INTRODUÇÃO A GÊNESIS 1–11
Em 1598, Cristóforo Pelargo publicou um comentário de 694 páginas com um título inusitado:
Um Comentário sobre o Oceano de todos os Profetas, ou – como a continuação do título deixava
claro – sobre Gênesis, o [Livro] Sagrado de Moisés.1 Muito embora possamos nos surpreender
por encontrar Gênesis, ao que tudo indica, incluído no grupo de livros proféticos do Antigo
Testamento (embora os leitores dos comentários do século 16 tivessem logo percebido que essa
categorização era apropriada), a descrição de Gênesis como um oceano feita por Pelargo é
sobremaneira notável: com um único termo, ele ousadamente atribui ao primeiro livro da Bíblia
uma amplitude de alcance e uma profundidade inexaurível como fonte de profecia e de ensino.
Então, ainda que com razão alguém se admire, o que não seria para ser achado em Gênesis?
Para que serve este livro? A característica enciclopédica de Gênesis
Gênesis sempre foi não somente venerado como também onerado pelas expectativas
excepcionalmente altas de seus leitores e intérpretes. É evidente o seu valor histórico, pois esse
primeiro livro de Moisés é virtualmente a única fonte da história primitiva do povo de Israel. Toda
pessoa que se considera descendente natural ou espiritual de Abraão estaria naturalmente interessada
nos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó – especialmente graças aos inúmeros (para não dizer
audaciosos) detalhes de suas histórias – e também, por sua vez, nos 12 filhos de Jacó, dos quais
descendem as tribos de Israel.
Mas os primeiros capítulos de Gênesis também serviam de modo único para trazer uma
compreensão mais universal do ser humano sobre si mesmo. A catástrofe do dilúvio, que destruiu
totalmente o mundo da forma como no princípio fora criado (incluindo, na hipótese de alguns, o
Jardim do Éden original), e o desastre da torre “cujo tope chegue até aos céus” que o povo
começou a construir em Babel, o que acabou por explicar a diversidade e a disparidade da linguagem
humana, são histórias que revelavam o caráter das nações e dos povos da Terra, tão terrivelmente
divididos entre os que procuram seguir a Deus e os que querem se rebelar. Certamente, essa dura
separação remontava a uma época mais distante – ao primeiro homicídio, o assassinato de Abel
por Caim, seu irmão. Sem dúvida, de maior interesse ainda eram os três capítulos introdutórios de
Gênesis, que não somente descreviam as origens do primeiro homem e da primeira mulher, mas
também revelavam o caráter persistente das mulheres e dos homens, particularmente à luz da
tentação e queda em Gênesis 3.
Mas, de maneira semelhante, os leitores eram atraídos pelos capítulos iniciais de Gênesis
pelo que eles narravam da pré-história – não apenas pré-história humana, mas história pré-humana.
Esses capítulos falavam de muitas coisas para as quais não houve testemunha ocular e nenhum
outro registro escrito. Muito antes de Darwin, Gênesis forneceu um relato fidedigno “da origem
1
Cristóforo Pelargo, In prophetarum omnium oceanum, sive Genesin sacram Mosaicam ex antiquitate puriore
magna parte erutus Commentarius (Leipzig, 1598). Pelargo, tido em alta consideração em sua época, mas bastante
esquecido em nossos dias, foi superintendente geral da igreja (luterana) em Brandenburg, tendo causado grande
controvérsia quando apoiou o novo eleitor de Brandenburg, John Sigismund, ao converter-se publicamente ao
Calvinismo no Natal de 1613. Ver Bodo Nischan, “The ´Fractio Panis`: A Reformed Communion Practice in Late
Reformation Germany”, Church History 53 (1984): 17-29, esp. 22-23.
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das espécies”, das plantas e dos animais e das “criaturas rastejantes”. Ali também havia alusões
inexplicáveis, mas fascinantes, da formação dos céus e da terra e da criação do próprio universo.
E qual é o melhor lugar para colocar-se do que “no princípio” a fim de tentar aprender algo sobre
como é Deus ou o que Deus estava fazendo antes da Deidade tornar-se o Criador, com certeza,
antes que houvesse o tempo?
A narrativa histórica e a mensagem teológica mais direta de Gênesis 1-11 corriam
constantemente o risco de ser colocadas como pano de fundo ou até mesmo descartadas por
aqueles que exploravam esse livro com o intuito de encontrar outras informações – sobre
cosmologia, astronomia, geografia, história natural (inclusive propriedades das plantas e animais),
biologia humana, psicologia e ciência política, sem falar em explicações metafísicas e místicas.
Mas nem todos os que tinham esse interesse eram leitores amistosos. Gênesis atraía a atenção de
muitos que desejavam ridicularizá-lo ou desacreditar seus adeptos, e a história da interpretação
bíblica foi desde cedo moldada pela necessidade de cristãos e judeus organizarem a defesa da
credibilidade da Bíblia – inclusive de muitos detalhes controversos encontrados no livro de Gênesis.
Dado o potencial de Gênesis de servir como enciclopédia, torna-se menos surpreendente o
fato de que comentários mais antigos com frequência enchiam tantas centenas de páginas ou de
que alguns desses comentaristas não viveram tempo suficiente para concluir sua tarefa!2 Todavia,
toda essa intensa atividade erudita, particularmente no que concerne à parte dos comentaristas da
época da Reforma, pareceria fugir de uma importante questão. Admitindo por hora que a Bíblia é
um livro de enorme significado para cristãos e judeus e que Gênesis é, por si só, de grande
interesse graças a todos os fatores já mencionados, não há de algum modo certa autocontradição
na inclinação dos protestantes para escrever comentários? O ímpeto de libertar a Palavra de Deus
do entrave e da opressão das tradições humanas e de retornar tão somente à Escritura não deveria
ter conduzido a um profundo rebaixamento, para não dizer rejeição, de todas as vozes e produções
literárias meramente humanas, como os comentários bíblicos necessariamente são?
Para que servem os comentários de Gênesis? E por que ler os comentários antigos?
Os comentários são um tipo peculiar de produção literária. Pelo menos na teoria, eles surgem
não em função de si mesmos, mas em benefício de outros livros que invariavelmente obtêm maior
reconhecimento do que o próprio comentário. Na verdade, um comentário é eficaz somente na
medida em que, como João Batista, chama atenção para o valor daquilo para que aponta – nesse
caso, a Bíblia. Nunca se supõe que os comentários tenham algo como a autoridade da própria
Escritura, mas espera-se que sejam proveitosos.
Consequentemente, apesar de os antigos protestantes serem lembrados e enaltecidos por
desposarem o princípio da sola Scriptura como sua autoridade, o lema latino com frequência é
entendido com muito menos profundidade do que convém às reais práticas protestantes.3 Desde
o princípio, os reformadores reagiam visceralmente onde quer que vissem tradições humanas,
especialmente as eclesiásticas, concorrendo ou subvertendo a pureza dos ensinamentos de Cristo
e dos apóstolos tais como se encontram na Bíblia, particularmente quando essas tradições impunham
leis ou exigências que não tinham fundamento mas intimidavam a consciência dos cristãos, que
temiam que qualquer violação dessas leis e tradições espúrias poderia ter como consequência a
perda da salvação. Porém, ao mesmo tempo, esses protestantes sabiam muito bem (melhor do
2
Ver o inventário dos comentários de Gênesis do século 16 em Mickey Leland Mattox, “Defender of the Most Holy
Matriarchs”: Martin Luther’s Interpretation of the Women of Genesis in the “Enarrationes in Genesis”, 15351545 (Leiden: Brill, 2003), 277-299, o qual frequentemente exibe contagens de páginas e indica se o trabalho foi
concluído.
3
Ver Anthony N. S. Lane, “Sola Scriptura? Making Sense of a Post-Reformation Slogan”, em A Pathway into the
Holy Scripture, org. por Philip E. Satterthwaite e David F. Wright (Grand Rapids: Eerdmans, 1994), 297-327.
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que seus contemporâneos católicos, teriam eles alegado) que a boa literatura teológica, incluindo
os comentários bíblicos, poderia servir aos cristãos de forma muito precisa, explicando as
Escrituras e desenvolvendo uma vida de discipulado. Portanto, quando eles afirmaram o princípio
da sola Scriptura e com isso voltaram-se para a Bíblia como a única e suprema autoridade de fé
e prática, jamais tencionavam descartar as tradições humanas úteis ou a edificante literatura cristã.
Tampouco pretendiam ignorar ou negar o fato de que tanto a igreja quanto a Bíblia fossem
historicamente inseridas: pois da mesma maneira que a Bíblia deve ser lida à luz do seu contexto
original, a igreja deve apresentar a mensagem da Bíblia – seja ela expressa em hinos, em sermões
ou em serviços – de formas apropriadas ao contexto da igreja hoje.
Consequentemente, se nós mesmos indagamos a respeito da utilidade dos comentários,
especialmente de comentários antigos como os que são citados neste volume, não estamos
levantando nenhuma questão que os próprios reformadores não tenham formulado. Se a Reforma
advogou um retorno à Bíblia, esse retorno não significou uma rejeição de toda a teologia ou
literatura teológica anterior – de forma alguma! Um magnífico exemplo de uma apreciação crítica
e de uma apropriação do passado cristão, típicas do início do Protestantismo, pode ser encontrado
em um dos episódios mais desconhecidos da carreira de João Calvino.
Um dos mais intrigantes fragmentos que Calvino abandonou foi o rascunho não datado de
uma introdução a uma proposta tradução dos sermões de João Crisóstomo, pregador de Antioquia
altamente respeitado e bispo de Constantinopla no fim do século 4º.4 Os sermões de Crisóstomo em
Gênesis tinham sido traduzidos para o latim por Johannes Oecolampadius por volta de 1523; no
entanto, o projeto de Calvino previa a tradução dos sermões para o francês. Mas por quê? É óbvio
que a valorização de Crisóstomo por Calvino não somente era compatível com a de Oecolampadius,
que considerava a exegese literal de Crisóstomo um modelo para os intérpretes da Reforma, mas até
a sobrepujava, na medida em que Calvino recomendava Crisóstomo não apenas para pastores, mas
também para os leigos, pois numa época em que era polêmico, até perigoso, fazer traduções da
Bíblia para o vernáculo, uma edição de Crisóstomo seria de causar estranheza ainda maior.
Entretanto, a introdução de Calvino não somente expressa um aval a Crisóstomo, mas
também um argumento favorável a que a propagação de comentários e sermões fosse vista pelos
próprios pais da igreja como uma responsabilidade pastoral em favor dos “cristãos comuns”.
Calvino desejava repetir esse serviço aos leigos e até estendê-lo aos pastores de sua época, que
não eram suficientemente versados em grego e em latim “para compreender esses escritores
antigos no original”.5 Tais escritos são úteis não somente como fonte de “verdadeira compreensão”
da Palavra de Deus; eles também são importantes por informar os pastores sobre a igreja em sua
forma primitiva e mais genuína, compreendendo a organização do seu governo, sua disciplina e
santidade, o uso de rituais, e assim por diante.6 Mas a observação mais polêmica de Calvino
advém da maneira como ele caracteriza esses trabalhos exegéticos:
No entanto, desde que o Senhor, com o mesmo cuidado com o qual nos ilumina através do seu
Espírito, também nos concedeu ferramentas que ele designou para nos assistir em nosso trabalho de investigação da sua verdade, não há motivo para nós as negligenciarmos como sendo
supérfluas ou até importar-nos menos com elas como se fossem irrelevantes. Pois deve-se ter em
mente o que Paulo disse: embora tudo seja nosso, nós, todavia, pertencemos a Cristo. Portanto,
deixemos que as coisas que Deus nos deu para nosso uso estejam a nosso serviço.7
4
W. Ian P. Hazlett, “Calvin’s Latin Preface to His Proposed French Edition of Chrysostom’s Homilies: Translation
and Commentary”, em Humanism and Reform: The Church in Europe, England, and Scotland, org. por James
Kirk (Oxford: Blackwell, 1991), 129-150.
5
Hazlett, “Calvin’s Latin Preface”, 141-143.
6
Hazlett, “Calvin’s Latin Preface”, 150.
7
Hazlett, “Calvin’s Latin Preface”, 141 (em itálico no original).
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O argumento de Calvino é compreensível para ele, mas talvez não o seja para nós. O auxílio
exegético que esses “antigos escritores” propiciam não é absolutamente supérfluo ou desnecessário,
insiste ele. Ou melhor, é concedido por Deus para nosso uso, lado a lado com o Espírito Santo e,
como ele acrescenta ainda, “as próprias pessoas estariam demonstrando falta de gratidão se não
ansiassem por receber a dádiva que Deus lhes concede”.8 Em outras palavras, Calvino pensa que
nós não devemos tentar avançar sem a literatura exegética da igreja em seus primórdios (obviamente
recebida de forma crítica) e pode-se facilmente supor que ele teria recomendado seus próprios
comentários e os de seus colegas com a mesma seriedade.
O projeto de tradução de Calvino nunca passou de um rascunho inacabado da introdução,
mas seu ensaio atesta amplamente uma profunda ligação com os pais da igreja, a qual foi
reconhecida e cultivada pelos primeiros protestantes. Qualquer alegação de sola Scriptura que
se faça hoje tem de levar em conta a asserção dos próprios reformadores de sua necessária
ligação com os pais e com os primeiros cinco séculos do cristianismo, apesar do fato de que
(como bem sabiam os reformadores e como o ensaio de Calvino reconheceu) os pais não eram
absolutamente unânimes em tudo.
Os objetivos de Calvino no que diz respeito à leitura dos comentários e sermões dos pais da
igreja acham-se em total harmonia com os quatro objetivos do Comentário Bíblico da Reforma
(como esclarece Timothy George)9, mas o ponto de vista distinto de Calvino merece ser ressaltado.
Em primeiro lugar, diz ele, nós precisamos de auxílio na leitura e na apreensão das Escrituras;
e, em segundo lugar, na pessoa dos pais da igreja e de outros predecessores consagrados temos
sido supridos com tal auxílio. Aliás, esse auxílio é dado por Deus e somos movidos a agradecer
tal dádiva ao Espírito Santo. Mas um terceiro elemento no ponto de vista de Calvino é menos
explícito, embora possa ser até mais importante para nós hoje. Levar a sério – isto é, ler – a
exegese bíblica de gerações há muito tempo passadas é também uma expressão de algo que era
um ponto pacífico para Calvino, ainda que também fosse algo que ele não hesitava em defender:
a ligação da igreja recém-reformada com a igreja fundada por Cristo e pelos apóstolos, certamente
a igreja que floresceu na era patrística.
Para Calvino e seus colegas, a ligação da igreja do passado com a do presente era um
pressuposto crucial – seja considerando a ligação do povo de Deus do Antigo Testamento com o
do Novo Testamento, seja do povo de Deus do 1º século com o do século 16. Como muitos
escritores cristãos no decorrer das épocas, Calvino tinha viva consciência da nuvem de testemunhas
que o cercava. Seus escritos – suas notas de rodapé, por assim dizer – manifestam essa consciência,
esse débito ao passado que o formou e que o preparou para sua própria época. Necessitamos
disso também. Precisamos absorver tanto o legado dos pais quanto o dos reformadores – não
para papagueá-los, mas para sermos moldados por seu testemunho e espírito, como parte do
corpo de Cristo que tem unidade e que se desenvolve também em nossos dias. Em suma, é uma
questão de formar uma identidade e uma autenticidade cristãs inteiramente enraizadas no Cristo
que é único e em sua única igreja. Embora seja verdade que o que aqui se oferece não pretende
representar a história completa da exegese cristã de Gênesis, é, apesar de tudo, um complemento
substancial e especialmente benéfico para aqueles cujas raízes cristãs passam pela Reforma e que
necessitam ser moldados por uma amostra e um contato com o legado da Reforma e seu encontro
com a Palavra de Deus.
8
9
Hazlett, “Calvin’s Latin Preface”, 143.
Ver p. 15: O Comentário Bíblico da Reforma tem quatro objetivos: o enriquecimento da interpretação bíblica
contemporânea por meio da explanação exegética da época da Reforma; a renovação da pregação contemporânea
por meio da compreensão bíblica dos escritores da Reforma; um entendimento mais profundo da própria Reforma
e da amplitude das perspectivas nela representadas; e a recuperação da sólida teologia espiritual e dos tesouros
devocionais do compromisso da Reforma com a Bíblia.
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O que precisamos saber para ler o Comentário Bíblico da Reforma sobre Gênesis?
Um livro como este pode ser uma bênção de variadas formas. Inevitavelmente, muitos irão
deixá-lo na estante até que surja algum problema exegético (trazido, sem dúvida, no preparo de
sermões em altas horas da noite, um estudo bíblico ou algum trabalho do seminário), e então abrir
diretamente no capítulo e versículo, na expectativa de uma bênção ou de uma descoberta instantânea.
Um repositório de excertos dificilmente pode escapar de ser assim usado, mas não se recomenda
um frio mergulho no século 16 sem nenhum preparo ou conhecimento.
De fato, há formas muitíssimo inadequadas de ler esses excertos, assim como há maneiras
inapropriadas de ler o passado em geral. Por vezes, os leitores aventuram-se a adentrar o passado
teológico com o intuito de conseguir aliados ou de encontrar e difamar oponentes. Dessa maneira,
força-se as personagens históricas a servir como procuradores nos conflitos de hoje, que podem
ou não estar genuinamente ligados ao passado. Com muita frequência, os escritores cristãos do
passado são valorizados apenas por causa de uma citação supostamente brilhante ou de uma
pequena frase de impacto, que é então deslocada para o presente, removida de seu contexto.
Mas de modo sutil ainda, alguns se voltam avidamente para os escritores antigos na busca de
prognósticos do presente eclesiástico ou teológico. De forma compreensível, os protestantes se
orgulham do que eles consideram ser a recuperação da leitura literal da Bíblia depois da Reforma,
incluindo o repúdio pelas leituras alegóricas espúrias e o apreço pela sola Scriptura. Há os que
possivelmente alegariam que o grande avanço da exegese histórico-crítica deve remontar diretamente
aos reformadores. No entanto, na melhor das hipóteses, essas verdades são parciais e, como
veremos, a suposta rejeição da alegoria não foi absolutamente aceita em todos os lugares. Até
textos dos pais da igreja em que eles se aproximavam da interpretação figurativa com frequência
entravam novamente em discussão.
Como, então, podemos fazer uma boa leitura desses autores, desses excertos? O fator mais
importante é o contexto. Assim como numa visita a qualquer país estrangeiro, é mais aconselhável
que uma visita ao passado seja precedida de um substancial estudo das diferenças na história, na
geografia e na cultura locais, bem como com alguma noção de como a realidade local se encaixa
no contexto mais amplo da História e da cultura. Na verdade, todas essas informações podem
chegar a ser uma exigência bastante absurda para um curto período de férias. Mas tendo em vista
os nossos propósitos aqui, há dois tipos de contexto para a exegese praticada pela Reforma que
serão úteis para os leitores. Primeiro, vale a pena rever as discussões teológicas diversas e complexas
e as transformações práticas trazidas pela Reforma Protestante, às vezes intencionalmente, mas
às vezes seguindo a lei das consequências não premeditadas, porque uma percepção da gama de
questões sociais e pastorais do século 16 pode aguçar nossa compreensão de algumas dimensões
práticas da exegese do século 16. Segundo, vale a pena também examinar o contexto exegético,
incluindo algumas mudanças no método exegético, mas também algumas trajetórias exegéticas
específicas em Gênesis as quais os reformadores herdaram, de certa maneira reformularam e
passaram a seus sucessores.
A exegese de Gênesis em seu contexto da Reforma
Não há como negar que, ao menos para os protestantes, os grandes lemas da Reforma são
instigantes, especialmente a afirmação fundamental de Lutero de que somos salvos sola fide,
somente pela fé, o que recebemos sola gratia, unicamente pela graça de Deus e não pelas nossas
obras meritórias, e que é um ensinamento evidente para quem se submete à sola Scriptura, à
Bíblia somente como autoridade suprema.Todavia, é muito fácil nos contentarmos com a
confortável conclusão de que a Reforma se resume tão somente na justificação pela fé, na liberdade
de consciência e em um movimento direto de volta à Bíblia. Olhando para trás, quem iria supor
que a Reforma também promoveria uma deliberada secularização do matrimônio ou que a imigração
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e o socorro aos pobres se tornariam temas controversos ou que a exegese protestante iniciaria o
processo de desmantelamento do direito divino dos reis em favor de uma teoria do contrato social
que estimulava o direito de opor-se à tirania?
Nesta parte da introdução, examinaremos o rico e intrincado contexto da exegese de Gênesis
praticada pela Reforma, investigando algumas das inúmeras doutrinas, práticas e implicações
sociais e políticas associadas ao pensamento de Lutero sobre justificação e seu concomitante
deslocamento da autoridade da igreja papista para a autoridade das Escrituras. Embora uma visão
geral desse tipo corra o risco de ser simplificada demais, poderemos ver ainda de maneira resumida
que grande importância teve a revolução social que a Reforma (e não apenas a participação de
Lutero) veio representar e acelerar e como essas mudanças sociais e teológicas estavam ligadas
ao livro de Gênesis.
Seria exageradamente simples pensar que a Reforma começou exatamente em 31 de outubro
de 1517, imediatamente depois que Lutero publicou suas 95 teses contra a concessão de
indulgências praticada pelo papado.10 Na verdade, foi só através de um processo gradual durante
os dois anos seguintes, através dos debates e ensinamentos de Lutero, que a doutrina da justificação
tal como ele a descrevia alcançou total clareza de definição, mesmo à medida que seus escritos se
espalhavam por quase toda a Europa durante esse período, suscitando polêmicas por onde
passavam. No entanto, mesmo se concedermos lugar de honra à justificação somente pela fé ou
ao específico entendimento protestante da autoridade da Escritura, o fato de tratar a Reforma
como se a sua única preocupação fossem essas duas doutrinas nos deixaria com menos do que
meia verdade.
A doutrina da justificação somente pela fé que os antigos protestantes abraçaram não foi
um elemento isolado de crença profundamente espiritual, mas divorciada da vida: em vez disso,
assim como a ideia de Lutero surgiu em um complexo contexto da Alta Idade Média, da mesma
maneira essa doutrina liderou as mudanças sociais e teológicas já em desenvolvimento. No entanto,
a justificação somente pela fé também estava fortemente associada à doutrina da sola Scriptura.
Evidentemente tinha de estar, porque a salvação somente pela fé, como proclamada pelos
reformadores, era uma oposição direta à doutrina católica, a qual insistia que a fé tornava-se
salvífica somente se espargida com o “hábito” do amor e da caridade e que tal amor precisaria ser
manifestado nos atos e nas obras de uma pessoa para que esta eventualmente recebesse a salvação,
quando sua pureza original tivesse sido totalmente restaurada pelo amor e pelas boas obras.
A discordância dos reformadores estava ancorada na convicção de que a Escritura não ensinava
essa doutrina e de que a autoridade da Escritura sobrepujava a autoridade da igreja e de sua
tradição, não importava quão “apostólica” essa tradição alegasse ser. Não é de se admirar que
também os comentaristas da Reforma logo encontraram confirmação das suas opiniões em Gênesis,
nas pessoas de Abel, Enoque, Noé e outros – cada um dos quais demonstrou de uma forma ou de
outra que também foi justificado exatamente por essa “fé somente” e não pelas obras.
Vinculada a uma elevada doutrina da Escritura, a justificação foi rapidamente reconhecida
como parte de um sistema de doutrinas e práticas que puseram essa visão teológica praticamente
em contato com todas as esferas do cotidiano, em todas as classes, tanto para homens como para
mulheres. Em todas as direções, as implicações logo começaram a ser percebidas pelos
reformadores. Uma das mais conhecidas é a doutrina do sacerdócio universal de Lutero,
comumente conhecida como o sacerdócio universal dos crentes. Como Lutero explicaria, um
dos benefícios da fé é apazigar a consciência das acusações de pecado e da lei (e Gênesis atenta
10
Uma indulgência era frequentemente concedida na forma de um certificado ou escritura, mais notoriamente
expedida pelo papa, atestando a diminuição do tempo de um indivíduo no purgatório, por meio da aplicação dos
incontáveis méritos de Cristo e dos santos, em troca de doações monetárias.
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para a lei e o evangelho, bem como para o pecado e a consciência). Mas a fé tem outro proveito:
ela nos une espiritual e sobrenaturalmente com nosso noivo, Cristo, que nos torna não somente
seus irmãos e irmãs, não somente co-herdeiros com ele, mas também sacerdotes: “dignos de
nos apresentar diante de Deus para interceder pelos outros e para ensinarmos uns aos outros os
mistérios de Deus”.11
No entanto, a própria doutrina do sacerdócio universal é também moldada de forma compacta:
ela se escora na suficiência única e singular da fé para agradar a Deus e, portanto, é um reflexo da
negação dos méritos como significativos para a nossa salvação; e tem implicações fundamentais
para uma doutrina do ministério, na medida em que repudia qualquer sacerdócio especial ou
cerimonial favorável a um ofício pastoral que pretenda representar o povo de Deus e ser inteiramente
representativo, no qual um pastor realiza um culto público ou executa uma função que todo
cristão pode preencher se for devidamente chamado e qualificado. Ou, por falar nisso, toda cristã:
os católicos que se opunham a Lutero o ridicularizavam por causa das implicações desse sacerdócio
universal, porque significa que mesmo as mulheres poderiam pregar – e, pelo menos naquela
ocasião, Lutero admitia que elas podiam pregar, a não ser que fossem desprovidas de educação e
de voz apropriada à oratória.12
Sem levar em consideração as declarações contraditórias de Lutero sobre mulheres na
liderança,13 a doutrina do sacerdócio universal aos poucos ofereceu apoio para a instrução
doutrinária e a educação primária – para meninas bem como para meninos, não somente na
Alemanha, mas também em muitos países protestantes. Na verdade, por estar profundamente
comprometida com a Bíblia, a Reforma também estava necessariamente empenhada não somente
nas traduções da Bíblia para o vernáculo como também em uma alfabetização no vernáculo que
propiciasse uma leitura da Bíblia com entendimento. A fé pura e simples que agora justificava os
cristãos não era a “fé implícita” definida pelos teólogos medievais, que consistia mais em submeter-se
aos ensinamentos da igreja do que em compreender diligentemente as doutrinas bíblicas da salvação.
Desse modo, a procura pela alfabetização como ajuda para um entendimento pessoal do evangelho
fomentou a produção e a adoção de catecismos. Também gerou uma responsabilidade de se
conhecer o catecismo, junto com o credo apostólico e a oração do Pai-nosso – um conhecimento
do qual se poderia exigir uma demonstração por ocasião das visitas que o sacerdote luterano ou
reformado fazia regularmente, o qual enfatizava a importância da família na instrução doutrinária
e na formação do caráter cristão e encontrava em Gênesis evidência de que os cabeças das
famílias eram diligentes no ensino e no treinamento de seus filhos em suas crenças e modos de
vida piedosos. Muito embora a justificação pela fé fosse exaltada por libertar a consciência das
obras da lei, o protestantismo também estabeleceu desde o início um respeito pelo rigor moral e
pela disciplina tanto para o leigo como para o sacerdote e pelos diversos mecanismos de controle
social para incentivá-la.
Esses mecanismos de controle social tais como o consistório de Genebra (um grupo de
pastores e presbíteros que podiam não somente administrar a assiduidade a sermões mas também
recomendar às autoridades civis que adotassem medidas mais severas) fizeram com que a “Bíblia
somente” fosse relevante em todos os assuntos. A separação da igreja e do Estado que para nós é
ponto pacífico, não foi, no século 16, nem muito clara nem muito desejada pela maioria dos protestantes – com a notável exceção dos anabatistas e outros reformadores radicais, que confrontaram
11
Lutero, On the Freedom of a Christian (1520), LW 31:355.
Lutero, On the Misuse of the Mass (1521), LW 36:151-52; tratado com outros textos de Lutero em John L.
Thompson, John Calvin and the Daughters of Sarah: Women in Regular and Exceptional Roles in the Exegesis of
Calvin, His Predecessors, and His Contemporaries (Genebra: Droz, 1992), 198-202.
13
Ver Luther on Women: A Sourcebook, trad. inglesa de Susan C. Karant-Nunn e Merry E. Wiesner–Hanks (Nova
York: Cambridge University Press, 2003), 15-31, 58-87.
12
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tanto os protestantes como os católicos a respeito de várias práticas e questões teológicas. Mas nas
cidades e regiões luteranas e reformadas, os magistrados civis cumpriram, de fato, uma venerável
tarefa, aquela estabelecida em Gênesis 2, quando Deus incumbiu Adão de cultivar o jardim e ter
domínio sobre os animais. Os magistrados eram também servos de Deus e geralmente aplicavam as
instruções de seus reformadores locais – exceto quando estes os impediam. A falsa ideia de que João
Calvino era um déspota em Genebra contradiz com seu esforço de quase duas décadas para ver o
concílio da cidade adotar algumas de suas prioridades, tais como a Ceia do Senhor ou a supressão da
imoralidade “popular” tais como jogo de azar, baile e outras condutas licenciosas em hospedarias
ou tavernas, ou a adoção de legislação suntuária que proibiria o consumo excessivo e esbanjador
de bens escassos por parte de um pequeno número de cidadãos abastados. O comprometimento de
Calvino com essa última questão deveria ser de interesse especial para nós: quase na metade do
século, Genebra tinha se tornado um abrigo seguro para os refugiados religiosos, muitos dos quais
chegaram empobrecidos, o que demandou recursos, boa vontade e paciência da cidade para com
esses imigrantes estrangeiros. Em sua exegese de Gênesis, Calvino não demorou para fazer analogias
com a falta de moradia de Abraão ou as perdas sofridas por Noé e sua família.
No entanto, os reformadores e magistrados protestantes eram inclinados a concordar em um
ponto: a necessidade de corrigir o que a Igreja Católica Romana ensinava sobre a indissolubilidade
do casamento – apesar das palavras de Jesus em Mateus 5.32 e 19.9 e da sugestão de Paulo em
1Coríntios 7, segundo as quais ao menos alguns casamentos poderiam ser honestamente dissolvidos. Há muito tempo, a teologia católica tinha institucionalizado o casamento como um contrato
sacramental que só poderia ser quebrado com morte de um dos cônjuges, mas os protestantes não
julgavam ser apropriada essa interpretação da Escritura. Gênesis 2 mostrava-lhes que o casamento monogâmico não era uma invenção cristã e muito menos um sacramento, mas era mais precisamente uma instituição que devia ser regulada como tal, muito embora pudesse também representar a união de Cristo com a igreja. Na prática, os casamentos protestantes continuaram a ser
celebrados em igrejas, mas com uma nova participação das autoridades civis. Tal participação era
especialmente notória nos casos em que um ou ambos os cônjuges tinham requerido a dissolução
do casamento e o direito de casar novamente. Os reformadores e as cidades protestantes foram
muito relutantes em conceder divórcios, mas o fizeram sistematicamente, ainda que de modo
restrito, citando bases bíblicas e outras (tais como a deserção ou a impotência não revelada) que
julgavam ser de valor correspondente.
Paralelamente à questão do divórcio, os protestantes estiveram profundamente envolvidos
em outros debates oriundos da teologia e prática do matrimônio quase no início da Reforma. De
fato, embora alguns dos mais influentes tratados teológicos de Lutero tenham origem em 1520,14
foi um pouco mais de um ano depois, em 1522, que ele sentiu-se compelido a publicar Sobre a
condição do matrimônio. Havia muitas razões para tratar sobre o matrimônio naquele momento
específico, algumas das quais eram questões que sempre estiveram presentes (lascívia e comportamento imoral) enquanto outras eram trazidas essencialmente pela Reforma. O tratado defende
fortemente não apenas a virtude do matrimônio, mas também, de forma mais específica, a sexualidade e a procriação, ambas no contexto do casamento, as quais normalmente são ordens de Deus
para cada homem e cada mulher. Desse modo, de certa forma Lutero argumenta não somente
contra o celibato clerical e contra a ideia de que o celibato tinha mais virtude do que o matrimônio
(com base na antiga distinção patrística entre as ordens de Jesus e suas “instruções para a perfeição”
que resultavam em méritos mais excelentes), mas também, em parte, a favor da dignidade de um
específico chamado ou vocação de uma mulher para ser esposa e mãe, e mesmo a favor de um
14
Compreendendo os tratados On the Freedom of a Christian e On Good Works, seu discurso To the Christian
Nobility of the German Nation Concerning the Reform of the Christian Estate, e The Babylonian Captivity of
the Church.
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INTRODUÇÃO A GÊNESIS 1–11
grau de reciprocidade no casamento. Como muitos outros reformadores, Lutero tinha concluído a
partir da Escritura que diante de Deus não havia mérito especial em ser um sacerdote ou um
monge, assim como não havia permissão para que a igreja exigisse um voto de celibato para aspirar
a um chamado ordenado. Todos esses elementos – a ordenação como sacramento, celibato obrigatório e votos involuntários – eram não bíblicos e espiritualmente prejudiciais. Dessa forma, longe de
ser algo de menor valor, o matrimônio e a procriação eram coisas boas – muito boas, mesmo para o
sacerdote, como Lutero e outros sustentavam, com base na primeira narrativa de um matrimônio em
Gênesis 2, bem como no relato dos casamentos dos antigos patriarcas em Gênesis.
Por isso, recolocar o casamento sob o controle do Estado e demovê-lo da condição de
sacramento não era um sinal de que os reformadores fossem indiferentes ao matrimônio e à
família, mas exatamente o oposto. Os protestantes eram defensores do casamento e dos casados
e essas mudanças provavelmente surpreendentes foram em grande medida motivadas pela leitura
da Escritura feita por eles. A autoridade que atribuíram à Bíblia também provocou uma quantidade
enorme de mudanças na adoração e nos sacramentos. Os debates a respeito do batismo e da Ceia
do Senhor como sacramentos são discussões bem conhecidas, que não somente causaram separação entre protestantes e católicos romanos, mas também entre luteranos e zuinglianos, e entre
todos esses e os anabatistas. Pode-se pensar que Gênesis estaria livre de tais debates, mas os
comentaristas encontravam muitos tipos, analogias e prefigurações dos sacramentos em geral
(e do batismo e da eucaristia em particular) toda vez que refletiam sobre coisas tais como a função
sacramental da árvore do conhecimento do bem e do mal ou o significado dos sacrifícios oferecidos por Caim e Abel. E a questão ainda mais importante sobre o que Deus requer dos seres
humanos à guisa de sacrifício mostraria ser um tema importante nas primeiras linhas desse livro
(começando com a questão do descanso no sétimo dia), exatamente como foi um grande debate
durante a Reforma.
A persistência dos protestantes na sola Scriptura também mudou a adoração de outras maneiras, mas num grau mais essencial mudou a própria definição da igreja. A Igreja Católica Romana
ratificou sua autoridade voltando-se para sua evidente sucessão apostólica – a linha ininterrupta de
autoridade que começou com Cristo e com os apóstolos foi transmitida aos bispos como seus
sucessores e continua até o dia de hoje com a preeminência do bispo de Roma entre os demais
bispos. Os protestantes também afirmaram a apostolicidade, mas a alicerçaram em sua fidelidade
aos escritos dos apóstolos – o Novo Testamento – em vez de a fundamentarem numa sucessão de
bispos. Algumas igrejas protestantes aboliram o cargo tradicional de bispo (outra vez, baseando-se
em que a Bíblia não faz distinção entre presbíteros e supervisores), mas todas as igrejas protestantes experimentaram a liberdade assim como uma possível desordem por recorrerem somente à
Escritura e ao Espírito Santo para governar e unir (ou não) os diversos movimentos da Reforma.
E todos os comentaristas protestantes tinham satisfação de enfatizar que a autoridade dos patriarcas de Gênesis baseava-se diretamente em sua receptividade à Palavra de Deus.
A intenção desta análise concisa das implicações teológicas e práticas e dos efeitos da mudança no pensamento protestante sobre a Escritura e sobre a doutrina da justificação não é substituir um estudo mais detalhado e extensivo. Para esse fim, há muitas histórias valiosas da Reforma, de seu contexto e de sua teologia. Mas esta análise empenha-se em mostrar como todas as
coisas estavam interligadas no século 16 – a doutrina, a exegese, as práticas da igreja, as decisões
políticas, a vida familiar – da mesma forma como estão relacionadas hoje. Além disso, em razão
desse propósito, os leitores não devem supor que um comentário do século 16 de alguma forma irá
flutuar desligado da vida e das preocupações que são a própria essência de qualquer teologia séria,
bem como de qualquer exegese digna de ser lida. Todos esses assuntos surgem em algum ponto
no livro de Gênesis e também nos armam uma cilada praticamente em todos os comentários da
Reforma, quando não nos encaram de frente.
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