7 de agosto de 1930
Recife
Quando o Itapé levantou ferro...
Foi no dia 28 de julho de 1930, às 16 horas,
no porto do Rio de Janeiro, que o time do
Bangu embarcou para uma grande viagem até
Recife. A bordo do navio Itapé, um paquete da
Companhia Nacional de Navegação Costeira,
seriam seis dias até a chegada ao destino final.
Em terras pernambucanas pela primeira
vez, o time capitaneado por Ladislau iria tentar
regressar invicto e com o prestígio do seu bom
futebol intacto, aproveitando a longa
paralisação do Campeonato Carioca – de junho
a setembro – para manter-se em atividade e
conseguir alguns mil-réis da bilheteria dos
jogos.
Então, aproveite a oportunidade e embarque
no Itapé junto de Domingos da Guia, Sá Pinto,
Ladislau, Dininho e Jaguarão...
O navio Itapé, que fazia a rota do sul do país até Belém,
foi a casa dos banguenses durante seis dias.
Q
uando o Itapé levantou ferro, a turma
espalhou-se logo pelo tombadilho do
pequeno navio. E dividiu-se em
grupos. Jaguarão encabeçava um deles. Ele
era o mestre-sala dos quatro: Jaguarão,
Domingos, Eduardo e Sá Pinto, cada qual com
um boné maior que o respectivo dono.
Sá Pinto, quando o Itapé afastou-se da
Guanabara, começou a sentir calafrios que o
obrigaram a buscar um capote cor de “burro
quando foge”, como se diz na gíria, e
momentos depois lá vinha ele com tal capote
para evitar um resfriamento. Não tardou
muito a ouvir-se gargalhadas altíssimas. Era o
Jaguarão com os seus três companheiros a
zombar de Sá Pinto e a falar inglês. Buza,
Ladislau, Zezé e Filhinho formavam um outro
grupo. Estes apreciavam a cidade, como quem
estava louco de saudades de alguém.
Eduardo, Quininho, Solon e Dininho foram
logo se assentando no tombadilho numas
cadeiras, sem pedir licença aos donos.
Médio olhava para o Rio como quem dizia:
“Eu voltarei, porém nunca mais hei de viajar”.
Aqueles olhares para a encantadora
Copacabana era nada mais que isto. Kanela e
Vicente
Jaconianni
passeavam
pelo
tombadilho, trocando ideias. Às 18 horas um
dos criados de bordo saiu de uma daquelas
portas brancas, dando o sinal do jantar.
A falta de Médio e César foi logo notada.
Ambos estavam enjoados.
Às 19 e pouco, mais ou menos, já a turma
estava de volta ao tombadilho.
Vinte e duas horas e todos para o leito.
No dia seguinte, eram 7 horas quando
Eduardo batia nas portas de todos os
camarotes, acordando a todos. Quase toda a
turma revoltada com o ato dele, o matava.
Das 9 horas em diante, o pessoal ficou, um
lendo umas revistas, e outros foram para o seu
camarote.
Jaconianni recebeu neste dia um telegrama
da Associação Metropolitana de Esportes
Atléticos, que desejava à embaixada do Bangu
muitas felicidades e êxito completo em sua
excursão.
Fizemos neste dia uma viagem magnífica.
O navio, apesar de ser pequeno, não jogou
muito e assim passamos o dia todo e entramos
pela noite. Quarta-feira a turma alegrou-se
mais em avistar as terras baianas. Quase todos
passaram a tarde jogando pôquer e sete e
meio.
Os rapazes do Bangu são elementos
disciplinados, especialmente Ladislau. Ele é
exemplar. Sempre calmo e pacato.
Chegamos quinta-feira na Bahia, fomos
recebidos pelos Srs. Bezelga e Coutinho, que
nos conduziram em automóvel à Cidade Alta,
onde estivemos até às 10h30.
Neste mesmo dia, deixamos a Bahia às 19
horas. O comandante e o comissário do Itapé,
num gesto de grande delicadeza, mandaram
que guardassem os nossos jantares, pois
quando nós chegamos, pouco faltava para o
vapor zarpar rumo a Recife.
Na sexta-feira, às 4 horas passamos por
Sergipe. Daí então, o vapor, que estava
fazendo uma ótima viagem, começou a jogar
desbragadamente. Passamos o dia inteiro
numa roda de sete e meio que só foi separada
às horas da refeição e à hora de dormir.
Amanhecemos o dia seguinte em águas
alagoanas. Às 16 horas passamos mesmo em
frente ao porto.
Sábado, às 4 horas todos estávamos
levantados, pois o Itapé já estava parado fora
do cais pernambucano. Às 8 horas saltamos,
acompanhados dos Srs. William Hellowell e
os diretores do Sport Club Recife, do diretor
da Liga Pernambucana e outros mais.
Formou-se um corso e demos uma volta
pela cidade e depois fomos na sede do Sport, à
rua da Aurora, onde tomamos um chocolate.
Na mesa, falou o Sr. Lapa, em nome da
diretoria do Sport Recife. Vicente Jaconianni
respondeu a saudação do diretor do grêmio
recifense. À tarde visitamos os campos do
Náutico e do Sport.1
Quinta-feira, 7 de agosto de 1930
5x0
Competição: Amistoso Interestadual
Local: Avenida Malaquias, Recife (PE)
Juiz: Togo Renan Soares
Bangu: Médio, Domingos da Guia e Sá Pinto; Zé
Maria, Solon e Eduardo; César, Ladislau,
Nicanor, Dininho e Jaguarão.
Atheniense: Garapão, Themistócles e Chocolate;
Frederico, Marçal e Meleiro; Walfrido,
Marcionillo, Pelado, Rafael e Isaías.
Gols: No 1º tempo: Nicanor (28) e Dininho (36).
No 2º tempo: Nicanor (14), Nicanor (25) e
Dininho (35).
Os jornais pernambucanos não escondiam a
satisfação de ver uma forte equipe do Rio de
Janeiro entre eles: “Salta aos olhos que iremos
ter boas partidas, que de certo serão realizadas
sob o ambiente do entusiasmo” – especulou o
“O Bangu em Recife”, Diário de Notícias, 15 de
agosto de 1930, p. 11.
1
Jornal do Recife.
No campo da Avenida Malaquias, o Bangu
fez seis jogos. Venceu quatro e empatou dois
(contra a Seleção Pernambucana). Os nossos
atacantes marcaram 15 gols e a defesa só levou
3 tentos, voltando com dois troféus: a Taça Dr.
Carlos Rios e a Taça Yara.
Como curiosidade, no antigo estadinho do
Sport Recife, era permitido entrar de
automóvel e assistir ao jogo de dentro do
carro, ao preço de 10$000. Valor bem acima de
um ingresso de arquibancada, que custava
5$000 para homens. As gerais e as
arquibancadas para mulheres eram vendidas a
3$000.
Flagrante raro: automóveis estacionados à beira do
gramado para assistir os jogos do Bangu.
Outro fato extremamente inusitado ocorreu
na segunda partida, contra o Atheniense – o
campeão da Associação Suburbana de
Desportos Terrestres (PE). Realizado numa
quinta-feira, diante de uma assistência “grande
e entusiástica”, o Bangu foi a campo sem o
goleiro Zezé, contundido após o primeiro jogo,
contra o Combinado Íris & Encruzilhada.
Como não tinha trazido nenhum reserva para a
posição – na verdade, apenas 14 atletas
embarcaram no Itapé -, os jogadores chegaram
ao consenso de que Médio da Guia poderia
muito bem fazer as vezes de goleiro.
Ao final do jogo, sem ter levado nenhum
gol, Médio viu, confortavelmente, o Bangu
balançar cinco vezes as redes do goleiro
Garapão, do Atheniense: Nicanor, em três
oportunidades, e Dininho, em outras duas,
foram os artilheiros da maior goleada
alvirrubra no Recife.
Naquela tarde festiva, Ladislau ainda
marcou dois gols, ambos anulados pelo mui
amigo Togo Renan Soares, juiz que tinha
vindo no mesmo navio com a delegação
banguense.
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Rua Paysandu, 12 de outubro de 1930