ESTE ENCARTE É PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO DE Nº 270 DO JORNAL DA IMAGEM São Paulo, fevereiro de 2001 CASO 1 Mieloma Múltiplo Apresentação: Dra. Maredith Pereira Ribeiro Sell Discussão: Abdala Y. Skaf L .O.C.M., sexo masculino, 30 anos, com dor no joelho direito há 3 anos. História pregressa de cirurgia para ressecção de tumor em fossa nasal direita há alguns meses, cujo diagnóstico anatomo-patológico foi de mieloma plasmocitário. Posteriormente foi submetido a biópsia de medula óssea (crista ilíaca) e por último biópsia da lesão do fêmur (Figs 1 e 2), cujos resultados foram mieloma plasmocitário. Diagnóstico final: MIELOMA MÚLTIPLO Fig 1. Rx simples dos joelhos: extensa lesão óssea osteolítica na epimetadiáfise do fêmur direito, bem delimitada por parede pouco esclerótica, com preservação da cortical óssea exceto num pequeno segmento localizado posteriormente na altura da diametáfise femoral (vide seta preta). Comparar lado patológico com o lado normal. Fig 2. Ressonância magnética do joelho direito, seqüências ponderadas em T1 pré (A e D) e pósgadolínio (B) e T2 (C): lesão sólido-cística, sendo que a porção sólida apresenta intensidade de sinal intermediária em T1 e T2 e forte impregnação pelo agente paramagnético. O componente cístico não se impregna e apresenta sinal intermediário em T1 e T2, sendo que as maiores formações císticas são predominantemente hiperintensas em T2 e apresentam nível hídrico-hídrico (vide setas curtas em C). Área de rompimento da cortical (vide Figura 1 Figura 2AB Figura 2C Figura 2D seta longa em D). Discussão Tumor primário maligno da medula óssea caracterizado pela proliferação incontrolada de um único clone de células plasmáticas (discrasia de células plasmáticas), as quais secretam imunoglobulinas monoclonais. A imunoglobulina mais comumente envolvida é a IgG (55%), seguindo-se em ordem decrescente de frequência por IgA (20%), IgD (1-2%), IgM e IgE. Corresponde a 1% das malignidades e 10-15% das patologias do sistema hematológico. Predomina em negros e em idosos (60-70%), mas pode ser encontrada em indivíduos dos 25 aos 80 anos. Raramente ocorre em crianças e é incomum antes dos 40 anos de idade. Pode se apresentar sob a forma assintomática (incomum) ou sintomática, com dor que se agrava aos movimentos, fadiga, deformidades como cifose exagerada, além de febre, sangramento, sinais neurológicos, púrpura e hepatoesplenomegalia. Pode coexistir com amiloidose observando-se macroglossia, insuficiência cardíaca e renal. Pode estar associado a outras desordens mieloproliferativas como mielofibrose, polecitemia vera e leucemia mielóide. Os sítios mais comuns de acometimento, em ordem decrescente, são: coluna, costela, crânio, pelve e fêmur. Quando acomete exclusivamente o esqueleto apendicular está quase sempre associado a mielofibrose. A eletroforese no soro confirma a anormalidade da fração de globulina em 80-90%¨dos pacientes com lesões múltiplas. Raramente não se detecta produção anormal de proteína (mieloma não secretório). Através da eletroforese urinária, podemos identificar sub-unidades da globulina envolvida em cerca de 50% dos pacientes acometidos, a chamada proteinúria de Bence Jones, as quais podem causar danos ao epitélio dos túbulos renais proximais. Outras alterações laboratoriais que podem ser encontradas são: hipercalcemia, hiperuricemia, aumento da creatinina, anemia, aumento de VHS, contagem de leucócitos levemente aumentada, trombocitopenia e teste positivo para fator reumatóide. Biópsia óssea e aspiração de medula óssea são importantes no estabelecimento do diagnóstico, embora se negativas não excluem o diagnóstico. Exames de cintilografia não são totalmente preditivos por apresentarem muitos falsos negativos, uma vez que o mieloma suscita muito pouca reação osteoblástica reacional, além de poder não demonstrar todas as lesões. Métodos de imagem são muito valiosos no diagnóstico do mieloma múltiplo. Os exames radiográficos convencionais demonstram mais comumente lesões líticas bem delimitadas sem halo esclerótico e menos comumente osteopenia difusa sem áreas bem definidas de lise ou mesmo osteosclerose difusa. Na tomografia computadorizada podemos evidenciar mínimas alterações de radiodensidade representando focos mielomatosos intramedulares, além de determinarmos a exata extensão do envolvimento ósseo e de partes moles. Na ressonância magnética, as áreas sólidas geralmente apresentam hipointensidade ou sinal intermediário em T1 e hiperintensidade de sinal em T2 e STIR. Heterogeneidade pode estar presente devido a concomitância com cistos, sangue ou necrose. O mieloma múltiplo apresenta prognóstico ruim (cerca de 2 anos) devido ao desenvolvimento de insuficiência renal, infecções, anemia severa ou amiloidose generalizada. PLASMOCITOMA: Forma de manifestação solitária rara do mieloma múltiplo, com melhor prognóstico (cerca de 10 anos), acometendo pacientes abaixo dos 40 anos de idade. A maioria dos pacientes apresentam achados laboratoriais idênticos aos do mieloma múltiplo, embora alguns apresentem exames laboratoriais normais ou que se normalizam após a excisão tumoral. Muitas lesões solitárias revelamse múltiplas se seguidas por anos, especialmente nos primeiros cinco anos da patologia, sendo estas de pior prognóstico que as que se iniciaram como múltiplas. Nos exames de imagem apresenta-se geralmente como lesão lítica, podendo ser multiloculada com trabéculas espessas, muitas vezes de caráter expansivo tipo bolhas de sabão. Pode simular tumor de células gigantes, sendo este o principal diagnóstico diferencial. Menos comumente pode se apresentar sob a forma esclerótica (vértebra de marfim). Os locais mais comumente acometidos são: mandíbula. ilíaco, vértebras, costela, fêmur, escápula, cavidade nasal, seios paranasais ou vias aéreas altas. Referências bibliográficas: 1. Greenfield GB, Arrington JA. Imaging of bone tumors – A multimodality approach 1995; Lippincott; PhiladelphiaPennsylvania; 130-146. 2. Schajowicz F. Tumors and tumorlike lesions of bone - Pathology, radiology, and treatment 1994; Springer-Verlag; 341-361. 3. Lang P, Johnston JO et al. Advances in MR imaging of pediatric musculoskeletal neoplasms; MRI Clinics of North America 1998; 6:3: 582. 4. Resnick D. Diagnosis of bone and joint disorders 1995; Saunders; 4: 2147-2175. 2 São Paulo, fevereiro de 2001 CASO 2 Schwannoma Intracerebral Schwannoma Intracerebral Apresentação: Dra. Simony Elisa Zerbato Médica estagiária da Med Imagem; Discussão: Dr. Antonio Rocha S chwannomas são considera dos como tumores benignos das células de Schwann existente na bainha nervosa, que podem sofrer transformação maligna. São usualmente encontrados nas raízes nervosas da medula espinhal e nos nervos periféricos. Os schwannomas intracranianos não são incomuns, sendo a maioria originária dos nervos cranianos, principalmente do nervo acústico. Tumores que se originam dos nervos cranianos são chamados de extracerebrais e os não associados com os nervos cranianos, de intracerebrais. Os schwannomas intracerebrais, tem origem incerta, já que a célula de schwann não é um componente natural do sistema nervoso central. Fibras trigeminais inervam a dura-máter podendo ser o sítio de origem de schwannomas durais (da convexidade). Mas como explicar a existência de schwannoma no parênquima cerebral profundo? Várias teorias sobre a histogênese dos schwannomas intracerebrais tem sido desenvolvidas para explicar a presença de células de Schwann com potencial neoplásico no cérebro, sem haver associação com os nervos intracranianos: 1 Plexo nervoso perivascular das artérias intracerebrais como sítio das células de Schwann, causando schwannoma. Embora tenha sido demonstrada a existência de células de Schwann ao redor das artérias cerebrais no espaço subaracnóideo, a presença em artérias profundas é controversa. 2 Russel e Rubinstein sugeriram que a similaridade histo- História clínica: ID: L.C.C, masculino, 12 anos, procedente de Vitória, E.S. HPMA: Cefaléia intensa associada a náuseas e desvio da comissura labial, de início em agosto de 1999. Dois meses após apresentou piora dos sintomas, associada a comportamento hilário (ria muito). AMP: portador de neurofibromatose tipo I. Figuras 2 e 3 RM no plano axial ponderado em T2 e T1, respectivamente: A lesão equivalente à descrita na TC é hiperintensa em T2 e hipointensa ao córtex em T1, apresentando sinais sugestivos de localização extra-axial. Figura 1 TC sem contraste: Volumoso processo expansivo com densidade semelhante à do córtex cerebral em região frontal esquerda, circundado por discreto halo de edema vasogênico, determinando moderado efeito de massa sobre as estruturas adjacentes. Figuras 4 e 5 RM nos planos sagital e coronal, ponderados em T1 pós-contraste. A lesão sofre intensa impregnação pelo agente paramagnético e evidencia lesão cística posterior, a qual pode estar relacionada a área de degeneração cística. lógica entre células piais mesenquimais e células de schwann ectodérmicas, poderia explicar uma transformação pial para célula de schwann. 3 Uma outra possibilidade é a existência de células de Schwann com localização aberrante e potencial neoplásico de- vido ao desenvolvimento anormal no sistema nervoso central. Existem apenas 34 casos de schwannomas intracerebrais descritos na literatura de língua inglesa até 1996. Baseado nestes casos, o acometimento é maior em criança ou adulto jovem, a localização é mais comumente em região supratentorial e a as- sociação com cisto ocorre em aproximadamente 50% dos casos. Em apenas dois casos estava associado a neurofibromatose, diferindo do schwannoma do acústico, que tem incidência aumentada em pacientes com neurofibromatose tipo I. De acordo com a literatura, os achados de imagem não apresentaram características significativas nestes relatos de caso. Na TC, o tumor apresentou-se hipo, iso ou hiperdenso em relação ao córtex cerebral, sofreu significativa impregnação pelo contraste endovenoso e na maioria dos casos veio acompanhado por área de baixa densidade ao redor, correspondendo a edema peritumoral e em quase 50% dos casos apresentava-se associado a cisto. Na RM, geralmente apareceu hipointenso em T1, intensidade de sinal mista em T2 e sofreu significativa impregnação pelo gadolínio. No caso por nós apresentado, o tumor apresentou-se na TC sem contraste isodenso em relação ao córtex cerebral e na RM apresentou-se hipointenso na seqüência ponderada em T1 e hiperintenso em T2, com significativa impregnação pelo agente paramagnético. Devido aos poucos casos descritos na literatura, não existe um estudo para determinar aspectos mais específicos de imagem desta patologia. Demonstrando a dificuldade de estabelecer seu diagnóstico por imagem. Referências Bibliográficas: 1 Erongun V, Ozkal E, Acar O, Uygun A, Kocaogullar Y, Gungor S. Intracerebral schwannoma: case report and review. Neurosurg Rev 1996; 19:269-274. 2 Di Biasi C, Trasimeni G, Lannilli M, Polettini E, Gualdi GF. Intracerebral schwannoma: CT and MR findings, AJNR 1994; 15:1956-1958. 3 Ezura M, Ikeda Y, Ogawa A, Yoshimoto T. Intracerebral schwannoma: case report. Neurosurgery 1992; 30:97-100. São Paulo, fevereiro de 2001 CASO 3 Aspergilose Pulmonar Invasiva O fungo ASPERGILLUS existe como saprófita na natureza e quando inalado pode levar a infecções pulmonares potencialmente letais. As diferentes apresentações clínicas e radiológicas que esta infecção pode assumir são função basicamente do status imunológico do paciente. Existem quatro formas básicas de apresentação: Aspergilose broncopulmonar alérgica: representa uma reação de hipersensibilidade ao fungo e ocorre com freqüência em pacientes asmáticos. Aspergilose não invasiva (saprófita, aspergiloma): representa uma colonização pelo fungo de uma lesão preexistente (cavidade) em um paciente com status imunológico normal. Aspergilose semi-invasiva: ocorre em pacientes com um comprometimento leve/moderado da imunidade. Os achados radiológicos apresentam semelhança com os encontrados na forma invasiva, entretanto as lesões têm uma tendência a se apresentar de forma mais localizada e com um tempo de evolução mais crônico que nesta última. Aspergilose pulmonar invasiva (API): A API manifesta-se em pacientes muito imunodeprimidos ou neutropênicos, geralmente portadores de doenças malignas, em particular as linforreticulares e hematológicas. Outras condições como transplantes de órgãos, uso de corticóides em altas doses e por longo tempo, além de algumas infecções virais também podem predispor ao seu aparecimento. Estima-se porém, que entre 50% e 70% dos casos ocorrem em pacientes com leucemia aguda e granulocitopenia, sendo o risco maior quando a contagem de leucócitos cai abaixo de 500 céls/mm³. Como a ocorrência desta forma de aspergilose decorre fundamentalmente da presença de defeitos quantitativos /qualitativos dos macrófagos e granulócitos, ela não é comum na AIDS, entidade associada primariamente a uma deficiência das células T. A API pode se manifestar clinicamente como infarto hemor- Apresentação: Dr. Adriano Nassri Hazin estagiário Med Imagem Discussão: Dr. Dany Jasinowodolinski História clínica: ID: J.A.S., masculino, 65anos, branco, procedente de São Paulo - SP. HPMA: Deu entrada no hospital com pancitopenia (síndrome mielodisplásica). Evoluiu com febre persistente e pneumonia sem melhora com antibióticos durante a quimioterapia. Apresentou volumosas hemoptises, além de HDA, que resultaram em óbito. Figura 1 – Radiografias do tórax em PA e perfil: Inicialmente observa-se uma consolidação de formato grosseiramente arredondado comprometendo o segmento anterior do LSD e parte do lobo médio (figs. 1A e 1B). Após um período de 20 dias nota-se a presença de um halo hiperlucente circuncrevendo a opacidade original - o sinal do “crescente aéreo” (figs. 1C e 1D). Figura 2 – Tomografia computadorizada, cortes de 5 mm, realizada à mesma época das radiografias apresentadas nas figuras 1C e 1d: Consolidação heterogênea de formato arredondado no LSD apresentando broncograma aéreo e guardando relação com o brônquio do segmento anterior do LSD. A lesão apresenta maior densidade na periferia e é circundada por um halo hipodenso (sinal do crescente aéreo), sugerindo a possibilidade de uma área de seqüestro pulmonar. (figs. 2A panorâmica, 2B detalhe). Figura 1C Figura 1A Figura 1B 3 de estar relacionada a uma melhora do quadro geral do paciente a cavitação pode levar a hemoptises muitas vezes fatais. A presença do sinal do crescente aéreo numa radiografia ou tomografia computadorizada do tórax de um paciente imunodeprimido com infecção do trato respiratório inferior, embora não específica da API é tida como suficientemente característica para se iniciar o tratamento específico. Porém, o fato deste sinal aparecer tardiamente no curso da doença evidentemente limita o seu valor diagnóstico. Por fim é importante destacar que embora radiologicamente a bola de fungo encontrada na forma saprófita da aspergilose apresente semelhança com o sinal do crescente visto na API, estas entidades têm significado clínico e patológico completamente diferentes. Na API o fragmento que se isola como conseqüência da cavitação periférica, representa tecido pulmonar infartado e necrótico (seqüestro). O micetoma por sua vez é uma massa composta principalmente de micelas fúngicas que resulta da colonização de uma cavidade preexistente. Referências Bibliográficas: 1 Thompson BH, Stanford W, Galvin JR, Kurihara Y. Varied Radiologic Appearances of Pulmonary Aspergillosis. RadioGraphics 1995; 15: 1273-1284. 2 Gefter WB. The Spectrum of Pulmonary Aspergillosis. J Thorac Imaging 1992; 7(4): 56-74. Figura 1D rágico, broncopneumonia ou menos freqüentemente traqueobronquite. Hemoptise pode ser massiva e em geral coincide com a recuperação da neutropenia. A API pode ter duas apresentações: a aspergilose angioinvasiva, forma mais comum e sobre a qual falaremos em seguida, e a aspergilose invasiva das vias aéreas (traqueobronquite ulcerativa) que reflete uma infecção primária da árvore traqueobrônquica e que se manifesta radiologicamente como opacidades peribrônquicas e/ou áreas focais de consolidação constituindo entre 10% e 34% dos casos de API. Na forma angioinvasiva após uma proliferação endobrônquica, o fungo invade os vasos san- Figura 2A Figura 2B guíneos adjacentes podendo levar a trombose e infarto do tecido pulmonar. Os achados radiológicos iniciais são inespecíficos e representados muitas vezes por uma ou mais opacidades nodulares sutis, que podem passar despercebidas por vários dias. Na TC pode ser visto um sinal bastante característico, embora não específico, da API representado por um halo de vidro fosco envolvendo o nódulo fúngico central. Este halo é considerado um precursor da cavitação periférica que pode se desenvolver em algumas lesões, e se acredita ser produzido pela presença de sangue e necrose em sua periferia. As opacidades iniciais apresentam um rápido progresso e passam a formar áreas simples ou múltiplas de consolidação homogênea. A recuperação da medula óssea permite que haja um aumento do número de leucócitos, que por sua vez se concentram na periferia da lesão ocorrendo liberação de enzimas e posterior liqüefação do tecido pulmonar nesta localização o que resulta num processo de cavitação cuja manifestação radiológica é o chamado sinal do crescente. Estas cavitações surgem aproximadamente duas semanas após o aparecimento dos achados iniciais e são em geral precedidas de sinais radiográficos de melhora da consolidação, consistente com o fato dela ser uma manifestação dos estágios de recuperação da infecção. Apesar 3 Gefter WB, Albelda SM, Talbot GH, et al. Invasive Pulmonary Aspergillosis and Acute Leukemia: Limitations in the Diagnostic Utility of The Air Crescent Sign. Radiology, 1985; 157: 605-610. 4 Kuhlman JE, Fishman EK, Burch PA, et al. CT of Invasive Pulmonary Aspergillosis. AJR 1988;150: 1015-1020. 5 Aquino SL, Kee ST, Warnock ML, Gamsu G. Pulmonary Aspergillosis: Imaging Findings with Pathologic Correlation. AJR 1994; 163: 811-815. 6 Fraser RS, Müller NL, Colman N, Paré PD: Fraser and Parés Diagnosis of Diseases of the Chest, 4th ed. Philadelphia, WB Saunders Company, 1999. 4 São Paulo, fevereiro de 2001 CASO 4 Displasia renal associada à implantação ectópica do ureter ipsilateral no ducto ejaculatório cula seminal não são comuns, sendo quase sempre associados à agenesia/displasia/hipoplasia renal e implantes ectópicos do ureter. Por este motivo uma boa hipótese diagnóstica, antes da realização da RM em nosso serviço, seria uma obstrução causada por um destes cistos. Apresentação: Dr Paulo Roberto F. V. Andrade Discussão: Jacob Szejnfeld Responsável: Douglas Jorge Racy História clínica: exo masculino, 34 anos, com dor após ejaculação irradiada para o membro inferior esquerdo, que apareceu após ressecção de rim multicístico displásico à esquerda. S Discussão: Foram realizados estudos de ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética (RM) em outros serviços, que evidenciaram ausência do rim esquerdo e dilatação da vesícula seminal ipsilateral. Tendo em vista o quadro clínico, o paciente foi submetido a dilatação por via endoscópica transuretral do verum montanum (pela hipótese clínica de prostatite com estenose a este nível). Sem melhora clínica após o procedimento, foi encaminhado a MED IMAGEM para novo estudo de RM. Discussão O diagnóstico por imagem das patologias do trato urogenital masculino não é simples, devido à inexistência de um exame não invasivo com resolução espacial suficiente para a avaliação de todo trajeto destas vias excretoras. Portanto, é comum o paciente ficar com diagnósticos inespecíficos do tipo prostatite crônica. Dentre as opções, dois exames se sobressaem: ultrassonografia transretal e RM. Destes, a RM é capaz de fornecer Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 6 Figura 5 mais informações em virtude do alto contraste tecidual, da capacidade multiplanar e de uma alta resolução espacial, especialmente com o uso da bobina endoretal. As causas de ejaculação dolorosa são variadas, em grande parte relacionadas a estenose/ obstrução da via ejaculatória. A Ultra-sonografia não detectou litíase, neoplasia (geralmente extensão de lesão prostática, retal ou da bexiga) ou outra possível causa obstrutiva. Para o diagnóstico de diverticulos ampulares, seria necessária a realização de uma vasovesiculografia (método bastante invasivo). O paciente também não tinha história prévia de traumatismo ou cirurgia nesta topografia. Restariam ainda as causas congênitas (como um cisto de vesícula seminal) e inflamatórias (tipo uma vesiculite crônica). Os cistos congênitos da vesí- A RM com coil endoretal detectou: 1 Ausência cirúrgica do rim esquerdo (fig.1). 2 Coto ureteral remanescente dilatado e com conteúdo hiperintenso em T1, que não se implantava na bexiga, e sim na região da vesícula seminal/ducto ejaculatório (fig. 2, 3 e 4). 3 Vesícula seminal esquerda distendida (fig 3, 4 e 5), com conteúdo hiperintenso em T1 (fig. 2), provavelmente relacionado a sangue, sugerindo a possibilidade de vesiculite crônica. 4 Vesícula seminal direita de dimensões normais (fig. 2 e 5), desviada para a esquerda (possivelmente devido à retração pelo processo inflamatório adjacente). 5 Heterogeneidade da glândula prostática, com aspecto sugestivo de prostatite. Portanto, não foi detectado o possível cisto na vesícula seminal, e sim o coto ureteral e a vesícula seminal dilatados, associados a sinais de prostatite/ vesiculite crônica. Foi realizada uma uretrocistografia (com fase miccional) que não mostrou refluxo vesical (fig. 6). 70% das ectopias ocorrem associadas à duplicação ureteral, o que não era o caso. Quando sem duplicação, quase sempre o paciente tem algum grau de displasia renal ipsilateral. Visto por outro ângulo, a displasia renal no sexo masculino leva a pensar em cistos de vesícula seminal e implantes ectópicos (na vesícula, ducto deferente ou ejaculatório) do ureter/coto ureteral ipsilateral. Portanto, este caso se encaixa neste contexto. Não é incomum acontecer um processo inflamatório crônico na região do orifício ureteral ectópico, associando-se a estenose nesta topografia. Estes pacientes apresentam dificuldade na eliminação do fluido seminal à ejaculação, que caso acima descrito provavelmente refluia pelo ureter. Após a retirada cirúrgica de grande extensão ureteral, o coto remanescente não mais servia como válvula de escape eficaz para o fluído seminal, e o paciente passou a sentir dor à ejaculação. Com estas informações, foi realizado o terceiro procedimento cirúrgico, retirando-se o coto ureteral e dilatando-se o ducto ejaculatório, resolvendo assim a queixa clínica do paciente. 1. Chei C.P., e cols. Cystic dilatations within the pelvis in patients with ipsilateral renal agenesis or dysplasia. J.Urol 1990; 144:324-7. 2. Kathryn L.M., e cols. Ureteric bud remnant in two patients with renal agenesis: diagnosis by MRI. JCAT, vol 21, n.5, 1997. 3. Gerald L.L., e cols. Ureteral ectopia associated with seminalvesicle cyst and ipsilateral renal agenesis. Diagnostic Radiology, 14: 575-576, march 1975. 4. Prando A., e cols. Urologia: diagnóstico por imagem. Editora Sarvier, 1997. 5. Hricak H., e cols, MRI of the pélvis. Martin Dunitz Ltd, 1991.