A CRIANÇA ENFERMA: O ENSINO E A APRENDIZAGEM NO
HOSPITAL
Cecille Gabrielle Dias de Oliveira Santos1 - UNB
Amaralina Miranda de Souza2 - UNB
Grupo de Trabalho - Educação, Saúde e Pedagogia Hospitalar
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho apresenta aspectos de um estudo realizado em 2014 no âmbito dos Projetos
Acadêmicos, Projeto 33 e Projeto 44 que são espaços curriculares obrigatórios do curso de
Pedagogia da Universidade de Brasília - UnB, a partir da prática realizada, em dois hospitais
públicos do Distrito Federal. O objetivo geral foi compreender a classe hospitalar como um
espaço favorável para a atuação do pedagogo na mediação do processo de ensino e
aprendizagem com as crianças e jovens hospitalizados. A metodologia, de abordagem
qualitativa, analisou os elementos observados e registrados e as estratégias da prática
pedagógica para conhecimento e intervenção na realidade estudada, sem pretensão de fazer
análise comparativa, mas compreender as duas realidades. Os contextos do estudo foram os
espaços organizados nas pediatrias dos hospitais, Hospital Universitário de Brasília – HUB e
do Hospital Materno Infantil de Brasília – HMIB, que embora apresentem estruturas
diferentes, se assemelham no tocante ao atendimento pedagógico ofertado, na medida em que
ambos promovem uma dinâmica de escuta e atenção às crianças e aos jovens hospitalizados,
contribui para minimizar o sofrimento e fortalecer o enfrentamento do tratamento da
enfermidade, que podem amenizar os sintomas de um possível hospitalismo. A prática
pedagógica desenvolvida, a observação simples nos dois contextos e os estudos teóricos
realizados indicaram que o atendimento lúdico pedagógico no âmbito da classe hospitalar tem
relevância, não só para o prosseguimento do desenvolvimento das crianças e jovens em
situação de hospitalização, como também para apoiar a os seus acompanhantes que acabam
colaborando para a recuperação do seu familiar e proporciona às crianças e aos seus
acompanhantes uma interação social facilitadora do processo ensino-aprendizagem, que
podem promover a minimização dos prejuízos no retorno à escola.
Palavras-chave: Prática pedagógica. Classe hospitalar. Ensino-aprendizagem.
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Graduanda em Pedagogia (8º semestre) pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. E-mail:
[email protected]
2
Profª Dra da Universidade de Brasília na Faculdade de Educação/TEF/ Área de Educação Especial e Inclusiva.
E-mail:[email protected]
3
Projeto 3 Fase 1: Atendimento Pedagógico/Educacional para Crianças e Adolescentes Hospitalizados no HUB
4
Projeto 4: Prática Pedagógica no Hospital
ISSN 2176-1396
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Introdução
A curiosidade surgida ao longo do 2º semestre de 2013 ao cursar a disciplina
“Introdução à Classe Hospitalar”, impulsionou a vontade de saber mais sobre o contexto de
atuação do pedagogo, na classe hospitalar, cuja atuação busca promover o desenvolvimento
do ensino e da aprendizagem no ambiente não escolar.
Nesse sentido, buscou-se compreender a dinâmica da classe hospitalar e o papel do
pedagogo no hospital na equipe multidisciplinar, como espaço para o desenvolvimento do
processo de ensino e de aprendizagem. As diretrizes do curso de Pedagogia (BRASIL, 2006)
considera que na realidade educativa atual o pedagogo é um profissional que tem sido
solicitado em outros contextos, que não só na escola e na sala de aula e que por isso precisa
estar preparado para trabalhar em contextos diversos, como empresa, ONGs, fundações e
hospitais. Isso demanda a necessidade de cursos de pedagogia que integrem nos seus
currículos espaços que tratem da atuação desse novo pedagogo nos espaços escolares e não
escolares. Libâneo (2002, p. 80) aponta que o pedagogo tem seu campo de atuação nas
“instâncias em que se dão as práticas educativas e [...] os campos em que lida com a
comunicação e a internalização de saberes e modos de ação”, evidenciando as várias
possibilidades de atuação do pedagogo.
No hospital, o pedagogo é capaz de criar situações educativas, não só voltadas para a
escolarização das crianças e jovens hospitalizados, mas também para atender a outras
demandas que emergem nesse ambiente, como as ligadas ao campo afetivo, social e de lazer
(SCHILKE; NASCIMENTO, 2007). Ele pode contribuir também no processo de recuperação
da saúde da criança, em diversos sentidos: ajudando na melhora da autoestima e em prol de
seu bem-estar físico e emocional, criando situações favoráveis para a aprendizagem, trazendo
um pouco da vivência escolar. Além do que, as ações do pedagogo no hospital podem
contribuir para a amenização dos sintomas de um possível hospitalismo (SPITZ, 1979) da
criança enferma.
Referencial Teórico
A educação é uma área ampla, manifestando-se sempre que haver interesse e intenção
de aprendizagem, seja por parte do professor ou por parte do aluno. Como prática social e de
acordo com Saviani a educação torna-se “um processo que se caracteriza por uma atividade
mediadora no seio da prática social global [...]” (SAVIANI, 1991, p. 155). Portanto, há
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aprendizagem sempre que houver o interesse de ensinar ou de aprender. Nesse contexto
ressalta-se a importância da presença do pedagogo em todas as situações onde há a intenção
recíproca de ensino e aprendizagem. Observamos que a pedagogia tem conquistado seu
espaço em diversos ambientes, entre eles o hospitalar. Segundo Rodrigues (2012, p. 42), a
pedagogia no hospital "é um ramo da educação que proporciona à criança e ao adolescente
hospitalizado uma recuperação mais aliviada", visto que esta oferece atividades lúdicas,
recreativas e pedagógicas, que contribuem, também, para a prevenção do fracasso escolar
gerado pelo afastamento da sala de aula.
A preocupação com as crianças hospitalizadas começa a surgir pouco antes da
Primeira Guerra Mundial. Segundo González e Gonzáles (2007), em 1915 Pfaundler e Chapin
utilizaram pela primeira vez o termo "hospitalização". Este quadro afetava às crianças que
ficavam internadas, independente da classe social a que pertenciam. Nos anos 1930, surge um
interesse por esta questão, contribuindo para a criação do termo "síndrome hospitalar".
Este conceito que segundo González e Gonzáles (2007) é apresentado por volta de
1934 por R. Spitz, atualmente é conhecido como hospitalismo, que condiz com a diversidade
de sintomas que as pessoas podem apresentar no período da internação. Segundo Souza
(2011, p. 254) trata-se de "[...] um processo depressivo e complexo”, causado não apenas pela
debilidade física, mas também pelo fato de que a criança se encontrar em um ambiente
estranho, com uma rotina desconhecida, distante da família e dos amigos, "[...] sendo
submetidos a procedimentos dolorosos, muitas vezes invasivos, que os deixam inseguros em
relação à vida e ao futuro" (SOUZA, 2011, p. 254). É importante ressaltar que as internações
sucessivas e recorrentes contribuem para que a criança esteja em constante estado de estresse.
Portanto, no atendimento a essas crianças e jovens deve-se considerar seu estado físico
e emocional, de modo a contribuir para a humanização nas unidades de saúde. O professor da
classe hospitalar contribui para o atendimento psicopedagógico na medida em que exerce a
escuta sensível e escuta pedagógica. De acordo com Ceccim (1997 apud FONTES, 2005, p.
123):
[...] o termo escuta provém da psicanálise e diferencia-se da audição. Enquanto a
audição se refere à apreensão/compreensão de vozes e sons audíveis, a escuta se
refere à apreensão/compreensão de expectativas e sentidos, ouvindo através das
palavras as lacunas do que é dito e os silêncios, ouvindo expressões e gestos,
condutas e posturas. A escuta não se limita ao campo da fala ou do falado, [mais do
que isso] busca perscrutar os mundos interpessoais que constituem nossa
subjetividade para cartografar o movimento das forças de vida que engendram nossa
singularidade.
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Desta forma, é importante que o profissional da educação realize constantemente esta
escuta, a fim de melhor compreender o sujeito com quem se relaciona. Segundo Fontes (2005,
p. 123-124) a escuta pedagógica:
[...] diferencia-se das demais escutas realizadas pelo serviço social ou pela
psicologia no hospital, ao trazer a marca da construção do conhecimento sobre
aquele espaço, aquela rotina, as informações médicas ou aquela doença, de forma
lúdica e, ao mesmo tempo, didática. Na realidade, não é uma escuta sem eco. É uma
escuta da qual brota o diálogo, que é a base de toda a educação.
Já a escuta sensível, segundo René Barbier (2002), configura-se numa metodologia de
trabalho, um tipo de escuta, de ouvir, próprio do pesquisador-educador, que se apoia na
empatia, onde é necessário saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro, de
modo a compreender as atitudes, os comportamentos, o sistema de ideias, os valores de
símbolos e mitos, atentando ao que o outro está dizendo. Atento a isso o trabalho do pedagogo
pode reverter em grande benefício ás crianças e jovens hospitalizados.
Aspectos legais
No ceio dos conceitos que permeiam a prática pedagógica no contexto hospitalar
encontra-se a política nacional de educação especial. A pedagogia hospitalar ressalva-se nas
bases legais brasileiras recorrendo ao direito à educação, que é apontado e ratificado em
diversos dispositivos legais, tais como a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no artigo 205,
o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), a Lei de Diretrizes e Bases para
Educação Nacional (BRASIL, 1996), onde aparece a denominação do aluno da educação
especial determinando o público alvo das políticas de educação especial. Tendo assegurado o
direito à educação a todos, o Estado tem a obrigação de estabelecer políticas públicas em prol
de garantir a execução e respeito de cada princípio, conduzindo a universalização do
atendimento escolar.
O artigo 214 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), expressa a necessidade de se
estabelecer ações do Poder Público que conduzam à universalização do atendimento escolar.
Para atender o expresso na lei, as classes hospitalares surgem como uma forma de atender às
crianças que por motivos de tratamentos de saúde encontram-se afastadas da escola. Nesse
contexto, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
sistematiza o estatuto da criança e do adolescente hospitalizados, por meio da Resolução nº 41
de 1995, que assegura à criança e ao adolescente hospitalizado o direito a desfrutar de alguma
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forma de recreação, acompanhamento do currículo escolar entre outras ações durante a
internação (BRASIL, 1995). No capítulo sobre educação especial, a LDB em seu artigo 58, §
1º, assegura a existência de serviços de apoio especializado às especificidades do aluno,
abrindo a possibilidade no § 2º de que este serviço seja feito em função das condições
específicas dos alunos, podendo ser em casa ou no hospital, quando não há a possibilidade de
integração à classe regular de ensino (BRASIL, 1996).
Tratando-se do atendimento educacional especializado, em nível nacional, temos as
recomendações do MEC sobre a organização da classe hospitalar da equipe e do trabalho no
contexto hospitalar, contida no documento orientador Classe hospitalar e atendimento
pedagógico domiciliar: estratégias e orientações (BRASIL, 2002) da Secretaria de Educação
Especial; e no Distrito Federal, a Lei nº 2.809, de 29 de outubro de 2001, com autoria do
Projeto a Deputada Maria José – Maninha, “dispõe sobre a garantia do direito da criança e do
adolescente ao atendimento pedagógico e escolar na atenção hospitalar no Distrito Federal”
(DISTRITO FEDERAL, 2001). Que no seu do artigo 1º, garante a presença do pedagogo no
hospital visando o atendimento às crianças e jovens hospitalizados. Considera-se também a
Lei nº 11.104 (BRASIL, 2005), que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de
brinquedotecas em qualquer unidade de saúde que ofereça atendimento pediátrico em regime
de internação de curto, médio ou longo prazo, garantindo ambientes lúdicos no hospital e
espaços organizados para as crianças e jovens hospitalizados.
Vale ressaltar que, o atendimento à criança hospitalizada deve visar prioritariamente
“a continuidade ao processo de desenvolvimento e de aprendizagens dos alunos matriculados
em escolas de educação básica” (BRASIL, 2001). Esse atendimento contribui para o retorno e
reintegração à escola, assim como para o desenvolvimento de um currículo flexível com as
crianças que não estão matriculadas no sistema educacional.
Metodologia
O presente trabalho resulta de estudos desenvolvidos ao longo do ano de 2014, no
âmbito das disciplinas de Projeto 35 e Projeto 46 da Universidade de Brasília, que
possibilitaram a prática pedagógica nos hospitais HUB (Hospital Universitário de Brasília) e
HMIB (Hospital Materno e Infantil de Brasília), respectivamente. Foram realizadas, no total
de 150 horas de prática pedagógica supervisionada, 60h no HUB e 90h no HMIB, somadas às
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Projeto 3 Fase 1: Atendimento Pedagógico/Educacional para Crianças e Adolescentes Hospitalizados no HUB
Projeto 4: Prática Pedagógica no Hospital
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60 horas de orientação acadêmica relacionada ao acompanhamento da prática e produção de
relatórios, perfazendo um total de 210h de prática e estudos voltados ao atendimento
pedagógica no ambiente hospitalar.
Ao longo da prática nos hospitais mencionados foram realizados registros dos
atendimentos em diário de campo e registro fotográfico das situações vivenciadas. Nesse
relato de experiência a identificação dos sujeitos envolvidos será por meio das iniciais, e com
duas letras quando necessário a diferenciação, a fim de preservar suas identidades. A
sistematização das informações da prática no HUB e HMIB foram apresentadas em forma de
Relatórios à turma da disciplina Introdução à Classe Hospitalar, como exigência para a
aprovação nos referidos projetos.
É importante salientar que tendo por objetivo geral a compreensão da classe hospitalar
como um espaço favorável para a atuação do pedagogo na mediação do processo de ensino e
aprendizagem com as crianças e jovens hospitalizados, não foi realizada nenhuma análise
comparativa entre os dois hospitais, mas buscou-se descrevê-los a fim de melhor compreender
a atuação do pedagogo em ambos os espaços.
Fragmentos da Prática: contexto, intervenção, resultados e discussões
Os hospitais HUB e HMIB apresentam espaços diferenciados quanto à organização e
estrutura. O HUB é um hospital universitário vinculado ao SUS (Sistema Único de Saúde),
atende às crianças, jovens e adultos da população em geral em diversas especialidades. O seu
foco também é a formação dos estudantes dos diversos cursos relacionados com a área saúde
da UnB. Já o HMIB é um hospital geral público de atendimento à população, destinado
especificamente a gestantes, a crianças e recém-nascidos. Em ambos os hospitais existe o
espaço organizado para oferecer atendimento lúdico pedagógico educacional a crianças e
jovens hospitalizados. O HMIB se diferencia pela estrutura formalizada de Classe hospitalar,
cujas professoras são concursadas da Secretaria de Estado de Educação do DF cedidas para
atuarem nessas classes. Registra-se, porém que o atendimento pedagógico-educacional em
ambos os hospitais orienta-se pelo planejamento flexível e voltado para cada criança ou
jovem hospitalizado. A rotina varia em função do tratamento e se configura, de forma coletiva
na classe hospitalar ou individualmente com a criança e/ou o jovem enfermo, na própria
enfermaria.
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No espaço multiuso do HUB (brinquedoteca, atendimento pedagógico e sala de espera)
À época do estudo, a prática pedagógica no HUB era realizada na sala multiuso da
Pediatria que se organizava em duas alas: a Pediatria Cirúrgica, destinada às crianças com
internações curtas, para cirurgias diversas e a Pediatria Clínica, destinada às crianças com
internações mais longas para avaliação e ou acompanhamento do tratamento clinico. Ambas
as Pediatrias contavam com uma sala, lugar onde crianças e familiares se reuniam para
conversar, interagirem e se distraírem um pouco, sendo assim um espaço multiuso. Nestes
espaços tinham televisão, mesas e cadeiras, livros e revistas, brinquedos a disposição das
crianças, diversos jogos de tabuleiro, de cartas, dominós, armários para guardar estes
materiais, assim como e material escolar e dois computadores, um em cada ala da pediatria.
Na rotina no início da manhã eram realizadas as visitas dos médicos (residentes e
professores) em cada leito; após a passagem nos leitos estes se reuniam na sala multiuso para
discutirem sobre as enfermidades dos internos observados. Nessa rotina o pedagogo não era
solicitado a participar. Inteirada da rotina já descrita, o atendimento lúdico pedagógico
acontecia depois de visitar a todos os leitos para identificação das crianças e jovens
hospitalizados naquele dia, para convite à participação em atividades na sala multiuso. O
atendimento poderia ser feito em grupo na sala multiuso ou individualmente no leito de
acordo demanda dos internos, considerando sempre as condições físicas dos mesmos e por
isso a necessidade do planejamento ser flexível, com criatividade e agilidade.
Dentre as 15 intervenções realizadas a mais marcante foi a primeira, que aconteceu no
dia 07 de Abril de 2014, uma segunda feira, na Pediatria Cirúrgica onde fiz atendimento com
o Ig., 10 anos; com a J., 3 anos; e com a M., 5 anos, os três apresentavam síndrome reumática.
Após conhecer a dinâmica do hospital, fui falar com o Ig. que estava chorando.
Perguntei por que chorava e ele disse que a mãe iria brigar com ele, pois ele havia
desobedecido às ordens da irmã. Perguntei se ele já estava na escola, se gostava de estudar e,
o que ele já tinha aprendido na escola, como forma de estabelecer um contato com e tentar
motivá-lo para fazer alguma atividade na sala multiuso. Ig respondeu que gostava da escola e
perguntou o que poderia fazer no hospital. O chamei para jogar um jogo na sala e ele disse
que sim, mas precisava falar com a irmã para sair do quarto. Conversamos mais um pouco, e
ao dizer que estava estudando para ser professora, nossa relação se modificou. Ele se abriu
mais e passou a me chamar de tia. Falamos com irmã e fomos para sala. Aceitou jogar o jogo
da vida comigo e quis chamar a J. e a M. para jogarmos juntos. Aproveitei para identificar
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algumas habilidades do Ig. E estimular a sua atenção nas regras do jogo e outros elementos
que incluíam o raciocínio lógico e alguns conceitos trazidos pelo jogo.
Com J. foi assim: quando entrei na enfermaria, ela começou a chorar e dizer para a
mãe que ia doer. Falei que não iria fazer nenhum procedimento, que queria apenas conhecê-la,
saber o que ela gosta de aprender e de brincar. Apresentei o Jogo da Vida7, ela se interessou e
começamos a brincar com o jogo. Depois de 5 minutos jogando e observei que ela já não
chorava mais e realizava o jogo com desenvoltura, demonstrando curiosidade pelas partes que
não sabia como fazer.
A M. inicialmente estava no quarto, quando a convidei para ir até a sala multiuso onde
estariam outras crianças fazendo várias atividades, ela ficou curiosa e depois se juntou a nós
para participar das atividades que estávamos realizando com o jogo. Enquanto jogávamos
uma equipe de médicos foi examinar a M. Observei que ao ver os médicos se aproximarem a
J. ficou tensa; depois notei que cada vez que ela via alguém de jaleco branco dizia aos
prantos: "mamãe, vai doer!" "furar não!" "mamãe não!". O Ig. (a criança que estava na sala)
tentava acalentá-la a cada episódio . Em determinado momento, depois de termos passado um
bom tempo sem sermos interrompidos, o enfermeiro que cuidava do caso veio para fazer
exames de rotina (medir temperatura, pressão arterial, etc) e começou com o Ig. Depois com a
M.. Antes mesmo de qualquer abordagem J. ao vê-lo começou a chorar novamente.
Conversamos com ela que era necessário fazer os procedimentos médicos e que depois
continuaríamos as nossas atividades e conseguimos que ela parasse de chorar. Mostramos
para ela que os colegas não haviam chorado; ela ia concordando, mas quando chegou sua vez,
o pranto voltou seguido dos lamentos: "ta doendo!", "ta bom, mamãe!” "furar não!", "pronto
mamãe!". Evidentemente há que se considerar que alguns procedimentos são dolorosos e que
fatalmente a criança sentindo dores chorem. O importante é que ela tenha o apoio e a
explicação necessários para não se tornar uma experiência de extrema dificuldade para
compreensão da crianças, principalmente as crianças menores.
Percebi a importância que a escuta sensível tem na atuação do pedagogo hospitalar.
Articulada ao conceito de escuta pedagógica (CECCIM, 1997 apud FONTES, 2005), o
conceito de escuta sensível (BARBIER, 2002), me fez prestar atenção às manifestações de
medo do Ig., e da angústia da mãe da J. ao vê-la chorar. Por meio destas escutas, encontrei o
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Jogo de tabuleiro clássico, lançado pela Estrela por volta dos anos 1960. À época da intervenção, tive por
objetivo a socialização e interação entre as crianças, além de promover aos maiores a prática da leitura e de
cálculos matemáticos de adição e subtração, assim como contribuir para a amenização do estresse causado pela
internação.
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significado de pertinência da intervenção da pedagogia favorecendo a nossa interação, que,
compreendo contribuiu para a amenização dos comportamentos de medo, insegurança e
tristeza manifestos em cada uma das crianças que trabalhei aquele dia.
Na Classe Hospitalar do HMIB
No HMIB a prática ocorreu sempre na escolinha do hospital, como é chamada a
Classe Hospitalar pelas crianças. A classe hospitalar localiza-se na Clínica Cirúrgica do
Hospital e atende às crianças da Clínica Cirúrgica Pediátrica, que farão cirurgia, com
internações de curto, médio e longo prazo. No Posto de Enfermagem Pediatria Ala A, ficam
internadas crianças com síndromes, problemas respiratórios, doenças congênitas e doenças
mais graves. No Posto de Enfermagem Pediatria Ala B, ficam internadas crianças com
problemas renais, diabetes, convulsões, além de se tratar de uma unidade semi-intensiva e, no
Posto de Enfermagem Pediatria DIP, ficam internadas as crianças com infecções e àquelas
que precisam do isolamento. A classe hospitalar do HMIB funciona de segunda à sexta feira,
no turno matutino, sendo que nas terças e quintas-feiras abre nos dois turnos, fechando apenas
no horário do almoço.
Na classe hospitalar, a rotina se configura de uma forma diferenciada do HUB,
seguindo um padrão escolar. As professoras chegam por volta de 7h30min, se organizam,
fazem a higienização da sala com apoio da equipe de limpeza do hospital. Em seguida,
verificam quais crianças estão internadas no corredor da clínica cirúrgica. Por volta das
8h30min ou 9h da manhã, passamos nos leitos das clínicas Ala B, A e DIP.
A classe hospitalar do HMIB é uma sala que conta com diversos recursos pedagógicos
e materiais. Há na sala uma bancada com computadores para uso das crianças e um
videogame. Há ainda, uma televisão e um computador para uso das professoras da classe.
Esta possui mesas, cadeiras, sofá. Para guardar os materiais, há um armário grande e um
pequeno. Há na classe diversos brinquedos pedagógicos, jogos de quebra-cabeça, de
tabuleiro, dominós de alfabetização, jogos de videogame, filmes em DVD, materiais de
escritório, livros de histórias e didáticos, entre outros que contribuem para a atuação do
pedagogo neste espaço.
Dentre as 20 intervenções realizadas, assim como no HUB, o primeiro dia no HMIB
foi muito importante para o restante do semestre. Entretanto, a intervenção que ocorreu no dia
22 de outubro de 2014 me oportunizou a realização de uma intervenção pedagógica completa:
uma aula de matemática para a Fa., uma criança de 11 anos que se encontrava internada por
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conta de diabetes e estava aprendendo a se automedicar com os procedimentos corretos. A Fa.
iniciou bem os exercícios de matemática, que havia levado para classe; em menos de 15
minutos fez todas as contas da folha, na correção identifiquei apenas três erros nas contas com
unidades e dezenas, principalmente nas contas simples de subtração.
Tendo identificado a dificuldade, redimensionei a atividade proposta para a manhã
para atender à especificidade da criança. Perguntei-lhe qual sua maior dificuldade e ela disse
que era a divisão. Providenciei, com ajuda da professora da classe, minha supervisora, mais
exercícios que envolviam as 4 operações e, a dificuldade anteriormente percebida foi
modificada e acrescentada. Tratava-se, primordialmente, da compreensão de que a mudança
na posição dos algarismos no número altera seu valor. O que me fez buscar diferentes
estratégias para ajudá-la nesta compreensão.
Essa intervenção ficou marcada, pois foi o momento em que tive a oportunidade de
sistematizar um conhecimento e envolver criança em uma situação concreta de aprendizagem
apesar da sua enfermidade. A atenção dada à Fa. possibilitou uma intervenção eficaz que,
acredito aproximou-se da rotina da escola, e além do mais uma aprendizagem significativa
evidenciando ainda, como atesta Delors (1996), que nossa aprendizagem ocorre não apenas
no ambiente da escola, mas também muito acontece fora dela.
A Fa recebeu alta médica neste mesmo dia; nesse sentido, compreende-se que a escuta
realizada foi fundamental para a promoção de sua aprendizagem. A intervenção deste dia
sintetiza o que é necessário para o ensino. Assim como atesta Veiga (2007), o ensino exige
um planejamento e uma avaliação. No contexto hospitalar, as coisas acontecem de uma forma
mais dinâmica, portanto, há que se planejar uma atividade que tenha início, meio e fim para
realizá-la no mesmo dia, porque as crianças e jovens enfermos podem receber alta médica e
não estarem no dia seguinte para completar a atividade que começou no dia anterior. O
planejamento foi dinâmico e constante, assim como a avaliação, que ocorria em meio à
execução da atividade, mudando-a quando necessário, considerando o sujeito como o centro
do processo do ensino e aprendizagem. Evidencia-se também que o ensino, de diversas
naturezas, tais como os conceituais, procedimentais e atitudinais (ZABALA, 1998), mediado
pelos jogos, estimulam constantes situações problemas, possibilitando à criança um
aprendizado dinâmico e prazeroso através da brincadeira e do brincar no contexto hospitalar.
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Considerações Importantes
A experiência da prática pedagógica no hospital ao longo do ano de 2014 foi muito
rica. A cada intervenção e a cada conceito vivenciado maior era a minha imersão nesse
contexto. Todos os dias os sintomas indicativos do hospitalismo em cada paciente, assim
como em seus familiares, eram revelados, e por meio da escuta sensível e da escuta
pedagógica foi possível estabelecer uma relação de apoio com as crianças e seus
acompanhantes.
Considerando-se os referenciais teóricos estudados sobre a classe hospitalar,
constatou-se a importância do pedagogo neste ambiente, que por vezes é considerado tão
hostil às crianças hospitalizadas. Como bem tratado por Ceccim (1999 apud ORTIZ;
FREITAS, 2005, p. 47), para a criança hospitalizada o “[...] estudar emerge como um bem da
criança sadia e um bem que ela pode resgatar para si mesma como um vetor de saúde no
engendramento da vida, mesmo em face do adoecimento e da hospitalização”. Nesse sentido,
a realização de atividades lúdico-pedagógicas dentro do hospital, em qualquer circunstância,
pode resgatar na criança a sua autoestima, e a compreensão de que como criança ela pode se
enfermar, mas pode também continuar aprendendo e se desenvolvendo no hospital, e que esse
atendimento pedagógico-educacional ofertado pelos hospitais favorecem possibilidades muito
concretas para que no seu retorno do hospital, ela se integre à escola e à sua rotina de vida.
Reflete-se, a partir de Veiga (2007) que ao ensinar, o professor deve ter em mente o
sujeito que irá aprender, não apenas como receptor de um saber, como um sujeito passivo,
mas sim como um sujeito ativo que transforma o que recebe e assimila aquilo que lhe é
significativo. A comunicação será condição primordial para a concretização desses processos,
assim como a escuta sensível e pedagógica, que possibilitarão ao professor conhecer a criança
e o jovem, a fim de proporcionar a ele situações que lhe sejam prazerosas para que ele se sinta
motivado a aprender mais e mais, em qualquer contexto.
Por fim, observou-se que a integração do trabalho da classe hospitalar com a equipe
multidisciplinar promove um melhor relacionamento entre os profissionais envolvidos e,
favorece um maior conhecimento acerca da criança hospitalizada, que certamente repercutirá
no sucesso do seu tratamento e contribuirá também para o sucesso dos processos de ensino e
aprendizagem dentro do hospital. A experiência relatada foi de suma relevância para minha
formação. No ambiente hospitalar pude colocar em prática o que estudava nas disciplinas
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cursadas até o momento, além de me proporcionar reflexões aprofundadas acerca da
importância do trabalho do pedagogo no contexto do hospital.
REFERÊNCIAS
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a criança enferma: o ensino e a aprendizagem no hospital