AMPLIAÇÃO DOS HORIZONTES DA HISTÓRIA POLÍTICA
COLONIAL ALAGOANA
Arthur Almeida Santos de Carvalho Curvelo
Graduando em História
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Grupo de Estudos Alagoas Colonial – GEAC
Orientador: Antônio Filipe Pereira Caetano
É fato que desde o século XIX, a historiografia alagoana pouco tem se debruçado
sobre o período colonial. A proporção de trabalhos que tratam da Era Contemporânea é
esmagadoramente maior. Apesar da pouca atenção, podemos apontar aqui alguns dos
grandes clássicos que abordaram o período desde o século XIX: “A História da civilização
das Alagoas” de Jayme de Altavila1, “A Crônica de Penedo” de José Próspero Carotá2,
“História de Alagoas” de Moreno Brandão3. Entretanto, tendo em vista a época em que
foram escritos, destacando-lhes ainda os merecidos reconhecimentos pelos seus objetivos,
observa-se que as preocupações de tais historiadores estavam muito mais centradas na
construção de uma identidade local atrelada a uma identidade nacional, forjada a partir de
uma visão elitista(e porque não dizer positivista) e factual.
Estes buscavam destacar questões ligadas à geografia, e sua inseparável relação com
o povoamento da província pelos colonizadores (como se dá nos primeiros capítulos do
livro de Jayme de Altavila), dos quais tentam resgatar grandes heróis bandeirantes e
capitães donatários como o próprio Duarte Coelho. A partir da segunda metade do século
XX, observa-se uma maior valorização da História Contemporânea do Estado, e mesmo os
grandes trabalhos que versam sobre o período colonial como os de Luis Sávio de Almeida4
e de Moacir Santana5 abordam alguns temas que acabam por virarem lugar-comum, mesmo
1
ALTAVILA, Jayme de. História da civilização das alagoas. 8ª Edição. Maceió, EdUFAL,1988.
CAROTÁ, José Próspero Jeová da Silva. Crônica de Penedo.in: Revista do Instituto Arqueológico e
Geográfico Alagoano Vol. 1 a 3[S.l.],[S.d].
3
BRANDÃO, Francisco Henrique Moreno. História de Alagoas. Arapiraca EDUAL, 2004..
4
ALMEIDA, Luis Sávio de. Memorial Biográphico do capitão de todas as matas. Tese de doutorado em
História. Recife: UFPE/CFCH, 1995.
5
SANTANA, Moacir Medeiros de. Contribuição à história do açúcar em Alagoas. Recife: Museu do
Açúcar/IAA, 1970.
2
nas obras das gerações seguintes que apenas ruminam um assunto antes mastigado, como: a
invasão holandesa(e não o período logo posterior à ela, e as respectivas mudanças causadas
na sociedade daquela época), a produção dos engenhos, o massacre aos caetés(que parecem
ser a única tribo massacrada de tão analisada que é) e toda a problemática envolvendo a
morte do Bispo Fernandes Sardinha, mais recentemente o tema: “Calabar: herói ou
traidor?”, focado em cima dessa única figura que parecia não lutar por lado nenhum da
guerra, a não ser pelos seus interesses próprios. Sem dúvida são temas interessantes e
essenciais para a compreensão da história de Alagoas. Contudo, a grande preocupação em
desvendá-los faz com que não se lancem outros olhares sobre diferentes temáticas, que não
essas, logo, questões relacionadas à própria estrutura da sociedade colonial e sua dinâmica
fiquem relegadas a segundo plano.
Essa carência de abordagens sobre o período colonial é justificada pela maioria dos
historiadores locais com o argumento que durante o mencionado período, a região que hoje
corresponde a Alagoas, fazia parte integrante da Capitania de Pernambuco, encontrando sua
diferenciação apenas em 1706 com a elevação à categoria de comarca, e sua completa
emancipação política em 1817. Logo, chegara-se à conclusão que estudar o período
colonial alagoano significaria, inevitavelmente, recorrer ao estudo de Pernambuco,
lançando-se tal atividade aos historiadores que se preocupavam com a história
pernambucana. Bem, lavadas as mãos, isso tem um efeito eminentemente negativo na
historiografia local: Alagoas só parece ganhar vida em 1817(ou seja, no período Imperial
brasileiro). Visto que o povoamento da localidade pelos invasores europeus tem início
ainda no século XVI -segundo Tomás Espíndola entre 1522 e 1525, quando as principais
bandeiras “desbravaram” o rio São Francisco e a partir de então lançaram-se as bases para a
fundação de Penedo 6– e segundo tal concepção, Alagoas só nasce em 1817, deixa-se uma
penumbra de quase trezentos anos sobre tudo aquilo que ocorreu na localidade! Há muito o
que desvendar e trazer à vida sobre esse período.
Tal problema é intensificado ainda pelas dificuldades que encontram os
pesquisadores em acessar os arquivos do estado para trabalhar com a documentação, tendo
em vista a escassez de políticas públicas que visem a preservação da documentação. Bem
como a monopolização documental por parte daqueles que dirigem tais instituições, que
6
Altavila, op. Cit, p.18.
repetidas vezes encaram os acervos pelos quais são responsáveis como material privado,
impondo então uma série de barreiras para os pesquisadores como negação ao acesso direto
a determinados fundos arquivísticos, bem como a imposição de preços absurdos para a
realização de registros fotográficos do acervo.
A própria documentação sobre a localidade “alagoana” sob a égide portuguesa é
escassa. Devido à ineficiência das políticas nacionais de arquivo (que não conferiram ao
longo do tempo políticas de preservação dos acervos) boa parte da documentação encontrase já destruída, bem como a dispersão da documentação devido a questões relativas a tutela
dos documentos, dos quais muitos se encontram em Pernambuco, e até mesmo descartes
feitos
com
irresponsabilidade
por
parte
dos
antigos
responsáveis,
reduziram
consideravelmente a documentação sobre o período colonial em Alagoas. São fatores
desestimulantes
para
qualquer
pesquisador.
As
conseqüências
disso
refletem
inevitavelmente na já mencionada proliferação de trabalhos sobre a idade contemporânea,
pela maior comodidade e facilidade que encontram os historiadores em trabalhar com tal
período, bem como pelo inegavelmente maior volume documental relativo ao período
Imperial e Republicano.
Entretanto, graças à iniciativa firmada entre Brasil e Portugal, batizada de “Projeto
Resgate”, que teve por intenção elaborar a digitalização de todo o acervo relativo às
capitanias brasílicas preservado no Arquivo Histórico Ultramarino (localizado em
Portugal), mais precisamente nos arquivos do Conselho Ultramarino (órgão criado em
1641) que tinha como função abrigar a documentação relativa às colônias ultramarinas,
(bem como lidar com as solicitações dos representantes do Império Português e de seus
súditos do Ultramar), vem disponibilizando em CD toda a documentação, facilitando assim
o acesso à mesma. Com tal iniciativa foi elaborado o CD de “Documentos Avulsos
relativos a Alagoas”7, contando com um corpus documental de cerca de 532 conjuntos de
documentos, abordando os mais variados temas: desde documentação cartorial relativa a
confirmação de Patentes a cargos militares e administrativos, passando por negociações dos
súditos com o próprio rei, tais como solicitações de equipamento para as milícias até sinos
7
Enquanto localidade, e não divisão administrativa, algo que só foi firmado no século XIX, afinal, os
documentos foram classificados e organizados de acordo com a divisão administrativa do Brasil
Contemporâneo, certamente uma tentativa de auxiliar e facilitar o trabalho dos pesquisadores das respectivas
localidades.
para as paróquias, e mesmo descrições geográficas de alagoas! Os documentos estão
localizados temporalmente entre os séculos XVII e XIX, o que nos dá uma abertura imensa
para trabalhar com o supracitado período “obscurecido” de nossa historiografia.
Sendo essa uma documentação ainda não explorada pelos pesquisadores locais, o
Grupo de Estudos de Alagoas Colonial(GEAC) tem como meta primordial fazer a
transcrição dessa documentação e divulgá-la através de um website onde será publicada e
disponibilizada a toda a comunidade, acadêmica ou não. Isso viabilizará certamente um
maior acesso aos pesquisadores que quiserem debruçar-se sobre tal período, incentivando e
intensificando a produção de trabalhos acadêmicos, monografias e publicações sobre a
história colonial alagoana.
O principal objetivo do GEAC é inserir o estado de Alagoas nas atuais discussões
sobre política e administração colonial, fundamentadas sob a luz da Nova História -corrente
de teoria histórica criada na França no início do século XX, resultado das abordagens
conferidas por renomados historiadores como Marc Bloch e Lucien Febvre, e ampliadas
por verdadeiros ícones da historiografia atual como Fernand Braudel e Jacques Le Goff guiadas no Brasil por historiadores como Maria Fernanda Bicalho, João Fragoso, Luciano
Figueiredo e Maria de Fátima Gouvêa8. Tais discussões vêm dando novos olhares sobre a
documentação, conferindo-lhes um caráter essencial: buscar olhar além daquilo que está
escrito no documento, tentando perceber as intenções daqueles que os produziram, sempre
relativizando com os objetivos do Estado e a visão da sociedade vista de baixo. Assim, as
relações sociais entre governantes e governados e os jogos políticos entre as elites ganham
novas abordagens, possibilitando novos aspectos a serem trabalhados. E visto que poucas
obras vêm se debruçando sobre a história alagoana com tal metodologia nosso projeto tem
ainda esse caráter inovador.
Através da análise dos referidos documentos procuramos entender o funcionamento
e a dinâmica da sociedade colonial alagoana, desde suas relações e barganhas com a Coroa
Portuguesa até a ocupação dos cargos administrativos pela nobreza local, e como essas
elites se relacionavam com as elites de outras capitanias, como e através de que meios
8
FRAGOSO,João;GOUVÊA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda B. O antigo regime nos
trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2003.
BICALHO, Maria Fernanda B. & FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar: idéias e práticas
políticas no império português, séculos XVI a XIX. São Paulo:Alameda, 2005.
legitimavam seu poder e influência. Mas não se trata aqui de conferir um caráter
apaziguador para tal elite e sim opressor sobre a população, verdadeira raiz de nossa
desigualdade social. E ainda: perceber a relação da região alagoana com a capitania de
Pernambuco, quais as suas funções frente à administração pernambucana, no tocante à
importância econômica, estratégico-militar e política, entender e desvendar os jogos
políticos e as negociações com o governo da capitania, e principalmente responder: até que
ponto Alagoas estava submetido e preso ao governo da capitania, e até que ponto ela
gozava de autonomia própria frente ao mesmo governo. Em que ponto pode-se falar da
separação de uma identidade pernambucana de uma alagoana? São questões bastante
relevantes, e que revelam novos olhares sobre a história colonial alagoana e que são
certamente respondidos pela documentação examinada: documentos como a “Carta de
Bento Bandeira de Melo ao conde de Linhares” que versa sobre a geografia, navegação,
comércio e produção de Alagoas e a conveniência de se criar governo independente do de
Pernambuco, à semelhança do que fez para a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, revela
uma relativa auto-suficiência da comarca de alagoas, possível via de acesso para uma
autogerência, e principalmente: um sentimento de diferenciação da identidade
pernambucana!9 Desde 1797(data do documento) já se pensava em uma emancipação
oficial, ou seja, vinte anos antes da emancipação política de 1817! Informações novas que
vem surgindo com a análise de tal documentação vêm se mostrando, portanto muito
promissoras e de inestimável valor histórico.
É um trabalho certamente promissor e inovador, já que somos os primeiros a nos
debruçar profundamente sobre a documentação avulsa referente a Alagoas. Os maiores
resultados esperados para esse projeto são a grande contribuição à comunidade acadêmica e
a ampliação dos horizontes de pesquisa historiográfica sobre o período colonial alagoano,
principalmente no que concerne à história política e social.
9
Arquivo Histórico Ultramarino, Alagoas Avulsos, Documento 265.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
*ALMEIDA, Luis Sávio de. Memorial Biográphico do capitão de todas as matas. Tese de
doutorado em História. Recife: UFPE/CFCH, 1995.
*ALTAVILA, Jayme de. História da civilização das alagoas. 8ª Edição. Maceió,
EdUFAL,1988
*BICALHO, Maria Fernanda B. & FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de governar:
idéias e práticas políticas no império português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda,
2005.
*BRANDÃO, Francisco Henrique Moreno. História de Alagoas. Arapiraca EDUAL, 2004.
*CAROTÁ, José Próspero Jeová da Silva. Crônica de Penedo.in: Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico Alagoano Vol. 1 a 3[S.l.],[S.d].
*FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda B. O
antigo regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2003.
*SANTANA, Moacir Medeiros de. Contribuição à história do açúcar em Alagoas. Recife:
Museu do Açúcar/IAA, 1970.
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