Sistema midiático e crise do jornalismo:
crônica da história política brasileira
Victor Gentilli
Introdução. As mudanças do jornalismo brasileiro da segunda metade do século XX
mostraram enormes possibilidades no fazer jornalístico mas terminaram por consagrar uma
forma única, voltada exclusivamente para o mercado e descomprometida com o interesse
público. A compreensão das características e dos vícios deste padrão de jornalismo que se
consagra no final do século é o objetivo central do presente trabalho: entender estas
mudanças, compreender o seu significado histórico, político e jornalístico e tentar desvendar
os motivos que levaram o jornalismo brasileiro ao atual quadro. Apesar do recorte tomar
como ponto de partida este período não significa, evidentemente, que a história começa em
1950.
A data pode ser um marco na renovação do jornalismo brasileiro. O fato dos principais
meios de comunicação no Brasil serem centenários – ou quase – ,demonstra que os donos dos
meios de comunicação, conhecidos como baronato da imprensa, e suas forma de exercício do
jornalismo sempre foram as mesmas. Mudam as técnicas, os modos de fazer jornalismo,
evoluem as mídias, o suporte tecnológico, a relação com o público etc. Mudam as conjunturas
políticas, entra ditadura, fecha Congresso Nacional, sai ditadura, vem eleições, vem
Constituinte, impeachment, mas o projeto de poder permanece. Enfim, muda o jornalismo e
muda a política, mas tudo permanece igual: o exercício do poder pelo baronato da imprensa
permanece intocado e intocável. A compreensão da evolução anterior do jornalismo brasileiro
até este período certamente não pode ser esquecida. As características da imprensa brasileira
referem-se diretamente à história brasileira. A chegada tardia da imprensa, a implantação do
“diário oficial” Gazeta do Rio de Janeiro, a criação do primeiro jornal – Correio Braziliense
- sendo editado na Inglaterra por Hipólito José da Costa, a proibição de manutenção de
gráficas no Brasil compõem o quadro inicial que irá se desenrolar até configurar nosso
modelo midiático contemporâneo.
Papéis e funções da imprensa. Idealmente, imprensa não é poder. Na perspectiva
aqui trabalhada, a imprensa é – ou deveria ser – uma instituição da sociedade civil cujo papel
social seria o de produção de informação pública para a cidadania. Assim, a imprensa cumpre
o seu papel, a contento, se o cidadão encontra nela o instrumento por meio do qual ele irá ter
acesso à realidade e às informações necessárias para que tome suas posições ou decisões de
qualquer natureza. Tal papel inclui, como se sabe, a capacidade de selecionar, organizar e
hierarquizar as informações. A imprensa é a instituição capaz de, diante do imenso volume de
fatos, ocorrências e acontecimentos do mundo contemporâneo, selecionar aqueles relevantes
que merecem divulgação pública, interpretar os fatos e apresentá-los, de forma organizada e
hierarquizada para os consumidores e/ou cidadãos. A questão da propriedade, assim, não é
uma questão central nesta abordagem. Esta vai em outra direção: os meios eletrônicos
tradicionais, rádio e TV, são concessões do estado, mas no Brasil atuam com a liberdade de
empresas privadas. E os jornais, mesmo sendo empresas privadas – ou qualquer outra forma
de propriedade – teriam seu prestígio, sua importância e sua credibilidade avaliados pela
capacidade de produzir as informações necessárias para que os cidadãos tomem conhecimento
dos fatos que lhes digam respeito e tenham condições plenas de fazer suas escolhas com
liberdade. Ora, se a imprensa não oferecer uma pluralidade de versões – e de opções – está
deixando de cumprir sua função como instituição da sociedade civil.
Esta concepção de imprensa, hoje consagrada em parcelas significativas da sociedade,
nem sempre é a concepção que a própria imprensa faz de si mesma, muito menos era a
concepção dominante no período inicial do meu estudo.
O marco inicial.A entrevista de Getúlio Vargas a Samuel Wainer em 1949, para O
Jornal, de Assis Chateaubriand compõe o quadro do momento inicial deste trabalho. Antes
disso, o surgimento de uma nova geração de jornalistas políticos, forjada na cobertura da
Constituinte de 1946, também traria uma nova concepção de cobertura política. A rigor, seria
a própria cobertura política em si, posto que no período ditatorial do governo Vargas – (19301945) além da censura do DIP, havia a ausência da política institucional, particularmente
depois do golpe de 1937. Os partidos estavam proscritos, o Parlamento fechado e o ditador
exercia o poder de forma absoluta. A ausência de instituições políticas era tamanha que bastou
uma entrevista de José Américo de Almeida, articulada por Carlos Lacerda, para que fosse
deflagrado o processo que iria resultar no fim da ditadura Vargas. A entrevista foi publicada
no Correio da Manhã e, no dia seguinte, reproduzida no O Globo.
Ainda em 1949, Carlos Lacerda lançaria a Tribuna da Imprensa, um diário que
embora nunca tenha alcançado tiragem expressiva, foi marcado pela sua qualidade editorial e
de texto. Sua influência política foi decisiva durante todo o período em que Carlos Lacerda
esteve à sua frente.
No início da década de 50, na capital da República, a reforma do Diário Carioca,
comandada por Pompeu de Souza é mais um dos novos elementos de mudança. O Diário
Carioca vai modernizar o texto, romper com o gongorismo do passado, trazer o modelo norteamericano do lead para a imprensa brasileira. O modelo que Pompeu de Souza traz dos
Estados Unidos rapidamente, vai se espalhar por toda a grande imprensa brasileira e pelo
jornalismo regional nas demais capitais do país. Aliás, vale registrar que a rápida aceitação e a
imediata expansão deste novo padrão de produção jornalística evidencia claramente o atraso
em que vivia a imprensa brasileira. As condições estavam mais do que maduras para o velho
“nariz de cera” fosse definitivamente aposentado.
É em 1952 que Cláudio Abramo assume a secretaria de redação do jornal O Estado de
S. Paulo, onde ingressara em 1948. O Estadão viria a sofrer uma profunda reforma
modernizadora sob o comando de Cláudio Abramo. É também no início dos anos 50 que
Odylo Costa Filho comandará uma equipe com Amilcar de Castro e Reynaldo Jardim. Será a
primeira grande reforma do Jornal do Brasil, que deixará de ser um mero jornal de
classificados.
Além disso,1950 é o ano da chegada da Editora Abril, inicialmente tímida com seu
Pato Donald, mas com projetos e capital (estrangeiro) dispostos e disponíveis aos grandes
investimentos que viriam a fazer em pouco tempo. O mercado de revistas estava pronto para
uma boa sacudida, Em 1952, Adolpho Bloch lança Manchete, revista semanal que viria
enfrentar com sucesso a concorrência com O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand. Manchete
terá como diretores Henrique Pongetti, Hélio Fernandes, Otto Lara Resende, Nahum Sirotsky,
Justino Martins, entre outros.
O desembarque da TV no Brasil, patrocinada pelos Diários Associados, de Assis
Chateaubriand, também ocorre em 1950. É muito mais do que simbólico, é exemplar da visão
de futuro do sistema midiático que Assis Chateaubriand sempre teve.
A reforma do Diário Carioca, o lançamento da Tribuna da Imprensa, a criação da
Última Hora e o início da reforma de O Estado de S. Paulo, a reforma do JB, a chegada da
Editora Abril, o lançamento de Manchete e as primeiras transmissões da TV Tupi, tudo isso
ocorre entre 1949 e 1952. São suficientes os motivos para usar este período como ponto de
partida deste trabalho.
O jornalismo entre 1950 e 1964. É certo que os jornais detinham uma influência
política não desprezível. Mas o fato de a imprensa não conseguir cravar um presidente da
República merece um estudo mais cuidadoso. Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas e
Juscelino Kubitscheck de Oliveira vencem as eleições de 1945, 50 e 55 sem o apoio dos
poderosos que dominavam a mídia brasileira. O baronato da imprensa estava fechado com
seus oponentes: brigadeiro Eduardo Gomes em 1945 e 50 e marechal Juarez Távora em 1955,
ambos da velha UDN. Jânio Quadros, eleito em 1960 não é efetivamente um quadro confiável
para o baronato que o patrocinou e seu governo de sete meses é muito mais um sinal
antecipado do futuro formato da política brasileira em sua relação com a mídia do que
qualquer outra coisa. Mesmo assim, Jânio é que se faz com a mídia; não é a mídia que faz
Jânio. O fenômeno iria se repetir anos mais tarde e em nova conjuntura, com Fernando Collor.
Se Jânio se fez com a mídia, forçoso observar o potencial de impacto na opinião pública que
no início dos anos 60 a mídia já era capaz de produzir.
João Goulart assume com a oposição sistemática de toda a mídia, com a exceção óbvia
da Última Hora. A participação, orquestrada e unânime da grande imprensa na oposição e
deposição de João Goulart, pouco depois do plebiscito que restaurou o presidencialismo (pois
a situação queria dar poder a Jango e a oposição já estava de olho na sucessão presidencial de
1965) é mais um sinal, ostensivo, de que os jornais eram ainda muito mais instrumento de
ação política do que uma instituição da sociedade civil. A credibilidade dos veículos, naquele
período, era muito mais fundada na fidelidade aos princípios doutrinários e políticos do jornal
do que na efetiva prestação de um serviço público de produção de informação para a
cidadania. Registre-se: nas eleições de 45, 50 e 55, a imprensa era sobretudo um instrumento
de ação política, mas um instrumento de ação política sistematicamente derrotado. Um caso
que merece um estudo minucioso.
As mudanças trazidas pelo surgimento do Última Hora terão uma abrangência muito
maior na efetiva modernização da imprensa, que podemos, exemplificar em três grandes
campos. No campo da cobertura jornalística, a Última Hora trouxe o sindicalismo, os
trabalhadores e os temas populares, até então absolutamente ausentes dos noticiários dos
jornais. No campo da linguagem e da edição, ao propor novas formas e modelos de
jornalismo, UH iria abrir novos caminhos para a crônica, para o colunismo, para a cobertura
esportiva, para a cobertura política. E no campo político estrito, ao romper com o silêncio em
torno do governo Getúlio Vargas, UH oferece pela primeira vez, alternativas plurais de
jornalismo para a cidadania. Mas, inegavelmente, o mais importante é o fato, já de si
sintomático, de um outsider ingressar, na marra, contra tudo e contra todos, no restrito clube
dos barões da mídia.
A Última Hora é a única experiência bem sucedida de jornalismo que quebra o
monolitismo liberal-udenista-golpista de toda a imprensa brasileira, passada e também futura.
O ingresso da Última Hora foi equivalente ao surgimento de um novo animal numa selva
onde todos se entendiam: alterou um ecossistema que funcionava a contento. Por isso, a fúria
de seus adversários, por isso a perseguição sem tréguas movida por Carlos Lacerda e sua
Tribuna da Imprensa, o combate irracional ao jornal e ao seu proprietário Samuel Wainer.
Por isso também, a obsessão conservadora – inescrupulosa sob todos os aspectos - , cujo
objetivo único e final era derrotar Wainer e seu ousado jornal.
As barreiras de entrada. A anterioridade do surgimento dos principais veículos
jornalísticos brasileiros não pode ser desconsiderada. O Jornal do Comércio, em
Pernambuco, 0 Estado de S. Paulo, em São Paulo são alguns dos diários cuja fundação é
anterior à República. Esta continuidade, traço que institucionaliza um veículo se ele souber
agir permanentemente como uma instituição (a expressão pode parecer um truísmo, mas não
é), marca por um lado um certo grau de maturidade, uma permanência no tempo de uma
instituição ideológica, uma consagração de sua história. Pode significar também um certo
atraso da sociedade, uma certa dificuldade em lidar com o novo, o moderno, o diferente de
fato, o popular.
Certamente, a maior comprovação desta matriz conservadora – e hegemônica – do
velho baronato da imprensa se verifica na absoluta incapacidade de ingresso neste mercado.
Mais um motivo para tomarmos o ano de 1950 como marco. Pois nenhuma empresa
jornalística nova se instalou no Brasil depois de configurado o quadro institucionalizado da
imprensa neste período. A rigor, a porta de ingresso de novos jornais já estava fechada desde
os anos 20/30, ou até antes.
As novidades que viriam ocorrer na imprensa brasileira a partir daí seria o fechamento
de jornais e o desenvolvimento da Editora Abril na área de revistas, algum movimento, com
idas e vindas na área de rádio e a explosiva expansão da televisão, em particular da Rede
Globo. A Editora Abril sempre teve concorrentes, mas estes sempre foram relativamente
limitados, por vários motivos. As estratégias da Abril para dominar o mercado de revistas e
compor um leque de publicações em sintonia simultânea com as necessidades da sociedade e
do mercado publicitário confirmam mais do que desmentem a regra.
O golpe de 1964. O golpe de 1964 impõe limites àquela velha imprensa cuja
finalidade maior era a ação política. E – ao lado das mudanças políticas - também traz
mudanças econômicas que vão exigir dos jornais uma adequação. Finalmente vencedora em
sua proposta golpista, em pouquíssimo tempo a grande maioria dos supostos ganhadores se
verá derrotada. Um a um, os jornais vão fechando as portas e encerrando suas atividades.
Alguns poucos sobreviverão aos primeiros anos da década de 70. O ciclo do jornalismo
político, militante, udenista está encerrado. Agora o negócio se torna profissional e passa a ser
coisa para poucos. Exemplar, sob todos os aspectos, o caso do Correio da Manhã, jornal de
prestígio que contribuiu para o golpe, voltou-se de imediato para a oposição, foi perseguido
mas teve de cerrar suas portas sobretudo por incapacidade de administrar o novo momento e
suas demandas.
Particularmente no Rio e em São Paulo, mas também em quase todas as demais
capitais brasileiras, a cada jornal que fechava as portas em função da nova conjuntura gerada
no pós-64 significava, exclusivamente, um reforço naqueles vocacionados para permanecer.
No Rio: Última Hora, Correio da Manhã, Diário de Notícias (Diário Carioca), O
Jornal, a lista de jornais diários que vão fechando as portas é enorme. O que se dá é apenas a
consolidaçao dos sobreviventes. São muito mais do que sobreviventes. São instituições que
percebem as mudanças que estão ocorrendo no país e vão se moldando para operar neste novo
mercado e nestas novas circunstâncias. Em São Paulo, ocorre fenômeno idêntico. Alguns
títulos se preservam, como o Última Hora, mas já nas mãos do grupo Frias-Caldeira. O grupo
absorve também os jornais criados por Cásper Líbero (com uma sobrevida razoável de A
Gazeta Esportiva), mas mesmo assim o número de títulos antes e depois de 1964 sofre uma
queda acentuada.
O número de jornais disponíveis nas bancas antes de 1964 e depois dos anos 70 cai em
mais da metade. No Rio de Janeiro, eram 13 títulos, permanecem 7. Em São Paulo, o número
é bastante parecido.
O mercado regional. Se na esfera nacional, o fechamento do mercado se deu com
uma intensidade absoluta, nos mercados regionais eles também ocorreram, embora aqui ou ali
pipocassem algumas novidades. Mesmo assim, são novos ingressantes no mercado que
imediatamente se integram – com excelente bom grado - ao sistema midiático, jamais
contestam-no.
O exemplo mais significativo é o do grupo RBS, hoje monopolista e dominante no sul
do país. As dificuldades do Última Hora, no pós-64, aliado a uma crise no grupo Caldas Jr.,
que editava o tradicionalíssimo Correio do Povo permitiu uma certa mobilidade no mercado
gaúcho com o surgimento de Zero Hora apenas na aparência um sucedâneo do jornal criado
por Wainer.. O crescimento do grupo alcançou Santa Catarina, onde hoje, o tablóide Diário
Catarinense domina o mercado de jornais diários. Nem mesmo a crise de poder que se instala
nos condomínios dos Diários Associados após a morte do todo-poderoso Assis Chateaubriand
- que irá produzir buracos de mercado enormes em vários pontos do país -, vai permitir o
ingresso de novos jornais diários.
Os sobreviventes farão investimentos pesados em seu core business, num
entendimento amplo do termo: comunicação agora é negócio. A compreensão desta nova
realidade atinge inclusive a TV, mas o primeiro modelo moderno não será a Tupi, mas a TVRio, sob a direção de Walter Clark. No jornalismo regional, os grupos tradicionais de
imprensa vão se diversificar, buscando novos mercados em rádio e TV. Será basicamente na
década de 70 que, paralelamente ao crescimento e consolidação da Rede Globo, crescerão e se
consolidarão os grupos tradicionais dominantes nos estados, buscando concessões para
repetidoras, retransmissoras ou afiliadas. A disputa pelo direito de repetição da TV Globo
batalhada com todas as armas, uma a uma, em cada um dos estados brasileiros pelos grupos
dominantes da mídia local daria um estudo estupendo e permitiria visualizar com clareza o
formato tentacular com que o sistema midiático vai se moldando no Brasil. A universidade
brasileira ainda está a dever mais esta lição de casa.
A criação das agências de notícias, consolida o poder dos jornais diários dos grandes
centros. A pioneira Meridional, dos Diários Associados – depois Anda (Agência de Notícias
dos Diários Associados) não irá sobreviver. A estrutura montada por Wainer para a sua rede
de jornais igualmente não se sustenta.
Em 1965, é criada a Agência Jornal do Brasil, AJB. A difusão das novas tecnologias
do teletipo, telefoto e radiofoto pelo país, a necessidade de uma sucursal forte e expressiva na
nova capital vão criar as condições para que o Jornal do Brasil, monte sua agência e
permaneça sozinho no mercado por mais de uma década como fornecedora de noticiário
nacional para a maioria dos jornais regionais do país. Mais de dez anos depois, O Globo e O
Estado de S. Paulo seguiriam o exemplo pioneiro da AJB e montariam suas agências. A
Agência Folha centraliza a produção interna ao grupo que chega a editar vários jornais em
São Paulo. Apenas anos mais tarde, prestaria serviços externos, sem no entanto, trabalhar no
core business de agência que é o noticiário básico.
Do ponto de vista administrativo, o negócio das agências de notícias nacionais
resume-se à venda um subproduto que iria ao lixo. Mas com isso, a estratégia de fechamento
do mercado dá seu nó definitivo. Numa única operação, impede-se que os novos jornais de
Brasília adquiram dimensão nacional, e força-se os jornais locais nas diversas capitais de
estados a se manterem permanentemente dependentes dos jornais do Rio de Janeiro e São
Paulo. Se a montagem de uma estrutura nacional sempre foi algo inconcebível, agora, com a
compra barata dos serviços nacionais das agências noticiosas, as possibilidades de penetração
no mercado se fecham definitivamente.
Se a imprensa cresce e se consolida montando redes que incluíam rádio e TV (o que é
legalmente proibido na grande maioria dos países), a dependência das agências noticiosas
fecha o cerco que limita as redes regionais ao poder regional. São os tentáculos do sistema
midiático criando agora um novo ecossistema, muito mais complexo, mas extremamente
funcional e apenas aparentemente plural.
Depois do golpe. Com o golpe de 1964 e a consolidação da “mídia efetivamente
vencedora”, os jornais ainda por algum tempo preservam suas características mais tradicionais
ao mesmo tempo em que se modernizam editorialmente. No comando do Jornal do Brasil, no
Rio de Janeiro, Alberto Dines vai produzir nova reforma no matutino na direção de um padrão
contemporâneo e moderno, abrindo-se para novas abordagens, criando o Departamento de
Pesquisa e buscando um jornalismo dinâmico, sintonizado com as necessidades de sua época.
Dines, em certa medida, dá continuidade ao trabalho iniciado pela equipe comandada por
Odylo Costa Filho e mais tarde por Araújo Netto, Carlos Lemos e Jânio de Freitas.
Em São Paulo, no comando de O Estado de S. Paulo, Cláudio Abramo avança nas
mudanças no tradicionalíssimo jornal da família Mesquita. Até 1963, quando sai, por
desavenças com a família Mesquita. Abramo passaria o ano de 1964 desempregado. A
experiência solitária de Cláudio Abramo em 1964 prenuncia o ocaso que toda uma geração de
jornalistas experientes viveria nas décadas de 80 e 90: um mercado fechado e carregado de
nomes vetados.
A compreensão de que o mercado teria condições de absorver novos títulos leva o
grupo Estado a investir num vespertino que iria revolucionar a linguagem e o padrão gráfico,
sob o comando de Mino Carta, que já colaborara na Editora Abril na criação de Quatro
Rodas. Mas foi Murilo Felisberto, que participou de um grupo no Jornal do Brasil que
buscava formas renovadas de jornalismo quem trouxe de fato a receita do Jornal da Tarde,
inspirada nos debates, estimulados por Alberto Dines, da experiência do New York Herald
Tribune, onde Dines estagiara.
A modernidade do Jornal da Tarde seria formal, uma tentativa de produzir, ainda no
sistema de composição a quente das velhas linotipos e com os velhos clichês (no sentido
literal) novos padrões gráficos, editoriais e de linguagem no jornalismo. Surpreendentemente,
é quase nula a referência às dificuldades tecnológicas que os velhos sistemas de impressão
ofereciam para a produção de um jornal com o padrão do Jornal da Tarde, tão facilitado com
o off-set que viria a ser implantado poucos anos depois.
Após o golpe de 1964, a mídia impressa, como se viu, fica bastante reduzida, embora
seja quase nula a relação de causa e efeito com o golpe. A perseguição política e o boicote
publicitário de fato ocorreram, mas os jornais fecharam porque não souberam se renovar para
sobreviver na nova conjuntura. Nas revistas, é o período de grande crescimento da Editora
Abril, que lançara Quatro Rodas, em 1960 – acompanhando o surgimento da indústria
automobilística. Realidade sai em 1966, Veja, em 1968. O período compreendido entre o
golpe de 64 e o AI-5 é de grande turbulência e efervescência cultural. A democracia já se fora
mas a ditadura ainda não tinha mostrado todas as suas garras. As revistas da Abril, apropriamse do período interagindo como elementos culturais marcantes da sociedade. Na política, nos
costumes, no comportamento, as publicações da Abril procuram tornar-se uma espécie de
porta-voz da “revolução dos costumes” dos anos 60. Realidade é impressa em papel de alta
qualidade, lombada quadrada, abre grandes fotos. Suas reportagens, particularmente no
período 1966-1968, tratarão dos grandes temas tabus das mudanças comportamentais.
Virgindade, homossexualismo, gravidez de mãe solteira, são alguns dos temas que a revista
irá tratar no período. Algumas grandes reportagens políticas, sociais e culturais marcarão a
revista.
É também o período de grande difusão da TV, com o auge da TV Record, Escelsior,
Tupi. A TV, que surgira em 1950, só começa a se consolidar, de fato, na década de 60, com
os programas populares e de auditório, com os musicais e “shows”. Até 1960, a TV trabalhara
sem o recurso do video-tape. O Repórter Esso, na TV Tupi, é o paradigma de jornalismo
televisivo, embora o Jornal de Vanguarda e outras experiências não possam ser
desconhecidas. Produzido ainda em filme – e editado na moviola - era ainda bastante amador.
O Repórter Esso, “testemunha ocular da história” – como afirmava seu famoso slogan tratava-se de um jornal sobretudo narrado.
As trevas. Se os anos 1968 a 1973 foram de trevas no campo das
liberdade, foi também o período em que uma feliz conjunção de
circunstâncias, forneceram as condições que permitiram o surgimento e o
esplendor da Rede Globo de Televisão:
1. O “milagre brasileiro”, um período de grande crescimento econômico e de
investimentos estrangeiros em bens de consumo de massa, dependia de um mercado
consumidor maior, do tamanho do país. Os anunciantes necessitavam alcançar as grandes
massas das cidades;
2. Os investimentos estatais na Embratel permitiram a difusão por satélite e por
microondas dos sinais de TV criando as condições para a chamada “integração nacional”;
3. O surgimento da TV a cores, tecnologia já difundida em outros países mas nova no
Brasil;
4. O acordo Time-Life que permitiu o acesso a novas tecnologias e o ingresso maciço de
capital;
5. A morte de Assis Chateaubriand em 1968 e a crise que o sistema de condomínio por ele
criado irá gerar nas empresas do grupo do pioneiro da mídia eletrônica no Brasil.
6. O profissionalismo na administração, com a comercialização de segundos definidos, a
estruturação da grade de programação e a consolidação da rede nacional, apropriando-se da
experiência pioneira da TV Rio, dirigida por Walter Clark.
Se a TV vivia seu esplendor pois era muito mais fundada no entretenimento do que na
informação – portanto menos dependente de conjunturas políticas, as revistas e jornais viviam
os anos de chumbo. A Editora Abril, que lançara Veja em setembro de 1968 será
surpreendida, em dezembro do mesmo ano, com a edição do AI-5. A revista viverá vários
anos com prejuízos e tiragens bastante inferiores às expectativas da família Civita.
Dois anos antes, no inicio de 1966, o grupo Abril lançara Realidade, uma revista
mensal, de grandes reportagens. O volume de investimentos do grupo Abril, no período, é
estupendo. Em setembro de 1968, o lançamento de Veja, assim como o fora aquele de
Realidade, é feito com grande estardalhaço publicitário. Jovens de todo o Brasil foram
recrutados para treinamento em São Paulo durante meses. A enorme equipe prepara-se
cuidadosamente para o lançamento da primeira revista semanal de informação. Newsweek,
mais que Time é a base da revista, embora Mino Carta tenha visitado todas as grandes revistas
semanais do mundo quando ainda trabalhava o projeto de Veja.
Todo o antigo modo de fazer jornalismo impresso no Brasil será revisto por Veja.
Embora já há alguns anos, a revista assine todas as suas matérias, ao longo de vários anos as
matérias não eram assinadas. A leitura da revista dava a impressão de ter sido escrita por uma
única pessoa. Isso, porque a redação mantinha uma equipe de copidesques/redatores/editores
que tinham um cuidado especial com o texto.
A censura. Os jornais, que até 1968 vinham experimentando um novo padrão
profissional, menos partidário e mais voltado para o interesse público da cidadania, vêem-se
de frente com a censura. O Jornal do Brasil produz uma edição histórica com o AI-5, com
toda a primeira página ludibriando os censores. O Estado de S. Paulo publica um editorial,
verdadeiro libelo pela liberdade de imprensa, que viria a somar na lista de textos opinativos
definitivos da história da imprensa brasileira. Se o “Basta” e “Chega”, dois editoriais do
Correio da Manhã tornar-se-iam documentos indispensáveis para a compreensão do
movimento de 1964 – até porque o jornal que os publicaria neles sinalizava sua nova opção
pela oposição ao novo governo e fecharia suas portas, o “Instituições em Frangalhos”, de O
Estado de S. Paulo tornar-se-ia o marco da repulsa da opinião pública (ainda não se usava a
expressão sociedade civil, mas já era ela que se manifestava) ao endurecimento definitivo do
governo perpetrado a 13 de dezembro de 1968.
As maneiras de driblar e enfrentar a censura, nos poucos veículos que ousaram resistir,
mostravam que os caminhos tinham se tornados muito mais difíceis e tortuosos, mas ainda
existiam. Dois exemplos, quase simultâneos no tempo, mas opostos e antagônicos.
Nos primeiros dias de setembro de 1969, um comando guerrilheiro da ALN seqüestra
o embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick. O noticiário da imprensa, como se
imagina, é todo censurado. O Jornal Nacional, que entrara no ar no início do mês se vê
diante de um fato jornalístico digno de uma boa cobertura. E descobre, com fontes militares, o
bairro onde se localiza o cativeiro do embaixador: Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Jornalistas
e câmaras se deslocaram para o local, mas a movimentação militar impediu a localização da
casa e a cobertura jornalística. Todos os estudos e relatos sobre o seqüestro do embaixador
ignoram o fato de que, jornalisticamente, o cativeiro quase foi descoberto pela TV Globo na
quarta edição do novíssimo Jornal Nacional, que estreara dia 1 de setembro.
O seqüestro provoca um recrudescimento da repressão, que já atingira níveis além da
barbárie. Aproveitando uma frase do presidente Médici condenando a tortura, Veja faz duas
edições seguidas tendo a tortura como tema de capa e matéria principal.
Até 1968, o grupo Frias-Caldeira produzia jornais para todos os gostos políticos. A
Folha da Tarde, antigo vespertino, publica, no decorrer de 1968 um jornal em sintonia fina
com os interesses da oposição, dos estudantes, dos trabalhadores. Jovens repórteres que iriam
se consagrar anos mais tarde e futuros guerrilheiros mantinham um diário dinâmico e atento
aos movimentos de estudantes contra o governo. Frei Betto era o editor-chefe. Depois do AI5, o jornal é entregue às mãos de policiais ligados à repressão. A Folha de S. Paulo era um
jornal anódino, inexpressivo, comporta-se da maneira mais educada possível durante os anos
mais duros da ditadura e da censura. Aceita, de forma passíva e dócil todas as determinações
militares.
O Estado – e seu filhote Jornal da Tarde, já terá uma posição muito mais digna.
Depois do editorial do dia do AI-5, o jornal se aquieta, mas no apogeu do governo Médici
enfrenta o poder militar abertamente e de todas as formas. O jornal recusa-se a fingir
normalidade – como faz a Folha e todos os demais jornais brasileiros – e opta por exibir
trechos de “Os Lusíadas”, de Camões, nos espaços censurados. A censura torna-se visível e
detectável. O Jornal da Tarde, publica receitas culinárias nos espaços censurados. O
comportamento da Folha de S. Paulo, já então assessorada por Cláudio Abramo, precisa ser
compreendida. Sua submissão inequívoca aos ditadores de plantão – ao contrário de seu
tradicional concorrente na capital paulista – representa até certo ponto o bom senso daqueles
que tem consciência de que o jornal ainda não se credenciara como instituição da sociedade
civil. O que faria poucos anos mais tarde.
Em 1973, uma decisão de Júlio de Mesquita Neto é sintomática. O jornal recusa-se a
grafar o nome do presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. Trata-o apenas como “o
presidente da República”. Por um lado, uma forma de enfrentá-lo e confrontá-lo; por outro,
forçoso o registro, o reflexo de um velho vício das listas negras: eliminar uma pessoa do
noticiário –ou seu nome. Pela conjuntura da época, o fator positivo da iniciativa, ao menos
neste caso específico, se sobressai. Tanto que a carta de Mesquita circula de mão em mão em
cópias precárias como mais uma denúncia da censura.
A censura à imprensa irá se prolongar até 1975 de forma sistemática. O Estado de S.
Paulo deixa de ser submetido à censura prévia no seu centenário, assim como outros veículos
vão sendo abandonados pelos censores. A negociação do fim da censura em Veja implica num
episódio que culminará com a saída do diretor da revista, Mino Carta. A direção do grupo
Abril negociara diretamente com o ministro da Justiça, Armando Falcão. Mino recusou os
termos das negociações e foi demitido.
Em 1977, Mino Carta lançaria a revista Istoé, num primeiro momento mensal. Poucos
meses depois, Istoé se tornaria uma concorrente de Veja no mercado de “revista semanal de
informação”. Se Veja foi inovadora editorialmente, o mesmo criador, Mino Carta, fará uma
publicação em vários aspectos oposta àquela por ele mesmo produzida anos antes.
Alternativas. Em 1969, é lançado O Pasquim, semanário, tablóide, carioca de
Ipanema. O jornal consegue grande sucesso e suas vendas irão alcançar os 200 mil
exemplares em alguns poucos meses. O hebdomadário abre uma trilha de imprensa
alternativa, cuja marca é a independência em relação aos grandes grupos midiáticos do país. O
Pasquim vai produzir um enorme impacto cultural no jornalismo brasileiro. Sua linguagem
debochada e direta, suas entrevistas, transcritas literalmente, tudo isso era novidade e foi
extremamente bem recebida pelo público.
Em 1972, sai o primeiro jornal alternativo de expressão, Opinião. Financiado por
Fernando Gasparian e dirigido por Raimundo Pereira, ex-editor de nacional de Veja,
ressponsável pelas matérias de capa sobre torturas, já referidas. O jornal, claramente
oposicionista, tablóide, chega a concorrer em alguns momentos com Veja, muito mais porque
Veja vendia pouco do que porque Opinião vendia muito. Nada além de 40 mil exemplares.
Em 1975, também dirigido por Raimundo Pereira, mas com uma estrutura
organizacional e financeira diferenciada, foi lançado Movimento, jornal que surge depois de
uma ampla campanha de venda de cotas a personalidades, parlamentares e jornalistas. O
modelo alternativo de Movimento, vendido como semelhante àquele do francês Le Monde,
vai resultar no aparecimento de jornais alternativos regionais e numa febre de jornais de
oposição que se estenderá até o início dos anos 80. No final, os jornais já serão muito mais
veículos ideológicos ligados a partidos de oposição clandestinos.
Se a grande imprensa conseguiu se livrar da censura até 75/76, os jornais alternativos
sofreriam uma censura brutal até 1978. O fim da censura à imprensa, efetivo, se dará pouco
tempo antes do fim do AI-5.
Distensão. Em 1975, junto com o fim da censura e com o centenário, o Estado de S.
Paulo, muda-se para uma nova sede, grandiosa, na Av. Marginal. O Diário Popular adquire
as antigas instalações, na rua Major Quedinho, no centro de S. Paulo. Os investimentos para a
compra da nova sede trazem problemas para o jornal. Mas um novo problema, de poder
interno, vem a aparecer: pela primeira vez: o poder dos jornalistas é contestado por outros
profissionais. Os engenheiros, responsáveis pela obra e pelos novos equipamentos de
impressão passam a disputar – e às vezes ganhar – poder na redação do jornal.
Projeto Folha. Enquanto o Estado vive dificuldades, a Folha cresce e aparece. Desde
meados dos anos 60, o jornalista Cláudio Abramo, afastado de O Estado de S. Paulo, presta
assessoria informal a Octávio Frias de Oliveira. Aos poucos, vai se tornando o homem forte
na reforma que o jornal viria a sofrer. Seria a maior e mais importante reforma de um jornal
no período. A Folha, até então um jornal inexpressivo, sem editoriais, cujo mérito era apenas
o de conseguir chegar a todo o Estado mais cedo do que o concorrente - graças ao fato do
proprietário ser dono também da estação Rodoviária de São Paulo - iria se tornar o mais
importante diário nos difíceis anos de “distensão, lenta, segura e gradual” do governo do
general Ernesto Geisel.
A opção da Folha, é evidente: aproveitar as circunstâncias e as oportunidades
insinuadas pelo novo ditador de plantão, que iria substituir o “duro” Emílio Médici. A criação
da primeira página op-ed da imprensa brasileira vem logo em seguida à criação da página de
editoriais e artigos assinados. Esta página de artigos assinados marca o início da reforma da
Folha de S. Paulo. Foi desenhada por Cláudio Abramo e pelo primeiro jornalista contratado
por Abramo para tocar a reforma, Alberto Dines. Dines, que fora demitido em 1973 do Jornal
do Brasil, retorna dos EUA onde estagiara em várias publicações e ministrara jornalismo em
universidade americanas.
Cláudio abre três comentários políticos ligeiros, permanentes no jornal até hoje,
gerados em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, abre espaço para a charge – até então
praticamente ausente dos jornais. (Hilde, no Estado, era ilustradora). E inicia a publicação de
editoriais. Em continuidade ao ingresso de Alberto Dines – que iria comandar a sucursal do
Rio de Janeiro - contrata uma série de jornalistas de expressão, fazendo uma nova Folha, em
tudo e por tudo o oposto da Folha que se submetera docilmente à censura. Mas será com a
criação da página 3, a op-ed que o jornal marca sua virada. Página op-ed é uma expressão
americana para a página de opinião e debate de idéias, apresentada graficamente como uma
página oposta àquela dos editoriais.
É também Alberto Dines quem irá fazer a primeira experiência de crítica de mídia no
jornalismo brasileiro, com a coluna “Jornal dos Jornais”, na Folha de S. Paulo. A experiência
dura de 1975 a 1977.
Golbery manda na imprensa. A segunda metade da década de 70 será de grande
complexidade na relação entre a imprensa e o poder. Com o governo Geisel e o início da
política de “distensão lenta, segura e gradual”, o regime consegue uma relação com a
imprensa curiosa e que está por merecer melhores e mais aprofundados estudos. O governo
divide-se claramente em dois grupos: os “duros”, mais vinculados aos militares ligados aos
porões da repressão política e os “distensionistas”, corrente liderada pelo chefe da Casa Civil,
general Golbery do Couto e Silva, com forte influência junto ao presidente Ernesto Geisel.
Mas Geisel foi obrigado, praticamente durante todo o seu governo, a conciliar os dois grupos
e sempre operar com muito cuidado os movimentos distensionistas. Para isso, pôde contar
com a colaboração de setores significativos da imprensa.
Um grupo de jornalistas, composto por editores, proprietários de jornais e repórteres,
onde se destacam Élio Gaspari, então em Veja, Mino Carta e outros, tornam-se interlocutores
informais do general Golbery do Couto e Silva. O general fornece estudos, análises e
avaliações do governo, sempre off the record, de modo a municiar a imprensa com
informações e análises que lhe eram convenientes.
O noticiário é produzido a partir dos briefings fornecidos pelo chefe da Casa Civil. A
aposta na abertura passa a tornar jornais, jornalistas e o lado aberturista do governo todos
jogadores do mesmo campo. O general Golbery passa a ditar a cobertura do governo.
O esquema funcionou razoavelmente bem enquanto o grupo aberturista detinha a
hegemonia no governo. Como o processo funcionava todo em bloco, nos momentos em que
os "duros" conquistavam espaços mais fortes no governo, a imprensa sofria severamente. O
golpe mais brutal e de conseqüências mais dramáticas nos desdobramentos da evolução da
história da imprensa no Brasil foi a demissão de Cláudio Abramo da Folha de S. Paulo, numa
crise senão de todo articulada, comandada pelo general Sylvio Frota, ministro do Exército,
líder do grupo dos “duros” e já candidato à sucessão de Geisel.
O general Geisel conseguiria demitir o ministro Sylvio Frota – e desmontar suas
articulações - menos de um mês depois. Mas Cláudio Abramo não voltaria mais ao comando
do jornal, que passara a ser dirigido por Bóris Casoy. A demissão de Mino Carta de Veja, dois
anos antes, também fora articulada pelos “duros”.
A demissão de Alberto Dines do Jornal do Brasil em 1973, a demissão de Mino Carta
de Veja em 1975 e a “promoção” de Cláudio Abramo na Folha de S. Paulo em 1977 são três
fortes sinais de que uma nova conjuntura vinha se desenhando e que ela poderia dispensar a
colaboração de jornalistas modernos que entendiam a imprensa como uma instituição da
sociedade civil cuja função é oferecer informação pública de qualidade. Observe-se ainda que
enquanto alguns grupos de jornalistas ligavam-se umbilicalmente ao grupo aberturista
comandado por Golbery, seus patrões aceitavam o jogo da linha dura sem constrangimentos
quando necessário. Mino Carta foi vítima e agente, posto que ligado a Golbery; Cláudio
Abramo apenas vítima. A saída de Alberto Dines, Mino Carta e Cláudio Abramo da liderança
de projetos jornalísticos, evidencia o quanto os jornais se fragilizavam neste movimento
complexo de buscar credibilidade debaixo de uma ditadura.
Nova conjuntura. A nova conjuntura política trazia por conseqüência novas
necessidades para a imprensa. Ainda na primeira metade da década de 70, a repressão
consegue concluir seu trabalho de eliminar todos os focos de luta armada contra o regime
militar. Mas o projeto de poder do grupo mais vinculado à repressão exige que a “ameaça
comunista” seja permanentemente supervalorizada para que o projeto vingue.
Assim, ao mesmo tempo em que a sociedade começa a se organizar e a reivindicar
participação, tornando-se em nova fonte de informação para a imprensa, o regime
experimenta seus momentos pendulares de sístole e diástole (para usar a linguagem de
Golbery), oscila permanentemente entre o endurecimento e os sinais de abertura.
Em 1975, a repressão volta-se para o Partido Comunista Brasileiro, que defendia uma
linha pacífica e não aderira à luta armada. No final do ano anterior, o regime sofrera o seu
primeiro grande revés na batalha política institucional, com a vitória eleitoral do MDB sobre a
Arena. O MDB, partido até então da “oposição consentida” tornara-se um porta-voz da
sociedade que ansiava pelo fim do regime militar. E o PCB se expôs com seus militantes
fazendo campanha aberta para o MDB.
Mas em 1975, o Brasil já era outro. Veja começara a decolar, embora lentamente,
depois de anos com uma presença quase insignificante. A Folha de S. Paulo inicia sua
reforma, sob o comando de Cláudio Abramo. Com novos colaboradores, com equipe de
repórteres motivada e com disposição de fazer um jornalismo de qualidade.
O fim da censura à grande imprensa, simultânea à preservação de todos os
instrumentos ditatoriais, inclusive o AI-5, levava a mídia a praticar um jogo sutil e
extremamente difícil. Se no período pré-64 a credibilidade se conquistava pela fidelidade aos
ideais e no período 1964-75 à capacidade de resistir, agora a credibilidade era conquistada na
capacidade de expressar os sentimentos da sociedade civil. Talvez intuitivamente, era este o
movimento que a equipe liderada por Cláudio Abramo buscava na Folha.
Os jornais do Rio, JB e O Globo, viviam meio letárgicos neste período. São Paulo,
“sede” dos movimentos sociais e da sociedade civil estava muito à frente. O movimento
estudantil que retoma as ruas em 1977 explode com força em quase todas as capitais
brasileiras. Mas o novo movimento sindical, expressão da nova realidade nas relações capital
x trabalho tem o seu centro no Estado de S. Paulo, particularmente no parque industrial do
chamado ABC. O Estado de S. Paulo também perdia boa parte de sua força, pois além das
dificuldades econômicas decorrentes da construção da nova sede, ainda mantinha um conceito
de credibilidade fundado na fidelidade aos ideais liberais. A rigor, o jornal até hoje ainda não
compreendeu que, com a vitória do chamado “pensamento único”, o ideário do Estado deixou
de ser um diferencial e passou a ser partilhado por todos.
O novo, no Brasil e no mundo. Uma comparação com transições em outros países
permite compreender o papel da mídia brasileira na transição. Na Espanha, a transição
implicou na criação de novos jornais, posto que a identificação dos velhos Ya, La
Vanguardia e outros com o regime franquista era irreversível. O condutor da transição foi a
revista Cambio 16, fundada em 1975. O lançamento de El País, em 1977, tornou-o o jornal
definitivo da sociedade espanhola. Este processo de alteração no perfil do elemento que
oferece credibilidade aos jornais também ocorreu em outros países. Na Itália, onde os jornais
eram e ainda são politizados ao extremo, o lançamento de La Repubblica, já em 1975, seria
um sucesso e inspiraria o lançamento de El País. Igualmente tornou-o em pouco tempo o
mais importante jornal italiano. A experiência de El País, na Espanha e La Repubblica, na
Itália, inspiraram-se claramente no já então consagrado Le Monde, jornal diário criado na
França no final da guerra, com participação dos jornalistas e uma situação acionária diferente.
O público brasileiro tomou conhecimento mais de perto da experiência do Le Monde pelos
direitos de reprodução que o alternativo Opinião detinha na época.
O sucesso de Istoé semanal, a experiência bem sucedida destes modelos estrangeiros,
a disponibilidade de profissionais como Cláudio Abramo e outros, o até então aparentemente
vigoroso apoio dos setores aberturistas do governo, capitaneados pelo general Golbery do
Couto e Silva e a inexistência de um jornal diário nacional, opinativo, foram alguns dos
fatores que levaram Mino Carta a acreditar que o Brasil estava maduro para receber um jornal
de corte europeu, nacional, inteligente, fazedor da cabeça das novas elites.
A experiência do Jornal da República durou quatro meses. O capital inicial investido
foi relativamente pequeno, pois constituía-se basicamente na redação. Os exemplares eram
impressos na gráfica dos Diários Associados e a distribuição era terceirizada. Seus
idealizadores acreditavam que em poucas semanas, o jornal se consolidaria. O fato é que,
apesar do apoio do poderoso ministro Golbery do Couto e Silva, o jornal fracassou. Não
conseguiu alcançar o volume de leitores que almejava, mas o motivo maior do fechamento foi
a ausência quase absoluta de anunciantes. Vale investigar o motivo pelos quais os anunciantes
brasileiros recusaram um veículo que falava com um público qualificado e líder de opinião.
Em 1979, a experiência do Jornal da República se encerrara e Istoé tivera que ser
vendida para o grupo Gazeta Mercantil de forma a saldar as dívidas acumuladas pelo jornal.
Cláudio Abramo retornara à Folha como colunista. Alberto Dines, Paulo Francis e outros
continuavam na Folha sob o comando de Bóris Casoy. Veja, superada a crise da saída de
Mino Carta estava estabilizada com seus novos diretores e, embora sempre mantivesse a
liderança das semanais, estava mais tranqüila com a venda de Istoé. No Rio, O Globo ia se
consolidando de forma bastante lenta como um jornal amplamente noticioso e o Jornal do
Brasil preservava algumas de suas qualidades tradicionais.
A explosão da TV. A Rede Globo é que decolara definitivamente. O domínio que ela
detinha do mercado publicitário era devastador. Quase 70% das verbas publicitárias para TV
iam para a TV Globo e as verbas para TV ultrapassavam 50%, isto é, era maior do que a soma
de todas as demais mídias juntas, incluindo outdoor. A Globo deu sempre relativamente
pouco espaço para o jornalismo. Criou o Jornal Nacional, no horário nobre entre as novelas,
que manteria, grosso modo, o mesmo padrão de 1969 a 1996 e outros jornais pela manhã, ao
meio-dia e no fim da noite. A Rede Globo ofereceu um espaço diminuto para os jornais locais
em suas retransmissoras e exigiu que estes jornais seguissem rigorosamente o seu padrão.
O Jornal Nacional virou bíblia para os demais jornais televisivos. O público
acostumou-se ao ritmo alucinante do padrão Globo e todos os telejornais, de uma forma ou de
outra acompanharam este padrão. As novidades viriam mais tarde com a adoção do âncora
Bóris Casoy pelo SBT em 1987, que em 1997 transplantaria seu modelo de jornalismo para a
Rede Record.
Movimentos sociais. Em 1975, a morte de Vladimir Herzog motivou a primeira
grande manifestação da sociedade civil contra a violência da ditadura militar. Nos anos
seguintes, os sinais de vida da sociedade organizada tornavam-se cada vez mais fortes e mais
visíveis. Em 1977, os estudantes saem às ruas. O ano é tomado por movimentos estudantis,
que estavam fora do espaço público praticamente desde a promulgação do AI-5. Os
estudantes organizam suas entidades e se tornam a voz capaz de expressar a exaustão da
sociedade com aquele regime.
Em 1978 seria a vez dos trabalhadores. Se os estudantes deflagraram o movimento de
massas no Brasil e se recolheram, os trabalhadores saíram definitivamente para ocupar o
espaço público. As greves no ABC de 1978, 1979 e 1980 mostravam uma nova face da classe
trabalhadora que emergia. O sindicalismo, que praticamente hibernou de 1964 a 1978 acordou
definitivamente.
Se o movimento estudantil era centrado na luta pelas liberdades democráticas, anistia e
outras reivindicações claramente políticas, o movimento sindical, ao menos nestes primeiros
movimentos, era claramente trabalhista. Tanto que o movimento de 1978 surge na luta pela
recuperação das perdas salariais decorrentes da falsificação dos índices da inflação de 1973,
que a imprensa foi incapaz de denunciar à época.
Jornalistas em greve. A efervescência do movimento social não poderia deixar de
contaminar os jornalistas. As redações dos jornais em 1979 eram as mais plurais possíveis.
Veteranos profissionais dividiam as redações com jovens recém-formados e alguns mais
experientes. Havia todo tipo de compreensão do papel dos jornais e dos jornalistas na
sociedade e o debate sobre este papel, embora não tão explícito, era intenso.
O fato é que quando os jornalistas paulistas foram à greve, em 1979, evidenciou-se
duas grandes concepções: uma, amplamente majoritária, que entendia o jornalista como um
assalariado como outro qualquer, independentemente de trabalhar numa empresa produtora de
conhecimento e informação e outra, que entendia que o jornalista tinha um compromisso
social e um dever com seus patrões que lhe impediam de fazer greve. Embora minoritários,
estes profissionais não aderiram à greve e dedicaram-se à publicação dos jornais nos dias da
paralisação.
A paralisação envolveu a grande maioria dos jornalistas paulistas, embora houvesse
um grupo expressivo que não concordavam com a greve, mas buscavam seu fim no controle
da maioria das assembléias. A greve terminou sem que nenhuma das reivindicações tivesse
sido conquistada.
Imediatamente após o fim da greve, uma onda de demissões alcançou todas as
redações paulistas, incluindo as sucursais de jornais de outros estados. Os donos de jornais
perceberam que suas redações estavam hipertrofiadas e que os jornais poderiam continuar a
ser produzidos com redações bem mais reduzidas.
Além das demissões, a auto-estima profissional foi gravemente abalada com o fracasso
da greve. O impacto desta derrota até agora se faz sentir. Do ponto de vista patronal, a greve
alertou sobre a necessidade de uma articulação política orgânica e, como decorrência, foi
criada a Associação Nacional de Jornais (ANJ), entidade que defende os interesses dos donos
de jornais.
As disputas. Nas décadas de 80 e 90, já dominadas pelo marketing, o jornalismo
“sério” concentra-se em no máximo dois jornais por capital de estado. Mesmo assim, com
disputas acirradíssimas. No Rio de Janeiro, a fragilidade empresarial do Jornal do Brasil –
crônica desde as dificuldades de instalar a concessão de TV que obtivera – é habilmente
aproveitada por O Dia e, principalmente, pelo O Globo, que vai consolidando seu mercado
invadindo a área de classificados – e com isso minando a sua fonte de receita mais tradicional.
O Jornal do Brasil vai permanecer no mercado pelo seu prestígio e tradição, mas o domínio
de seus concorrentes será definitivo.
Como pano de fundo de todo o movimento de disputas que ocorre no Rio de Janeiro e
em São Paulo, no decorrer da década de 1980, um mito. Afirmou-se, sabe-se lá onde, que
grandes metrópoles como São Paulo não comportam dois jornais “sérios”. A estratégia da
Folha, portanto, é vencer e derrotar O Estado de S. Paulo. Quase vinte anos depois, os dois
jornais estão mais parecidos do que nunca, mas ambos sobrevivem muito bem. As mudanças
econômicas provocadas pela globalização, as alterações profundas no mercado de telemática,
a possível mudança no artigo 222 da Constituição, permitindo o ingresso de capital
estrangeiro na imprensa, as fusões surpreendentes, como a que resultou no Valor, associação
entre o grupo Globo e Folha, para enfrentar o poderio da solitária Gazeta Mercantil, único
jornal verdadeiramente nacional e voltado para economia e negócios, poderão implicar em
sucesso ou fracasso de algum grupo. Mas o negócio jornal, por enquanto, vai bem obrigado
em ambos os jornalões paulistas. E os problemas do mercado do Rio nada tem a ver com o
mito de que metrópoles só suportam um jornal.
Revolução na Folha. Em 1983, o jovem Otávio Frias Filho, com 28 anos, alcança o
cargo de diretor de redação da Folha de S. Paulo. Octávio irá promover, no decorrer dos anos
em que dirige a Folha uma reforma no jornal que, na aparência, continua e aprofunda a
reforma “apenas iniciada” por Cláudio Abramo; na essência, nega e contesta. Sua visão de
jornalismo é niilista, irracional e sem nenhuma relação com o interesse público. Jornalismo é
business.
As ações e movimentos de Frias Filho são cíclicas. Em 1984, o jornal engaja-se
politicamente na campanha das “diretas já” e torna-se quase um porta-voz do movimento. O
jornal veste a camisa e assume a luta pelas eleições diretas. No final da campanha, a foto de
diversas personalidades no teto do jornal expressando a “sociedade civil” vai mostrar o quanto
a iniciativa do jornal era mais ornamental do que efetiva. Interessava era credenciar-se diante
da sociedade como um jornal sintonizado com as causas populares.
A partir dos anos 80, o mercado, além de mirrado, será marcado pela ofensiva do
marketing no jornalismo e numa concepção nova, onde o Projeto Folha torna-se
inegavelmente a referência dominante. Para copiar, para rejeitar, para contestar, para oferecer
alternativas, as sucessivas e surpreendentes mudanças na Folha, internamente na redação e
externamente no jornal seriam o tema central dos debates sobre jornalismo no período.
Otavinho cria o Manual de Redação, estabelece critérios para medir a eficiência de
cada profissional, estabelecer normas rígidas de cobertura, caderniza o jornal, produz uma
sucessão de reformas editoriais e gráficas, criando e extinguindo cadernos e editorias.
O Estado de S. Paulo acompanha os movimentos do concorrente de uma forma
letárgica. Cria primeiro um caderno cultural. Parece inacreditável para um jovem de hoje: o
noticiário de artes e espetáculos ficava nas páginas internas do jornal. Depois, uma reforma
gráfica. Mas será a contratação de Augusto Nunes, já em1988 como diretor de redação que irá
tirar o “bravo matutino” da letargia.
Diretas: Folha e Globo. Se a Folha de S. Paulo buscava sintonia, mesmo que apenas
aparente e ornamental, com a sociedade civil em busca de credibilidade, com a adesão
corajosa à campanha das diretas, a Rede Globo fez o movimento oposto. Do alto de sua
segurança de que era ela que fazia a opinião pública e não o contrário, a emissora vinha se
negando sistematicamente a cobrir as cada vez maiores manifestações de massa em favor das
eleições diretas para presidente da República. “Diretas Já” era a expressão que sintetizava
numa frase de grande efeito, dois grandes desejos da sociedade brasileira: derrubar a ditadura
e construir a democracia.
Ao negar-se a cobrir a campanha, a Rede Globo praticou aquilo que no jargão
jornalístico chama-se “brigar com a notícia”. Fala-se que um jornalista briga com a noticia
quando ele não a aceita como um fato de realidade. E o dado de realidade era que a Rede
Globo não estava aceitando a maior manifestação de massa da sociedade brasileira em toda a
sua história. Desnecessário dizer que a solução encontrada no dia 25 de janeiro de 1984 foi a
pior possível. Mais do que “brigar com a notícia”, a TV Globo mentiu. Deu imagens do
comício mas afirmou tratar-se de um movimento relativo ao aniversário da cidade de São
Paulo.
Surge o marketing. Mas a política, em 1984, já era outra. A polarização que marcara
o período ditatorial e de transição transformou-se numa política centrada na figura do líder,
mas ainda dependente dos esquemas partidários. A velha política da Lei Falcão se
transformaria, a partir das eleições para governador de 1982, na política do marketing. Ainda
em 1982, muitos dos desempregados na greve de 1979 já foram trabalhar, profissionalmente,
em campanhas políticas. Poucos anos atrás, trabalhar em política sem identidade ideológica
era um pecado mortal. A partir de 1982, o marketing político só fez evoluir nas eleições
seguintes. Num primeiro momento, o grande profissional a ser recrutado para as campanhas,
que se sucediam, eram os jornalistas, alguns pela disponibilidade em função do desemprego
decorrente da greve de 1979, outros exatamente em função dos postos que ocupavam nas
redações dos jornais.
O marketing político e o marketing jornalístico despolitizaram a política. A
perspectiva ideológica marcante que definia a política, particularmente nos anos 60 e 70,
deixou de existir. Os anos 80 e 90 já viriam a contar com uma nova visão de política. Se
tomarmos a disjuntiva interesse/opinião, os anos 60-70 foram anos onde o determinante na
política era a opinião. A partir da despolitização dos anos 80, o interesse passa a se tornar
dominante na política.
Observe-se que a disjuntiva opinião-interesse, trata-se daquilo que Albert Hirschman
concebe como ondas cíclicas, de prevalência privada e pública. Associa-se aqui a prevalência
em opinião com espírito público e a prevalência do interesse com o espírito privado. O novo
padrão da política, coincidente com o surgimento e crescimento do Partido dos Trabalhadores
e de novos partidos, configura-se como um padrão onde a sociedade vive uma “onda”
privatista que prevalece até hoje.
Ciclo fechado. A eleição de Tancredo Neves, a Nova República e os trabalhos da
Constituinte de 1987/88 mostram um momento com enormes possibilidades no jornalismo,
mas sem grandes eventos jornalísticos significativos. Entre um e outro, o Plano Cruzado, um
ano em que as tiragens dos jornais cresceram espantosamente e o jornalismo de serviços
assumiu um papel decisivo. A opção pelo não aprofundamento dos temas, pela
superficialidade do noticiário coincide com um momento em que a Folha mais se aproxima
do USA Today, novo jornal americano conhecido por sua superficialidade e por sua
similaridade com a TV. Se o marketing já despolitizara a política e a TV assumira um papel
crescente como fator de informação da população, o modelo USA Today fecha o ciclo que iria
consagrar o sistema midiático como elemento definidor do sistema político.
Aí vem Collor, Itamar, Fernando Henrique, reeleição. Mas o jornalismo não é mais o
mesmo. O jornalismo tornara-se superficial, irresponsável, viciado.
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Sistema midiático e crise do jornalismo: crônica da história política