UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA FELIPE PROSPERO ACHADOS EM VIDRO NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO (SSF-01), SÃO SEBASTIÃO-SP: levantamento e identificação dos vestígios entre os anos de 1992 e 1995 São Paulo 2009 FELIPE PROSPERO* ACHADOS EM VIDRO NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO (SSF-01), SÃO SEBASTIÃO-SP: levantamento e identificação dos vestígios entre os anos de 1992 e 1995** Monografia apresentada à Universidade de Santo Amaro para a obtenção do título de Especialista em Arqueologia, História e Sociedade, sob a orientação do Prof. Dr. Wagner Carvalheiro Porto e co-orientação do Prof. Dr. Wagner Gomes Bornal São Paulo 2009 Dedico este trabalho à pessoa que mais me apoiou durante a pesquisa. Creio que sem ela não teria conseguido. Obrigado pelo apoio, Gerlice Maria Milani, minha amada mãe. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Wagner Gomes Bornal, pela oportunidade de trabalhar com o acervo do Sítio Arqueológico São Francisco e orientação deste trabalho. Ao Prof. Dr. Vagner Carvalheiro Porto, pela orientação, incentivo e amizade. Aos funcionários do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade de São Sebastião, Aline F. Mazza, Clayton Galdino e Cristiane da Silva, pelo auxílio e paciência. À Profª Drª Gerlice Maria Milani, pela ajuda neste trabalho. À Suzana Kawamura, pela compreensão e apoio durante a pesquisa. Aos colaboradores do Sítio Arqueológico São Francisco, pelo trabalho exemplar. Ao Prof. Dr. Paulo Eduardo Zanettini, pelo material cedido e atenção dispensada. Ao Edson Luis Gomes, pela troca de idéias durante o trabalho. RESUMO O presente trabalho enfoca a pesquisa e catalogação do material vítreo resgatado do Sítio Arqueológico São Francisco, entre os anos de 1992 e 1995. O Sítio Arqueológico São Francisco localiza-se no litoral Norte do Estado de São Paulo, na cidade de São Sebastião. O acervo estudado encontra-se no Departamento de Patrimônio Histórico da mesma cidade. Objetiva-se desenvolver um método para a identificação e catalogação do material vítreo. Os fragmentos estudados foram separados, identificados, datados em dois períodos distintos e analisados para uma melhor compreensão de métodos de produção. As análises apontam para materiais vítreos produzidos, em sua maioria, a partir de técnicas manuais de sopro livre e pela técnica de sopro em moldes. As colorações e morfologia dos fragmentos também foram identificadas e analisadas. Os fragmentos estudados nesta pesquisa apontam para diferentes usos, porém a maioria enquadra-se na categoria de armazenamento e isolante. Nota-se uma grande quantidade de garrafas de coloração verde e vidros planos de janelas e vitrais. Palavras-chave: Vidro, Material Vítreo, Arqueologia Histórica, Sítio Arqueológico São Francisco. Técnicas de Produção, Coloração. * Professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, História e Sociedade da Universidade de Santo Amaro – e-mail: [email protected] ** Versão para postagem no site. ABSTRACT This report focuses on the research and cataloging of the glasses material rescued from the Archaeological Site São Francisco, between the years 1992 and 1995. The Archaeological Site São Francisco is located on the northern coast of São Paulo, in São Sebastião. The collection studied is in the Department of Cultural Heritage of the same city. It aims to develop a method for identifying and cataloging of the glassy material. The studied fragments were separated, identified and dated to two distinct periods and analyzed for a better understanding of production methods. The analysis points to vitreous materials produced, mostly from technical manuals and free blowing technique of blowing into molds. Staining and morphology of the fragments were also identified and analyzed. The fragments of this research point to different uses, but most fall into the category of storage and insulation. It shows a lot of bottles of green tint and flat glass windows and stained glass. Keywords: Glass, Material Vitreous, Historical Archeology, Archaeological Site San Francisco. Production Techniques, Staining. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1 BREVE HISTÓRIA DO VIDRO 12 2 CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO NA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO 18 3 VIDRO: CARACTERÍSTICAS, MORFOLOGIA E FABRICAÇÃO DE GARRAFAS 21 3.1 Características gerais 21 3.2 Técnicas de fabricação 24 3.2.1 Técnica de Sopro Humano Livre 25 3.2.2 Técnica de Sopro em Molde 27 3.2.3 Produção Semi-automática e Automática 27 3.3 Morfologia na fabricação de garrafas 4 OCORRÊNCIA DA COLORAÇÃO 28 30 4.1 Hialino ou Incolor 31 4.2 Aqua ou Água-marinha 32 4.3 Branco ou Vidro Leite 32 4.4 Verdes (não-oliva) e Azul-verdes 33 4.5 Âmbar e Verde-oliva 33 4.6 Âmbar 35 4.7 Azul (azul verdadeiro) 35 4.8 Ametista ou Púrpura 36 4.9 Preto 36 5 RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO 38 5.1 Reconhecimento do acervo 38 5.2 Resultados Parciais do Inventário 42 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 49 7 PROCEDIMENTOS FUTUROS 51 7.1 Número Mínimo de Peças (NMP) 51 7.2 Experimento de Padrão de Quebra 54 8 REFERÊNCIAS 56 GLOSSÁRIO 58 INTRODUÇÃO O Sítio Arqueológico São Francisco (SSF-01), tratado nesta pesquisa, está localizado na praia da Figueira, no município de São Sebastião e inserido no Parque Estadual da Serra do Mar. O SSF-01 envolve uma propriedade datada entre os séculos XVIII e XIX, caracterizado como um sítio arqueológico de natureza histórica, onde cultivou-se canade-açúcar, café e culturas de subsistência. É composto por elementos arquitetônicos implantados sobre terraços construídos, incluindo estradas de acesso, sistema de captação de água, bolsões de cultura agrícola, bolsões antrópicos entre outros. Os bolsões antrópicos são áreas de descarte de materiais dos habitantes da propriedade, que se tornaram imprestáveis para o uso cotidiano, devido à quebra ou uso excessivo. Estes materiais podem ser fragmentos de faiança, vidro, cerâmica, metal, porcelana, restos alimentares, líticos e restos construtivos. Esses fragmentos possuem um potencial informativo sobre a sua própria materialidade e permitem a obtenção de informações sobre a sua utilização, produção e as formas de organização social dos habitantes do local. Dos bolsões antrópicos, foram recuperados milhares de fragmentos, onde a grande maioria corresponde à faiança e cerâmica da primeira metade do século XIX. Os fragmentos de vidro, objeto desta pesquisa, foram encontrados em bolsões antrópicos, em menores quantidades em relação a outros materiais, porém constituem um importante elemento diagnóstico para o cotidiano dos habitantes do local. Tais fragmentos encontram-se na reserva técnica do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade de São Sebastião, litoral norte do Estado de São Paulo, produto de dezesseis anos de escavações. O campo de pesquisa de vidros em sítios arqueológicos, no território brasileiro, encontra-se pouco desenvolvido. Raros são os especialistas nesta área e, também rara é a literatura disponível na Arqueologia brasileira. A partir das informações armazenadas ao longo do período de escavações, associadas à literatura pertinente, obteve-se subsídios para possibilitar a identificação e análise dos achados em material vítreo. Partindo desta identificação, pode-se contribuir com relevantes informações sobre a questão do vidro no Brasil colonial e, especificamente, na cidade de São Sebastião, estabelecendo-se um correlacionamento com o cotidiano doméstico. O objetivo desta pesquisa é estabelecer um sistema para identificação dos achados em vidro no SSF-01, entre os séculos XVIII e XIX, precisamente entre os anos de 1750 e 1850. Os métodos de fabricação e símbolos encontrados nos achados em material vítreo permitem a determinação da origem e datação aproximada dos utensílios. Análises quantitativas e qualitativas do acervo existente permitiram separar as peças por coloração, funções e utilização prática e identificar os métodos de produção, bem como, determinar os possíveis produtores das peças e datar os períodos aproximados de fabricação. Este trabalho está dividido em sete capítulos, onde o capítulo um apresenta um breve histórico do vidro. No capítulo dois estão apresentados o contexto histórico e geográfico do SSF-01 na cidade de São Sebastião, sua localização, aspectos gerais do sítio e da cidade. O capítulo três aborda as características principais do vidro, a morfologia básica e os métodos de fabricação de garrafas. O capítulo quatro apresenta as ocorrências de coloração do vidro. O capítulo cinco envolve o reconhecimento do acervo e os resultados parciais discutidos. No capítulo seis apresenta-se as considerações finais e no capítulo sete, os procedimentos futuros que complementarão esta pesquisa. 1 BREVE HISTÓRIA DO VIDRO Alguns autores consideram que o vidro existe na natureza desde a formação da crosta terrestre. Os chamados vidros naturais formaram-se a partir do magma, devido às suas condições de resfriamento. O homem pré-histórico aprendeu a servir-se dos vidros muitos milênios antes da descoberta dos vidros artificiais (NAVARRO, 1991 apud LORENZI, 2004). A rocha vítrea mais importante empregada pelo homem pré-histórico denominase obsidiana. Esta rocha, desde o princípio, permitiu ao homem utilizá-la com dupla finalidade, funcional e ornamental, servindo-lhe na fabricação de diferentes utensílios domésticos e instrumentos defensivos rudimentares (NAVARRO, 1991 apud LORENZI, 2004). Os primeiros registros da descoberta do vidro datam de 5000 a.C., quando mercadores fenícios ao fazerem uma fogueira, à beira da praia, utilizando blocos de nitrato de sódio para apoiar panelas, produziram acidentalmente um novo material. Acredita-se que o fogo aliado à areia e ao nitrato de sódio originou, pela primeira vez, um líquido transparente, o vidro.1 De acordo com o historiador Plínio, o Velho (século I d.C.), em sua obra Naturalis Historiae, esse acidente primordial ocorreu nas areias de uma praia no litoral do Mediterrâneo. Porém, estudos arqueológicos não confirmaram este relato. 2 Os povos da Mesopotâmia e os egípcios já conheciam as técnicas rudimentares da fabricação do vidro em 2700 a.C. Em escavações arqueológicas, nas proximidades de Bagdá, foi encontrado um cilindro de vidro azul, datado deste período. No Egito, também encontrou-se um fragmento de vidro azul escuro, uma espécie de amuleto, onde está escrito o nome do faraó Antef II. 3 Posteriormente, em 100 a.C., os romanos produziram vidro para suas janelas através de técnicas de sopro em moldes. Em 300 d.C., o imperador romano 1 O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. 2 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 3 HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008. Constantino passou a cobrar taxas e impostos aos vidreiros, tal era a difusão e lucratividade do produto.4 Entre 500 e 600 d.C., a produção do vidro plano passou a ser por sopro em uma esfera e sua sucessiva ampliação por rotação em forno, que perdurou até o século XIX. Posteriormente, por volta de 1300 d.C., a técnica do vidro moldado a rolo, trazida do Oriente pelas Cruzadas, foi introduzido em Veneza. 5 A arte do vidro desenvolveu-se no Ocidente a partir de Bizâncio. Do século XIII em diante, Veneza tornou-se um grande centro vidreiro europeu. Os mestres vidreiros, concentrados na ilha de Murano e as corporações venezianas ganharam fama com seus artefatos em vidro.6 A fabricação do vidro, a partir da Idade Média, era um assunto para peritos, guardado com ciúmes contra restrições familiares e espionagem industrial. A interação de técnicas francesas na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX (Figura 1), por exemplo, foi feita somente com grande dificuldade. A introdução do vidro crown trefilado foi realizada por volta de 1680, por John Bowles, com suborno e roubo da França. Em 1773, a British Cast Plate Company, estabelecida em Ravenhead St. Helensm, perto das jazidas de areia de Cheshire, dependia da habilidade importadora da França. A primazia inicial da França foi exemplificada pela Compagnie de St. Gobain, instalada há cerca de 300 anos, para envidraçar o Palácio de Versalhes. 7 4 O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. 5 O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. 6 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 7 O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. Figura 1 - Ilustração de etapa de fabricação de vidros para janelas em 1800. Fonte: HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. A história do vidro, no Brasil, iniciou-se com as invasões holandesas no período entre 1624 e 1635, em Olinda e Recife (PE), onde a primeira oficina de vidro foi montada por quatro artesãos que acompanhavam o príncipe Maurício de Nassau. A oficina fabricava vidros para janelas, copos e frascos. Com a saída dos holandeses da região, a fábrica encerrou-se.8 Em Salvador, em 1810, surgiu a primeira fábrica de vidros, montada por Francisco Inácio de Siqueira Nobre, com a devida autorização do Regente D. João, recém-chegado ao Brasil. Acredita-se que a Real Fábrica de Vidros da Bahia foi criada à imagem e semelhança da Real Fábrica da Marinha Grande (Figura 2), em Portugal, algumas décadas antes e, logo começou a entregar os primeiros vidros. 9 8 HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008. HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 9 Figura 2 – Planta baixa da Real Fábrica da Marinha Grande, Portugal. Fonte: HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <htt p://www.pilkington>. com. Acesso em: 16 jun. 2008. Em 1825, a Real Fábrica de Vidros da Bahia encerrou-se devido a grandes dificuldades financeiras.10 Além de vidros, o governo D. João VI autorizou e apoiou a produção de tecidos, ferro, pólvora, ferramentas, corantes, óleos de iluminação etc. Esta política não visava um processo de industrialização a longo prazo, uma substituição de importações avant la lettre, mas da tentativa de adaptação imediata à situação criada pela ocupação estrangeira do reino e pelas dificuldades momentâneas do comércio com a metrópole. 11 Os decretos joaninos enfatizavam mais o “permitir” do que o “desenvolver” as manufaturas, denunciando uma visão estratégica ambígua e pouco eficiente. Entretanto, mais do que nas inconsistências econômicas e nas tensões políticas da Independência, a consolidação desses e outros setores manufatureiros esbarrou, principalmente, nas condições econômicas e sociais de um país que deixava de ser colônia, mas continuava a ser agrário, exportador e escravista. 12 Em 1861, a primeira Exposição Nacional de Produtos Naturais e Indústrias, promovida pelo governo imperial, no Rio de Janeiro, mostrou aos estrangeiros que o 10 HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008. HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 12 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 11 Brasil não produzia somente açúcar, café, algodão, cacau, couros e carnes salgadas. Nesta Exposição Nacional, foram exibidas muitas variedades de produtos manufaturados. Entre os vidros, exibiram-se apenas alguns tipos bem simples de garrafas, garrafões, frascos e globos para lampiões. Estas peças foram fabricadas por pequenas manufaturas de vidreiros portugueses, herdeiros da cultura e da formação técnica da Real Fábrica da Marinha Grande, ou por artesãos italianos que começaram a chegar com os primeiros imigrantes europeus. Dentre as peças produzidas em material vítreo, não havia nenhuma peça em cristal. 13 Em 1882, a Fábrica Esberard, a primeira grande indústria brasileira de vidros, foi criada no Rio de Janeiro. Esta indústria produzia vidros para embalagens e vidros planos e expandiu-se rapidamente. Com pouco mais de dez anos de funcionamento, possuía mais de quinhentos operários. Os cristais da marca Esberard eram prestigiados no país inteiro, a ponto de serem comparados aos famosos Baccarat franceses. 14 Em 1895, a Companhia Vidraria Santa Marina foi fundada em São Paulo pela associação de dois ilustres representantes do empresariado paulista, Antônio da Silva Prado e Elias Fausto Pacheco Jordão. Esta companhia foi outro empreendimento de grande sucesso, pois em menos de dez anos fabricou um milhão de garrafas e dois mil metros quadrados de vidro plano por mês, empregando seiscentos funcionários. 15 A empresa Nadir Figueiredo, fundada em 1912, iniciou sua produção em uma modesta e pioneira oficina de conserto e venda de máquinas de escrever e equipamentos elétricos. Apenas na década de 1940, após o término da Segunda Guerra Mundial, a Nadir Figueiredo trouxe do exterior os princípios essenciais e as mais avançadas técnicas, inovando a produção de vidro no Brasil 16. A fábrica de vidros Companhia Industrial São Paulo e Rio (CISPER), teve a sua fundação em 1917. Localizada no bairro de Jacaré (RJ), concentrou suas atividades na 13 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 14 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 15 HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. 16 NADIR FIGUEIREDO IND E COM S/A. Disponível em: <http://www.abrace.org.br/port/institucional/asso ciada.asp?id=37>. Acesso em 17 jun. 2008. vidraçaria Carmita, sendo equipada e modernizada pelos fundadores com a compra de máquinas automáticas para a produção de garrafas de vidro 17. Em 1918, a CISPER iniciou uma parceria com a cervejaria Brahma, fortalecendo os primeiros anos da empresa. Na década de 1940, a empresa iniciou a produção do vidro incolor (sílex) e também a construção de sua segunda fábrica, em São Paulo. A parceria CISPER/Brahma continuou até os dias atuais 18. A Esberard, Santa Marina, Nadir Figueiredo e CISPER constituem as principais empresas vidreiras brasileiras, sendo que destas, somente as três últimas continuam em atividade. 17 18 CISPER. Disponível em: <http://www.monteiroaranha.com.br/cisper.asp>. Acesso em: 22 jun. 2008. CISPER. Disponível em: <http://www.monteiroaranha.com.br/cisper.asp>. Acesso em: 22 jun. 2008. 2 CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO NA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO A localização geográfica do Município de São Sebastião tem como coordenadas 23º48’S e 45º24’W. Sua área total, incluindo as ilhas oceânicas, é composta de 401 km² e apresenta quase 100 km de faixa litorânea com 34 praias (SÃO SEBASTIÃO, 1997). A cota mínima do município é de 0 m (nível do mar) e a máxima de 1.291 m (próximo à divisa com o município de Salesópolis). Além de Salesópolis, faz divisa com os municípios de Caraguatatuba e Bertioga. O clima é tropical quente e úmido com 23º C de temperatura média anual (SÃO SEBASTIÃO, 1997). O município possui uma faixa territorial limitada pelos contrafortes da Serra do Mar e seu relevo, bastante acidentado e escarpado, é caracterizado por baías, enseadas e esporões rochosos avançando para o mar e ilhas, compondo um cenário de belas praias, base para o desenvolvimento turístico da região (BORNAL, 2008). A topografia de São Sebastião contribuiu para a ocupação das planícies costeiras, onde as maiores concentrações populacionais nessas planícies, hoje, encontram-se na costa Norte do município, que compreende do centro de São Sebastião até a divisa de município com Caraguatatuba (BORNAL, 2008). O município de São Sebastião herdou seu nome do batismo da Ilha de São Sebastião, em 20 de janeiro de 1502, por Américo Vespúcio (ALMEIDA, 1959 apud RESSURREIÇÃO, 2002). As ocupações na região iniciaram-se com a instalação do povoado formado nas terras da Ilha de São Sebastião e na parte continental, com as primeiras doações de sesmarias, até os lados de Toque-Toque. Este povoamento, associado à sua importância estratégica, fez com que a cidade de São Sebastião alcançasse sua emancipação político-administrativa em 16 de março de 1636 (BORNAL et al., 2007). A história do município de São Sebastião contém vários elementos da trajetória econômica e social brasileira, como o ciclo das bandeiras, da mineração e o contato comercial com o planalto (SILVA, 1975 apud BORNAL et al., 2007). Numerosas propriedades agrícolas espalharam-se pela localidade, quase todas possuidoras de engenhos, como a fazenda Santana (Figura 3), testemunho da produção canavieira no município (ALMEIDA, 1959 apud RESSURREIÇÃO, 2002). Figura 3 - Fazenda Santana. Coleção Agnello dos Santos. Acervo DPH – PMSS (in: BORNAL et al., 2007). O movimento portuário também foi responsável por grande parte das divisas do município de São Sebastião, cujo florescimento foi evidenciado pelas primeiras edificações diferenciadas, representadas pelos grandes sobrados. Porém, em 1787, o capitão-general Bernardo José de Lorena obrigou a todas as embarcações que zarpassem dos portos do litoral, fizessem escala no porto de Santos (ALMEIDA, 1959 apud BORNAL et al., 2007). Essa medida teve o intento de estimular a produção no planalto, mas imprimiu um revés no Litoral Norte, pois os produtores encontraram melhores preços no porto do Rio de Janeiro. Melo e Castro de Mendonça, sucessor de Lorena, revogou a medida. Contudo, o novo governador, José de Franca e Horta, apesar de reconhecer a importância do açúcar para as terras paulistas, proibiu o plantio de cana-de-açúcar simultâneo com outras culturas, a não ser para venda a Portugal (JURANDIR, 2000 apud BORNAL et al., 2007). A propriedade que constitui hoje o SSF-01, datada entre os séculos XVIII e XIX e tratada nesta pesquisa, floresceu com o cultivo de cana-de-açúcar e, posteriormente, café e culturas de subsistência (BORNAL et al., 2007). O SSF-01 localiza-se na Praia da Figueira e está inserido no Parque Estadual da Serra do Mar, na cota altimétrica 270. Segundo BORNAL (2008), o cenário de ocupação pode ser caracterizado numa área de aproximadamente 800.000 m² e apresenta construções e restos construtivos de unidades habitacionais, religiosas e produtivas, caminhos, estradas, aquedutos e barragens, áreas de captação de recursos, córregos, áreas de descarte de objetos e restos alimentares, áreas de plantio e postos de controle. O acesso se dá pela Rodovia Caraguatatuba-São Sebastião e dista seis quilômetros do que é hoje, o centro administrativo do município de São Sebastião (Figura 4) (BORNAL et al., 2007). Figura 4 - Mapa da costa norte do município de São Sebastião com a localização do Sítio Arqueológico São Francisco (sem escala). Fonte: DEPCOM-PMSS (in: BORNAL et al., 2007). Sobre os achados arqueológicos do SSF-01, assim como na maioria dos sítios arqueológicos de natureza histórica, os vestígios recuperados deste sítio são provenientes de uma área de descarte de material (bolsão antrópico). Nesta área foram dispostos objetos que se tornaram imprestáveis, geralmente, devido à quebra ou ao uso excessivo pelos ocupantes do local (BORNAL et al., 2007). No bolsão antrópico foram recuperados fragmentos de utensílios de faiança, cerâmica, metal, vidro, porcelana, restos alimentares, material lítico e restos construtivos. Estes fragmentos, além de possuírem um potencial informativo sobre a sua própria materialidade (matéria-prima e seu processamento, tecnologia, morfologia, tipologia decorativa, funções etc.), permitem a obtenção de informações sobre as formas de organização da sociedade que os produziu e utilizou. Contribuem, também, como um significativo potencial didático-educacional (BORNAL et al., 2007). Dentre os milhares de fragmentos recuperados no SSF-01 (cerca de 50.000), a grande maioria está relacionada à primeira metade do século XIX sendo que, a sua maior parte refere-se a fragmentos de faiança e cerâmica, com predominância desta última (BORNAL et al., 2007). Os achados em vidro, tais como: garrafas, frascos, copos e outros pertences carecem de identificação e levantamentos de informações. 3 VIDRO: CARACTERÍSTICAS, MORFOLOGIA E FABRICAÇÃO DE GARRAFAS Neste capítulo serão abordadas as características principais do vidro, sua morfologia básica e os métodos de fabricação das garrafas. 3.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS O vidro é “um material inorgânico formado pelo processo de fusão, que foi resfriado a uma condição rígida, sem cristalizar”. Esta é a definição de vidro pela American Society for the Testing of Materials (ASTM), conforme ZANETTINI e CAMARGO (1999, p. 7). Segundo LOREDO (1994), o vidro é um sólido amorfo obtido pela fusão da sílica com um álcali – potassa, chumbo, soda ou cálcio. Caracteriza-se por sua transparência, rigidez e dureza a temperaturas ordinárias e plasticidade a temperaturas elevadas. A sílica é o maior componente do vidro utilizado em sua forma pura podendo ser derretida, transformando-se em vidro. No entanto esta fusão se dá em altas temperaturas. Um álcali acrescentado à sílica resulta em um ponto de fusão a uma temperatura mais baixa (JONES; SULLIVAN, 1989). A composição básica do vidro consiste em dióxido de silício (SiO 2), encontrado na forma de areia, um fluxo alcalino como óxido de sódio (Na 2O) ou óxido de potássio (K2O) e também um estabilizador de base não-alcalina, como óxido de cálcio (CaO), ou óxido de chumbo (PbO), segundo JONES e SULLIVAN (1989). Os vidros planos são distinguidos pelos obtidos por esfriamento, por fundição e laminação ou por fundição e flotação. Os vidros ocos podem ser obtidos por três grandes técnicas de moldagem: prensagem (no caso dos ladrilhos), sopro (garrafas, frascos e ampolas) e sopro e resfriamento simultâneos (no caso dos tubos de vidro) (GIBBON, 2003). Os vidros podem ser classificados em: natural, metálico, orgânico, atérmico ou solar, cristal, plano, soprado, opalino, vertido, catedral e impresso, descritos a seguir, conforme GIBBON (2003). - Vidro natural (obsidiana): matéria mineral amorfa, produzida pelo resfriamento rápido de magma, líquidos silicatados e outros produtos de fusão das rochas; - Vidro metálico: obtido através de têmpera muito rápida de uma substância metálica amorfa; - Vidro Orgânico: formado por um polímero transparente. São menos frágeis que o vidro mineral, porém mais sensíveis a agressões químicas. Os principais são: poli (meta-acrilato de metila) e algumas resinas alílicas; - Vidro Atérmico ou Vidro Solar: é uma lâmina recoberta por uma fina camada metálica. Destina-se a promover maior conforto térmico e luminoso nos ambientes; - Vidro Cristal: utilizado na proteção contra luminosidades ultraintensas; a adição de óxido de cobalto à sua composição, lhe dá um colorido em tom de azul; - Vidro Plano: chapa ou folha de vidro homogêneo recozido. Apresenta características inferiores às do cristal e são utilizados em vidraças, aquários etc; - Vidro Soprado: fabricado da mesma maneira como era feito na época gótica: soprando a massa vítrea com uma cana até obter um cilindro de vidro. Também é conhecido como vidro antique. A sua espessura oscila entre 2 mm e 6 mm. É utilizado em vasos, garrafas, pratos e objetos que tenham volume; - Vidro Opalino: apresenta aspecto branco leitoso pela adição de substâncias na massa vítrea; - Vidro Vertido: é uma lâmina produzida a partir do derramamento da massa vítrea sobre uma mesa metálica quente com a ação de um rolo; esta técnica é empregada desde a antiguidade; hoje, é utilizada na produção de grandes pranchas de vidro industrial; - Vidro Catedral: apresenta uma pequena textura numa das faces, impedindo a transparência absoluta. É muito utilizado na confecção de vitrais; - Vidro Impresso: produzido pelo derramamento contínuo da massa vítrea. Possibilita a gravação de texturas variadas em sua superfície com a utilização de rolos metálicos. A diferença entre vidro e cristal está na pureza absoluta das substâncias químicas que compõem a massa vítrea (óxido silícico, óxido de potássio e óxido de chumbo) e na quantidade de óxido de chumbo presente na sua composição (GIBBON, 2003). 3.2 TÉCNICAS DE FABRICAÇÃO Os materiais produzidos em vidro encontrados em sítios históricoarqueológicos recorrentemente resgatados são garrafas, copos e frascos de vidro. Os vidros planos não fornecem informações relevantes sobre seus métodos de produção (JONES; SULLIVAN,1989; ZANETTINI; CAMARGO, 1999). Apesar de encontrados em algumas construções e nos bolsões do SSF-01, os métodos de fabricação dos vidros planos não serão contemplados nesta pesquisa. Os métodos de fabricação das garrafas e frascos, segundo JONES e SULLIVAN (1989), podem fornecer informações sobre sua cronologia e por vezes, sobre seu país de origem. Segundo ZANETTINI e CAMARGO (1999), as técnicas que deixaram suas marcas de fabricação nesses materiais vítreos resgatados, observado por um ponto de vista cronológico, estão mais adaptadas aos contextos da América do Norte. A maioria das sistematizações sobre o vidro decorre de pesquisas realizadas no Novo Mundo. Serão descritas a seguir algumas técnicas de produção de garrafas e frascos de vidro. Dentre as bibliografias consultadas, verificou-se que os autores estabeleceram um consenso entre as técnicas empregadas na fabricação de material vítreo ao longo dos séculos. Os métodos utilizados para fabricação, compreendem o Sopro Humano Livre, Sopro Humano com o auxílio de moldes, Produção Semi-Automática e Produção Automática. As duas últimas técnicas compreendem períodos muito recentes da história, final do século XIX e século XX inteiro (JONES; SULLIVAN, 1989). 3.2.1 Técnica de Sopro Humano Livre A técnica de produção por sopro humano livre foi utilizada entre os séculos XVI e XVIII. No século XVIII, esta técnica deixou de ser utilizada devido à industrialização. Hoje, ainda encontramos esta técnica, mas apenas para a produção artesanal ou sob encomenda (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). O vidreiro utilizando um pontel ou cana (Figura 5), conhecido também como zarabatana, que consiste em um cano de ferro oco, separa uma porção de vidro ainda incandescente com uma das pontas da zarabatana. Com o auxílio de uma mesa, o vidreiro sopra a extremidade oposta à massa vítrea, criando um bulbo de vidro (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). Figura 5 – Produção de vidro soprado. (JONES; SULLIVAN, 1989) Conforme o vidreiro sopra, ele imprime movimentos de rotação no pontel e com isto, ajuda a dar forma cilíndrica à massa vítrea. Esta técnica aliada à utilização de uma mesa ou prancha de apoio contribuirá para a obtenção do formato desejado (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). Na Figura 6, observam-se as ferramentas utilizadas cotidianamente pelos vidreiros para a confecção, modelagem, corte e manuseio das garrafas e frascos. Figura 6 – Ferramentas de vidreiro. Pintura século XVIII de Diderot e D’Alembert (1772) (JONES; SULLIVAN, 1989). (Modificado). A. Modelo de Zarabatana ou Cana; B. Idem; C. Idem; D. Forno; E, F, G e H. Moldes em ferro ou cerâmica; I. Placa para apoio; J. Mesa; K. Alicates e Tesouras para corte e reparos em vidro. Os pontéis são ferramentas utilizadas pelos vidreiros para auxiliar na finalização da garrafa, gargalo e lábio. São confeccionados em madeira, vidro e ferro. Este último é responsável pelas cicatrizes, incisões e marcas de colagem encontradas no fundo das bases das garrafas (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). O uso do pontel entrou em declínio nos EUA, por volta de 1850 a 1860, surgindo um novo instrumento conhecido como snap-case ou garra de fixação. Este envolve o corpo do objeto, permitindo uma melhor sustentação para a finalização e servindo como ferramenta para a inserção de inscrições nas bases (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). 3.2.2 Técnica de Sopro em Molde Segundo o método de produção por sopro em molde, a massa vítrea era soprada com o auxílio de um pontel. Esta ação gerava um bulbo que seria submetido a uma prémodelagem, sendo rolado ainda quente sobre uma prancha. Assim, ganhava uma forma preliminar cilíndrica, também conhecida como parison. Após este procedimento, o cilindro de vidro seria introduzido em um molde e novamente soprado, garantindo um formato mais regular. Estes moldes poderiam ser construídos em duas, ou três partes, ou ainda, ser inteiriços (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). Os materiais mais comumente utilizados para sua confecção eram o metal, a cerâmica refratária e madeira revestida com cortiça (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). 3.2.3 Produção Semi-automática e Automática Durante o final do século XIX, um movimento geral começou a mecanizar as indústrias de produtos de vidros. Os vidreiros na Alemanha, Inglaterra, França e EUA desenvolveram máquinas para a produção de artefatos em vidro, visando aumentar a capacidade de produção e fixar medidas e espessuras para os materiais produzidos (JONES; SULLIVAN, 1989). Segundo Jones e Sullivan (1989), as máquinas automáticas que fabricavam garrafas, jarras e potes trabalhavam com um sistema de pressurização de ar, dando a forma desejada à massa vítrea dentro de um molde. Já as máquinas semi-automáticas necessitavam que um operário controlasse as quantidades de vidro e operasse o maquinário. Tanto na produção semi-automática como na produção automática, onde não existe a operação humana da máquina, o gargalo e o lábio, diferentemente da produção manual, passaram a ser produzidos primeiro (ZANETTINI; CAMARGO, 1999). 3.3 MORFOLOGIA NA FABRICAÇÃO DE GARRAFAS De modo geral, as garrafas de vidro são compostas por base, corpo, colar, calcanhar, pescoço, ombro e gargalo. Estas são as principais partes de uma garrafa, sendo que as produções das mesmas obedecem a padrões de confecção. A seguir, será descrita a morfologia básica de uma garrafa, de acordo com a Society for Historical Archeology (SHA, 1998). Base: tem a função principal de proporcionar uma superfície plana para a garrafa manter-se em pé na posição vertical. Há exceções a esta regra, pois existem bases redondas com a função de não deixar a garrafa repousar na posição vertical. Corpo: conteúdo principal da garrafa que contém uma porção geralmente mais larga, que fica entre o ombro e o calcanhar. No corpo encontra-se o rótulo ou a impressão da logomarca e o conteúdo da garrafa. Colar ou Anel de Acabamento: porção de vidro utilizada para reforçar o gargalo e dar acabamento, muito utilizado na produção manual de garrafas. Pescoço: formar a parte superior da garrafa, situada acima dos ombros e abaixo do gargalo. Alguns autores têm considerado a parte superior do pescoço, como parte do acabamento, principalmente no caso de garrafas produzidas pelo método de sopro livre. Ombro: parte da garrafa que fica entre o ponto de mudança na tangência vertical do corpo e da base do pescoço. Semelhante ao calcanhar, o ombro é uma zona de transição entre as duas outras grandes porções de uma garrafa. Calcanhar: menor parte da garrafa em que o corpo começa a curva da base. O calcanhar geralmente termina no ponto de repouso da garrafa. Lábio: extrema superfície superior do pescoço que recebe um acabamento diferente para cada tipo de tampa utilizada. Também conhecido como gargalo ou aro (dentre as várias terminologias utilizadas, será adotada a primeira). Segundo AULTMAN e GRILLO (2008), a morfologia de uma garrafa pode ser detalhada, onde cada parte fornece informações sobre seu modo de produção. Dessa forma, pode-se analisar o objeto separadamente, quando há ou não a possibilidade de montagem do conjunto NMP (Número Mínimo de Peças), ou quando as garrafas encontram-se inteiras. Os Quadros 1, 2, 3, 4 e 5 apresentam as especificações de cada parte de uma garrafa, quanto às formas, técnicas de manufatura e tratamento. Nestes Quadros, onde a coluna intitulada “Tratamento” nada contém, é porque não houve um tratamento final para o referido formato daquele segmento da garrafa. Figura 11 – Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Bases de garrafas. Forma Cônica BASE Técnica de manufatura Molde único Convexa Domo Quatro pontas Reta Sopro livre Moldada, molde único Sopro Humano Rotação/Colado Tratamento Arredondamento das extremidades Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado). Figura 12 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Corpo de garrafas. Forma Circular Oval Retangular CORPO Técnica de manufatura Molde único Sopro livre Sopro humano Tratamento Não aplicado Moldado, tipo de molde único Rotação/Colado Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado). Figura 13 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Lábio de garrafas. Forma Obliquo Lateral reta Topo reto Irregular Arredondado Topo obliquo ‘V’ acentuado LÁBIO Técnica de manufatura Adicionado vidro / não trabalhado Quebra sem separação das partes / Rompimento Ferramenta de finalização (Alicate de marisar) Manipulação hábil Moldado, tipo de molde único Sopro humano Tratamento Não aplicado Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado). Figura 14 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Pescoço de garrafas. Forma Arredondado Cilíndrico Rudimentar Cônico Cônico superior/inferior Não existente PESCOÇO Técnica de manufatura Sopro livre Moldado, tipo de molde único Sopro humano Tratamento Não aplicado Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado). Figura 15 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Anel de acabamento de garrafas. Forma Oblíquo superior Lateral reta Irregular Arredondado ‘V’ acentuado Oblíquo inferior ANEL DE ACABAMENTO Técnica de manufatura Vidro adicionado Ferramenta de finalização Manipulado Moldado, tipo de molde único Sopro humano Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado). Tratamento 4 OCORRÊNCIA DA COLORAÇÃO O vidro é composto de 60 a 80% de sílica, sendo principalmente areia. Quanto mais pura a areia, isto é, quanto menor for a concentração de ferro e outras impurezas, mais claros e transparentes serão os vidros ao final da produção (JONES; SULLIVAN, 1989). O vidro composto de 99,9% de sílica resulta em vidro completamente transparente. Devido à dificuldade de encontrar-se areia pura, outros compostos podem ser adicionados para clarear o vidro. A soda (dióxido de sódio) é utilizada para baixar o ponto de fusão da sílica. A cal (óxido de cálcio) é adicionada como agente estabilizante na produção de um vidro, composto basicamente de sílica e soda 19. Na produção de vidro, as impurezas encontradas na sílica têm influência direta na coloração final do produto. No processo de fundição da sílica, caso exista uma concentração de ferro sem um agente descolorante, o produto final terá coloração esverdeada, mais forte ou mais clara variando conforme a quantidade de ferro (JONES; SULLIVAN, 1989). 4.1 HIALINO OU INCOLOR O vidro hialino ou incolor é o resultado da fundição de areia pura. No final do século XIX e início do século XX, alguns vidreiros conseguiram produzir o vidro hialino, com a adição de alguns agentes de descoloração como o dióxido de selênio (geralmente em conjunto com o óxido do cobalto) e o óxido de arsênio que é usado igualmente como um estabilizador do selênio no vidro hialino 20. O vidro hialino pode ter matizes muito fracos de âmbar ou palha, verde cinzento, azul cinzento ou cinza. Estas colorações podem ser facilmente vistas observando-se a parcela mais grossa do frasco, na base do objeto 21. O vidro hialino obtido com agentes descolorantes como o dióxido de manganês, quando exposto à luz solar recebe uma coloração de cor-de-rosa ou alfazema para 19 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 21 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 20 ametista moderada escuro ou roxo, dependendo da quantidade de dióxido de manganês e da quantidade de luz Ultra-Violeta 22. As utilidades diagnósticas destes recipientes fornecem informações úteis aos arqueólogos para que possam tratá-los fragmentariamente. Estes fragmentos com ligeiros matizes de palha, muito provavelmente podem ser datados como fabricados em meados de 1910, como em meados do século XX. Segundo a SHA (1998), um fragmento incolor com um matiz ligeiro de ametista é provável ser anterior à Primeira Guerra Mundial (1915-1920). Os frascos de matiz cinzento aparecem entre 1915 e 1925. Os vidros hialinos ou incolores são raros antes de 1870, tornando-se comuns após as propagações de máquinas automáticas posteriores a 1910 23. 4.2 AQUA OU ÁGUA-MARINHA A cor aqua tem muitas variações sutis. Os nomes descritivos de uso gerais mais comuns são: aqua, aqua azul, aqua verde, aqua greenish 24. É muito comum encontrar a cor aqua em frascos utilitários para alimentos. A coloração aqua é considerada uma cor natural, resultado de baixas quantidades de impurezas de ferro presentes na maioria das areias, que não foram deslocadas com agentes descolorantes25. As utilidades diagnósticas dos recipientes na coloração aqua podem ser descritas como vidros produzidos em meados de 1800 até 1920, tornando-se raro após os anos de 1920. Nesta época, o vidro hialino substituiu o aqua para que os consumidores pudessem visualizar o produto. Nos dias de hoje, alguns frascos de coloração aqua sobrevivem em recipientes que armazenam soda para beber 26. 4.3 BRANCO OU VIDRO LEITE O vidro branco é produzido pela adição de zinco, fluoretos, fosfatos, cálcio e guano de animais. A principal característica do vidro branco é sua fina espessura. Quando colocado contra a luz brilhante, percebesse a sua opalescência. O vidro branco 22 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 24 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 25 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 26 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 23 também apresenta uma grande dureza e difícil derretimento, sendo evitada a sua produção por algumas fábricas27. A utilidade diagnóstica dos recipientes em vidro branco dá-se pelo largo uso em frascos de cosméticos, pomadas e artigos de toucador entre os anos de 1870 e meados do século XX. O vidro branco também foi utilizado em recipientes de tinteiros e licores, entre o final do século XIX e início do século XX 28. 4.4 VERDES (NÃO OLIVA) E AZUL VERDES Os vidros verdes apresentam inúmeras classificações de coloração, pois são encontrados em vários matizes de verde e variações ambarinas 29. As cores verdes podem ser obtidas por diferentes agentes de coloração e impurezas encontradas na areia, como ferro e cromo. O cromo, em circunstâncias de oxidação, pode produzir o matiz verde amarelado. O verde esmeralda é conseguido sob diminuição de oxigênio na fornalha. A coloração azul esverdeado pode ser obtida com combinações de cobalto e cromo30. As utilidades diagnósticas dos recipientes de vidro verde e seus matizes são limitadas. Podem ser encontradas em todos os tipos de vidros e datações. Algumas destas observações limitadas podem ser descritas, como o chamado verde, que consiste em um matiz exclusivo do século XX e raramente pode ser encontrado em exemplares do final do século XIX31. 4.5 ÂMBAR E VERDE OLIVA As cores âmbar e verde oliva são cores naturais. São obtidas pela presença de ferro e impurezas orgânicas, encontradas na areia utilizada na produção. Estas colorações e seus matizes podem ser induzidos, adicionando-se ferro ou agentes colorantes na sílica32. 27 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 29 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 30 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 28 31 32 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. As cores verde oliva e âmbares variam de matizes extensamente. Existem várias denominações de coloração que podem ser utilizadas para descrever as escalas de verde oliva, como oliva-amarelo, verde oliva profundo, âmbar verde oliva etc 33. As variações se dão devido ao grau de densidade e espessura do recipiente e podem ser descritas com termos modificadores, como: profundidade, espessura, obscuridade, meio, luz brilhante etc34. As utilidades diagnósticas do vidro verde são encontradas em diferentes tipos de recipientes, de diferentes épocas. As cores verde oliva e âmbar verde oliva e seus matizes são mais comuns a partir do século XIX do que em períodos mais tardios 35. O âmbar verde oliva é uma coloração rara em frascos após 1890, sendo praticamente desconhecido após o ano de 1900, exceto em algumas garrafas de licor, vinho e champanhe produzidas na cor âmbar verde oliva, fabricadas após o ano de 190036. A partir do ano de 1920, as garrafas de vinho e algumas de champanhe passam a ser fabricadas na cor verde verde-oliva, porém, somente um olhar atento poderia diferenciar essa sutil mudança de cor37. Assim, a coloração verde oliva pode ser encontrada em variados períodos de datação. Os frascos, garrafas de vinho, champanhes e águas minerais anteriores são a 1800. Frascos de tinta, também são anteriores ano de 1800. Pó para inalação pode ser datado em anos anteriores aproximadamente a 1870. Frascos medicinais são anteriores a 1860. Garrafas de cerveja, cerveja inglesa e licores variados apresentam datações anteriores a 1910. Em garrafas figuradas, apresentam datações anteriores a 1870 e alguns frascos de alimentos são anteriores ao ano de 1880 38. Os verdes verde oliva e âmbar verde oliva são cores raras para garrafas de água e soda em todos os períodos. Também raros são os frascos de frutas e medicamentos posteriores ao ano de 186039. 33 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 35 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 36 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 37 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 38 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 39 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 34 4.6 ÂMBAR A cor âmbar é obtida da mesma forma que os verdes verde oliva e âmbares verde oliva, obtidos em processos naturais, devido às impurezas encontradas na sílica utilizada na produção. Também podem ser conseguidos pela adição de aditivos de coloração, como níquel, enxofre e particularmente o carbono. Este último, adicionado sob a forma de micro-plaquetas de carvão, carvão vegetal e, até mesmo, madeira 40. Dentre os vários matizes encontrados estão o âmbar avermelhado, âmbar médio, âmbar envelhecido e âmbar amarelo. Como as outras cores, o grau geral de densidade de cor varia de acordo com os já mencionados fatores modificadores, como: profundidade, espessura, obscuridade, meio, luz brilhante etc 41. A utilidade diagnóstica de cores ambarinas descritas estão presentes em vários tipos de recipientes, como o âmbar envelhecido, uma coloração rara em frascos e garrafas produzidos após 189042. Posterior a década de 1920, com novas técnicas químicas de vidraria e na produção semi-automática e automática, o âmbar se torna padrão, com as colorações âmbar amarelo e âmbar preto. O âmbar permanece mais comum para frascos de medicamentos e garrafas de cerveja, fornecendo uma melhor proteção aos comprimentos de onda, responsáveis pelas reações fotoquímicas 43. 4.7 AZUL (AZUL VERDADEIRO) As cores azuis podem ser obtidas com a adição de óxido de cobalto e cobre utilizados, como agentes colorantes. Dentre os vários matizes de azul produzidos, são mais comumente encontrados os matizes azul cobalto médio, azul da meia noite (obscuridade forte parecendo preto, diminuindo a iluminação) e azul safira 44. As utilidades diagnósticas dos recipientes de vidro azul são limitadas pela larga aplicação de seus matizes. Quando comparadas com outras colorações, como o aqua, 40 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 42 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 43 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 44 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 41 verde e âmbar, os matizes de azul não são muito comuns, apresentando-se em menores quantidades45. Os matizes azuis são encontrados em frascos para tintas, garrafas de cerveja e frascos de alimentos, sendo mais comumente utilizadas em frascos para acondicionar venenos e cosméticos. As cores azuis também eram freqüentemente usadas em garrafas de água mineral e soda entre os anos de 1840 e 1900 e, em frascos de tinta entre os anos de 1840 e 193046. 4.8 AMETISTA OU PÚRPURA A coloração ametista ou púrpura é rara em frascos e garrafas. Essa cor pode ser obtida com a adição de óxidos de níquel ou de manganês. As adições de óxido de manganês foram utilizadas nos vidros hialinos como um descolorante para deslocar as impurezas de ferro, presente na areia. Os vidros produzidos com estes óxidos, quando expostos por longos períodos à luz solar adquirem esta coloração ametista mais acentuada 47. A utilidade diagnóstica dos recipientes ametista, devido às variações desta coloração, podem ser classificados como: ametista avermelhada e ametista média. A coloração ametista é geralmente encontrada em frascos de tratamento capilar. Os exemplos citados datam entre os anos de 1860 e 1870 48. 4.9 PRETO O vidro preto é considerado o mais forte dos vidros verdes e com o menor índice de transparência, oferecendo uma maior proteção dos efeitos da luz direta. Em sua maioria, os vidros pretos são de um verde verde oliva, ou âmbar verde oliva muito profundo, com grandes concentrações de ferro, carbono, cobre e magnésio 49. Provavelmente, os vidros pretos encontrados remontam a datas anteriores a 1870, devido ao fato de que, nesta época, produção de frascos ou garrafas contava com certa inabilidade em trabalhar o vidro e os materiais usados para tal. O vidro preto 45 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 47 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 48 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 49 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. 46 de coloração verde floresta escuro, muito utilizado para o envasamento de cerveja e licores, datado entre 1865 e 1870, é muito semelhante aos produzidos anteriormente a 184050. As diferenças entre as cores são muito sutis. A garrafa de licor ou de cerveja inglesa na cor âmbar verde oliva escura, provém de uma fábrica americana, datando entre 1827 e 1845. O frasco de pó para inalação, muito provavelmente produzido na década de 1850, nos Estados Unidos, apresenta uma cor transitória entre o vidro preto e o verde verde-oliva escuro51. As utilidades diagnósticas dos recipientes em vidro preto de produção americana são raras após 1880 e, os frascos importados desaparecem após a década de 1890. Em sua maioria, os vidros pretos eram utilizados para licores, vinhos e cervejas inglesas durante o século XIX52. Frascos e garrafas em vidro preto anteriores a 1870 eram utilizados para acondicionar tintas, algumas águas minerais, pós para inalação, medicamentos e alguns tipos de alimentos. O século XX não apresenta nenhuma produção de vidro preto, nem para envasamento de bebidas como o vinho, licor e champanhe 53. 50 Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009. Disponível em: <www.sha.com/bottles/color.> Acesso em: 14 jun. 2009. 52 Disponível em: www.sha.com/bottles/color. Acesso em: 14 jun. 2009. 53 Disponível em: www.sha.com/bottles/color. Acesso em: 14 jun. 2009. 51 5 RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO Neste trabalho serão apresentados os resultados da primeira fase da pesquisa com o material vítreo do SSF-01. Esta primeira fase compreende a catalogação de todo material resgatado entre os anos de 1994 a 1995, realizada de julho a outubro de 2008. 5.1 O RECONHECIMENTO DO ACERVO O primeiro passo realizado durante a pesquisa foi o reconhecimento do acervo, dentro do Departamento de Patrimônio Histórico de São Sebastião. O material vítreo objeto desta pesquisa, encontra-se acomodado em caixas arquivo. A pesquisa teve início com a abertura das caixas arquivo, contabilizando um total de cinco, das sete caixas existentes. Os conteúdos de cada caixa encontram-se separados em sacos onde estão registradas a Área e Quadrícula de origem. A abertura dos sacos com o material vítreo de cada caixa foi realizada de modo aleatório, porém obedeceu a ordem das caixas arquivo. Os fragmentos retirados passaram por uma análise minuciosa. Os dados obtidos com a análise individual dos fragmentos permitiram, além de uma visão mais aprofundada do acervo, a possibilidade de construção do NMP. Os fragmentos reunidos nas caixas arquivo não foram organizados em ordem numérica. Por este motivo, foi necessário refazer o inventário destes fragmentos, obedecendo a certos critérios impostos a esta pesquisa. O critério adotado para o inventário, foi à análise dos métodos de produção em cada fragmento, uma vez que o material vítreo é pouco pesquisado no Brasil. Todos os dados obtidos foram convertidos numa planilha que detalha cada característica do fragmento. A planilha da Figura 39 contém campos em preto, pré-existentes, originados a partir do primeiro inventário sobre as peças e, campos em vermelho, posteriormente construídos e acrescentados pelo autor desta pesquisa. 39 Figura 39 - Planilha de inventário do material vítreo do Sítio Arqueológico São Francisco. Os campos em preto são pré-existentes e os campos em vermelho foram acrescentados no decorrer desta pesquisa (Acervo do autor, 2008). Esta tabela foi mantida neste local para um melhor entendimento da parte textual. As colunas (Figura 39) referem-se a: ITEM - foram numerados todos os fragmentos em ordem de análise; Nº PÇ (Número de Peça) - os fragmentos numerados foram colocados em ordem crescente totalizando 864 fragmentos analisados. Estima-se um total de 1200 fragmentos compondo o acervo de material vítreo escavado nos anos de 1992 a 1995; Nº ETQT (Número da Etiqueta) - os sacos receberam um número na etiqueta, como forma de controle dos materiais retirados do sítio durante a escavação; CX (Caixa) - identificação das caixas abertas e seu conteúdo catalogado. Das sete caixas existentes no acervo do SSF-01, cinco foram abertas e catalogadas, restando duas caixas, cujas peças ainda não possuem numeração; SETOR - áreas do SSF-01 onde foram encontrados os fragmentos de material vítreo. Respectivamente as áreas ll, lll, lllA, Vll; QUADRA - todas as áreas escavadas obedecem ao sistema de quadrículas, possibilitando mapear de onde cada fragmento foi retirado; CAMADAS - as quadrículas escavadas com o método de Decapagem seguem o padrão de 10 cm. Nenhuma quadrícula ultrapassa essa profundidade, com exceto nas primeiras sondagens; MATERIAL - neste campo foram identificados e classificados os materiais vítreos entre: • FRAGMENTO - quando a peça não apresenta maiores características como símbolos, partes de bases de frascos ou garrafas; • FRAGMENTO DE BASE - partes ou peças inteiras de bases de frascos e garrafas; • FRAGMENTO DE GARGALO - em sua grande parte, foram encontrados gargalos inteiros e preservados; • FRAGMENTO DE GARRAFA - consiste em partes do corpo de garrafas onde se percebe claramente marcas de moldes; • FRAGMENTO DE PESCOÇO - partes inteiras de pescoços de garrafas; • FRAGMENTO DE OMBRO – parte situada no final do pescoço e superior ao corpo da garrafa, presente na maioria das garrafas; • FRAGMENTO PLANO - fragmentos de vidros planos provenientes de janelas e vitrais das construções; • FRAGMENTO DE TAMPA - pertencem a esta categoria, partes ou peças inteiras de tampas de frascos de perfume ou remédios, fabricados em vidro; MÊS - mês em que foram escavados e registrados os fragmentos encontrados; ANO - referente ao ano em que ocorreram as escavações, de 1992 a 1995; COLETADO - responsável pela coleta do material em campo; OBSERVAÇÕES - dados relevantes sobre cada peça, inscrições e detalhes; IRIDESCÊNCIA - presente em alguns fragmentos, é a perda preferencial do material fundente em relação à sílica, o vidro apresenta-se poroso, com pequenos furos e coberto por uma camada de carbonatos; este efeito pode ocorrer quando o fragmento de vidro encontra-se depositado em solos alcalinos (LOREDO, 1994); BOLHAS - são evidências de vidros produzidos pela técnica de produção em sopro; COLORAÇÃO - existem vários processos para obter certas colorações, devido ao período de ocupação do SSF-01; podemos afirmar que as cores dos fragmentos foram obtidas por processos químicos naturais de fabrico e por técnicas rudimentares de pigmentação, abordados no capítulo 4; CÓD. COLOR. (Código da coloração) - criado para facilitar a identificação das cores em relação aos fragmentos analisados; MARCAS DE FABRICO - compreendem inscrições, desenhos e motivos impressos ou inseridos posteriormente à produção; ∅ (Bitola) - medida aproximada dos fragmentos, realizada com auxílio de paquímetro; SACO - especificação das etiquetas dos sacos em que as peças estão acondicionadas; 5.2 RESULTADOS PARCIAIS DO INVENTÁRIO E DISCUSSÃO A primeira parte da pesquisa está concluída: inventário e catalogação dos fragmentos de vidro numerados. Dos resultados foram elaborados em gráficos quantitativos representando cada item da planilha. Nestes, pode-se perceber as particularidades do acervo, tais como os tipos de fragmentos encontrados no Nível 01 (10 cm), as cores predominantes dos fragmentos e os setores onde apareceram fragmentos diagnósticos, como gargalos e bases. Os fragmentos estudados do SSF-01 correspondem à Área 01. Segundo Bornal (2008), esta área é o local onde foram direcionadas as pesquisas para a evidenciação e levantamento arquitetônico dos restos construtivos. Na Área 01 mapeou-se a ocorrência de vestígios e realizou-se a escavação arqueológica de um trecho do sítio, cujos locais correspondem às áreas de descarte de material. As áreas de escavação onde foram encontrados os materiais vítreos correspondem aos Setores ll, lll, lllA e Vll, respectivamente onde hoje se encontram o conjunto de colunas, forno de engenho, bolsão antrópico localizado atrás do forno e uma área entre o conjunto de colunas e o muro do terraço da casa moradia. Os materiais provenientes destes setores em particular, posteriormente inventariados e catalogados, foram quantificados em um gráfico de fragmentos vítreos por setor (Figura 53), onde podemos perceber as concentrações de materiais vítreos nos respectivos setores lll e lllA. Gráfico Fragmentos por Setor 517 Coluna B 279 Figura 53 – Gráfico de concentração de material vítreo SSF-01. Os setores lll e lllA, conforme o gráfico (Figura 53), apresentam maiores concentrações de materiais vítreos localizados próximos ao forno de engenho. Possivelmente estas seriam as áreas de descarte de material, formando um bolsão antrópico. Tais áreas, em particular, representam uma preocupação maior quanto ao 36 8 tipo de material descartado nestes locais. 3 Os bolsões antrópicos encontrados nos setores lll e lll A, situados em um local de produção, onde existia a livre circulação de escravos que trabalhavam no forno de engenho, teriam suas atividades vigiadas durante o período em que estavam trabalhando. Juntamente com o fato de os escravos não terem livre acesso a ferramentas como facões, enxadas e machados, aponta para um maior cuidado em descartar certos tipos de materiais, como o vidro, onde o simples fato de quebra os transformam em peças extremamente afiadas. As garrafas e frascos quebrados poderiam facilmente tomar o lugar de facas e pequenas ferramentas de corte, podendo ser utilizadas pelos escravos como raspadores e facas, porém existe a possibilidade de se transformarem em armas letais aos moradores não escravos da fazenda. O item Sem setor/Sem quadra, corresponde a achados fortuitos, provenientes de prospecções e limpeza dos setores para serem escavados. Já os fragmentos agrupados em Sem Identificação correspondem diretamente a fragmentos acometidos pela iridescência, que em estágio avançado, acabaram por perder seu número de identificação. Os fragmentos encontrados no setor ll, totalizando 36 fragmentos, podem ser divididos entre: fragmentos de vidros planos, provavelmente de janelas da capela existente durante a ocupação do SSF-01, algumas bases, pescoços e partes do corpo de garrafas. Porém um fragmento em particular chama a atenção. Trata-se de uma possível tampa esférica que apresenta uma evidência de êmbolo, possivelmente pertencente a um frasco para óleos ou água benta. O setor Vll consiste em uma área de declive entre o patamar da capela e o patamar da casa moradia, onde foram encontrados 3 fragmentos caracterizados como achados fortuitos. Os dados tipológicos podem ser observados no gráfico da Figura 58. O critério utilizado para a obtenção deste gráfico foi a separação das peças por estado físico em que se encontram no acervo. 234 1 10 30 5 2 24 4 1 Figura 58 – Gráfico de fragmentos por tipologia. Os dados disponíveis no gráfico (Figura 58) nos fornecem informações importantes quanto ao acervo. Os fragmentos compõem grande parte do acervo e apontam para métodos de produção manual. Estes fragmentos, posteriormente, formarão conjuntos de NMP, possibilitando a reconstituição de garrafas e frascos. Os fragmentos base são partes inteiras ou parciais de bases de garrafas e frascos de remédios encontrados no SSF-01 e, juntamente com os gargalos, são as partes diagnósticas mais importantes estudadas. Estes fragmentos apresentam evidências de moldes, pontéis e em alguns casos, inscrições que fornecem maiores informações sobre seus métodos de produção e fábricas (Figura 58). Dentre os fragmentos de copos presentes no acervo, destaca-se um em particular. É um copo com caneluras utilizado para o consumo de cachaça, conforme o interessante estudo de FERREIRA (2005), sobre o espólio vítreo na cidade de Tomar, em Portugal. Este fragmento de copo, produzido com a técnica de sopro em molde, assemelha-se ao retratado na pintura de Antonio Pérez de Aguilar, presente no mesmo estudo. Uma série de fragmentos de utensílios produzidos em material vítreo presentes no acervo do SSF-01, estudados nesta pesquisa, mostra a continuidade na produção de utensílios em vidro, como o retratado pelo artista, na época em que se deu a ocupação do sítio (BORNAL, 2008). O fragmento de tampa presente no gráfico (Figura 58) corresponde a uma única tampa, confeccionada em vidro e representada na Figura 48, encontrada nas escavações ocorridas entre os anos de 1992 a 1995. Devido à localização deste achado em particular, acredita-se que seja proveniente de algum frasco utilizado em cerimoniais. Os fragmentos de frascos encontrados apontam para frascos de perfume e frascos de remédio. Apresentam evidências de produção de vidro soprado em molde. Apenas três fragmentos em particular apresentam inscrições de logomarcas e de fabricantes. O fragmento de base 1 onde há inscrição hot tot... pa..., encontra-se na porção inferior; o fragmento 2 corresponde ao corpo de um frasco de remédio, onde encontra-se a inscrição Pildoras de Bristol na lateral; o fragmento de base 3, pertence a um frasco de remédio, nota-se a inscrição ...tols e ...lis... em uma face e ...tales... na outra face. Os fragmentos de gargalo estudados nesta pesquisa correspondem a fragmentos inteiros onde a quebra ocorreu na base, ou no pescoço da garrafa, preservando o gargalo e suas características de fabricação. Poucos foram os gargalos fragmentados estudados. Os fragmentos de ombro de garrafas, como explicado anteriormente, correspondem a fragmentos específicos, sendo de fácil identificação devido ao ângulo de inclinação. Os fragmentos caracterizados como ondulados, consistem em fragmentos com leves ondulações, possivelmente provenientes de um garrafão produzido pela técnica de sopro livre. Os fragmentos de pescoço como os fragmentos de ombro, são provenientes de quebras específicas, onde ocorre abaixo da base do gargalo e superior ao ombro. Os fragmentos de vidro plano, não fornecem nenhum elemento diagnóstico quanto ao vidro, somente podemos afirmar a presença de janelas e vitrais nas construções da fazenda. Fragmentos sem identificação correspondem diretamente a fragmentos que devido à quebra posterior a primeira catalogação, ou estágios muito avançados de iridescência, acabaram por perder sua numeração. Mas em nenhuma hipótese esses fragmentos poderão ser descartados, somente receberão nova numeração, quando forem constatados por inventário quais eram seus números originais, ou durante o processo de NMP. O fragmento de base de taça é mais um dos fragmentos peculiares do acervo, pois foi encontrada apenas uma base de uma taça produzida com a técnica de sopro em molde, sendo sua base colada posteriormente à haste que sustenta a taça. Nas escavações entre os anos de 1992 e 1995, foi encontrado um único cálice em vidro prensado, apresentando a base com o formato de um sapato feminino, semelhante ao encontrado no convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, Portugal. Segundo FERREIRA (2004), cálices como este eram utilizados na Europa durante ocasiões especiais, entre os séculos XVIII e XIX, onde os sapatos para beber mais comuns foram utilizados na Inglaterra e também na Itália, durante o período vitoriano. Os Joke Glass ou Copo do Segredo são nomenclaturas utilizáveis para copos e taças de vidro para a ingestão de líquidos, dentre as quais encontra-se o corpo em forma de bota ou sapato. A iridescência pode acometer alguns fragmentos de vidro encontrados em solos arqueológicos. Segundo LOREDO (2004), os vidros encontrados em solos ácidos permanecem bem preservados, mas quando enterrados em solos alcalinos, sofrem uma profunda deterioração, perdendo seu material fundente em relação à sílica. O processo de desgaste do vidro aumenta na medida em que permanecerem em contato direto com o solo alcalino, retirar o fragmento deste contexto diminui o processo de iridescência, conforme LOREDO (2004). O manuseio de fragmentos irisados deve ser realizado com luvas cirúrgicas, evitando ao máximo o descolamento das camadas do fragmento de vidro. A quantidade de fragmentos irisada quantificada (Figura 64) corresponde a um total de 415 fragmentos irisados, respectivamente 48% do acervo; os 88 fragmentos agrupados em Iridescência avançada, 10% do acervo, se encontram em um estágio de decomposição muito adiantado, impossibilitando a análise. Os 361 fragmentos de vidro que compõe 42% do acervo estão livres dos efeitos da iridescência, devido a sua composição de poucos materiais fundentes. Figura 64 – Gráfico de estágios de iridescência. As colorações dos fragmentos em material vítreo do acervo do SSF-01 (Figura 65), foram classificadas de acordo com os modelos apresentados pela SHA, conforme representado no capítulo 4 desta pesquisa. Figura 65 – Gráfico de coloração dos fragmentos presentes no acervo do SSF-01. Nota-se que a coloração transparente e matizes de âmbar e verde predominam no acervo. Os recipientes fabricados nestas colorações compreendem utensílios para servir e de uso cotidiano como jarras, copos e garrafas de mesa ou produzidos em vidros planos, para janelas e vitrais. As colorações aqua e azul cobalto se apresentam-se em menor número em relação a outras cores no acervo, pois são colorações mais comumente produzidas a partir de meados do século XIX, em garrafas de licores e alguns vinhos europeus. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises das amostras de vidro do SSF-01, aliadas às fontes de pesquisa e bibliografia consultadas permitiram a compreensão de alguns aspectos de consumo dos ocupantes do local. As análises apontam para o uso, principalmente, de garrafas de vinho, confeccionadas em períodos distintos, sendo a maior parte delas produzidas entre os séculos XVI e XVIII e as restantes produzidas entre os séculos XVIII e XX. Essa diferença na cronologia foi verificada pelas técnicas de produção, onde pode-se observar o uso da técnica de sopro livre e a técnica de sopro em molde, aliadas a novas ferramentas que legaram marcas visíveis de produção, permitindo, assim, uma estimativa da época de fabricação. As concentrações de materiais estudados pertencem à Área III, onde existiu um forno de engenho, representando o maior bolsão antrópico com material vítreo. Entre os fragmentos analisados tipologicamente, as maiores quantidades referem-se a fragmentos de garrafas (mais numerosos) e vidros planos. Estes últimos demonstram a existência de janelas e vitrais na propriedade. As análises de coloração dos fragmentos estudados apontam para uma predominância de vidros hialinos e verdes. Entre os fragmentos de vidro hialino observam-se duas categorias distintas: vidros isolantes, caracterizados por vidros de janelas e utensílios para servir, como garrafas de mesa, copos e cálices diversos. Os numerosos fragmentos de garrafas na coloração verde, classificados na categoria de armazenamento, necessitam de estudos complementares para uma melhor compreensão de seu uso no cotidiano. Tais estudos não fizeram parte dos objetivos deste trabalho, mas são propostos no capítulo a seguir para a continuidade futura desta pesquisa. 7 PROCEDIMENTOS FUTUROS Existem procedimentos desta pesquisa que serão realizados oportunamente, como a metodologia do Número Mínimo de Peças (NMP) e o experimento de padrão de quebra. A metodologia NMP será aplicada visando reduzir o número de peças a serem quantificadas. Apesar do acervo encontrado apresentar-se bastante fragmentado, será realizado o experimento de padrão de quebra com o objetivo de comparar os padrões de quebra entre as garrafas do período de ocupação do SSF-01 e os exemplares produzidos hoje. 7.1 NÚMERO MÍNIMO DE PEÇAS (NMP) A metodologia do Número Mínimo de Peças consiste em um procedimento que delimita o número de peças analisadas, reunindo os fragmentos por tipo de material, métodos de fabricação e coloração, formando conjuntos de peças ou peças isoladas. Estes conjuntos poderão ser reconstituídos ou permanecerem fragmentários (CALDARELLI, 2003). Os conjuntos de NMP receberão uma numeração em ordem crescente. Após este procedimento, as informações provenientes desses conjuntos, ou NMP, serão inseridas numa planilha (Figura 66), cujo preenchimento será realizado nos campos pertinentes, conforme os quadros apresentados no capítulo 3 – Características, Morfologia e Fabricação de Garrafas. A planilha de NMP pode ser utilizada em vários tipos de materiais que possibilitem a formação de conjuntos, como vidro, cerâmica, faiança e grês. Figura 66 – Quadro de Descrição Número Mínimo de Peças, manipulado pelo Programa Computacional Photoshop (Arquivo do autor, 2008). Esta tabela foi mantida neste local para um melhor entendimento da parte textual. A seguir, será apresentada a explicação detalhada para o preenchimento da planilha (Figura 66). NMP – cada conjunto receberá um número de identificação, este deverá seguir uma ordem crescente, facilitando a identificação posterior; Nº DE REGISTRO – no caso do SSF-01, será preenchido com os códigos dos fragmentos inventariados e reunidos em conjuntos, por exemplo, SF-01 Vd001, SF-01 Vd015, SF-01 Vd099; ESTADO FÍSICO – divide-se em subcategorias, obedecendo ao padrão de preenchimento de apenas uma delas para cada conjunto; SEÇÃO TIPOLÓGICA – devido à montagem do conjunto, pode-se preencher mais de um campo conforme a necessidade. Caso seja um conjunto reconstituído ou conjunto não montado (gargalo, pescoço e ombros de uma garrafa), serão marcados os três campos pertinentes; MATÉRIA PRIMA – está subdividida em três categorias. Cor ou Tipo – que compreende ao tipo de matéria prima utilizada para a produção do material ou a coloração da peça pesquisada; Feição da Superfície – caracterizada como lisa, rugosa ou áspera; Feição Interna – que compreende as mesmas características da Feição da Superfície; TIPO – podem ser: materiais construtivos (vidros planos provenientes de janelas e vitrais; globos de lustres ou lampiões), garrafas, frascos e potes; FORMA – é caracterizada pelo seu estado físico atual; podem ser encontradas fragmentadas, derretidas devido à exposição ao calor extremo, ou intacta; CATEGORIA FUNCIONAL – existem três categorias básicas que podem ser utilizadas: servir, armazenar e isolante; INDÍCIOS DE MODO DE PRODUÇÃO – requer uma análise mais cuidadosa devido à dificuldade de identificação dos pequenos detalhes contidos nos fragmentos; linhas verticais, linhas horizontais e cicatrizes (pelo uso de alicates para moldagem de lábios em garrafas), são mais comumente encontradas no material vítreo; PRODUÇÃO – obedecem aos métodos de produção citados anteriormente no capítulo 3 – Características, Morfologia e Fabricação de Garrafas, como Sopro Livre, Sopro em Molde, Molde Único e Molde em duas ou três partes; DECORAÇÃO, LOGOMARCAS E OUTRAS INSCRIÇÕES – são divididas em quatro subcategorias: Seção Morfológica, utilizada para outros materiais que não são vidros; Motivo Decorativo são desenhos e motivos impressos ou inseridos durante e posteriormente a produção dos materiais; Logomarcas são de dois tipos: logomarcas do fabricante, mais comumente encontrada na porção inferior, ou na base do objeto estudado e, logomarca do produto, que consiste em impressões durante o modo de produção como o nome, ou conteúdo do produto estudado; Outras, que compreendem caracteres que não oferecem maiores significados, tais como número arábico ou romano, capacidade em mililitros e figuras geométricas em menor escala; DIMENSÕES – existem três divisões primárias: Espessura, sendo máxima e mínima; Diâmetro do corpo, gargalo e base; Altura, quando o objeto encontra-se inteiro ou reconstituído por completo. Após o término do preenchimento da planilha NMP, será necessário quantificar os dados inseridos na mesma em forma de gráficos representativos. Os gráficos mostrarão de uma forma resumida todo o trabalho realizado em laboratório, compondo um relatório explicativo de todo o acervo analisado. 7.2 EXPERIMENTO DE PADRÃO DE QUEBRA Este experimento ocorrerá da seguinte forma: serão selecionadas 15 garrafas de vinho na coloração verde, todas produzidas pela técnica de produção automática. A escolha do material em questão deu-se pela facilidade de obtenção. A quebra ocorrerá em três etapas distintas: a primeira etapa consistirá na separação de três lotes de cinco garrafas, onde cada lote será quebrado em um tipo de superfície: cimentada, terra batida e terra batida com choque de duas garrafas. A primeira superfície será cimentada, onde a quebra será controlada. Após cada quebra, serão recolhidos os fragmentos e identificados como Garrafa Teste 01 (GT01). O segundo lote será quebrado em uma superfície de terra batida, imitando o local do bolsão antrópico encontrado no SSF-01. Após o recolhimento, os fragmentos serão identificados como Garrafa Teste Terra 01 (GTTe01). O terceiro lote de garrafas será quebrado em uma superfície de terra batida, mas a quebra ocorrerá com choque de duas garrafas, onde uma estará repousando no chão e a outra será arremessada sobre a garrafa em repouso; sua classificação será Garrafa Teste Quebra em Choque 01 (GTC01). Os fragmentos produzidos com o experimento serão coletados, numerados e reunidos de forma a compor um conjunto de NMP. Dessa forma faremos uma comparação entre o material vítreo resgatado do SSF-01 e os fragmentos de nosso experimento. Este experimento de quebra controlada de garrafas terá como objetivo a comparação dos conjuntos NMP formados com o material vítreo do SSF-01 e os conjuntos formados pelas garrafas produzidas na segunda metade do século XX. Com isso tentaremos criar um padrão de quebra com o número de fragmentos obtidos com o experimento. REFERÊNCIAS BORNAL, Wagner Gomes et al. Sítio Arqueológico São Francisco. São Sebastião, SP, 2007. 1 CD-ROM. ______. Sítio Histórico São Francisco: um estudo sob a ótica da arqueologia da paisagem. São Paulo. 2008. 297 p. Tese (Doutorado em Arqueologia). Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Bottle. Disponível em: <http://www.sha.org/bottle>. Acesso em: 25 jul. 2008. AULTMAN, Jennifer; GRILLO, Kate. DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels. eBook disponível em: <http://www.daacs.org/aboutDatabase/pdf/cataloging/Glass.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2008. CALDARELLI, S. B. Arqueologia do Vale do Paraíba Paulista. Relatório Final – SP – 07 – Rodovia Carvalho Pinto. São Paulo: COP L PRINT, 2003. GIBBON, Marcela Bernardo. Suporte de Vidro. São Leopoldo, RS, 2003. 21 p. Artigo (Especialização em Design Gráfico). Centro de Ciências da Comunicação, Universidade do Rio dos Sinos. FERREIRA, Manuela Almeida. Espólio vítreo proveniente da estação arqueológica do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra: resultados preliminares. Revista Portuguesa de Arqueologia, Portugal, v. 7, n. 2. p. 541-583. 2004. ______. O uso de vidraria em Sellium e em Tomar: as descobertas arqueológicas recentes em relação com a história do vidro. Revista Portuguesa de Arqueologia, Portugal, v. 8, n. 1. p. 387-431. 2005. HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008. HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008. LOREDO, W.M. Manual de Conservação em Arqueologia de Campo. Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1994. LORENZI, Eduardo Smania de. Vidros bactericidas no tratamento microbiológico de água. Florianópolis, 2004. 95 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química). Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos, Universidade Federal de Santa Catarina. JONES, Olive; SULLIVAN, Catherine. The Parks Canada Glass Glossary: for the description of containers, tableware, flat glass, and closures. Canadá, National Historic Parks and Sites, 1989. RESSURREIÇÃO, Rosângela Dias da. São Sebastião: transformações de um povo caiçara. São Paulo: Editora Humanitas, 2002. SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Plano Diretor, out. 1997, per. 1998-2002. Disponível em: <http://www.saosebastiao.sp.gov.br>. Acesso em: 15 ago. 2009. O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvi dro.htm>. Acesso em: 18 jun. 2008. ZANETTINI, Paulo Eduardo; CAMARGO, Paulo Fernandes Bava de. Cacos e mais cacos de vidro: o que fazer com eles? Manual. 101 p. São Paulo, 1999 (versão revisada em 2008 pelo autor principal e enviada por e-mail ao autor deste em 04 de agosto de 2008). GLOSSÁRIO Bitola: espessura em milímetros; medida; Bolsão antrópico: local de descarte de material; Cal: óxido de cálcio é uma das substâncias mais importantes para a indústria, sendo obtida por decomposição térmica de calcário. Também chamada de cal viva ou cal virgem, é um composto sólido branco. Cálcio: elemento químico (Ca), metal da família dos alcalinos-terrosos; Cana: ver Pontel; Carbono: elemento químico (C), pode ser encontrado na natureza em diversas formas alotrópicas: como: carbono amorfo, cristalino, grafite ou diamante. Cerâmica: matéria-prima queimada; qualquer classe de material sólido inorgânico, nãometálico que seja submetido a altas temperaturas para cozimento; Cobalto: elemento químico (Co), metal de transição de coloração branco-azulada. É obtido principalmente dos minerais carrolita, lineíta, esmaltita e cobaltita. Chumbo: elemento químico (Pb), metal tóxico, pesado, macio, maleável e pobre condutor de eletricidade. Cromo: elemento químico (Cr), metal utilizado em metalurgia, seus óxidos e cromatos são usados como corantes; Enxofre: elemento químico (S), não-metal insípido e inodoro, facilmente reconhecido na forma de cristais amarelos que ocorrem em diversos minerais de sulfito e sulfato; Faiança: forma de cerâmica branca, que possui uma massa cerâmica menos rica em caulim do que a porcelana; Ferro: elemento químico (Fe), metal de transição encontrado em abundância na crosta terrestre; Garra de fixação: ferramenta que envolve o corpo do objeto de vidro, permite uma melhor sustentação para a finalização e também serve para a inserção de inscrições nas bases; Grês: material produzido a partir de argila de grão fino, plástica, sedimentária e refratária, suporta altas temperaturas. Vitrificam entre 1150°C - 1300°C. Nelas o feldspato atua como material fundente. Guano: nome dado às fezes das aves e morcegos quando estas se acumulam, utilizado como fertilizante devido aos seus altos níveis de nitrogênio. Composto de amoníaco, ácido úrico, ácido fosfórico, ácido oxálico, ácido carbônico, sais e impurezas da terra. Hialino: translúcido, transparente; Irisdescência: efeito sofrido pelo vidro em estágio de decomposição, perda do material fundente, outros compostos misturados a sílica para produzir o vidro, ocorre quando o vidro encontra-se depositado em solo alcalino; Lítico: relativo a pedra, ferramenta feita em pedra; Manganês: elemento químico (Mn), metal de transição de coloração branco cinzento, refratário e facilmente oxidável. Magnésio: elemento químico (Mg), metal alcalino-terroso, empregado como elemento de liga com o alumínio. Morfologia: estudo da forma dos objetos; Murano: ilha de um arquipélago italiano; Níquel: elemento químico (Ni), metal de transição de coloração branco-prateada, condutor de eletricidade e calor, encontrado em diversos minerais, em meteoritos (formando liga metálica com o ferro); Obsidiana: tipo de vidro vulcânico, formado quando a lava esfria rapidamente, Paquímetro: do grego: paqui (espessura) e metro (medida), instrumento utilizado para medir a distância entre dois lados simetricamente opostos em um objeto; Pontel: instrumento semelhante a um cano, utilizado para soprar a massa vítrea, geralmente produzido em ferro, madeira oi cerâmica; Potassa: elemento químico (KOH), hidróxido de potássio, também chamado de potassa cáustica Sílica: elemento químico (SiO2), composto conhecido como dióxido de silício, encontrado em areias Sítio Histórico: sítio arqueológico com datação posterior ao ano de 1500, quando aparecem os primeiros registros escritos do Brasil. Snap-case: ver garra de fixação; Soda: elemento químico (Na2CO3), conhecido também como carbonato de sódio, sal branco e translúcido; Sódio: elemento químico (Na), metal alcalino, sólido na temperatura ambiente, macio, untuoso, de coloração branca, ligeiramente prateada. Tipologia: estudo sistemático de tipos e podendo ser aplicado a diversas disciplinas; Vidro crown: vidro utilizado para a confecção de lentes de óculos; Vidro prensado: obtém-se moldando em prensas uma certa quantidade de massa em estado pastoso, para fabricar botões, bolas, placas, ladrilhos e outros objectos similares, assim como corpos ocos de formas simples; Vidro soprado: utensílio fabricado de forma manual, sendo soprado e moldado até atingir a forma desejada; Zarabatana: ver Pontel. Zinco: elemento químico (Zi), metal classificado como metal de transição, apresenta semelhanças com o magnésio e o berílio.