada ao atendimento dos pacientes renais crônicos, não pode negar que nas muitas determinações constantes na Lei Orgânica da Saúde – LOS 8080 não se aplica à disparidade entre a quantidade de pacientes renais crônicos e o número de vagas destinadas à terapia renal substitutiva. O assistente social, portanto, precisa exercer sua prática profissional enredada na instrumentalidade do serviço social pautada na racionalidade substantiva, a fim de proporcionar a emancipação e o caminho para a cidadania plena. REFERÊNCIAS AGUIAR, Pedro. Qual o significado das medidas epidemiológicas, taxa de prevalência, taxa de incidência cumulativa e taxa de incidência em unidades pessoa/tempo? In: GAUSS, v.10, dez. 2007. Código de Ética Profissional do Serviço Social. Lei 8662/93 de regulamentação da profissão. 3.ed. Brasília: Conselho Federal de Assistente Social,1997. ANA. 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