MARCHINHAS E RETRETAS: A TRAJETÓRIA DAS CORPORAÇÕES
MUSICAIS CIVIS DE BELO HORIZONTE
Avellar Teixeira, Clotildes
Esse projeto de investigação objetivou o registro da trajetória das
corporações musicais da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais em forma de
livro e vídeo-documentário. No trabalho de pesquisa e levantamento de dados
foram contempladas todas as formas associativas musicais civis criadas na cidade
desde a época da sua inauguração, em 1897, perfazendo um total de 25
entrevistas gravadas em áudio e vídeo, aproximadamente 50 horas de gravação,
acervo que estará disponível para consulta pública no centro de Referência Áudio
Visual da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte .
A principal intenção desse trabalho foi promover a recuperação da memória
social e urbana da população de Belo Horizonte além de possibilitar a criação de
um instrumento de valorização do patrimônio cultural imaterial dado pela
realização do registro da história das corporações musicais da cidade, as
tradicionais bandas de coreto ou, “furiosas” como costumavam ser conhecidas em
Minas Gerais, no início do século XX.
Chamamos de corporações musicais civis ou bandas de música, os grupos
e formas associativas formados por músicos amadores que utilizam instrumentos
de sopro (madeira e metais) e percussão, de forte intensidade sonora,
especialmente vocacionado para apresentações ao ar livre. Tais sociedades,
criadas para abrilhantar as festas de uma comunidade, têm por objetivo a
divulgação e o ensino da arte musical, apresentando-se em solenidades oficiais e
comemorações religiosas, procissões e desfiles, constituindo-se em presença
indispensável nas reuniões festivas. Já foram chamadas de “conservatório musical
das comunidades” e, durante muito tempo constituíram-se nos únicos locais onde
se produzia e se ouvia música nas pequenas cidades brasileiras. As bandas
tratadas aqui, conforme é característico das sociedades musicais, mantiveram
inicialmente uma escola de formação de músicos, importantíssima para a garantir
a sua vitalidade pois é apenas a partir dela que se permite a renovação constante
dos membros. Sem ela, continuidade das bandas depois de um certo tempo tornase inviável na medida em que é essa formação teórica inicial e a prática
acompanhada de um mestre, que torna possível a execução de um instrumento
musical em conjunto.
Os primeiros grupos musicais de que se tem notícia no Brasil, foram os
grupos formados basicamente por escravos negros que eram obrigados a exercer
um oficio remunerado, que executavam a famosa “música de barbeiros” 1 . É que
no final do século XVIII, nas maiores áreas urbanas do país, a manutenção de
escravos tornou-se muito dispendiosa fazendo com que os senhores menos
abastados obrigassem os seus escravos a aprender algum ofício que pudesse,
além de prover o seu sustento, gerar algum ganho para o seu senhor. Eram
muitos os que exerciam as atividades de barbeiro, arrancavam dentes, aplicavam
sanguessugas, e faziam pequenos consertos. A habilidade manual desses
escravos associada ao tempo ocioso entre um freguês e outro e valorização do
seu preço no mercado incentivava o aprendizado musical e o surgimento da
música dos barbeiros.
O surgimento desses grupos, de acordo com Tinhorão, foi o resultado da
intensa atividade e o gosto pela música já havia se espalhado pelo país desde o
período colonial.
o ensino de solfa nos colégios dos jesuítas desde o século XVI e depois, a
instituição de mestres de capela nas principais igrejas dos Setecentos
garantiram sempre, ao lado das criações de conjuntos musicais por ricos
senhores de engenho e fazendeiros, o cultivo da música por toda a colônia.
Tratava-se porém, nestes casos, ou de música religiosa para atender às
necessidades litúrgicas das igrejas, ou erudita, de escola, para embalar a
megalomania de uns poucos potentados. 2
A continuidade dessa tradicional produção musical iniciada pelos grupos de
barbeiros, a chamada música de porta de igreja, bem ao gosto das camadas
populares das cidades, foi garantida, a partir da segunda metade do século XIX,
pelas pequenas sociedades musicais ou liras formadas por mestres de banda ou
ex-militares fundadas nas cidades interioranas e nos maiores centros urbanos do
país. Formadas a partir de laços de sociabilidade, essas corporações
invariavelmente sempre estiverem vinculadas á igreja ou aos ritos, cultos e
comemorações católicos.
As corporações musicais, tal como as conhecemos nos dias atuais,
originaram-se no final do século XIX, época em que ocorreu, na Europa, o
aperfeiçoamento dos instrumentos de sopro. De acordo com Júlio Manoel
Domingues 3 , o crescimento das populares bandas de música se deveu
basicamente ao fato de que nos povoados e nas pequenas comunidades era mais
fácil sustentar uma boa banda do que uma orquestra. Além disso, havia uma clara
preferência popular pelos instrumentos de sopro, mais fáceis de ensinar e de
tocar.
No Brasil, essa tradição, herdada dos portugueses, surgiu nos grandes
centros do império e representou basicamente um fenômeno urbano uma vez que
somente nos povoados e nas cidades foram encontradas as condições
necessárias para o seu desenvolvimento. De acordo com José Ramos Tinhorão,
foram as organizações paramilitares da Guarda Nacional, surgidas em 1831, as
primeiras a inserir no repertório tocado nas ruas peças de música clássica e
popular, além dos hinos, marchas e dobrados, característico das suas
apresentações. Essa iniciativa marcou o início da competição entre a música
institucionalmente organizada e a criação espontânea da música dos barbeiros
que vai desembocar no aparecimento das corporações musicais civis. Criadas
como uma espécie de plágio das bandas da Guarda Nacional, as antigas
corporações musicais civis além de imitar a sua formação, usando fardas e
utilizando o passo militar da marcha nos desfiles, acompanhavam procissões,
interpretavam músicas para baile nas festas e se apresentavam nos coretos das
praças, geralmente aos domingos para divertir a população.
Como essas sociedades musicais surgiram praticamente dentro das
capelas católicas ou em prol da construção delas, carregam ainda na atualidade o
costume da sua participação em todas as festividades cristãs, tanto na parte
religiosa como na profana, especialmente na alvorada, nas novenas, nos leilões e
nas procissões. 4 Era costume tocar também nas manifestações em homenagem a
figuras importantes, nos cortejos formados para comemorar vitórias políticas, nas
despedidas
de
pessoas
ilustres,
em
casamentos,
bailes
tradicionais
e
carnavalescos, nos enterros, serenatas e desfiles cívicos. Dentre todas as
atividades das antigas corporações musicais, talvez as mais marcantes tenham
sido as apresentações públicas semanais ou mensais, realizadas em coretos de
praças, as retretas 5 , que traziam, além de composições tradicionais, alguns
trechos de peças clássicas.
Minas Gerais, região brasileira bastante populosa e de intensa atividade
musical no período colonial dada a descoberta de ouro e pedras preciosas no
local, teve, desde o início do século XVII, uma grande atividade musical. Em cada
vila ou arraial que foi fundado aos pés das serras ou beirando os leitos dos rios
existiu uma banda de música que esteve presente em todas as comemorações,
religiosas ou profanas, oficiais ou não. Belo Horizonte, cidade construída aos pés
da Serra do Curral e planejada para ser a capital do estado de Minas Gerais, foi
inaugurada no final do século XIX e desde então, recebeu gente vinda de toda
parte trazendo na bagagem suas referências culturais, entre elas a prática das
corporações musicais, que aos poucos foram incorporadas ao cotidiano da
população.
Das várias bandas de música que então foram criadas na cidade, restam
hoje apenas quatro que ainda se encontram em plena atividade. Dentre elas, as
duas que disputam o título de amais antiga da cidade a Sociedade Musical Carlos
Gomes e Corporação Musical Nossa Senhora da Aparecida cujo histórico
apresentamos abaixo:
SOCIEDADE MUSICAL CARLOS GOMES
Ainda que ela seja atualmente conhecida como a “Banda do Calafate”, a
Sociedade Musical Carlos Gomes, surgiu muito antes do bairro de mesmo nome e
não foi fundada por moradores daquela região conforme pode parecer. De acordo
com o historiador Abílio Barreto, essa banda surgiu por iniciativa do músico e
arquiteto Alfredo Camarate 6 , e nasceu em setembro de 1896, dentro de uma
“cafua” 7 sem localização exata, nos arredores da Igreja da Boa Viagem. A primeira
reunião dos músicos aconteceu apenas alguns dias antes da estréia pública da
corporação musical, no dia 24 do referido mês durante uma missa solenemente
celebrada na antiga Capela do Rosário em homenagem a Carlos Gomes, por
ocasião do aniversário do falecimento desse reconhecido músico e compositor
brasileiro.
Naquele templo, durante a missa, a banda de música executou O Guarani,
de Carlos Gomes; Folhas Soltas, em pronto escrito, instrumentado por
Camarate em 10 horas, um pequeno solo de cornetim, à elevação, também
de Camarate; e a sobremarcha de Tanhauser, de Wagner, sendo a primeira
vez que Belo Horizonte ouviu em público partituras dos dois grandes
compositores. Foi essa a estréia daquela banda de música, que havia
iniciado os seus ensaios em uma cafua, com sete amadores e agora
contava com 15 figuras. 8
... a banda Carlos Gomes foi criada junto com a fundação da Cidade de Belo
Horizonte. Tanto é assim que consta no histórico, que os primeiros ensaios
foram feitos numa cabana de madeira, lá no centro da cidade. Então ali se
reuniram os primeiros elementos para começar os ensaios. É claro que
esses músicos vieram de fora, vieram com os operários, vieram de Ouro
Preto, Mariana é São João Del Rei... Então com esses músicos já
preparados, o maestro teve condições para tocar dentro de pouco tempo., O
maestro que teve essa iniciativa, ele era também da comissão de fundação
da cidade de Belo Horizonte.Ele era arquiteto. 9
Desde então a Sociedade Musical Carlos Gomes esteve presente na
maioria dos eventos públicos, oficiais ou não realizados antes, durante e depois da
inauguração da cidade. Também a sua participação num cortejo fúnebre, no ano
seguinte, foi relatada por Abílio Barreto. Ela seguiu o cortejo até o cemitério por
ocasião do enterro de um construtor, Francisco Gonçalves de Melo 10 ainda antes
da inauguração, em setembro. Em outubro, acompanhou um grupo de
republicanos e uma grande massa popular numa manifestação de regozijo,
soltando foguetes e discursando em vários pontos, por ocasião da vitória do
exército brasileiro no último combate contra Antônio Conselheiro que resultou na
destruição de Canudos. No ano seguinte, esteve presente na inauguração do
Parque Municipal em setembro, da iluminação elétrica e da própria cidade, em
dezembro. Além disso, de acordo com o histórico publicado no seu centenário,
tocou nos bailes de carnaval, formaturas, espetáculos circenses, eventos
religiosos, festas em praças públicas e, em forrobodós em casas populares do
Barro Preto 11 , conforme foi citado na publicação:
... sobre a trajetória da Banda Carlos Gomes, durante o tempo que a cidade
estava em construção, ela teve muita projeção porque era a única por aqui.
Depois começaram a aparecer outras bandas, como é o caso da “Nossa
Senhora da Conceição”. Aí então ela já foi perdendo o fôlego por que não
tinha, inclusive o amparo das autoridades, dos governadores, prefeitos,
aquela coisa...
No que diz respeito à sede, o que se sabe é que a “Carlos Gomes” ocupou,
a partir da sua fundação, uma grande diversidade de lugares e teve muitos
endereços levando suas reuniões e ensaios pelos quatro cantos da cidade até
chegar à casa do bairro Calafate, onde se encontra até hoje. Durante esse
“período nômade”, os locais de ensaio foram mudados de acordo com a
necessidade do grupo ou com a facilidade encontrada pelos músicos para fazer
suas reuniões e guardar os instrumentos. Sabe-se que a banda passou pela rua
do Capão, atual rua Alagoas e de lá mudou-se para a rua Aarão Reis. Dali passou
para a avenida do Commércio, hoje Santos Dumont. Mais tarde para a rua dos
Otoni, no bairro Santa Efigênia e depois para o Barro Preto, na rua Ouro Preto
(1936) e Mato Grosso (1949/50) conforme descrição nas atas e documentos
pertencentes ao acervo da Corporação Musical. A demora na edificação da sede
se deu devido à falta de recursos disponíveis para a construção. Mesmo tendo
sido recebido como doação da prefeitura, na gestão de Américo René Giannetti,
em 1953, um terreno na rua Itambacuri, no bairro Padre Eustáquio, a Sociedade
Musical Carlos Gomes continuou ocupando os espaços que lhe foram oferecidos
para a realização dos ensaios devido à sua precária condição financeira. Nos anos
1950 mudou-se mais uma vez para a rua Cura D’Ars, esquina com Turquesa, local
onde viveu um momento singular da sua intinerância pelos espaços da cidade,
conforme nos contou o maestro Belmiro:
Uma vez, no início dos anos 50, quando ela estava na dependência de uma
Igreja, para surpresa dos músicos, um dia eles foram para o ensaio e
chegando lá encontraram os instrumentos da banda todos do lado de fora,
encostados no muro. O padre lá da Igreja despejou a banda. Não disse o
motivo, o porquê, mas o certo é que o padre não queria mais a banda lá e
colocou o instrumental todo em cima do passeio. Aí os músicos chegaram.
Ficou todo mundo de boca aberta, eles não esperavam uma reação daquela.
Porque antes as bandas de música tinham muita ligação com as Igrejas, as
bandas eram quase praticamente das Igrejas...
Após serem expulsos do lugar, com direito a instrumentos enfileirados na
calçada, os músicos, atônitos, aceitaram uma sugestão dada por José Francisco
Marques, o “Zé Pequeno”, músico que na época era responsável por tocar o
bumbo na banda. Ele ofereceu a sua própria casa, situada à rua Contendas, 404
para a realização dos ensaios, de forma a não permitir a extinção da sociedade
musical. Esse gesto louvável é até hoje reconhecido pelo grupo de músicos que
formam a corporação musical e a memória de José Francisco é sempre
reverenciada. Na sede, encontramos guardada com carinho, uma imagem em
preto e branco do herói “Zé Pequeno”, já esmaecida e um tanto amarelada pela
ação do tempo, que foi emoldurada e pendurada na parede. Nos depoimentos
ficou expressa a admiração pelo gesto daquele que impediu o fim da história da
banda naquela ocasião.
Contudo, apesar dos sacrifícios e da grande vontade dos membros da
corporação em resolver o problema da falta de um local permanente para a
realização dos ensaios e guarda de instrumentos, essa questão só foi resolvida
mais tarde. Em 1955, o lote da rua Itambacuri que havia sido recebido como
doação, foi permutado por outro na rua João da Cunha. Este , por sua vez, foi
trocado por outro situado na av. Amazonas, 4.360, onde finalmente um mutirão de
músicos ergueu a primeira sede da Corporação Musical Carlos Gomes. Para essa
construção a banda contou com recursos repassados pelo poder público e outras
doações conseguidas pelos músicos com pessoas da comunidade 12 . Ocupando
esse pequeno barracão construído graças aos esforços dos próprios membros da
corporação, a banda permaneceu no local até a década de 1970 quando uma
concessionária de automóveis da cidade, a CISA – Comercial Importadora S.A.,
se mostrou interessada pelo terreno e fez uma proposta de transferência da
corporação.
... houve essa proposta da CISA de trocar o terreno por um em outro local,
sendo que a Carlos Gomes poderia escolher um prédio. Era só escolher o
local que a CISA, então adquiria e fazia a troca. Então levamos o assunto ao
conhecimento da Prefeitura. Isso está até no documento de propriedade
aqui ... a transferência. Então a Prefeitura concordou que houvesse a troca.
Porque bem não ia ficar, você ganha um presente, depois pega aquilo e ...
Então foi feito o seguinte, a Carlos Gomes poderia escolher um prédio,
então a diretoria da banda escolheu esse aqui. E então veio aqui, e
examinou tudo. O prédio era uma residência, que depois foi adaptada. Foi
criado um salão, feita a laje e toda essa reforma. Lá em cima, essa
adaptação foi feita por músicos, tem até o nome, que a gente lembra o nome
de muitos que trabalharam aí... gente daquela época... tem o Iraci, o
Osvaldo, o Braguinha... 13
Mesmo em funcionamento desde antes da inauguração da cidade e
participando da a maioria dos eventos públicos de Belo Horizonte, a Sociedade
Musical Carlos Gomes
só teve o seu estatuto registrado após completar
cinqüenta anos de existência. Essa ação pode ser atribuída à necessidade de
regularização de documentos para o pleito de subvenções e verbas de
manutenção junto a órgãos públicos. O texto da publicação comemorativa do
centenário da banda mostra que o registro da corporação musical se deu um ano
após a divulgação de um folheto que denunciava o seu estado de precariedade e
pedia doações para a compra de uniformes. No momento em que a sociedade
musical passava por graves dificuldades financeira tornava-se importante a
aquisição do status de pessoa jurídica até mesmo para receber a doação de
terrenos ou materiais visando a construção da sede.
De lá pra cá, a banda passou por algumas transformações e, nos últimos
50 anos, além de renovar o seu quadro de músicos e ampliar a sede do Calafete,
passou a admitir mulheres no seu quadro de músicos e a diversificar mais o seu
repertório.
Começou um dia, um ex-maestro nosso aqui começou a dar aula para
alunos aqui, para crianças, para a banda não acabar, porque os músicos
vão ficando mais velhos. Ele queria fazer a reciclagem, dar aula para jovens,
e aí com certeza a banda não chegaria ao ponto da “Leão XIII” que não tem
mais quadro de músicos. Então ele começou a dar aulas pra todo mundo,
feminino e masculino e nessa turma aí tinha umas meninas que com tempo
começaram a tocar os instrumentos delas. Hoje contamos a presença de 4
meninas na nossa Banda. 14
Atualmente a Sociedade Musical Carlos Gomes possui aproximadamente
25 membros atuantes. Entre os mais antigos, alguns que tocam também em
outras bandas da cidade, são encontrados jovens que iniciaram a sua vida musical
na própria corporação e hoje já
fazem parte do quadro de músicos que se
apresentam nas procissões e nos toques. De acordo com os entrevistados, a
intenção de manter viva a corporação musical é a mola propulsora, é o que
empurra o grupo para frente.
... nós temos uma escola de música e temos os nossos músicos que vem,
tocam e não recebem . Já lutamos tanto para colocar novos instrumentos,
colocamos maestro, estamos alterando o nosso repertório e tal. (...)
pensamos em música popular. Hoje estamos preferindo ter dentro do nosso
contexto musical, tanto daquele dobrado que vem das bandas militares,
quanto a música popular brasileira. Se você vier ao nosso ensaio aqui, você
vai ver: nós tocamos até Raul Seixas. (...) Nós não vamos perder a nossa
origem porque não podemos deixar que a parte original desapareça, mas
queremos que evolua. (...) Nós tocamos o hino nacional e também várias
músicas populares. É dessa forma que pretendemos fazer, porque assim a
nossa banda se encaixa em qualquer atividade. (...) nós vamos tocar
15
aqueles antigos dobrados e vamos também tocar a música popular.
CORPORAÇÃO MUSICAL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
Criada em 1914, a Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição,
carinhosamente conhecida como a “Banda da Lagoinha” nasceu da união de
antigos moradores do bairro de mesmo nome, pertencentes à comunidade católica
da região, que se juntaram para promover atividades em prol da construção no
local, de uma pequena igreja onde pudessem ser celebradas as missas,
realizados os casamentos e batizadas as crianças da comunidade.
Naquela época, a jovem Belo Horizonte encontrava-se em fase final de
construção e era um grande canteiro de obras. É que apesar de ter sido
inaugurada em 1897, a moderna capital de Minas Gerais continuou sendo
construída até as primeiras décadas do século XX, quando chegaram ao fim as
principais obras e os edifícios públicos das áreas centrais que haviam sido
cuidadosamente planejados pela Comissão Construtora da cidade. Como para a
região periférica não havia sido feito nenhum planejamento, os primeiros bairros
fora da zona urbana começaram a crescer em ritmo bastante acelerado. Os
bairros
Floresta, Lagoinha e Calafate começaram a se tornar populosos e a
apresentar, além dos problemas de infra-estrutura como abastecimento de água,
energia elétrica, canalização de esgotos, transporte coletivo, a necessidade de
construção de lugares nos quais os moradores pudessem desenvolver suas
práticas culturais e religiosas, como é o caso dessa comunidade.
Mais de uma década após a inauguração da nova capital, passada a
movimentação
frenética
da
construção
da
cidade
foi
que
começou
verdadeiramente a fase de implantação que transformou a cidade em lugar a partir
dos diferentes usos e das diversas formas de apropriação do espaço urbano.
Nesse contexto surgiu a Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição. Um
grupo de músicos católicos moradores do bairro da Lagoinha, liderados por
Francisco Caetano de Carvalho e Manoel Augusto de Araújo, reuniram-se em
torno do objetivo de construção de uma capela no bairro em homenagem a Nossa
Senhora da Conceição. A idéia surgiu no ano de 1914, durante os festejos do mês
de maio realizados na casa do sr. Francisco Caetano, que residia à rua Itapecerica
número 334, na Lagoinha. Nessa ocasião ficou então acertado que os ensaios
seriam realizados ali sob a batuta do mestre Manoel Augusto, músico profissional,
bastante habilidoso que tocava vários instrumentos. Ele logo se tornou o primeiro
regente da corporação, que aos poucos foi sendo organizada, tomando forma de
uma verdadeira sociedade musical com a eleição de uma diretoria definitiva e a
aquisição de instrumentos. Fundada no mês de maio daquele ano, com pouco
tempo conseguiu alcançar um dos seus principais objetivos: no mês de novembro
do mesmo ano, mais precisamente no dia 09, foi lançada a pedra fundamental da
Igreja Nossa Senhora da Conceição da Lagoinha 16 .
Os dois principais fundadores da banda, Francisco Caetano de Carvalho e
Caetano Emanuel de Araújo, são provenientes de Cachoeira do Campo. Em
Maio de 1914, eles realizaram as primeiras barraquinhas aqui. Ainda não
tinha casa, não tinha nada. Foi a primeira barraquinha para angariar um
dinheirinho para comprar o lote e construir a Igreja. Então depois compraram
um lote, construíram uma capelinha em homenagem a Nossa Senhora da
Conceição. A banda ajudou a construir a igreja. Mais tarde os padres daqui
sempre ajudaram a banda. O padre Silvério, o padre Candinho, eles sempre
colaboraram, vinham aqui assistir o ensaio e toda festa que havia na igreja,
eles davam uma cota pra banda. Mas isso acabou faz tempo... 17
É interessante observar que geralmente entre os componentes de uma
sociedade musical encontramos militares ou ex-militares como músicos, muitos
até como mestres. Porém esse não é o caso da Corporação Nossa Senhora da
Conceição. A banda teve início a partir da iniciativa de um grupo de amigos
católicos que gostavam de música orientados pelo Mestre Manoel Araújo. Um foi
chamando o outro e, com o passar do tempo, a medida em que aumentaram o
número das apresentações nas procissões e festividades do bairro o grupo se
ampliou e a banda se tornou uma referência para a cidade. Além da sociedade
musical, Manoel Araújo ajudou a fundar também um coral de moças e uma
orquestra.
Aqui tinha a orquestra, a banda e o coral. Era tudo um grupo só, Tudo era
Nossa Senhora da Conceição. O coral era formado pelas moças. Agora.... a
orquestra era separada da banda, não é? A orquestra era formada por
instrumentos de corda e de sopro e se apresentava junto com o coral. Nós
tivemos época em que havia dez violinos, tinha instrumento de sopro três
bombardinos, duas clarinetas, um piston, duas flautas e os violinos esse
conjunto tocava junto com as cantoras e às vezes se apresentava fora
quando era uma missa campal, assim. Agora é claro que alguns músicos
que formavam a orquestra, uns quatro ou cinco, eram os mesmos que
tocavam na banda. 18
Desde pequenininha eu via meu pai dando aula para os músicos. Ele dava
aulas comigo no colo... Ele sempre mexeu com música, foi professor de
música em Betim e em outros lugares. Ele começou a aprender lá em
Cachoeira do Campo na banda de música de lá. Papai ensinava música
para as meninas todas aqui do bairro desde pequenas, para poder cantar na
igreja. A gente tinha assim 10 ou 9 anos e aprendia para cantar no
Santíssimo Sacramento, para entrar no coro. Até hoje tem a missa cantada
aqui, no dia 08 de dezembro. 19
Como a Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição foi fundada para
tocar inicialmente no mês de maio, nas festividades católicas do chamado mês de
Maria, com o intuito de angariar fundos para a construção da igreja, por tradição,
durante décadas se apresentou durante todos os dias do mês de maio,
principalmente nas coroações da imagem da Imaculada Conceição. De acordo
com os entrevistados, a banda saía em procissão pelas ruas do bairro para buscar
e levar em casa os anjinhos que coroavam a santa. Eram crianças entre 7 e 12
anos que vinham vestidas com camisolões de cetim e asas brancas feitas com
penas de aves fixadas nas costas. Esses anjinhos que ensaiavam durante
semanas para a coroação, eram conduzidos pela banda em procissão para entrar
na igreja cantando e enfeitar com coroa, manto e palmas, a imagem da santa
colocada no alto de um altar com escadas laterais, montado especialmente para a
ocasião.
A Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição encontra-se ainda
hoje, em plena atividade, com ensaios semanais e aproximadamente 30
componentes, a maioria cima de 50 anos. Os ensaios ainda se realizam na antiga
casa da família de Manoel Araújo situada a rua Adalberto Ferraz, número 59, no
bairro da Lagoinha. Fazem parte do seu acervo guardado na sede dezenas de
composições inéditas do seu primeiro regente. Conforme contaram os membros
da corporação, existem lá peças que, provavelmente nunca mais serão tocadas
por falta de músicos habilitados para tal, dada a dificuldade atual de
recomposição dos quadros de mestres e aprendizes, ainda que não exista
dificuldade para a admissão de novos membros.
Nós recebemos toda e qualquer pessoa que quiser freqüentar a banda, as
portas estão abertas. Seja mulher, seja homem. Só precisa ter uma noção
de música e saber tocar algum instrumento, ter embocadura, conhecer
partitura. A gente pega todos os dados dele, explica como funciona, às
vezes até empresta algum instrumento, passa os dias de ensaio e aí ele
começa a freqüentar. 20
Sendo uma sociedade quase filantrópica, considerada de utilidade pública,
durante todo esse tempo, mais de noventa anos, a banda sobreviveu apenas das
doações recebidas, fossem elas em dinheiro ou em materiais. Todo o seu acervo
pertence ao coletivo de músicos e, em última instância, aos descendentes do
maestro Manoel Araújo que guardam na sede, junto com os instrumentos novos e
antigos (alguns ainda da época da inauguração), imagens de apresentações e
várias formações do grupo, juntamente com o acervo de partituras e as atas de
reuniões e ensaios. Sua trajetória se confunde com a história do bairro da
Lagoinha e da Paróquia Nossa Senhora da Conceição.
A PESQUISA
Além dessas duas sociedades musicais, o projeto “Marchinhas e Retretas”
conseguiu registrar o histórico de mais 12 bandas que foram criadas na cidade
desde a sua inauguração e que estão descritas no livro, acompanhados de fotos e
documentos antigos recolhidos durante o trabalho de pesquisa. No vídeo
documentário e na exposição de fotografias procuramos privilegiar aquelas que
ainda estão em plena atividade porém, sem desconsiderar as que estão extintas
ou em processo de renovação.considerando a sua importância para a memória
social e urbana da cidade dada a sua função de veículo de entretenimento
coletivo, participando de movimentos políticos, acontecimentos religiosos, cívicos
e sociais.
Para registrar a história dessas corporações musicais civis e a sua relação
com a ocupação dos espaços na cidade, trabalhamos dentro da perspectiva de
que a história da cidade é também a história do que se diz sobre ela 1 , e, durante o
processo de investigação foi incorporada ao conjunto de fontes 2 , uma série de
depoimentos orais, gravados em forma de entrevistas com membros dos grupos,
músicos e maestros, recolhidos entre ano de 2005 e 2006
O trabalho com esse conjunto de entrevistas pautou-se na metodologia de
pesquisa da História Oral para o recolhimento e a análise desses documentos. A
opção pelo uso desses depoimentos como fonte para o trabalho historiográfico
justificou-se pela busca do maior entendimento de fatos acontecidos no período
escolhido, na medida em que a proposta de análise das várias versões individuais
do presente sobre esse passado, com foco no histórico da constituição dos grupos
musicais possibilita o confronto das várias narrativas, ampliando o processo
investigativo. São nesses documentos que, muitas vezes encontramos os conflitos
no que diz respeito à formação, transformação ou até mesmo a extinção desses
grupos, atitudes pessoais que fizeram diferença no processo, disputas internas e
externas que na maioria das vezes não são apreendidos somente pela análise dos
documentos formais.
1
PAULA,1987.
Relatos, crônicas jornalísticas, legislação e documentos oficiais dos órgãos administrativos da
cidade, estatutos e atas de reuniões, imagens e objetos produzidos especialmente para os
eventos, além dos documentos oficiais da antiga Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte
e da Belotur.
2
A história oral, como método interdisciplinar 3 permitiu-nos obter registros
que não estavam documentados oficialmente e que dizem respeito à forma pela
qual os músicos percebem suas experiências dentro do grupo e a sua relação
com o espaço onde vivem constituindo-se em importantes documentos para o
estudo da memória coletiva. Tal qual as reportagens jornalísticas, os textos dos
folhetos publicitários e dos cartazes, a crônicas, as imagens produzidas e os
documentos oficiais do poder público, os depoimentos orais são construções
mentais, narrativas, carregadas de intenções, fator determinante da sua
especificidade como fonte de pesquisa. “Das especificidades da história oral
resulta uma concepção singular da história. O trabalho com a história oral exige do
pesquisador um elevado respeito pelo outro, por suas opiniões, atitudes e
posições, por sua visão de mundo...”. 4
Durante todo o processo de recolhimento das fontes, esteve sempre
presente a preocupação com a metodologia. Uma extensa discussão sobre a
utilização dos depoimentos como fonte de pesquisa, ou melhor, sobre a criação do
documento oral, presente na bibliografia consultada, apontou-nos alguns
caminhos a serem seguidos ainda durante o trabalho de levantamento de dados,
principalmente no que diz respeito à escolha do grupo de entrevistados e à
elaboração do roteiro para a entrevista.
Uma das principais contribuições de uma entrevista de história oral para
as pesquisas é o fato de ela tornar inteligível o sensível como dizia LéviStrauss. Se temos uma boa entrevista, ou um bom conjunto de
entrevistas, podemos compreender como determinadas concepções de
mundo se tornaram fatos, a ponto das pessoas passarem a tomar
decisões e agir em função delas
Foi pensando nisso que surgiu uma outra preocupação: o critério de escolha dos
entrevistados. Nossa intenção foi organizar o chamado “grupo de bons
entrevistados”, aqueles que, nas palavras de Aspásia Camargo:
...por percepção aguda de sua própria experiência, ou, pela importância
das funções que exerceu, pode oferecer mais do que o simples relato de
acontecimentos,
estendendo-se
sobre
impressões
de
época,
comportamento de pessoas ou grupos, funcionamento de instituições, num
3
4
THOMPSIN, 2002
ALBERTI, 1990
sentido mais abstrato, sobre dogmas, conflitos, formas de cooperação e
solidariedade grupal, de transação, situações de impacto, etc 21
Para alcançar esse objetivo num primeiro momento fizemos um pequeno
mapeamento das possibilidades existentes com o auxílio de documentos escritos
e iconográficos, oficiais e não-oficiais, que direcionaram o trabalho de seleção das
pessoas a serem ouvidas.
A partir da lista inicial aconteceram as primeiras
conversas e foram gravadas as primeiras entrevistas, realizadas ainda sem roteiro
definido, mas que foram fundamentais para a definição dos rumos do trabalho e a
elaboração do roteiro final que direcionou as entrevistas com os membros das
corporações musicais, jovens e antigos, além de familiares de maestros
fundadores já falecidos. Parte dos produtos resultantes do projeto será
encaminhada para centros culturais no sentido de auxiliar o trabalho de
valorização do patrimônio cultural.
NOTAS
1
Recebiam essa denominação porque a profissão de barbeiro era a única a deixar tempo vago para a
aprendizagem de outros trabalhos. Eles se apresentavam em festas religiosas, profanas e até oficiais; tocavam
dobrados, fandangos e quadrilhas. O pintor Debret em seu livro “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” dá
um retrato dos barbeiros do período: Dono de mil talentos, ele (o barbeiro) tanto é capaz de consertar a malha
escapada de uma meia de seda, como de executar, no violão ou na clarineta, valsas e contradanças francesas,
em verdade arranjadas ao seu jeito. (Tinhorão,1998)
2
Tinhorão, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998. p. 155
3
As bandas de música da Guarda nacional – organização paramilitar criada pelos grandes proprietários por
Lei de 18 de agosto de 1831
4
Júlio Manoel Domingues, A história de Porangaba. junho 2006
5
Apresentação de bandas de música em praça pública
6
Alfredo Camarate foi engenheiro-arquiteto, construtor, jornalista e músico. Nasceu em Portugal e estudou na
Inglaterra. Em Lisboa exerceu o cargo de conservador no museu de Arte Ornamental da Academia Real de
Belas Artes. Chegou ao Brasil com 32 anos e aqui permaneceu até o seu falecimento. Em Belo Horizonte
colaborou com os trabalhos da Comissão Construtora analisando as plantas apresentadas para construções
particulares. Além disso publicou artigos sobre a edificação da nova capital de Minas Gerais em diversos
jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Sabará e Buenos Aires, sob vários psudônimos (entre eles
Alfredo Riancho e Alberto Screw), sendo considerado o principal cronista da construção da cidade.
7
Casebre, habitação humilde. Assim eram chamadas as antigas moradias quase miseráveis na época da
construção da cidade.
8
Abílio Barreto, p. 659
9
Maestro Belmiro em entrevista realizada na sede da Sociedade Musical Carlos Gomes, em 26 de agosto de
2005
10
Abílio Barreto, p. 661
11
Histórico publicado por ocasião do Centenário da Corporação Musical Carlos Gomes.
12
“Para tanto contou com recursos levantados pelos seus membros e com, aproximadamente, setecentos mil
réis doados pelo prefeito. Além disso a banda recorreu, ainda, a outras instâncias, como mostra uma carta,
datada de 1960, em que seu presidente, Geraldo Christiano do Nascimento, solicitava ao deputado ùltimo de
Carvalho a liberação de uma verba já concedida pelo então presidente da República Juscelino Kubitscheck de
Oliveira, para a construção da sede.” Livro do centenário. P. 25
13
Maestro Belmiro em entrevista realizada na sede da Sociedade Musical Carlos Gomes, em 26 de agosto de
2005
14
Geraldo Manoel em entrevista realizada na sede da Sociedade Musical Carlos Gomes, em 26 de agosto de
2005
15
Alberto Garcia em entrevista realizada na sede da Sociedade Musical Carlos Gomes, em 26 de agosto de
2005
16
Octávio Paz, p. 150
17
João Duarte Sarrado
18
João Duarte Sarrado
19
Terezinha de Araújo Brandão
20
João Duarte Sarrado
21
Conferencia realizada no I Seminário Brasileiro de Arquivos Municipais. Rio de Janeiro, UFF,2-6
ago.1976,p.4-5, intitulada História oral e história
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Andrade, Luciana Teixeira, Belo Horizonte: imagens da cidade, vida social e intelectual: 18971930, in Caderno de Ciências Sociais Vol.5.n°8, Belo Horizonte, PUCMINAS, 1997.
Barreto, Abílio, Belo Horizonte,memória histórica e descriptiva, história média, Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1995
Domingues, Júlio Manoel, A história de Porangaba. junho 2006
Mariz, Vasco, História da Música no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005.
Penna,Octávio, Notas cronológicas de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro,
Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997
Sociedade Musical Carlos Gomes, cem anos marcando compasso na nossa história, Prefeitura
Municipal, Secretaria de Cultura, Belo Horizonte, 1995
Tinhorão, José Ramos. História social da música popular brasileira, São Paulo, Editora 34, 1998
Tinhorão, José Ramos, Os sons que vem da rua, São Paulo, Editora 34, 2005
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marchinhas e retretas: a trajetria das corporaes musicais de belo