O CONTO, A IMAGINAÇÃO E A EXPRESSÃO GRÁFICA: O USO DE CONTOS EM AULAS DE DESENHO GEOMÉTRICO Gabriel Guimarães Melgaço da Silva COLÉGIO PEDRO II – Tijuca II, Departamento de Desenho e Artes Visuais [email protected] Resumo Neste artigo, relata-se um trabalho realizado em 2010, no Colégio Pedro II, com duas turmas de sexto ano do nível fundamental. O experimento foi inspirado na metodologia lúdica de Malba Tahan, dirigida ao ensino da Matemática, e tomou por base a pedagogia da imaginação de Bachelard. Seu principal objetivo foi o de valer-se do conto oral como elemento motivador, desta vez, porém nas aulas de Desenho Geométrico. Assim, planejou-se tornar mais atraente o conteúdo a ser ensinado por meio da utilização de recursos didáticos tais como a exploração de metáforas e atividades que desenvolvam o pensamento criativo. Palavras-chave: Desenho imaginação, auxílio didático. Geométrico, conto oral, pedagogia da Abstract This work reports a study conducted in 2010, at Colégio Pedro II, with two classes of sixth year. The experiment was inspired by the playful methodology of Malba Tahan, addressed to the teaching of Mathematics, and was based on the pedagogy of imagination of Bachelard. Its main objective was to rely on the oral tale as a motivator factor, but this time in classes of Geometric Drawing. Thus, the plan was to make it a more attractive content to be taught through the use of didactic aids as metaphoric explorations and activities which develop the creative thinking. Keywords: Geometric Drawing, oral tale, pedagogy of imagination, didactic aid. 1 Introdução Entre os professores de Desenho Geométrico (DG), muito se fala acerca dos rumos da disciplina; sendo o debate constantemente norteado pela preocupação frente à tendência a subestimar a matéria, eliminando-a ou reduzindo sua carga horária nas instituições de ensino brasileiras. Há professores da disciplina os quais crêem que para revigorá-la, é preciso reformulá-la em outras bases, procurando sair definitivamente da metodologia tradicional onde é predominante o uso do quadro, giz, exercícios e provas. Há aqueles que defendem o emprego de mídias digitais, levando a disciplina a um novo patamar, mais tecnológico, devido à possibilidade de construir as formas geométricas necessárias para cada ocasião e manipulá-las, seja por parte do professor ou pelo aluno. Este trabalho, porém, tem a intenção de apresentar uma nova proposta, baseada na metodologia do professor e escritor Júlio Cesar de Mello e Sousa, o Malba Tahan, que usava histórias, jogos e atuava em sala no intuito de transformar uma disciplina exata em algo mais aprazível para os alunos da época. Suas narrativas objetivavam encantar os jovens para o mundo dos números e cálculos. Ele não contava seus contos em sala para concretizar as abstrações matemáticas, mas para „fecundar‟ a imaginação dos discentes e assim contribuir para o aprendizado. A função da narrativa não é concretizar os problemas, mas fornecer um exemplo da função da imaginação dentro da experiência unitária de aprender. Trata-se do universo da analogia que convida, tanto quanto o pensamento matemático, ao distanciamento do concreto, a uma ruptura do real (...). (MACHADO. 2004. p. 189) Este trabalho se baseou nos conceitos, usados pelo filósofo francês Gaston Bachelard, de ”imaginação formal”, que recria as formas apreendidas pela visão e “imaginação material”, que ultrapassa os objetos, dando-lhes novos valores e atribuições, dialogando com a materialidade inerente nos mesmos. Trata-se então de um procedimento diferente daquele que concebe o conhecimento como o ato de repetir e memorizar ideias: Bachelard (...) exalta a criação e a invenção, mostrando que o ato de conhecer não se reduz à repetição monótona e constante de verdades absolutas e imutáveis que, uma vez alcançadas, se solidificam, ancorando-se no porto seguro da memória. Para Bachelard, conhecer é se aventurar no reino do novo e do abrupto, é estabelecer novas verdades através da negação do saber anterior e da retificação de conceitos e idéias que anteriormente nos pareciam sólidos. (BARBOSA; BULCÃO, 2004, p. 51) A proposta foi, então, testada em duas turmas de sexto ano por meio do uso de contos orais em alguns encontros, no início por parte do professor e depois pelos alunos. O objetivo era incentivá-los a aprender os conceitos geométricos de maneira criativa e que os atraíssem mais. Assim, se estabeleceu maior proximidade do aluno com o que era ensinado e este passou a encarar a matéria como algo mais prazeroso, contribuindo, consequentemente, para o seu aprendizado. No término do período, foi submetido às duas turmas um questionário para ter-se uma compreensão mais apurada acerca de como elas receberam a novidade e saber quais foram os aspectos positivos do uso das narrativas e o que precisaria ser melhorado. O presente artigo apresenta uma proposta de metodologia de ensino de Desenho Geométrico (DG) que se utiliza de narrativas. O propósito é enriquecer o repertório de professores que buscam inovar seus métodos de ensino, inclusive para turmas mais adiantadas, tendo em vista que não há consenso definitivo de que os contos se aplicam apenas a determinada idade. 2 A pedagogia da imaginação e da razão em Bachelard Não há propriamente dito um pensamento educacional „bachelardiano‟, porém é possível extrair algumas contribuições importantes para a formação de uma pedagogia do imaginário. Como defende Michel Fabre, citado por Barbosa e Bulcão (2004, p. 50), a partir da obra bachelardiana, emana a proposta de fundar uma antropologia escolar baseada numa metafísica do espírito. Para Bachelard, educar significa trabalhar na formação do sujeito, o que por sua vez é muito mais que uma simples transmissão de conhecimentos. Partindo desse pressuposto, defende-se aqui o uso do imaginário pessoal do estudante como auxiliar em seu próprio crescimento por intermédio de uma dialética entre razão e imaginação, que são justamente os dois eixos básicos e opostos no qual sua proposta de emancipação da pessoa se baseia. Assim, O processo de formação científica ou poética apresenta, em Bachelard, duas faces, uma objetiva, na qual se dá a criação de um mundo ou de uma surrealidade, e outra subjetiva, que vai se referir às transformações sofridas pelo sujeito ao longo do processo cognoscente e da emergência das imagens poéticas. (BARBOSA; BULCÃO. 2004, p. 52) Segundo Bachelard, o conhecimento não parte de uma certeza primeira, como defendia Descartes, mas sim de uma inquietação onde o sujeito cria suas primeiras conjecturas e depois as retifica, logo que seu saber se atualize e descubra o erro nas concepções anteriores. Desse modo, nunca há um conhecimento definitivo, dado que ele está sempre sendo atualizado, através de sucessivos equívocos e acertos. Trata- se de uma pedagogia do erro, que o vê como um ponto positivo na formação do sujeito e não um retrocesso, como a filosofia cartesiana propõe. (...) a objetividade será mais clara quando conquistada através da superação de erros subjetivos, o que significa que o sujeito só evolui quando, num trabalho ativo, afasta as ilusões primeiras, para, num processo de retificação constante e de desconstrução do saber e de si mesmo, ir se elevando espiritualmente, enquanto sujeito do conhecimento e consequentemente enquanto homem. (BARBOSA; BULCÃO. 2004, p. 54) Nesse contexto a imaginação surge como mediadora do processo de construção contínua do conhecimento. “Por seu intermédio, as categorias científicas e metafísicas serão reelaboradas e nessa reelaboração poética encontrará sua terra natal” (FELICIO, 1994, p. 37). Através dela, o sujeito recria o objeto, dá-lhe novos atributos e significados e, então, concebe uma nova forma de se relacionar com ele. O conhecimento é apurado durante o percurso do subjetivo ao objetivo, da imaginação à razão que encontra e corrige os erros. No fim desse processo, o objeto já não é o mesmo, porém já se tornou impregnado do psiquismo da pessoa e se torna o que o autor chama de “supercoisa”: Para a imaginação dinâmica há, com toda evidência, além da coisa, a supercoisa, no mesmo estilo que o ego é dominado pelo superego. Esse pedaço de madeira que deixa minha mão indiferente não passa de uma coisa, está mesmo perto de não ser senão o conceito de uma coisa. Mas se minha faca se diverte em entalhá-la, essa mesma madeira é imediatamente mais do que ela mesma, é uma supercoisa, assume nela todas as forças da provocação do mundo resistente, recebe naturalmente todas as metáforas da agressão. (BACHELARD, 3008, p. 32) Assim, ao ouvir uma história durante uma aula de DG, conceitos como reta, semirreta e ponto ganham uma interpretação metafórica na mente dos ouvintes. Uma linha deixa de ser simplesmente um conjunto de pontos alinhados, podendo se tornar um reino composto por diversas “cidades-ponto”. Contudo, se o estudante vê seu reino linear de forma finita, o professor pode mediar essa reconstrução fictícia alertando-o de que cometeu um erro conceitual e assim ele o reformulará tendo a chance de aprender e crescer com aquela falha. Essa ideia vai de encontro à defesa de Bachelard (1978, p.102) de que “a essência duma noção matemática se mede pelas possibilidades de deformação que permitem estender a aplicação desta noção.” A imaginação do aluno e a ação do professor seriam os mediadores que o auxiliariam a construir o conhecimento acerca daquilo que é ensinado em aula. 3 Desenvolvimento do trabalho 3.1 O projeto em prática Este trabalho foi desenvolvido com duas turmas de sexto ano de uma instituição federal localizada na zona norte do município do Rio de Janeiro – Colégio Pedro II - ao longo de um período letivo escolar em 2010. Ocorreu em cinco encontros. Em três, o professor contou histórias (duas, pois uma foi dividida em duas aulas devido ao tamanho). Foram reservados os encontros restantes para que os alunos contassem as suas histórias. Uma das narrativas apresentadas pelo professor era de sua autoria. Ao elaborá-la, tomou-se o cuidado de que envolvesse os conceitos a serem trabalhados em sala. Em relação ao enredo, o limite seria a própria imaginação, porém levaram-se em consideração os gostos comuns a meninas e a meninos na faixa etária trabalhada. O conto falava de um príncipe, morador de um “reino-reta”, que procurava a autora dos lindos poemas que o vento trazia até ele. O grande obstáculo era como chegar até o seu destino, dado que a poetisa morava em uma reta paralela. No desenrolar do conto, ele se utiliza de um compasso e um par de esquadros para enfrentar o vilão que mantinha a princesa cativa. Durante o conto, a turma se calou, prestou atenção e poucas foram as vezes em que o professor precisou interromper a narrativa para pedir silêncio. Foi interessante notar as expressões faciais, indicadoras da absorção, por parte dos alunos, naquilo que escutavam. O momento após o final de cada história foi muito útil para trabalhar em cima das dúvidas dos discentes a respeito do que ocorrera no conto e lhes chamara a atenção. As duas turmas demonstraram grande interesse em saber de que maneira um compasso transporta segmentos e como um par de esquadros consegue criar retas paralelas (dois conteúdos a serem ensinados para a turma). Valendo-se dessa curiosidade, o professor pôde criar uma aula mais agradável e, assim, dialogar com possíveis ideias pré-concebidas a respeito do que perguntaram, fazendo primeiro uma enquete com a turma, percebendo como eles interpretaram a questão e, depois, levando-os a intuir qual seria o procedimento adequado. A segunda história, narrada no último trimestre do ano, foi inspirada no conto “Aquele grão de areia”, criado por Filho (2008) a partir de um conto popular, cujo enredo é sobre um grão de areia que se apaixonou por uma estrela. Para adaptá-lo ao propósito didático no estudo de ângulos, o protagonista foi trocado por um siri. Assim, através das aberturas de suas garras, a turma foi relembrando o que havia sido explicado em uma aula anterior: as classificações de ângulos de acordo com sua amplitude. Alguns alunos não se interessaram pela atividade, outros, entretanto, demonstraram a mesma curiosidade aguçada que tinha sido observada na primeira apresentação, perguntavam como seria o filho de um siri com uma estrela e alguns alegavam ter imaginado o animal com as garras sendo um par de esquadros. Os dois contos tiveram funções diferentes: enquanto o primeiro era utilizado para apresentar um conteúdo à turma, o segundo fora narrado após a aula com a explicação do conteúdo, objetivando relembrar tudo o que havia sido dito de forma lúdica. Percebeu-se então que as narrativas orais podem auxiliar tanto na introdução de novos conhecimentos como recordar aqueles trabalhados anteriormente. Após a segunda história, foi a vez de os alunos construírem suas próprias fábulas. Por limite de tempo, os trabalhos foram realizados em grupo, mas não se percebeu nenhum problema na aplicação de tal metodologia. Na primeira atividade, as equipes criavam seus mundos planos, desenhavam um mapa deles e narravam para a turma um grande acontecimento que havia marcado aqueles lugares. A segunda atividade era a de conceber um mundo poligonal (escolhido previamente pelo professor) e elaborar toda a sua história, personalidades importantes, mapas e o que mais os grupos tivessem a capacidade de inventar. As duas tarefas serviram como instrumento de avaliação, pois embora os estudantes estivessem imaginando mundos, pessoas e histórias, a aplicação correta do que sabiam definiria se dominavam ou não o assunto abordado. Quando se domina um assunto, fica fácil „brincar‟, manipulá-lo da forma como se quer. Os erros encontrados eram em seguida apontados e conversando com os alunos, o professor os inquiria acerca do que não ficara bem entendido. Figura 1: mapa de mundo plano criado por um aluno A imagem acima, tomada como exemplo, se refere a um mapa criado por um grupo para ilustrar o mundo que era cenário do seu enredo. A partir da análise da narrativa deles e de como elaboraram o desenho, o professor pôde identificar as dificuldades e erros ali presentes, bem como os acertos. Tanto as primeiras narrativas quanto as segundas permitiram que o professor identificasse vícios frequentes na turma, erros por falta de atenção e dificuldades. Por intermédio de uma conversa com os grupos, era possível esclarecê-los acerca de como corrigir o que haviam errado e assim evitar o equívoco novamente. O diferencial do método de avaliar aqui empregado para um formal é que enquanto neste o aluno decora e, em geral, responde a questões direcionadas; naquele, a sua imaginação pode traí-lo se ele não estiver seguro do conceito com o qual está lidando. Inspirado na proposta de Bachelard, dizemos que a formação do conhecimento, se dá através de uma dialética entre a razão e a imaginação (ilusão) e, dentro do contexto dos contos criados pelos alunos, a parte racional (consciência da matéria aprendida) dialoga com a imaginação para que surja esse „devaneio‟ fantasioso. Falhas conceituais podem indicar que o estudante se utilizou mais do imaginário do que de sua bagagem conceitual. Quando ocorre o equilíbrio entre os dois pólos citados, os discentes se tornam livres para criações mais variadas sem cometerem erros. 3.2 A opinião dos alunos No final do ano, após todas as fabulações terem sido contadas e todos os trabalhos dos alunos produzidos, foi aplicado às duas turmas um questionário no qual eles responderam à pergunta: O que você achou das histórias contadas em sala? Quais foram os pontos positivos e os negativos das aulas que tiveram contos de histórias? As perguntas acima possibilitaram coletar dados para avaliar em que medida o “contar histórias” pareceu vantajoso aos estudantes ou não. A partir do montante de cinquenta e seis respostas obtidas, foram destacadas palavras ou expressões-chaves mais recorrentes para então relacioná-las a ideias centrais a fim de obter uma avaliação qualitativa do que fora dito. Foi dado, também, um tratamento numérico com o intuito de ter uma noção da frequência em que os prós (vantagens) e contras (desvantagens) foram assinalados pelos estudantes. Tabela 1: Distribuição das opiniões dos alunos quanto a aspectos positivos da metodologia Ideias centrais Frequência Poder de atração 37 Facilitação da aprendizagem 34 Estímulo ao trabalho de equipe 2 Total 73 A Tabela acima foi construída para analisar as ideias centrais positivas a respeito do uso do conto oral em aulas de desenho geométrico. Um fato interessante a observar é a proximidade na frequência dos primeiros e segundo itens, o que pode indicar que o prazer na aula pode realmente facilitar a aprendizagem, conforme relata: (A3): “Essas aulas foram mais produtivas pois os alunos queriam ouvir as histórias que simultaneamente ensinavam e divertiam”. (A16): “Os pontos positivos é que nós aprendemos uma matéria chata bem mais divertida com as histórias.” Alguns são de opinião que para ser divertido precisa ser engraçado, não somente prazeroso, como pode se notar na resposta abaixo: (A8): “Eu achei que a maioria foi muito engraçada. As aulas se tornaram bem mais interessantes”. O quesito „trabalho em equipe‟ apareceu apenas duas vezes, o que indica que precisa ser melhor trabalhado futuramente, nos momentos de criação em grupo, para que possa ser indicado por um número maior de alunos. A boa aceitação da turma com a metodologia em grande parte se deve à dinamização da aula que atraiu o interesse dos presentes. Ao analisar respostas como as citadas pelos alunos (A3) e (A8) percebe-se o medo e anseio mais comum por parte de discentes: a tendência a rejeitar aulas monótonas e a vontade de assistir àquelas que lhes atraiam o interesse. Atualmente há diversos debates acerca do comportamento estudantil em sala, incluindo os questionamentos indagando se os discentes estão desinteressados da escola ou da forma com que aprendem dentro dela. A resposta dada pelo aluno (A16), e comentada anteriormente demonstra que a maneira de abordar o conteúdo pode ser o fator determinante para cativar ou não o interesse de uma turma. Tabela 2: Distribuição das opiniões dos alunos quanto a aspectos negativos da metodologia Ideias centrais Comportamento negativo dos alunos Frequência 24 Atrapalhou o entendimento da matéria 4 Não atraiu/motivou o aluno 3 Total: 31 Com base nos aspectos negativos encontrados nas respostas, foi construída a Tabela 2 onde pode-se perceber que a ideia central mais recorrente se refere ao comportamento inadequado de alguns alunos durante as atividades. Esse item tem relação com o que se refere a não ter atraído o aluno, uma vez que o aluno não interessado poderá atrapalhar o andamento da aula. Respostas como as listadas abaixo reforçam essa ideia: (A10): “Os pontos negativos é que teve um grupinho que não parava de falar”. (A16): “algumas pessoas não paravam de falar durante as histórias”. Houve também, principalmente em uma das turmas, muita empolgação com os contos e melodias usados, o que gerou tumulto, como relata: (A3): “os pontos negativos foi (sic) o entusiasmo que tiveram, pois se empolgaram com as histórias, através de música e até dança”. Constatou-se que as conversas foram mais frequentes durante as apresentações de alunos e um dos principais fatores para isso pode ter sido a falta do poder de atrair a atenção dos colegas em situações que exigiriam um desempenho de certa forma teatral. Alguns estudantes contadores de histórias liam em voz baixa, outros apenas reproduziam o que estava escrito sem nem ao menos modular a voz, tornando a narrativa monótona e dificultando a compreensão dos demais. Isso indica que um treinamento com a turma, em uma aula prévia à apresentação pode significar uma grande contribuição. Sabendo que cada discente tem suas peculiaridades, pressupõe-se que em cada turma haverá aqueles aos quais as narrativas talvez não consigam alcançar o mesmo resultado, podendo ter até um efeito inverso, não produtivo. Alguns alunos relataram terem se perdido nas histórias e ficado confusos, como se percebe nos seguintes comentários: (A 47) – “As vezes não conseguia entender a história e isso me deixa perdida”; (A 30) –“... a história chamou mais a atenção do que as matérias que continham nelas, deixando alguns alunos confusos” São alguns exemplos de alunos que sentiram tais dificuldades. Fala-se do conto oral como uma prática de “olho a olho”, que assegura a ligação, tão humana, entre o contador e o público. Portanto, é preciso manter-se em guarda para perceber quem necessita de uma atenção especial, aqueles cuja imaginação pode atuar mais fortemente do que o lado racional, mergulhando num mar de „devaneio‟ do qual tenham dificuldade de sair. 4 Conclusão Embora o presente trabalho tenha abordado o uso de contos orais em aulas de desenho geométrico, acredita-se que os efeitos práticos possam ser reproduzidos em qualquer disciplina, conforme defendia Malba Tahan, que conseguiu transformar sua disciplina em algo mais prazeroso para muitos, seja através de sua proposta didática, envolvendo contos orais, jogos e atuações teatrais, como de todo o corpo literário produzido por ele. As narrativas não só divertem, mas atuam igualmente como um elemento humanizador, que aproxima professor e aluno, juntando-os numa prática milenar. Há, no entanto, de se tomar cuidado com o excesso de estímulo aos discentes, em especial àqueles cuja imaginação esteja mais presente. Ao criar um ambiente em que se dá a chance de partilhar diferentes contos, o imaginário de todos é habitado pela contribuição de cada um e, ao contar uma história, os estudantes põem seus conhecimentos à prova, descobrindo seus erros e corrigindo-os; indo do errado ao correto, podendo ver nesse acerto, um novo equívoco. Como defende Bachelard, não há verdades eternas, apenas um homem em contínua formação, em um sucessivo ato de renovação de seus saberes. Referências BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. ______________. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BARBOSA, Elyana, BULCÃO, Marly. Bachelard: pedagogia da razão, pedagogia da imaginação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. FELICIO, Vera Lucia G. A imaginação simbólica. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 1994. FILHO, Francisco Gregório. Ler e contar, contar e ler: caderno de histórias. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2008. MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004.