Ciclo diurno das chuvas intensas na Região Metropolitana de Belo Horizonte entre 2007 e 2010. Cora Carolina da Costa Munt1 Adma Raia2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas Centro de Climatologia - PUC Minas TempoClima Rua Rio Comprido, 4580 – Cinco – Contagem – MG – Brasil [email protected] [email protected] RESUMO O estudo da variabilidade pluviométrica ao longo de anos, meses e dias é fundamental para a construção do conhecimento climatológico de uma região. Porém, há a necessidade de se entender o comportamento diurno das chuvas, principalmente no contexto metropolitano, que possui áreas densamente povoadas, e no caso de Belo Horizonte, um relevo propício a riscos de deslizamentos e inundações, quando submetido a regimes hídricos intensos. Desta forma, este trabalho visa analisar a variabilidade pluviométrica ao decorrer de três períodos chuvosos, evidenciando o comportamento das chuvas intensas ao longo do dia na Região Metropolitana de Belo Horizonte e os principais sistemas atmosféricos responsáveis por tais eventos. Neste estudo foram analisados os dados horários das estações automáticas do INMET localizadas na área de estudo, assim como imagens de satélite GOES no canal infravermelho. Os resultados mostram que a maioria dos casos de chuvas intensas ocorreu nos períodos na tarde e da noite e estão relacionados com a atuação se sistemas frontais e atuação de áreas de instabilidade associadas ao calor e a umidade elevada. Palavras-chave: chuva intensa, ciclo diurno, Região Metropolitana de Belo Horizonte 1. INTRODUÇÃO O estudo da variabilidade pluviométrica ao longo do período chuvoso já foi objeto de estudo de diversos autores (SIQUEIRA, ALVES e GUIMARÃES, 2007; MOREIRA e ABREU, 2002; PINHEIRO e NAGHETTINI, 1998; entre outros). Tais estudos, em sua maioria visam investigar o comportamento da chuva, por meio de dados diários, ao decorrer de meses ou anos. Entretanto, os estudos que buscam a investigação das chuvas ao longo do dia são incipientes. A variação pluviométrica em longos períodos é de fundamental importância para a formação do conhecimento climatológico de uma região, permitindo o planejamento de empreendimentos diversos que necessitam de planejamento em longo prazo. Porém, o entendimento do comportamento das chuvas ao decorrer do dia pode ser primordial em cidades densamente povoadas, que sofrem com regimes hídricos intensos em períodos chuvosos e que contam com populações moradoras de áreas irregulares e/ou de risco (SANTOS e PRAKKI, 2002; FREITAS e SILVA DIAS, 2004). A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) está localizada na mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte, na porção central do estado de Minas Gerais (Figura 1). Ela é composta, desde 2002, por 34 municípios que concentram, segundo a contagem populacional do IBGE de 2007, cerca 4.939.053 habitantes, o que representa quase ¼ da população de todo o estado, sendo a terceira maior região metropolitana do país, perdendo apenas para as de São Paulo e do Rio de Janeiro. Apenas na capital mineira concentram-se 2.412.937 habitantes, quase metade da população de toda a RMBH (IBGE, 2007). Figura 1: Localização das Estações Automáticas na RMBH e sua compartimentação altimétrica. A região metropolitana está inserida numa área de relevo de transição, apresentando serra com declividades consideráveis. As altitudes da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) variam de 614 a 1719 metros, sendo a cidade de Belo Horizonte com xxx, Ibirité com yyy e Florestal com zzzz. Tais características associadas ao adensamento populacional e ao crescimento desordenado da cidade tornam a região vulnerável a eventos de precipitação intensa. O entendimento da variabilidade do regime pluviométrico diurno, assim como os fenômenos atmosféricos causadores desses eventos e sua interação com o espaço geográfico local pode auxiliar à intervenção pública, de forma a minimizar a vulnerabilidade, mitigando os danos causados a população que vive na região. Reconhecendo a importância deste tipo de estudo, este trabalho visa analisar a variabilidade pluviométrica ao decorrer de três períodos chuvosos, evidenciando o comportamento das chuvas intensas ao longo do dia na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2. DADOS E METODOLOGIA 2.1 Dados Para a realização deste trabalho foram utilizados os dados das estações automáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) distribuídas nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte - Belo Horizonte (Pampulha), Florestal e Ibirité (Figura 1). Também foram utilizadas imagens do satélite GOES no canal infravermelho para identificar os sistemas atmosféricos atuantes nos horários em que foram registradas chuvas mais significativas. As imagens de satélite utilizadas foram obtidas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), disponibilizadas com freqüência de 15 a 30 minutos pela Divisão de Satélites Ambientais (DAS) e também no banco de dados do Centro de Climatologia TempoClima – PUC Minas. 2.2 Metodologia Foram analisados dados de precipitação das estações nos meses de outubro a março, considerado o período chuvoso da região, no qual estão concentrados cerca de 80% da precipitação total que ocorre na região. O período de estudo foram os meses de outubro a março dos anos de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010, sendo que apenas a estação de Belo Horizonte dispunha dos dados completos de 2007 a 2010, as demais estações, Florestal e Ibirité, possuem dados horários apenas de 2008 a 2010. Os dados foram consistidos em séries horárias, diárias e mensais. A partir destas, foram geradas estatísticas contemplando a freqüência de dias com chuva no mês, a ocorrência de chuva para cada hora do dia e a classificação desta chuva conforme a intensidade. As classes escolhidas foram: precipitação acima de 10 mm/hora, chuva significativa; acima de 30 mm/hora, chuva intensa; e maior que 50 mm/hora, chuva excepcionalmente forte. Com o objetivo de facilitar a análise, o dia foi divido em 4 períodos: de 00h às 05h denominado como madrugada; de 06h às 11h, como manhã; de 12h às 17h, tarde; e de 18h às 23, noite. Este procedimento foi adotado para facilitar a identificação de qual período do dia é mais freqüente a ocorrência de chuva significativa/intensa. Após a identificação dos horários em que ocorreram precipitações que se encaixavam em alguma das classes instituídas, foram realizadas análises através das imagens de satélite para identificar quais sistemas atmosféricos foram responsáveis por estas ocorrências. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Nos períodos chuvosos analisados observa-se que a precipitação registrada foi superior a média histórica em todas as estações, como pode ser visto na Tabela 1. Tabela 1: Precipitação total durante o período chuvoso e a média histórica (Fonte: INMET). Precipitação Precipitação Média Histórica do Período Chuvoso (mm) (mm) 2007/2008 (mm) 2008/2009 1.653,8 1.888,6 Belo Horizonte 1.318,3 1.727,6 Florestal 1.294,5 1.641,8 Ibirité 1.293,7 Precipitação (mm) 2009/2010 1.901,4 1.391,2 1.537,0 3.1 Belo Horizonte Na estação de Belo Horizonte, no período chuvoso de 2007/2008, os eventos de chuvas significativas ocorreram com maior freqüência no período da tarde e da noite. À tarde, a atuação de sistemas frontais e de áreas de instabilidade associadas ao calor e alta umidade foram responsáveis pela mesma quantidade de eventos de chuvas significativas (acima de 10 mm/hora). O único caso de chuva intensa (acima de 30 mm/hora) registrado neste período do dia foi ocasionado por áreas de instabilidade associadas ao calor e a umidade elevada. À noite, os sistemas frontais foram os principais responsáveis pelos eventos de chuva significativa e intensa, como pode ser observado na Figura 2. Em 2008/2009, o período da noite se destacou como o que mais registrou casos de chuvas significativas e chuvas intensas, inclusive um evento de chuva excepcionalmente forte (acima de 50 mm/hora), sendo a passagem de sistemas frontais a principal responsável por estes eventos. À tarde, as áreas de instabilidade associadas ao calor e alta umidade causaram o único evento de chuva intensa deste período e a mesma quantidade de casos de chuvas significativas ocorridas devido à atuação de sistemas frontais. Na madrugada a atuação de sistemas frontais voltou a ocasionar a maior quantidade de eventos de chuvas significativas, e foi o responsável pelo único caso de chuva excepcionalmente forte registrado neste horário. Em 2009/2010, nos períodos da tarde e da noite ocorreram mais casos de chuva significativa. Na tarde, os sistemas frontais foram os que ocasionaram mais eventos de chuvas significativas, um caso de chuva intensa e um excepcionalmente forte. Já no período da noite, foram as áreas de instabilidade associadas ao calor e alta umidade que mais ocasionaram chuvas significativas e intensas. 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 SF AI Manhã SF AI Tarde SF AI Noite SF AI Madrug SF AI Manhã 2007/2008 Chuva > 10mm/hora SF AI Tarde SF AI Noite SF AI Madrug 2008/2009 Chuva > 30mm/hora SF AI Manhã SF AI SF Tarde AI Noite SF AI Madrug 2009/2010 Chuva > 50mm/hora Figura 2: Ocorrência de precipitação por período do dia associado ao principal sistema atmosférico causador, nos três últimos períodos chuvosos - Pampulha. 3.2 Ibirité No período chuvoso de 2008/2009 em Ibirité, à tarde, os casos de chuvas significativas (10 mm/hora) foram ocasionados, com a mesma freqüência, pela passagem de sistemas frontais e pela de áreas de instabilidade associadas ao calor e a alta umidade, sendo que, neste horário, ocorreu um evento de precipitação excepcionalmente forte (acima de 50 mm/hora), causada pela atuação de áreas de instabilidade. À noite, este sistema causou a maior parte dos eventos de chuva significativa, porém, o caso de chuva intensa (acima de 30 mm/hora) ocorrido neste período do dia, teve como responsável a passagem de sistemas frontais. Em 2009/2010, os períodos da tarde, noite e madrugada foram os que mais registraram chuvas significativas ou intensas. À tarde, a passagem de sistemas frontais foram os causadores da maior parte dos eventos de chuvas significativas, e também pelo único caso de chuva intensa registrado neste horário. À noite, a passagem de sistemas frontais também foram os principais causadores de eventos de chuva acima de 10 mm/hora, porém, o evento de chuva intensa ocorrido neste horário foi causado pela atuação de áreas de instabilidade associadas ao calor e alta umidade. Na madrugada, os eventos de chuvas significativas e intensa tiveram como principal causa a passagem de sistemas frontais (Figura 3). 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 SF AI Manhã SF AI SF Tarde AI Noite SF AI Madrug SF AI Manhã SF AI SF Tarde 2008/2009 AI Noite SF AI Madrug 2009/2010 Chuva > 10mm/hora Chuva > 30mm/hora Chuva > 50mm/hora Figura 3: Ocorrência de precipitação por período do dia associado ao principal sistema atmosférico causador, nos dois últimos períodos chuvosos – Ibirité. 3.2 Florestal Na estação automática de Florestal, no período chuvoso de 2008/2009, os períodos da tarde e da noite foram os que mais registraram chuva acima de 10, 30 ou 50 mm/hora. À tarde, a passagem de sistemas frontais causou mais eventos de chuvas significativas (acima de 10 mm/hora), porém, o único caso de chuva intensa (acima de 30 mm/hora) registrado neste horário foi causado pela atuação de áreas de instabilidade associadas ao calor e alta umidade. À noite, a passagem de sistemas frontais também ocasionou a maioria dos casos de chuva significativa, porém, os casos de chuva intensa e de chuva excepcionalmente forte (acima de 50 mm/hora) registrados neste horário foram causados pela atuação de áreas de instabilidade associadas ao calor e a umidade elevada (Figura 3). Em 2009/2010, os períodos que mais registraram chuva foram à noite e na madrugada. À tarde, foi registrado um caso de chuva intensa, causado pela passagem de sistema frontal. À noite, o número de ocorrências de chuvas significativas foi o mesmo para as causas relacionadas à passagem de sistemas frontais e à atuação de áreas de instabilidade associadas ao calor e a alta umidade. Porém, o caso de precipitação intensa ocorrido neste horário foi causado pela atuação de áreas de instabilidade. Na madrugada, a passagem de sistemas frontais foi a principal causa para ocorrência de chuvas significativas. Entretanto, assim como no horário da tarde, o caso de chuva intensa registrado na madrugada foi ocasionado pela atuação de áreas de instabilidade associada ao calor e a umidade elevada. 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 SF AI Manhã SF AI SF Tarde AI Noite SF AI Madrug SF AI Manhã 2008/2009 Chuva > 10mm/hora SF AI SF Tarde AI Noite SF AI Madrug 2009/2010 Chuva > 30mm/hora Chuva > 50mm/hora Figura 3: Ocorrência de precipitação por período do dia associado ao principal sistema atmosférico causador, nos dois últimos períodos chuvosos – Florestal. 4. CONCLUSÕES Ao analisar o ciclo diurno dos eventos de precipitação intensa sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte, nota-se que os eventos de chuva significativa (acima de 10 mm/h) ocorrem com maior freqüência no período da tarde e noite na região mais próxima da serra, representados por Belo Horizonte e Ibirité, enquanto que na região que não sofre influencia direta da serra, representado por Florestal, os horários de ocorrência de eventos de chuva significativa são noite e madrugada. Os principais sistemas atmosféricos causadores de precipitação intensa na região são passagens de sistemas frontais e formação de áreas de instabilidade associadas ao calor e a umidade elevada, sendo que as áreas de instabilidade foram responsáveis na maior parte das vezes por eventos de chuva acima de 50 mm/hora, chuva excepcionalmente forte, principalmente no período da noite. 5. AGRADECIMENTOS Este trabalho contou com o suporte financeiro do Fundo de Incentivo a Pesquisa da PUC Minas (FIP – 1º/2010) através do projeto Estudo de eventos de precipitação intensa e seus impactos socioambientais na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 6. REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS FREITAS, E. D. e SILVA DIAS, P. L. Interação entre fatores envolvidos na formação e desenvolvimento de tempestades severas na Região Metropolitana de São Paulo. In: 1º Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais, Florianópolis-SC, 665-679. 2004. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Contagem da População 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. 316 p. MOREIRA, Jorge Luiz B.; ABREU, Magda Luzimar de. Distribuição espacial da precipitação sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG e sua associação com a topografia local. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 12, 2002, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2002. Disponível em: < http:// www.cbmet.com/edicoes.php?pageNum_Recordset_busca=4&totalRows_Recordset_busca=559&cgid=1 1> Acesso em: 03 dez. 2009. PINHEIRO, Márcia Maria Guimarães; NAGHETTINI, Mauro. Análise regional de freqüência e distribuição temporal das tempestades na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v. 3, n. 4, p. 73-88, out./dez., 1998. SANTO, C. M. E.e PRAKKI, S. Eventos extremos de precipitação na região sudeste do Brasil e redondezas no período de 1997-2001. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, XII, Foz do Iguaçu. Anais. v. 1, p. 397-402. 2002. SIQUEIRA, Herbert Rezende de; ALVES, Gabriella de Freitas; GUIMARÃES, Ednaldo Carvalho. Comportamento da precipitação pluviométrica mensal do estado de Minas Gerais: análise espacial e temporal. Horizonte Científico, v. 1, n. 7, p. 1-20, 2007.