Programas de Renda Mínima e Bolsa-Escola
Panorama Atual e Perspectivas
(*)
Carlos Amaral e Silvia Ramos
Os programas de renda mínima e bolsa-escola constituem-se sem dúvida em um dos
fenômenos mais significativos surgidos recentemente no cenário das políticas sociais
no Brasil. Iniciados em 1995, a partir das experiências pioneiras de Brasília e
Campinas, es tes programas vêm se multiplicando nos últimos anos, sendo
implementados atualmente por diversos municípios e estados. No plano nacional, a
renda mínima tem se firmado como um tema central da agenda social, conforme ficou
evidenciado nas últimas eleições presidenciais, onde a adoção de alguma modalidade
de política nessa área foi defendida pelos três principais candidatos.
O presente artigo insere-se no trabalho que vem sendo desenvolvido desde 1996 pelo
NAPP, em colaboração com o UNICEF, em torno dos programas de renda mínima e
bolsa-escola1 . O texto está dividido em duas partes básicas. A primeira contém os
principais resultados de uma pesquisa de abrangência nacional realizada junto a
diversos governos municipais e estaduais no segundo semestre de 1998. Através
dessa pesquisa foram identificadas 24 experiências localizadas de renda mínima e
bolsa-escola e foram levantadas informações acerca do desenho, da implementação e
do desenvolvimento desses programas 2 . A segunda parte aborda as duas vertentes de
atuação do governo federal no âmbito da renda mínima: o PETI (Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil) e o recém criado PGRM (Programa de Garantia de
Renda Mínima), cuja implementação foi iniciada esse ano.
(*)
Artigo publicado na revista Interface nº1, de julho de 1999.
1
Os resultados anterirores desse trabalho estão expressos em Amaral, C. et alli. Programas de
Renda Mínima e Bolsa-Escola: Concepção, Gestão e Financiamento. NAPP / UNICEF, Rio de
Janeiro, 1997.
2
As informações coletadas foram registradas em um base de dados informatizada, que deverá
ser atualizada peri odicamente. Um resumo das informações contidas nessa base de dados pode
Programas Municipais e Estaduais
Informações Gerais
Uma das principais tendências observadas na pesquisa refere-se à disseminação dos
programas de renda mínima e bolsa-escola em diversos pontos do Brasil. Os
programas identificados distribuem -se por 13 unidades da federação e por todas as
regiões do país. Os municípios de São Paulo continuam, no entanto, mantendo uma
clara posição de destaque, sendo responsáveis por 11 das 24 experiências
identificadas.
De um modo geral, o surgimento de novas experiências tem se mantido em um ritmo
constante nos últimos três anos. Dos 24 programas identificados, três foram iniciados
em 1995, seis em 1996, oito em 1997 e sete em 1998 (Quadro 1).
A gestão financeira e administrativa dos programas é municipal, exceto em quatro
casos: os programas do Amapá, Tocantins e Amazonas 3 são desenvolvidos sob
responsabilidade do governo estadual, e no caso de Brasília, do governo do Distrito
Federal. Na maioria das vezes as iniciativas foram criadas através de leis (municipais
ou estaduais) e são regulamentadas por decretos -lei. Há algumas experiências criadas
apenas por dec retos -lei e uma através de portaria do executivo.
Os principais traços comuns a todos os programas -- ao lado da percepção de que a
população beneficiada é melhor assistida através da concessão direta de benefício
monetário, no lugar de formas tradicionais de assistência -- são o enfoque familiar e a
vinculação com a educação infantil. Como será visto a seguir, esses traços
expressam -se tanto na definição do público alvo quanto no desenho dos instrumentos
de apoio.
Critérios e Instrumentos de Seleção dos Beneficiários
O primeiro critério comum de elegibilidade para os programas diz respeito ao limite de
renda das famílias candidatas à participação. A maioria dos programas adota um
critério de renda familiar per capita, em geral de 1/2 ou 1/3 do salário mínimo e
algumas vezes de outro percentual do salário mínimo. Alguns usam equivalência em
ser acessada via Internet no site GERAÇÃO (http://www.geracao.org.br), mantido pelo NAPP e
pela FASE com o apoio do UNICEF.
3
O programa do estado do Amazonas concede benefício na forma monetária em Manaus e cesta
básica em outros municípios do estado. Os dados apresentados neste artigo referem -se apenas
ao programa desenvolvido em Manaus.
UFIR e outros, ainda, valores em reais 4. Vários programas combinam o limite de renda
familiar per capita com o limite da renda familiar global. Apenas tres programas
(Tocantins, Ribeirão Preto e Catanduva) usam exclusivamente o limite de renda
familiar (Quadro 2). De uma forma geral, a fixação do limite de renda reproduz o
critério adotado por outras experiências ou decorre de uma escolha arbitrária dos
autores da legislação, não tendo sido identificado nenhum caso no qual esse limite
tivesse por base um estudo científico sobre a linha de pobreza absoluta na área de
abrangência do programa.
Outro critério frequente é a exigência de um tempo mínimo de residência no município
(apenas os programas do Amazonas, Tocantins e Porto Alegre não contemplam essa
exigência). Essa delimitação da população alvo procura assegurar aos municípios que
nenhum efeito migratório será resultante do anúncio da implantação do programa. O
número de anos exigido varia de um a cinco, sendo que alguns programas,
propositalmente ou não, congelaram a população alvo, exigindo residência em anos
anteriores à data de publicação da lei 5.
A existência de filhos menores de idade (normalmente nas faixas etárias de 0 a 14 ou 7
a 14 anos) constitui-se em outro critério básico para o recorte da população alvo. A
única exceção a esta regra é o prrograma de Jundiaí, que atende também a famílias
sem filhos 6 .
Além dos critérios de elegibilidade, diversas legislações estabelecem situações
prioritárias de atendimento pelos programas Essas prioridades normalmente são
consideradas na seleção final dos beneficários, nos casos frequentes em que a
capacidade de atendimento do programa é insuficiente para o atendimento da clientela
potencial. Os critérios de priorização mais frequentemente adotados relacionam-se
com a existência de crianças e adolescentes em situações de risco ou estado de
4
No caso de programas cujos limites de renda familiar ou familiar per capita ficaram definidos em
reais (e não em salários mínimos ou outro indexador), há uma tendência desse limite tornar-se
pequeno demais com o tempo e, portanto, de passar a excluir famílias muito necessitadas, mas
cuja renda encontra-se, hoje, acima do previsto na época em que o programa foi criado.
5
Tomada ao pé da letra, essa exigência levaria a uma progressiva redução do contingente de
beneficiários potenciais, até a sua completa extinção no espaço de algumas décadas. A esse
propósito, o programa de Cam pinas estuda mudança nesse item da legislação, pois já registra
famílias necessitadas, moradoras no município há muito tempo e impedidas de serem
beneficiadas.
6
O programa de Jundiaí destaca-se das demais experiências não só no que se refere ao recorte
do público alvo, mas também por ser o único que vincula a concessão do benefício à participação
de um membro da família em uma atividade produtiva (em oficinas comunitárias mantidas por
associações locais)
desnutrição (20 programas), portadores de deficiências físicas (13 programas) e
situações de trabalho infantil (12 programas).
Todos os programas usam sistemas de formulários e documentos de comprovação
de dados para inscrever famílias e auxiliar a seleção de beneficiários. A maioria dos
programas (16) realiza entrevistas individuais com os solicitantes no momento do
preenchimento de documentos, enquanto que 6 experências usam sistemas de
reuniões coletivas com os solicitantes. Além disso, 22 programas usam o recurso da
visita domiciliar para complementar ou averiguar os dados declarados nos formulários,
sendo que 6 programas visitam 100% das famílias pré-selecionadas e os demais
visitam um percentual que varia de 8% a 40%.
Em relação à avaliação das condições socioeconômicas dos beneficiários, tem se
disseminado o uso do “sistema de pontuação”, desenvolvido inicialmente pelo
programa de Brasília. Neste sistema são contabilizados, entre outros, dados sobre
condições de moradia, bens de consumo duráveis, bens patrimoniais, instrução e
inserção profissional dos requerentes. O uso desse instrumento permite uma
avaliação bem mais realista e abrangente da situação socioeconômica das famílias do
que a simples informação sobre a renda familiar (de difícil verificação, dada a alta
incidência de ocupações informais e temporárias). Sete programas utilizam alguma
modalidade de sistema de pontuação no processo de seleção dos beneficiários (em
geral, o modelo de Brasília com adaptações à realidade local).
Valor e Duração do Benefício
A fixação do valor do benefício segue, na maioria dos programas, um dos seguintes
modelo básicos: i) valor fixo, igual para todas as famílias independente da renda e do
número de filhos ii) valor variável, complementar à renda familiar total ou à renda familiar
per capita. Nesse caso, o valor pode corresponder à diferença integral entre a renda
existente e a renda limite para participar no programa ou corresponder a uma parte da
diferença.
Os programas de Santos, Recife, Catanduva e Jundiaí adotam uma alternativa
intermediária entre esses dois modelos, estabel ecendo um valor mínimo por família e
um acréscimo de acordo com o número de filhos (Quadro 3).
Em um número expressivo de programas, o valor (ou valor médio) do benefício situase numa faixa próxima a um salário mínimo. Experiências recentes em municípios de
pequeno porte, bem como os programas estaduais de Amazonas e Tocantins, operam
no entanto com valores significativamente abaixo do mínimo.
A existências de valores bastante distintos mesmo em regiões onde a população alvo
possa ter necessidades semelhantes de renda mínima para subsistir parece estar
mais ligada à possibilidade e intenção de dispêndio por parte das administrações do
que por levantamentos sobre a renda mínima efetivamente necessária à subsistência.
Deve-se notar, porém, que os benefícios representam um incremento significativo na
renda das famílias e que mesmo os valores mais baixos situam -se acima do previsto
no programa de renda mínima do Governo Federal (que será abordado no próximo
capítulo).
A maioria dos programas concede benefícios por um prazo inicial, em geral de 12
meses 7. As exceções são Brasília e Amapá, que os concedem pelo prazo de 24
meses, Santo André e Porto Alegre (6 meses) e Santos (4 meses). A política de
renovações das concessões após esse prazo inicial, no entanto, varia em cada
experiência. 11 programas não estabelecem limites para as renovações, significando
que as concessões podem , teoricamente, ser mantidas por seguidos períodos de 12
meses. 9 programas renovam a concessão por apenas mais um período (em geral de
12 meses, sendo que em Ribeirão Preto e Porto Alegre a renovação é concedida por
no máximo mais 6 meses). O único programa que não prevê renovações é o de
Jundiaí, que concede o auxílio por um ano, tempo após o qual o beneficiário passa a
compor cooperativas de trabalho, sem recebimento de auxílio monetário.
Contrapartidas dos Beneficiários
Em todos os programas, a concessão do benefício está vinculada a contrapartidas dos
beneficiários, normalmente relacionadas em um “termo de compromisso” firmado por
um membro adulto da família.
A ênfase no atendimento à infância é evidenciada pela contrapartida mais freqüente, a
exigência de matrícula escolar dos filhos em idade de escolarização obrigatória. Essa
contrapartida é normalmente acompanhada da exigência de uma frequência mínima de
90% ou 80%, controlada através de atestados de frequência escolar apresentados
pelos pais ou de informações recebidas das próprias escolas.
Além da exigência da escolarização, comum a todas as experiências pesquisadas,
alguns programas incluem outras contrapartidas relacionadas com a situação dos
filhos menores de idade. Entre estas destacam-se a proibição de trabalho para os
filhos com até 14 anos (adotada por 12 programas) e a participação regular das
7
O programa de Amazonas informa não ter prazo de concessão. O benefício é concedido até que
os filhos completem a faixa etária prevista.
crianças em atividades extra-escolares (recreativas e culturais), prevista em cinco
casos.
Em relação aos membros adultos das famílias, a contrapartida mais frequente
consiste na participação em encontros e reuniões, organizadas por 14 programas. A
frequência e o caráter dessas reuniões apresentam variações significativas, de acordo
com o programa. Em alguns casos, esses encontros possuem caráter esporádico e
se articulam em torno de palestras e exposições. Já nos programas que adotam o
modelo do grupo sócio-educativo (implantado inicialmente por Campinas) as reuniões
têm uma periodicidade fixa (em geral mensal) e constituem-se em um elemento
central da estratégia seguida.
Outras contrapartidas frequentemente exigidas dos adultos beneficiados referem -se à
participação de analfabetos em cursos de alfabetização (exigida por 5 programas) e a
iniciativas de melhoria da renda familiar (via inscrição em serviços de intermediação de
emprego e/ou participação em cursos de formação profissional e em projetos de
geração de renda).
Serviços Complementares
A oferta de serviços complementares ao auxílio monetário mensal é uma constante
nos programas pesquisados. De form a geral, esses serviços buscam acelerar o
processo de rompimento do contexto de indigência em que se encontram os
beneficiários quando chegam aos programas.
Os serviços complementares mais freqüentemente oferecidos podem ser divididos em
quatro modalidades:
Assistência familiar. A assistência familiar, realizada por 18 programas, é uma das
modalidades mais frequentes de serviço complementar. Na maioria dos casos, a
assistência familiar tem um caráter coletivo e é realizado no espaço dos grupos sócioeducativos (ou similares). A assistência familiar individual é menos frequente e
geralmente limitada a situações familiares especialmente problemáticas (normalmente
associada a fatores como drogas, alcoolismo, violência doméstica, etc).
Atendimento à infância.
O acesso a creches é uma modalidade de serviço
complementar oferecido por 12 programas. A demanda por creches para famílias onde
a mãe precisa trabalhar e em geral tem vários filhos pequenos, no entanto, costuma
ser muito maior que a capacidade de oferta existente nos municípios. Um único
programa (Belém) relatou um esforço bem sucedido de atendimento de todas as
famílias necessitadas desse serviço. Ainda na área de atendimento à infância, 12
programas oferecem a
possibilidade de participação em atividades recreativas e
culturais, organizadas em geral em centros de lazer comunitários.
Incremento de renda. Um grande número de projetos oferece serviços voltados para a
melhoria da renda das famílias beneficiadas, envolvendo em geral uma das seguintes
atividades: i) formação ou requalificação profissional (16 programas), normalmente
através de cursos oferecidos pelas secretarias municipais ou, com menor frequência,
por programas estaduais e federais; ii) intermediação de empregos (12 programas),
em geral através de encaminhamento ao SINE ou ao Balcão de Empregos do
município: iii) apoio a pequenos empreendimentos (8 programas), através
de
encaminhamento a programas federais e, em dois casos, a instituições locais de
microcrédito. Como pré-requisito para o acesso a estes serviços e, de forma mais
ampla ao mundo do trabalho, 12 programas oferecem cursos de alfalbetização para os
adultos analfabetos.
Encaminhamento a outros serviços públicos . A situação de exclusão social, na qual se
encontra o público alvo dos programas de renda mínima, dificulta ou mesmo inviabiliza
o acesso a serviços sociais básicos. Diversos programas buscam minimizar esse
problema através de intermediações e encaminhamentos a serviços públicos. Além
das gestões visando a facilitar o ingresso das crianças não matriculadas na rede
escolar (uma constante nas experiências que seguem o modelo Bolsa-Escola), 19
programas realizam encaminhamentos aos serviços públicos de saúde e 18 procuram
facilitar (através de encaminhamentos e outras formas) a obtenção de documentação
básica (carteira de identidade, trabalho, etc).
Apesar da vasta gama de serviços mobilizada pelos programas de renda mínima e
bolsa-escola em todo o país, na maioria ainda predomina a ausência de articulação
ordenada de ofertas.. Essa constatação é particularmente grave na área das ações
voltadas para o incremento permanente da renda familiar (através de capacitação,
créditos e outros). A maioria dos programas carece, nessa área, de planejamento,
acompanhamento e conhecimento especializado sobre o assunto.
Outro aspecto importante refere-se às parcerias institucionais criadas para
implementação desses serviços. Como norma predominante essas parcerias têm um
caráter intragovernamental, envolvendo secretarias e outros órgãos da estrutura
governamental executora do programa. Em muitas experiências, a preocupação com a
infância é expressa em parcerias com Conselhos Tutelares, Juizados de Menores e
outros órgãos de proteção a crianças e adolescentes.
Uma ausência constatada na maioria dos casos refere-se à participação das
organizações da sociedade civil. Apesar de se constituir em um objetivo de diversos
programas, o envolvimento permanente dessas organizações na oferta de serviços
complementares raramente chegou a ser concretizada, o que certamente tem
contribuído para limitar o alcance e a eficácia desses serviços.
Número de Beneficiários
O contingente de familias beneficiadas pelos programas de renda mínima e bolsaescola apresenta variações significativas, decorrentes não só da dimensão
diferenciada dos seus públicos alvo potenciais, como também do estágio de
desenvolvimento de cada experiência. Os maiores números de famílias beneficiadas
são encontrados em 3 programas estaduais 8 (Amazonas, Tocantins e Brasília),
enquanto que os menores correspondem aos programas municipais de Presidente
Bernardes, Mundo Novo e Santos, todos eles iniciados no último ano 9 (Quadro 4).
A série anual de atendimento de beneficiários indica que a dinâmica de
desenvolvimento dos programas após o primeiro ano de implantação é bastante
variável, existindo, junto à tendência predominante de expansão do número de
beneficiários, diversos casos em que esse número se estabilizou ou diminuiu em
relação a anos anteriores.
Deve-se considerar a diversidade de elementos em jogo para entender que
mecanismos podem assegurar a expansão e a consolidação dos programas de renda
mínima e bolsa-escola. Entre eles, um dos mais cruciais para o desempenho dos
primeiros anos parece ser o grau de prioridade conferido ao programa pelos
respectivos governos. Nesse contexto, as mudanças de gestão (de prefeitos e
governadores), tendem a tornar-se um ponto de inflexão decisivo para a vida das
experiências 1 0 .
8
Os números referentes a Amazonas e Tocantins devem ser relativizados, tanto pelo valor do
benefício quanto pelos dispositivos de controle, que parecem ser mais frágeis do que nos demais
programas.
9
Santos havia implantado um programa em 1996, que foi interrompido em 1997. A atual gestão
do programa considera que a experiência hoje em desenvolvimento teve início em 1998.
10
A importância desse fator é evidente, por exemplo, nos casos de Ribeirão Preto e Campinas,
onde a tendência à expansão do programa foi interrompida (e mais tarde invertida), após a
mudança de governo ocorrida em janeiro de 1997.
Ainda assim, é inegável que os programas de renda mínima e bolsa-escola vêm
apresentando um grau de continuidade elevado para os padrões da administração
pública brasileira. Em particular, destaca-se o fato de que, de todos os programas
iniciados a partir de 1995, apenas 3 (Salvador, Mococa e Boa Vista) tiveram suas
atividades interrompidas em caráter definitivo. Mais do que a pressão política direta por
parte dos beneficiários efetivos e potenciais, contribui para isso a imagem dos
programas u
j nto à opinião pública. Especialmente no caso das experiências mais
antigas, é perceptível a tendência de que os programas deixem de ser associados a
uma administração específica e incorporem-se de forma permanente à cultura política
local.
Apenas quatro programas conhecem o número potencial de beneficiários (ou seja, o
tamanho da população alvo, estimado através de levantamento estatístico, inferido a
partir do recorte de renda e da faixa etária dos filhos). Dezoito programas informaram
contarem com beneficiários cadastrados e ainda não atendidos. A existência dessa
demanda reprimida tem levado alguns programas a acelerar o processo de
desligamento dos beneficiários, de forma a permitir a abertura de novas vagas.
No decorrer do último ano, as experiências mais antigas (Brasilia e Campinas)
ampliaram consideravelmente o número de desligamentos, que até então se
mantinham em patamares bastante reduzidos. O percentual de desligamentos no
decorrer do ano correspondeu a 30% do total de beneficiários, em Brasíla, e a mais da
metade desse total em Campinas.
De acordo com as informações prestadas por ambos os programas, a maioria desses
desligamentos deveu-se à melhoria das condições socioeconômicas das famílas
desligadas. Trata-se sem dúvida de uma informação surpreendente, principalmente se
considerarmos a baixa eficácia (até o momento) das ações voltadas para o incremento
da renda familiar em bases sustentáveis. Parece provável portanto que, mais do que
esse fator, o aumento do número de desligamentos expresse uma intenção da gestão
dos programas, em reduzir o prazo de concessão do benefício1 1.
De qualquer forma, é importante ter claro a natureza contraditória das demandas a que
encontram -se submetidos os programas atualmente: por um lado estender o prazo de
concessão pelo tempo necessário para que sejam geradas condições de
autonomização das famílias e, por outro, abrir vagas que permitam a incorporação de
11
Essa intenção fica evidente, no caso de Brasília, pela utilização, para famílias já beneficiadas
pelo programa, de um sistema de pontuação mais restritivo do que o usado na seleção inicial.
novos beneficiários. Trata-se de um conflito dificilmente superável no quadro atual e
que, na grande maioria dos casos, somente poderá ser resolvido a partir de um
redimensionamento dos recursos financeiros à disposição dos programas.
Gestão e Financiamento dos Programas
O quadro permanente de pessoal das experiências analisadas compõe-se
normalmente de um coordenador ou secretário executivo, uma equipe técnica
(formada em geral por assistentes sociais, pedagogos e psicólogos) e pessoal
administrativo e de apoio.
Há uma tendência de equipes de programas do tipo bolsa-escola serem menores do
que as equipes de programas do tipo renda mínima, já que esses programas valem-se
e m grande medida de estruturas e pessoal já existente na rede de ensino. Nos
programas que seguem o modelo de renda mínima desenvolvido por Campinas, as
atividades de acompanhamento familiar demandam um número maior de técnicos.
Além da equipe permanente, diversas experiências utilizam-se de serviços temporários
de terceiros (principalmente estagiários) durante os processos de (re)cadastramento e
seleção dos beneficiários.
A quase totalidade dos programas tem como única fonte de financiamento os recursos
advindos do orçamento (municipal ou estadual). As exceções ficam por conta dos
programas de Presidente Prudente (que recebe recursos do IAFAM, órgão do governo
do estado de São Paulo) e Porto Alegre (que, além de contar com o apoio financeiro do
UNICEF, utiliza recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente).
O limite legal de gastos com as transferências finaceiras para os beneficiários varia
entre 1% e 3% do orçamento (ou das despesas correntes) do município ou do estado.
Embora esse percentual seja quase sempre insuficiente para o atendimento da
clientela potencial, o montante efetivamente dispendido situa-se na maioria dos casos
bem abaixo desse limite.
A apuração dos custos administrativos dos programas é dificultada pela inexistência de
controles internos que permitissem discriminar esses custos do conjunto das
despesas administrativas do órgão executor. Estimativas realizadas por alguns
programas indicam que esses custos tendem a situar-se consideravelmente acima do
limite de 4% das despesas totais, estabelecido na legislação que criou o programa de
renda mínima do governo federal.
Relações Institucionais e Suportes Externos
No âmbito das relações interprogramas, um papel de destaque vem sendo assumido
pelas experiências de Brasilia e Campinas. Além de terem influenciado a criação da
maioria dos programas surgidos a partir de 1996, os programas de Brasilia e
Campinas têm buscado colaborar (através de assessorias pontuais, troca de materiais
e visitas) para o desenvolvimento das experiências que seguem os seus respectivos
modelos.
No plano regional, esse papel de “programa modelo” tende a ser incorporado por
outras experiências. É o caso, por exemplo, de Belém que vem se firmando como
referência para outras iniciativas (em andamento ou gestação) na Região Norte.
Em todos os casos, no entanto, as relações entre os programas limitam -se a contatos
bilaterais (além de esporádicos), inexistindo mecanismos ou instâncias que viabilizem
o estabelecimento de uma relação plurinstitucional e o intercâmbio sistemático de
experiências e metodologias 1 2.
Em relação a outros suportes técnicos, 3 programas (Belo Horizonte, Ribeirão Preto e
Santo André) contam com assessorias permanentes de instituições científicas e
acadêmicas, enquanto que 6 esperiências (Brasília, Campinas, Belo Horizonte,
Jundiaí, Vitória e Amapá) foram objeto de avaliações externas, realizadas por institutos
de pesquisa, universidades e agências internacionais.
É importante observar que problemas permanentes, repetitivos ou crônicos,
encontrados na maioria das experiências, só podem ser solucionados pela análise,
discussão e avaliação, realizada através de intercâmbios organizados ou com
entidades especializadas em avaliar aspectos críticos dos programas. Nesse sentido,
o uso desses recursos parece ser ainda tímido, diante das necessidades registradas.
Programas do Governo Federal
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI )1 3
12
Uma exceção, ainda que pontual, nesse panorama foi o seminário internacional realizado em
agosto de 1998. Este seminário, organizado por iniciativa do GDF, reuniu representantes de
diversos programas de renda mínima e bolsa-escola, além de estudiosos nacionais e
estrangeiros, constituindo-se num momento privilegiado de troca de idéias e experiências.
13
As ações institucionais de prevenção e erradicação do trabalho infantil (entre as quais o PETI
assume uma especial relevância) são objeto atualmente de um amplo estudo, conduzido pelo
NAPP com o apoio do UNICEF. Os resultados desse estudo serão apresentados em uma
publicação futura. Por esse motivo, o presente artigo limita-se a apresentar uma visão geral do
programa, sem aprofundar aspectos relativos à sua gestão, resultados e impactos.
O PETI é um programa do governo federal, coordenado pela Secretaria de Assistência
Social (órgão vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social).
O objetivo central do programa é a redução do trabalho infantil e o incremento da
escolaridade de crianças de famílias de baixa renda. Além disso, o programa busca
conscientizar a sociedade sobre o problema do trabalho infantil, criar e fortalecer
estruturas de proteção a crianças e adolescentes e favorecer a integração social das
famílias envolvidas.
O público alvo do programa é formado por famílias com renda per capita até 0,5 salário
mínimo e com filhos na faixa etária entre 7 e 14 anos. Embora direcionado inicialmente
a famílias cujos filhos já estivessem exercendo uma atividade laboral, o PETI tem
assumido em diversos casos um caráter preventivo, buscando impedir a
disseminação do trabalho infantil junto a famílias de baixa renda.
A estratégia de ação adotada envolve, como elemento central, a concessão de um
auxílio financeiro às famílias, condicionado à matrícula e frequência regular à escola de
todos os filhos e dependentes em idade escolar e à observância da proibição de
trabalho infantil. O valor desse auxílio varia de acordo com a região, podendo
corresponder no máximo a R$ 50,00 por criança e R$ 150,00 por família. O programa
concede ainda um subsídio aos municípios participantes (no valor de R$ 25,00 por
criança) para financiar uma jornada suplementar, na qual são realizadas atividades
recreativas, culturais e de reforço escolar.
Outras atividades previstas no programa referem-se à elevação da qualidade do ensino
fundamental (através da capacitação de professores e aquisição de material e
equipamentos escolares) e à melhoria das condições de vida das famílias (através de
ações sócio-educativas e do apoio à geração de renda familiar). O grau de
implementação efetiva dessas atividades tende a variar significativamente nas diversas
áreas de atuação do PETI.
A operacionalização do programa ocorre de forma descentralizada, a partir de
convênios entre o governo federal e os governos estaduais e municipais. Um prérequisito básico para a implantação do programa, em cada estado, é a elaboração de
um Programa de Ações Integradas (PAI), no qual deve estar previsto o conjunto de
atividades a serem desenvolvi das, visando à prevenção e erradicação do trabalho
infantil no estado.
Um elemento chave do desenho programático do PETI relaciona-se com a busca da
convergência e complementaridade das ações de diferentes instituições. Dessa forma,
a implementação do programa envolve a construção de uma ampla rede de parcerias,
com a participação de agentes governamentais (dos três níveis de governo), entidades
da sociedade civil (sindicatos, fundações e associações empresariais, entidades
educacionais, etc), organimos de proteção à infância (como os Conselhos Tutelares e
de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e agências internacionais (OIT e
UNICEF).
O PETI foi iniciado em 1996 com uma experiencia piloto na região das carvoarias do
Mato Grosso do Sul, na qual, de acordo com um levantamento realizado no ano
anterior, existiam 2.000 crianças trabalhando. A partir de 1997, o programa vem sendo
expandido para outras áreas, como a zona canavieira de Pernambuco e a região do
sisal na Bahia.. Como norma geral, o PETI tem priorizado a atuação no meio rural, em
áreas com alta incidência de trabalho infantil.
No final de 1998, o PETI estava implantado em 7 estados (Pernambuco, Bahia,
Paraíba, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Rio de Janeiro e Rondônia) e 140 municípios,
atendendo a 117.200 crianças e adolescentes. Para 1999, as metas prevêem o
atendimento a 124 mil crianças e adolescentes e a implantação do programa no
estado do Maranhão. Está previsto também para este ano a realização de uma
pesquisa amostral sobre a situação do trabalho infantil no Brasil e a apresentação de
um projeto junto ao Banco Mundial, visando a ampliar as fontes de financiamento do
programa.
Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM)
O PGRM é um programa do governo federal, desenvolvido pelo Ministério da
Educação.
O programa tem sua origem na lei n° 9.533, aprovada pelo Congresso Nacional e
sancionada pelo Presidente da Republica em dezembro de 1997. A lei autoriza, o
governo federal a conceder apoio financeiro a municípios 1 4 que desenvolvam
programas de renda mínima vinculados à educação. A contribuição financeira da União
equivale a 50% dos custos totais do programa e destina-se ao pagamento das
transferências monetárias às famílias, com exceção de uma parcela de 4%, que pode
ser utilizada na cobertura de despesas administrativas.
14
A lei não prevê o apoio a programas de renda mínima executados diretamente por governos
estaduais. Está prevista no entanto a possibilidade de que os estados complementem com
recursos próprios o montante correspondente à contrapartida financeira dos municípios.
O apoio financeiro do governo federal pode ser concedido apenas aos municípios cuja
renda per capita e a receita corrente per capita estejam abaixo da respectiva média
estadual1 5. A lei prevê uma implantação gradativa do programa, por um período de 5
anos, com a incorporação a cada ano de 20% dos municípios elegíveis, em ordem
inversa à sua renda per capita.
Independente do recorte do público alvo de cada programa, a lei estabelece que os
recursos aportados pela União denerão ser destinados a famílias com renda per capita
até 0,5 salário mínimo e que possuam filhos ou dependentes menores de 14 anos 1 6. A
concessão do benefício está condicionada à matrícula e frequência regular à escola
dos filhos e dependentes com idade entre 7 e 14 anos.
O PGRM é operacionalizado através de convênios entre o governo federal e os
municípios. O estabelecimento desses convênios pressupõe um série de passos
anteriores por parte dos municípios, entre os quais a aprovação pela Câmara Municipal
de uma lei instituindo e regulamentando o programa no município, o levantamento do
número de beneficiários e dos custos do programa, consignação no orçamento
municipal dos recursos correspondentes à contrapartida do município e a criação de
um conselho com participacão da sociedade civil, para o acompanhamento da
execução do programa (ou delegação dessa tarefa a um conselho já existente).
Apesar de lançado oficialmente em agosto de 1998, o PGRM só começou a ser
implantado em 1999. Em abril deste ano, foram firmados os primeiros convênios,
contemplando 106 municípios de 20 estados. De acordo com a lei, o PGRM deveria
atender em 1999 a até 1.344 municípios (40% do total de municípios elegíveis). Isso,
no entanto, só será possível, caso haja uma suplementação orçamentária, uma vez
que os recursos atualmente disponíveis correspondem a apenas 1/3 do montante
necessário para o atingimento dessa meta1 7.
15
Segundo levantamento realizado pelo IPEA, com base no Censo de 1991, 3.360 municípios
estariam enquadrados nessas condições.
16
Esse recorte da faixa etária dos filhos não vem no entanto sendo observado na implementação
do PGRM. Em uma decisão que contraria claramente o disposto na lei, foram excluídas do
universo dos potenciais beneficiários do programa as famílias que tenham filhos exclusivamente
na faixa de 0 a 6 anos (ver “Ofício Circular Nº 108 GM/MEC” de 4/2/1999).
17
A proposta inicial de Orçamento da União para 1999 previa a alocação de R$ 320 milhões para
o PGRM. Com as medidas de ajuste fiscal, esse montante foi reduzido para R$ 54 milhões.
Durante a tramitação da proposta orçamentária no Congresso, a dotação orçamentária do PGRM
foi elevada para o seu valor atual de R$ 100 milhões. No entanto, de acordo com as estimativas
do próprio governo federal, a implantaç ão do PGRM, na escala prevista em lei, envolve um custo
total em 1999 de R$ 600 milhões, dos quais R$ 300 milhões a cargo da União.
A existência de um programa federal de suporte às iniciativas municipais no campo da
renda mínima significa sem dúvida um importante passo para a disseminação dessas
iniciativas e, mais amplamente, para o estabelecimento de uma política nacional nessa
área. No entanto, o desenho atual do PGRM apresenta diversos aspectos
problemáticos, que tendem a influenciar negativamente o desenvolvimento do
programa, em relação à sua eficácia e operacionalidade.
O primeiro desses aspectos relaciona-se com o valor e a forma de cálculo do
benefício a ser pago às famílias. De acordo com a lei, o valor do benefício deve ser
calculado através da fórmula [Valor do Benefício = R$ 15,00 X (n.de crianças por
família) - 0,5 X (renda per capita)]. Como a aplicação dessa fórmula pode resultar em
alguns casos em valores nulos ou negativos, foi fixado o piso mínimo de R$ 15,00 para
o valor do benefício. No entanto, apenas metade desse valor (correspondente à parte
da União) deve ser necessitariamente repassado em dinheiro às famílias, uma vez que
a contrapartida do município pode ser prestada na forma de ações sócio-educativas
(definidas como atividades pedagógicas, esportivas ou de apoio nutricional). Isso
significa, na prática, que o valor mínimo do benefício monetário é de apenas R$ 7,50
por família. Trata-se evidentemente de um valor irrisório, incapaz de propiciar uma
melhoria no padrão de vida, mesmo no caso das famílias mais carentes.
Os problemas relacionados com a fórmula de cálculo do benefício adotada pelo PGRM
não se limitam contudo à questão do valor mínimo. Conforme mostra a simulação
apresentada em anexo, a aplicação dessa fórmula produz, em quase todos os casos,
valores significativamente inferiores a de outras iniciativas de complementação de
renda familiar (Quadro 5). Cabe observar que a concessão de valores muito abaixo do
necessário à superação da pobreza absoluta, além de descaracterizar o próprio
conceito de “renda mínima”, limita seriamente os efeitos estratégicos dessas
iniciativas, em particular no que se refere à geração, por parte dos beneficiados, de
novas formas de percepção e comportamento social.
Um segundo aspecto problemático, refere-se à determinação de um percentual fixo
(50%) para a contribuição financeira da União. Essa modalidade de financiamento
desconsidera as enormes disparidades (de caráter sobretudo interregional) na
capacidade financeira e na situação socioeconômica dos municípios. Estimativas
realizadas pelo NAPP indicam que a relação entre os custos de um programas renda
mínima e a receita corrente municipal apresenta variações significativas, conforme o
estado e a região 1 8. Trata-se de um fenômeno facilmente explicável, uma vez que os
municipios situados nas regiões mais pobres, tendem a possuir, por um lado, uma
menor capacidade financeira e, por outro, um maior percentual da população em
situação de pobreza absoluta (o que significa um custo potencialmente maior para um
programa de renda mínima). Desta forma, ao estabelecer um percentual fixo para a
contribuição financeira do governo federal (ao invés de percentuais variáveis de acordo
com a capacidade financeira e o custo potencial do programa em cada município), o
PGRM penaliza os municípios mais pobres (especialmente os localizados no
Nordeste), que não terão condição de apresentar a contrapartida exigida (e dessa
forma não poderão participar do programa) ou que, na melhor das hipóteses, terão que
reduzir substancialmente o número de beneficiários, de forma a adequar os custos do
programa à sua disponibilidade financeira1 9.
Outros pontos críticos no desenho atual do PGRM relacionam -se com os critérios de
elegibilidade dos municípios e com a estratégia de implantação do programa. Em
primeiro lugar, é necessário considerar que os atuais critérios excluem do programa
um percentual significativo (cerca de 40%) dos municípios brasileiros, incluindo os
municípios situados em regiões metropolitanas, aonde estão localizados grandes
bolsões de pobreza. Além disso, o uso de um recorte baseado exclusivamente nas
médias estaduais (de renda e receita corrente per capita) leva, dado o alto grau de
diferenciação dessas médias entre os estados brasileiros, a que diversos municípios
passíveis
de
serem
atendidos
pelo
programa
apresentem
uma
situação
socioeconômica e financeira superior a de municípios excluídos.
Do ponto de vista operacional, o recorte adotado (bem como a estratégia de
implantação gradual, baseada nos níveis de renda per capita) leva a uma excessiva
dispersão geográfica da área de abrangência do programa, dificultando (ou
inviabilizando) a criação de sinergias locais, através da cooperação entre municípios
de uma mesma microrregião. A esse respeito, é importante lembrar, que a gestão de
programas de renda mínima tem se revelado uma tarefa complexa, inclusive para
municípios bem equipados administrativa e financeiramente. Nesse sentido, parece
altamente improvável que municípios muito pobres consigam gerir eficazmente esses
18
19
Ver Amaral et alli, op.cit. p.26-34
No raciocínio exposto acima, não está sendo considerado se a contrapartida do município será
prestada em dinheiro ou na forma de ações sócio-educativas, uma vez que, em teoria, os custos
seriam equivalentes em ambos os casos. Na prática, contudo, a imposição de uma contrapartida
superior à sua capacidade financeira tende a estimular os municípios mais pobres a optar pela
alternativa não monetária, o que significa uma desvantagem adicional para os beneficiários
desses municípios.
programas, a não ser que estejam integrados a estruturas supramunicipais, capazes
de potencializar a utilização dos recursos locais.
Considerações Finais
O presente artigo buscou examinar a evolução recente das iniciativas de renda mínima
e bolsa-escola no Brasil, a partir de diferentes perspectivas.
No campo das iniciativas municipais e estaduais, observou-se, enquanto principais
aspectos positivos, a disseminação dessas iniciativas por diversos estados e regiões,
bem como a tendência de continuidade na implementação dos programas, mesmo no
caso de mudanças político-administrativas.
No tocante à gestào desses programas, foi possível detectar, em diversos casos, a
existência de elementos novos e promissores, entre os quais a diversificação dos
serviços complementares oferecidos aos beneficiários, o aprimoramento técnico dos
instrumento de seleção e a integração das ações dos programas com os serviços
sociais básicos.
Não obstante, a maioria dos programas permanece enfrentando problemas
recorrentes, expressos, por exemplo, na manutenção de níveis ainda reduzidos de
cobertura (frente ao universo potencial de beneficiários e mesmo à demanda já
identificada), na fragilidade dos mecanismos de monitoramento e avaliação e nas
dificuldades de “autonomização” dos beneficiários pela via da sua inserção econômica
em bases sustentáveis.
Ao longo desse artigo, foram apontadas algumas alternativas para o enfrentamento das
dificuldades vividas pelos programas. Em particular, foi visto a necessidade de uma
ampliação das redes de parcerias locais (com um maior envolvimento das
organizações da sociedade civil), do recurso mais frequente a assessorias técnicas
especializadas e do estabelecimento de mecanismos pemanentes de intercâmbio
entre as experiências.
Embora importantes, contudo, essas medidas não são suficientes para assegurar um
desenvolvimento estável dos programas e, menos ainda, a sua replicação em escala
nacional. Para tanto, torna-se imprescindível a existência de uma política nacional de
suporte técnico e financeiro às experiências locais de renda mínima e bolsa-escola.
A construção dessa política irá demandar uma reorientação da atuação até agora
seguida pelo governo federal no âmbito da renda mínima. Um primeiro (e decisivo)
passo nesse sentido relaciona-se com a revisão do desenho atual do PGRM ( e da
legislaç ão que lhe deu origem) tanto no que se refere à fixação do valor do benefício e
do percentual relativo à contribuição financeira da União, quanto no tocante aos critérios
de elegibilidade dos municípios, que devem ser alterados no sentido de assegurar uma
extensão gradativa do programa a todo o territorio nacional. Além disso, é importante
que as ações no campo da renda mínima integrem -se com as iniciativas do governo
federal na área de erradicação do trabalho infantil (em particular aquelas desenvolvidas
no contexto do PETI) e com as políticas sociais setoriais.
A intervenção do governo federal deverá envolver também a criação de mecanismos e
estímulos para que recursos existentes na sociedade brasileira, nas áreas de
assessoria e capacitação institucional, possam ser mobilizados em favor das
experiências locais de renda mínima. Outro aspecto decisvo refere-se à ampliação das
fontes de financiamento para esses programas, tanto através de um maior aporte de
verbas públicas, quanto na criação de condições favoráveis para a captação de
recursos junto à iniciativa privada.
Por sua vez, é importante que as experiências locais de renda mínima não se limitem à
condição de receptoras de apoio externo, mas assumam também o papel de sujeitos
ativos de uma política nacional. Nesse sentido, devem ser criados espaços
institucionais permanentes, que permitam que o acervo metodológico e gerencial
acumulado nas experiências mais consolidadas seja utilizado na alavancagem de
iniciativas similares.
Trata-se, enfim, de substituir o caráter ainda atomizado das ações em curso por uma
intervenção sistêmica, através da qual o potencial transformador contido nas
experiências de renda mínima e bolsa-escola venha se desenvolver enquanto
elemento estruturante de uma nova estratégia de desenvolvimento social.
ANEXO
Informações Selecionadas sobre os Programas
Quadro 1
Informações Gerais sobre os Programas
Localidade
Amapá
Amazonas
Belém
Belo Horizonte
Brasília
Campinas
Catanduva
Goiânia
Jundiaí
Mundo Novo
Osasco
Ourinhos
Paracatu
Piracicaba
Porto Alegre
Presid. Bernardes
Presid. Prudente
Recife
Ribeirão Preto
Santo André
Santos
São Luiz
Tocantins
Vitória
UF
AP
AM
PA
MG
DF
SP
SP
GO
SP
MS
SP
SP
MG
SP
RS
SP
SP
PE
SP
SP
SP
MA
TO
ES
Gestão
GE20
GE
PM21
PM
GDF22
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
PM
GE
PM
20
GE – Governo Estadual
21
PM – Prefeitura Municipal
22
GDF - Governo do Distrito Federal
Início
1996
1996
1997
1997
1995
1995
1997
1997
1996
1998
1996
1998
1998
1997
1997
1998
1997
1997
1995
1998
1998
1998
1996
1996
Nome do Programa
Programa Bolsa Escola
Direito à Vida
Programa Bolsa Escola
PEBE - Programa Executivo Bolsa Escola
Programa Bolsa Escola
Programa Renda Mínima
Programa Bolsa-Escola
Programa Renda Mínima
Produção Associada com Garantia de Renda Mínima
Programa Bolsa Escola
Programa Renda Mínima
Programa Renda Mínima
Programa Bolsa Escola
Programa Cesta Básica e Vale Escola
NASF - Núcleo de Apoio Sócio Familiar
Programa Renda Mínima
Programa Renda Mínima
Programa Bolsa Escola
Programa Renda Mínima
Renda Mínima (Família Cidadã)
Programa Nossa Família
Programa Bolsa Escola
Pioneiros Mirins
Família Cidadã
Quadro 2
Critérios de Elegibilidade dos Beneficiários
Localidade
Amapá
Amazonas
Belém
Belo Horizonte
Brasília
Campinas
Catanduva
Goiânia
Jundiaí
Mundo Novo
Osasco
Ourinhos
Paracatu
Piracicaba
Porto Alegre
Presid. Bernardes
Presid. Prudente
Recife
Ribeirão Preto
Santo André
Santos
São Luiz
Tocantins
Vitória
Limite de Renda 23
Familiar
Per Capita
Familiar
½ SM 24
R$ 72,00
½ SM
63 UFIR25
½ SM
R$ 35,00
-2 SM
R$ 40,00
2 SM
¼ SM
1 SM
½ SM
1 SM
R$ 46,44
½ SM
2 SM
R$ 30,00
200,00
51 UFIR
1 SM
37,7% SM
2 SM
37,05% SM
1/3 SM
-2 SM
½ SM
R$ 50,00
½ SM
-2 SM
R$ 42,32
Tempo de
Residência
(em anos)
5
-3
5
5
2
3
2
2
4
2
2
2
3
-3
4
5
5
3
1
3
-2
23
Os valores expressos em reais não estão vinculados a nenhum indexador
24
SM – salário mínimo
25
UFIR – Unidade Fiscal de Referência
Faixa
Etária dos
Filhos
7-14
0-18
4-14
7-14
7-14
0-14
7-14
0-14
-6-14
0-14
7-14
7-14
0-14
0-17
0-14
0-14
7-14
0-14
0-14
0-16
7-16
7-14
0-14
Quadro 3
Valor e Forma de Cálculo dos Benefícios
Localidade
Amapá
Amazonas
Belém
Belo Horizonte
Brasília
Campinas
Catanduva
Goiânia
Jundiaí
Mundo Novo
Osasco
Ourinhos
Paracatu
Piracicaba
Porto Alegre
Presid. Bernardes
Presid. Prudente
Recife
Ribeirão Preto
Santo André
Santos
São Luiz
Tocantins
Vitória
Valor Médio
(em R$)
130,00
30,00
130,00
131,65
130,00
117,00
56,39
106,57
110,00
84,00
170,00
120,00
50,00
43,00
150,00
80,00
78,00
-60,00
170,00
-130,00
30,00
189,24
26
SM – salário mínimo
27
UFIR – Unidade Fiscal de Referência
Forma de Cálculo
Fixo 1 SM26
Fixo em reais
Fixo 1 SM
Fixo em UFIR27
Fixo 1 SM
Complementar a R$ 35,00 per capita
R$ 50,00 p/ fam. com 1 filho e R$ 10,00 por filho adicional
De R$ 20,00 a R$ 220,00
R$ 55,00 mais R$ 27,50 por filho até 12 anos
Fixo em reais
Complementar a R$ 46,44 per capita
Complementar a ½ SM per capita
Fixo em reais
Complementar a 51 UFIR per capita
Fixo em reais
Fixo em reais
Complementar a 37,05% SM per capita
½ SM p/ fam. c/ 1 filho; 1 SM p/ fam. c/ mais de 1 filho
De R$ 40,00 a R$ 100,00
Complementar a ½ SM per capita
R$ 50,00 p/ fam. c/ 1 filho: R$ 80,00 p/ fam. mais de 1 filho
Fixo 1 SM
Fixo em reais
Complementar a R$ 42,32 per capita
Quadro 4
Número de Famílias Atendidas
Localidade
Amapá
Amazonas
Belém
Belo Horizonte
Brasília
Campinas
Catanduva
Goiânia
Jundiaí
Mundo Novo
Osasco
Ourinhos
Paracatu
Piracicaba
Porto Alegre
Presid. Bernardes
Presid. Prudente
Recife
Ribeirão Preto
Santo André
Santos
São Luiz
Tocantins
Vitória
199628
923
------19.800
2.700
----100
--88
--------------2.200
--380
----96
199729
1.200
87.000
3.000
400
21.800
2.700
550
200
--270
------80
--300
--2.200
------18.850
170
28
Dados de agosto de 1996. .
29
Dados de agosto de 1997.
30
Dados do 2° semestre (agosto a novembro) de 1998.
199830
1.200
55.800
4.500
1.640
22.700
2.400
610
160
130
70
250
120
200
600
740
25
460
780
1.840
320
70
800
29.220
200
Quadro 5
Valor do Benefício em Programas Selecionados
Composição Familiar
Renda (R$)
Valor do Benefício (R$) por Programa
Brasília
Campinas
PETI (1)
PGRM (2)
1 adulto, 2 crianças
0,00
130,00
105,00
100,00
30,00 (15,00)
1 adulto, 2 crianças
60,00
130,00
55,00
100,00
22,50 (11,25)
1 adulto, 2 crianças
120,00
130,00
0,00
100,00
15,00 (7,50)
2 adultos, 2 crianças
0,00
130,00
140,00
100,00
30,00 (15,00)
2 adultos, 2 crianças
60,00
130,00
80,00
100,00
22,50 (11,25)
2 adultos, 2 crianças
120,00
130,00
20,00
100,00
15,00 (7,50)
2 adultos, 3 crianças
0,00
130,00
175,00
150,00
45,00 (22,50)
2 adultos, 3 crianças
60,00
130,00
115,00
150,00
39,00 (19,50)
2 adultos, 3 crianças
120,00
130,00
55,00
150,00
33,00 (16,50)
(1) Valor máximo do benefício pago pelo PETI
(2) O valor entre parênteses corresponde à transferência mínima em dinheiro
Download

Programas de Renda Mínima e Bolsa