UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
FELIPE PROSPERO
ACHADOS EM VIDRO NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO (SSF-01),
SÃO SEBASTIÃO-SP: levantamento e identificação dos vestígios entre os anos de
1992 e 1995
São Paulo
2009
FELIPE PROSPERO*
ACHADOS EM VIDRO NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO FRANCISCO (SSF-01),
SÃO SEBASTIÃO-SP: levantamento e identificação dos vestígios entre os anos de
1992 e 1995**
Monografia apresentada à Universidade de
Santo Amaro para a obtenção do título de
Especialista em Arqueologia, História e
Sociedade, sob a orientação do Prof. Dr.
Wagner Carvalheiro Porto e co-orientação do
Prof. Dr. Wagner Gomes Bornal
São Paulo
2009
Dedico este trabalho à pessoa que mais me
apoiou durante a pesquisa. Creio que sem
ela não teria conseguido. Obrigado pelo
apoio, Gerlice Maria Milani, minha amada
mãe.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Wagner Gomes Bornal, pela oportunidade de trabalhar com o acervo do
Sítio Arqueológico São Francisco e orientação deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Vagner Carvalheiro Porto, pela orientação, incentivo e amizade.
Aos funcionários do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade de São Sebastião,
Aline F. Mazza, Clayton Galdino e Cristiane da Silva, pelo auxílio e paciência.
À Profª Drª Gerlice Maria Milani, pela ajuda neste trabalho.
À Suzana Kawamura, pela compreensão e apoio durante a pesquisa.
Aos colaboradores do Sítio Arqueológico São Francisco, pelo trabalho exemplar.
Ao Prof. Dr. Paulo Eduardo Zanettini, pelo material cedido e atenção dispensada.
Ao Edson Luis Gomes, pela troca de idéias durante o trabalho.
RESUMO
O presente trabalho enfoca a pesquisa e catalogação do material vítreo resgatado do
Sítio Arqueológico São Francisco, entre os anos de 1992 e 1995. O Sítio Arqueológico
São Francisco localiza-se no litoral Norte do Estado de São Paulo, na cidade de São
Sebastião. O acervo estudado encontra-se no Departamento de Patrimônio Histórico da
mesma cidade. Objetiva-se desenvolver um método para a identificação e catalogação
do material vítreo. Os fragmentos estudados foram separados, identificados, datados
em dois períodos distintos e analisados para uma melhor compreensão de métodos de
produção. As análises apontam para materiais vítreos produzidos, em sua maioria, a
partir de técnicas manuais de sopro livre e pela técnica de sopro em moldes. As
colorações e morfologia dos fragmentos também foram identificadas e analisadas. Os
fragmentos estudados nesta pesquisa apontam para diferentes usos, porém a maioria
enquadra-se na categoria de armazenamento e isolante. Nota-se uma grande
quantidade de garrafas de coloração verde e vidros planos de janelas e vitrais.
Palavras-chave: Vidro, Material Vítreo, Arqueologia Histórica, Sítio Arqueológico São
Francisco. Técnicas de Produção, Coloração.
*
Professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, História e Sociedade da Universidade de
Santo Amaro – e-mail: [email protected]
** Versão para postagem no site.
ABSTRACT
This report focuses on the research and cataloging of the glasses material rescued from
the Archaeological Site São Francisco, between the years 1992 and 1995. The
Archaeological Site São Francisco is located on the northern coast of São Paulo, in São
Sebastião. The collection studied is in the Department of Cultural Heritage of the same
city. It aims to develop a method for identifying and cataloging of the glassy material.
The studied fragments were separated, identified and dated to two distinct periods and
analyzed for a better understanding of production methods. The analysis points to
vitreous materials produced, mostly from technical manuals and free blowing technique
of blowing into molds. Staining and morphology of the fragments were also identified
and analyzed. The fragments of this research point to different uses, but most fall into
the category of storage and insulation. It shows a lot of bottles of green tint and flat glass
windows and stained glass.
Keywords: Glass, Material Vitreous, Historical Archeology, Archaeological Site San
Francisco. Production Techniques, Staining.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 BREVE HISTÓRIA DO VIDRO
12
2 CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO SÃO
FRANCISCO NA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO
18
3 VIDRO: CARACTERÍSTICAS, MORFOLOGIA E FABRICAÇÃO DE
GARRAFAS
21
3.1 Características gerais
21
3.2 Técnicas de fabricação
24
3.2.1 Técnica de Sopro Humano Livre
25
3.2.2 Técnica de Sopro em Molde
27
3.2.3 Produção Semi-automática e Automática
27
3.3 Morfologia na fabricação de garrafas
4 OCORRÊNCIA DA COLORAÇÃO
28
30
4.1 Hialino ou Incolor
31
4.2 Aqua ou Água-marinha
32
4.3 Branco ou Vidro Leite
32
4.4 Verdes (não-oliva) e Azul-verdes
33
4.5 Âmbar e Verde-oliva
33
4.6 Âmbar
35
4.7 Azul (azul verdadeiro)
35
4.8 Ametista ou Púrpura
36
4.9 Preto
36
5 RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO
38
5.1 Reconhecimento do acervo
38
5.2 Resultados Parciais do Inventário
42
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
49
7 PROCEDIMENTOS FUTUROS
51
7.1 Número Mínimo de Peças (NMP)
51
7.2 Experimento de Padrão de Quebra
54
8 REFERÊNCIAS
56
GLOSSÁRIO
58
INTRODUÇÃO
O Sítio Arqueológico São Francisco (SSF-01), tratado nesta pesquisa, está
localizado na praia da Figueira, no município de São Sebastião e inserido no Parque
Estadual da Serra do Mar.
O SSF-01 envolve uma propriedade datada entre os séculos XVIII e XIX,
caracterizado como um sítio arqueológico de natureza histórica, onde cultivou-se canade-açúcar, café e culturas de subsistência. É composto por elementos arquitetônicos
implantados sobre terraços construídos, incluindo estradas de acesso, sistema de
captação de água, bolsões de cultura agrícola, bolsões antrópicos entre outros.
Os bolsões antrópicos são áreas de descarte de materiais dos habitantes da
propriedade, que se tornaram imprestáveis para o uso cotidiano, devido à quebra ou
uso excessivo. Estes materiais podem ser fragmentos de faiança, vidro, cerâmica,
metal, porcelana, restos alimentares, líticos e restos construtivos.
Esses fragmentos possuem um potencial informativo sobre a sua própria
materialidade e permitem a obtenção de informações sobre a sua utilização, produção e
as formas de organização social dos habitantes do local.
Dos bolsões antrópicos, foram recuperados milhares de fragmentos, onde a
grande maioria corresponde à faiança e cerâmica da primeira metade do século XIX.
Os fragmentos de vidro, objeto desta pesquisa, foram encontrados em bolsões
antrópicos, em menores quantidades em relação a outros materiais, porém constituem
um importante elemento diagnóstico para o cotidiano dos habitantes do local. Tais
fragmentos encontram-se na reserva técnica do Departamento de Patrimônio Histórico
da cidade de São Sebastião, litoral norte do Estado de São Paulo, produto de dezesseis
anos de escavações.
O campo de pesquisa de vidros em sítios arqueológicos, no território brasileiro,
encontra-se pouco desenvolvido. Raros são os especialistas nesta área e, também rara
é a literatura disponível na Arqueologia brasileira.
A partir das informações armazenadas ao longo do período de escavações,
associadas à literatura pertinente, obteve-se subsídios para possibilitar a identificação e
análise dos achados em material vítreo. Partindo desta identificação, pode-se contribuir
com relevantes informações sobre a questão do vidro no Brasil colonial e,
especificamente, na cidade de São Sebastião, estabelecendo-se um correlacionamento
com o cotidiano doméstico.
O objetivo desta pesquisa é estabelecer um sistema para identificação dos
achados em vidro no SSF-01, entre os séculos XVIII e XIX, precisamente entre os anos
de 1750 e 1850. Os métodos de fabricação e símbolos encontrados nos achados em
material vítreo permitem a determinação da origem e datação aproximada dos
utensílios.
Análises quantitativas e qualitativas do acervo existente permitiram separar as
peças por coloração, funções e utilização prática e identificar os métodos de produção,
bem como, determinar os possíveis produtores das peças e datar os períodos
aproximados de fabricação.
Este trabalho está dividido em sete capítulos, onde o capítulo um apresenta um
breve histórico do vidro.
No capítulo dois estão apresentados o contexto histórico e geográfico do SSF-01
na cidade de São Sebastião, sua localização, aspectos gerais do sítio e da cidade.
O capítulo três aborda as características principais do vidro, a morfologia básica
e os métodos de fabricação de garrafas.
O capítulo quatro apresenta as ocorrências de coloração do vidro.
O capítulo cinco envolve o reconhecimento do acervo e os resultados parciais
discutidos.
No capítulo seis apresenta-se as considerações finais e no capítulo sete, os
procedimentos futuros que complementarão esta pesquisa.
1 BREVE HISTÓRIA DO VIDRO
Alguns autores consideram que o vidro existe na natureza desde a formação da
crosta terrestre. Os chamados vidros naturais formaram-se a partir do magma, devido
às suas condições de resfriamento. O homem pré-histórico aprendeu a servir-se dos
vidros muitos milênios antes da descoberta dos vidros artificiais (NAVARRO, 1991 apud
LORENZI, 2004).
A rocha vítrea mais importante empregada pelo homem pré-histórico denominase obsidiana. Esta rocha, desde o princípio, permitiu ao homem utilizá-la com dupla
finalidade, funcional e ornamental, servindo-lhe na fabricação de diferentes utensílios
domésticos e instrumentos defensivos rudimentares (NAVARRO, 1991 apud LORENZI,
2004).
Os primeiros registros da descoberta do vidro datam de 5000 a.C., quando
mercadores fenícios ao fazerem uma fogueira, à beira da praia, utilizando blocos de
nitrato de sódio para apoiar panelas, produziram acidentalmente um novo material.
Acredita-se que o fogo aliado à areia e ao nitrato de sódio originou, pela primeira vez,
um líquido transparente, o vidro.1
De acordo com o historiador Plínio, o Velho (século I d.C.), em sua obra
Naturalis Historiae, esse acidente primordial ocorreu nas areias de uma praia no litoral
do Mediterrâneo. Porém, estudos arqueológicos não confirmaram este relato. 2
Os povos da Mesopotâmia e os egípcios já conheciam as técnicas rudimentares
da fabricação do vidro em 2700 a.C. Em escavações arqueológicas, nas proximidades
de Bagdá, foi encontrado um cilindro de vidro azul, datado deste período. No Egito,
também encontrou-se um fragmento de vidro azul escuro, uma espécie de amuleto,
onde está escrito o nome do faraó Antef II. 3
Posteriormente, em 100 a.C., os romanos produziram vidro para suas janelas
através de técnicas de sopro em moldes. Em 300 d.C., o imperador romano
1
O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>.
Acesso em: 18 jun. 2008.
2
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
3
HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008.
Constantino passou a cobrar taxas e impostos aos vidreiros, tal era a difusão e
lucratividade do produto.4
Entre 500 e 600 d.C., a produção do vidro plano passou a ser por sopro em uma
esfera e sua sucessiva ampliação por rotação em forno, que perdurou até o século XIX.
Posteriormente, por volta de 1300 d.C., a técnica do vidro moldado a rolo, trazida do
Oriente pelas Cruzadas, foi introduzido em Veneza. 5
A arte do vidro desenvolveu-se no Ocidente a partir de Bizâncio. Do século XIII
em diante, Veneza tornou-se um grande centro vidreiro europeu. Os mestres vidreiros,
concentrados na ilha de Murano e as corporações venezianas ganharam fama com
seus artefatos em vidro.6
A fabricação do vidro, a partir da Idade Média, era um assunto para peritos,
guardado com ciúmes contra restrições familiares e espionagem industrial. A interação
de técnicas francesas na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX (Figura 1), por exemplo, foi
feita somente com grande dificuldade. A introdução do vidro crown trefilado foi realizada
por volta de 1680, por John Bowles, com suborno e roubo da França. Em 1773, a
British Cast Plate Company, estabelecida em Ravenhead St. Helensm, perto das
jazidas de areia de Cheshire, dependia da habilidade importadora da França. A
primazia inicial da França foi exemplificada pela Compagnie de St. Gobain, instalada há
cerca de 300 anos, para envidraçar o Palácio de Versalhes. 7
4
O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>.
Acesso em: 18 jun. 2008.
5
O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>.
Acesso em: 18 jun. 2008.
6
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
7
O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvidro.htm>.
Acesso em: 18 jun. 2008.
Figura 1 - Ilustração de etapa de fabricação de vidros para janelas em
1800. Fonte: HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em:
<http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16 jun. 2008.
A história do vidro, no Brasil, iniciou-se com as invasões holandesas no período
entre 1624 e 1635, em Olinda e Recife (PE), onde a primeira oficina de vidro foi
montada por quatro artesãos que acompanhavam o príncipe Maurício de Nassau. A
oficina fabricava vidros para janelas, copos e frascos. Com a saída dos holandeses da
região, a fábrica encerrou-se.8
Em Salvador, em 1810, surgiu a primeira fábrica de vidros, montada por
Francisco Inácio de Siqueira Nobre, com a devida autorização do Regente D. João,
recém-chegado ao Brasil. Acredita-se que a Real Fábrica de Vidros da Bahia foi criada
à imagem e semelhança da Real Fábrica da Marinha Grande (Figura 2), em Portugal,
algumas décadas antes e, logo começou a entregar os primeiros vidros. 9
8
HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008.
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
9
Figura 2 – Planta baixa da Real Fábrica da Marinha Grande, Portugal.
Fonte: HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <htt
p://www.pilkington>. com. Acesso em: 16 jun. 2008.
Em 1825, a Real Fábrica de Vidros da Bahia encerrou-se devido a grandes
dificuldades financeiras.10
Além de vidros, o governo D. João VI autorizou e apoiou a produção de tecidos,
ferro, pólvora, ferramentas, corantes, óleos de iluminação etc. Esta política não visava
um processo de industrialização a longo prazo, uma substituição de importações avant
la lettre, mas da tentativa de adaptação imediata à situação criada pela ocupação
estrangeira do reino e pelas dificuldades momentâneas do comércio com a metrópole. 11
Os decretos joaninos enfatizavam mais o “permitir” do que o “desenvolver” as
manufaturas, denunciando uma visão estratégica ambígua e pouco eficiente.
Entretanto, mais do que nas inconsistências econômicas e nas tensões políticas da
Independência, a consolidação desses e outros setores manufatureiros esbarrou,
principalmente, nas condições econômicas e sociais de um país que deixava de ser
colônia, mas continuava a ser agrário, exportador e escravista. 12
Em 1861, a primeira Exposição Nacional de Produtos Naturais e Indústrias,
promovida pelo governo imperial, no Rio de Janeiro, mostrou aos estrangeiros que o
10
HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso em: 16 jun. 2008.
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
12
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
11
Brasil não produzia somente açúcar, café, algodão, cacau, couros e carnes salgadas.
Nesta
Exposição
Nacional,
foram
exibidas
muitas
variedades
de
produtos
manufaturados. Entre os vidros, exibiram-se apenas alguns tipos bem simples de
garrafas, garrafões, frascos e globos para lampiões. Estas peças foram fabricadas por
pequenas manufaturas de vidreiros portugueses, herdeiros da cultura e da formação
técnica da Real Fábrica da Marinha Grande, ou por artesãos italianos que começaram a
chegar com os primeiros imigrantes europeus. Dentre as peças produzidas em material
vítreo, não havia nenhuma peça em cristal. 13
Em 1882, a Fábrica Esberard, a primeira grande indústria brasileira de vidros, foi
criada no Rio de Janeiro. Esta indústria produzia vidros para embalagens e vidros
planos e expandiu-se rapidamente. Com pouco mais de dez anos de funcionamento,
possuía mais de quinhentos operários. Os cristais da marca Esberard eram prestigiados
no país inteiro, a ponto de serem comparados aos famosos Baccarat franceses. 14
Em 1895, a Companhia Vidraria Santa Marina foi fundada em São Paulo pela
associação de dois ilustres representantes do empresariado paulista, Antônio da Silva
Prado e Elias Fausto Pacheco Jordão. Esta companhia foi outro empreendimento de
grande sucesso, pois em menos de dez anos fabricou um milhão de garrafas e dois mil
metros quadrados de vidro plano por mês, empregando seiscentos funcionários. 15
A empresa Nadir Figueiredo, fundada em 1912, iniciou sua produção em uma
modesta e pioneira oficina de conserto e venda de máquinas de escrever e
equipamentos elétricos. Apenas na década de 1940, após o término da Segunda
Guerra Mundial, a Nadir Figueiredo trouxe do exterior os princípios essenciais e as mais
avançadas técnicas, inovando a produção de vidro no Brasil 16.
A fábrica de vidros Companhia Industrial São Paulo e Rio (CISPER), teve a sua
fundação em 1917. Localizada no bairro de Jacaré (RJ), concentrou suas atividades na
13
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
14
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
15
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>. Acesso em: 16
jun. 2008.
16
NADIR FIGUEIREDO IND E COM S/A. Disponível em: <http://www.abrace.org.br/port/institucional/asso
ciada.asp?id=37>. Acesso em 17 jun. 2008.
vidraçaria Carmita, sendo equipada e modernizada pelos fundadores com a compra de
máquinas automáticas para a produção de garrafas de vidro 17.
Em 1918, a CISPER iniciou uma parceria com a cervejaria Brahma, fortalecendo
os primeiros anos da empresa. Na década de 1940, a empresa iniciou a produção do
vidro incolor (sílex) e também a construção de sua segunda fábrica, em São Paulo. A
parceria CISPER/Brahma continuou até os dias atuais 18.
A Esberard, Santa Marina, Nadir Figueiredo e CISPER constituem as principais
empresas vidreiras brasileiras, sendo que destas, somente as três últimas continuam
em atividade.
17
18
CISPER. Disponível em: <http://www.monteiroaranha.com.br/cisper.asp>. Acesso em: 22 jun. 2008.
CISPER. Disponível em: <http://www.monteiroaranha.com.br/cisper.asp>. Acesso em: 22 jun. 2008.
2 CONTEXTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO
SÃO FRANCISCO NA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO
A localização geográfica do Município de São Sebastião tem como coordenadas
23º48’S e 45º24’W. Sua área total, incluindo as ilhas oceânicas, é composta de 401 km²
e apresenta quase 100 km de faixa litorânea com 34 praias (SÃO SEBASTIÃO, 1997).
A cota mínima do município é de 0 m (nível do mar) e a máxima de 1.291 m
(próximo à divisa com o município de Salesópolis). Além de Salesópolis, faz divisa com
os municípios de Caraguatatuba e Bertioga. O clima é tropical quente e úmido com 23º
C de temperatura média anual (SÃO SEBASTIÃO, 1997).
O município possui uma faixa territorial limitada pelos contrafortes da Serra do
Mar e seu relevo, bastante acidentado e escarpado, é caracterizado por baías,
enseadas e esporões rochosos avançando para o mar e ilhas, compondo um cenário
de belas praias, base para o desenvolvimento turístico da região (BORNAL, 2008).
A topografia de São Sebastião contribuiu para a ocupação das planícies
costeiras, onde as maiores concentrações populacionais nessas planícies, hoje,
encontram-se na costa Norte do município, que compreende do centro de São
Sebastião até a divisa de município com Caraguatatuba (BORNAL, 2008).
O município de São Sebastião herdou seu nome do batismo da Ilha de São
Sebastião, em 20 de janeiro de 1502, por Américo Vespúcio (ALMEIDA, 1959 apud
RESSURREIÇÃO, 2002).
As ocupações na região iniciaram-se com a instalação do povoado formado nas
terras da Ilha de São Sebastião e na parte continental, com as primeiras doações de
sesmarias, até os lados de Toque-Toque. Este povoamento, associado à sua
importância estratégica, fez com que a cidade de São Sebastião alcançasse sua
emancipação político-administrativa em 16 de março de 1636 (BORNAL et al., 2007).
A história do município de São Sebastião contém vários elementos da trajetória
econômica e social brasileira, como o ciclo das bandeiras, da mineração e o contato
comercial com o planalto (SILVA, 1975 apud BORNAL et al., 2007).
Numerosas propriedades agrícolas espalharam-se pela localidade, quase todas
possuidoras de engenhos, como a fazenda Santana (Figura 3), testemunho da
produção canavieira no município (ALMEIDA, 1959 apud RESSURREIÇÃO, 2002).
Figura 3 - Fazenda Santana. Coleção Agnello dos Santos. Acervo DPH –
PMSS (in: BORNAL et al., 2007).
O movimento portuário também foi responsável por grande parte das divisas do
município de São Sebastião, cujo florescimento foi evidenciado pelas primeiras
edificações diferenciadas, representadas pelos grandes sobrados. Porém, em 1787, o
capitão-general Bernardo José de Lorena obrigou a todas as embarcações que
zarpassem dos portos do litoral, fizessem escala no porto de Santos (ALMEIDA, 1959
apud BORNAL et al., 2007).
Essa medida teve o intento de estimular a produção no planalto, mas imprimiu
um revés no Litoral Norte, pois os produtores encontraram melhores preços no porto do
Rio de Janeiro. Melo e Castro de Mendonça, sucessor de Lorena, revogou a medida.
Contudo, o novo governador, José de Franca e Horta, apesar de reconhecer a
importância do açúcar para as terras paulistas, proibiu o plantio de cana-de-açúcar
simultâneo com outras culturas, a não ser para venda a Portugal (JURANDIR, 2000
apud BORNAL et al., 2007).
A propriedade que constitui hoje o SSF-01, datada entre os séculos XVIII e XIX e
tratada nesta pesquisa, floresceu com o cultivo de cana-de-açúcar e, posteriormente,
café e culturas de subsistência (BORNAL et al., 2007).
O SSF-01 localiza-se na Praia da Figueira e está inserido no Parque Estadual da
Serra do Mar, na cota altimétrica 270. Segundo BORNAL (2008), o cenário de
ocupação pode ser caracterizado numa área de aproximadamente 800.000 m² e
apresenta construções e restos construtivos de unidades habitacionais, religiosas e
produtivas, caminhos, estradas, aquedutos e barragens, áreas de captação de
recursos, córregos, áreas de descarte de objetos e restos alimentares, áreas de plantio
e postos de controle.
O acesso se dá pela Rodovia Caraguatatuba-São Sebastião e dista seis
quilômetros do que é hoje, o centro administrativo do município de São Sebastião
(Figura 4) (BORNAL et al., 2007).
Figura 4 - Mapa da costa norte do município de São
Sebastião com a localização do Sítio Arqueológico São
Francisco (sem escala). Fonte: DEPCOM-PMSS (in:
BORNAL et al., 2007).
Sobre os achados arqueológicos do SSF-01, assim como na maioria dos sítios
arqueológicos de natureza histórica, os vestígios recuperados deste sítio são
provenientes de uma área de descarte de material (bolsão antrópico). Nesta área foram
dispostos objetos que se tornaram imprestáveis, geralmente, devido à quebra ou ao
uso excessivo pelos ocupantes do local (BORNAL et al., 2007).
No bolsão antrópico foram recuperados fragmentos de utensílios de faiança,
cerâmica, metal, vidro, porcelana, restos alimentares, material lítico e restos
construtivos. Estes fragmentos, além de possuírem um potencial informativo sobre a
sua própria materialidade (matéria-prima e seu processamento, tecnologia, morfologia,
tipologia decorativa, funções etc.), permitem a obtenção de informações sobre as
formas de organização da sociedade que os produziu e utilizou. Contribuem, também,
como um significativo potencial didático-educacional (BORNAL et al., 2007).
Dentre os milhares de fragmentos recuperados no SSF-01 (cerca de 50.000), a
grande maioria está relacionada à primeira metade do século XIX sendo que, a sua
maior parte refere-se a fragmentos de faiança e cerâmica, com predominância desta
última (BORNAL et al., 2007). Os achados em vidro, tais como: garrafas, frascos, copos
e outros pertences carecem de identificação e levantamentos de informações.
3 VIDRO: CARACTERÍSTICAS, MORFOLOGIA E FABRICAÇÃO DE
GARRAFAS
Neste capítulo serão abordadas as características principais do vidro, sua
morfologia básica e os métodos de fabricação das garrafas.
3.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS
O vidro é “um material inorgânico formado pelo processo de fusão, que foi
resfriado a uma condição rígida, sem cristalizar”. Esta é a definição de vidro pela
American Society for the Testing of Materials (ASTM), conforme ZANETTINI e
CAMARGO (1999, p. 7). Segundo LOREDO (1994), o vidro é um sólido amorfo obtido
pela fusão da sílica com um álcali – potassa, chumbo, soda ou cálcio. Caracteriza-se
por sua transparência, rigidez e dureza a temperaturas ordinárias e plasticidade a
temperaturas elevadas.
A sílica é o maior componente do vidro utilizado em sua forma pura podendo ser
derretida, transformando-se em vidro. No entanto esta fusão se dá em altas
temperaturas. Um álcali acrescentado à sílica resulta em um ponto de fusão a uma
temperatura mais baixa (JONES; SULLIVAN, 1989).
A composição básica do vidro consiste em dióxido de silício (SiO 2), encontrado
na forma de areia, um fluxo alcalino como óxido de sódio (Na 2O) ou óxido de potássio
(K2O) e também um estabilizador de base não-alcalina, como óxido de cálcio (CaO), ou
óxido de chumbo (PbO), segundo JONES e SULLIVAN (1989).
Os vidros planos são distinguidos pelos obtidos por esfriamento, por fundição e
laminação ou por fundição e flotação. Os vidros ocos podem ser obtidos por três
grandes técnicas de moldagem: prensagem (no caso dos ladrilhos), sopro (garrafas,
frascos e ampolas) e sopro e resfriamento simultâneos (no caso dos tubos de vidro)
(GIBBON, 2003).
Os vidros podem ser classificados em: natural, metálico, orgânico, atérmico ou
solar, cristal, plano, soprado, opalino, vertido, catedral e impresso, descritos a seguir,
conforme GIBBON (2003).
-
Vidro natural (obsidiana): matéria mineral amorfa, produzida pelo resfriamento
rápido de magma, líquidos silicatados e outros produtos de fusão das rochas;
-
Vidro metálico: obtido através de têmpera muito rápida de uma substância
metálica amorfa;
-
Vidro Orgânico: formado por um polímero transparente. São menos frágeis que
o vidro mineral, porém mais sensíveis a agressões químicas. Os principais são:
poli (meta-acrilato de metila) e algumas resinas alílicas;
-
Vidro Atérmico ou Vidro Solar: é uma lâmina recoberta por uma fina camada
metálica. Destina-se a promover maior conforto térmico e luminoso nos
ambientes;
-
Vidro Cristal: utilizado na proteção contra luminosidades ultraintensas; a adição
de óxido de cobalto à sua composição, lhe dá um colorido em tom de azul;
-
Vidro Plano: chapa ou folha de vidro homogêneo recozido. Apresenta
características inferiores às do cristal e são utilizados em vidraças, aquários etc;
-
Vidro Soprado: fabricado da mesma maneira como era feito na época gótica:
soprando a massa vítrea com uma cana até obter um cilindro de vidro. Também
é conhecido como vidro antique. A sua espessura oscila entre 2 mm e 6 mm. É
utilizado em vasos, garrafas, pratos e objetos que tenham volume;
-
Vidro Opalino: apresenta aspecto branco leitoso pela adição de substâncias na
massa vítrea;
-
Vidro Vertido: é uma lâmina produzida a partir do derramamento da massa
vítrea sobre uma mesa metálica quente com a ação de um rolo; esta técnica é
empregada desde a antiguidade; hoje, é utilizada na produção de grandes
pranchas de vidro industrial;
-
Vidro Catedral: apresenta uma pequena textura numa das faces, impedindo a
transparência absoluta. É muito utilizado na confecção de vitrais;
-
Vidro Impresso: produzido pelo derramamento contínuo da massa vítrea.
Possibilita a gravação de texturas variadas em sua superfície com a utilização de
rolos metálicos.
A diferença entre vidro e cristal está na pureza absoluta das substâncias
químicas que compõem a massa vítrea (óxido silícico, óxido de potássio e óxido de
chumbo) e na quantidade de óxido de chumbo presente na sua composição (GIBBON,
2003).
3.2 TÉCNICAS DE FABRICAÇÃO
Os materiais produzidos em vidro encontrados em sítios históricoarqueológicos
recorrentemente resgatados são garrafas, copos e frascos de vidro. Os vidros planos
não fornecem informações relevantes sobre seus métodos de produção (JONES;
SULLIVAN,1989; ZANETTINI; CAMARGO, 1999). Apesar de encontrados em algumas
construções e nos bolsões do SSF-01, os métodos de fabricação dos vidros planos não
serão contemplados nesta pesquisa.
Os métodos de fabricação das garrafas e frascos, segundo JONES e SULLIVAN
(1989), podem fornecer informações sobre sua cronologia e por vezes, sobre seu país
de origem.
Segundo ZANETTINI e CAMARGO (1999), as técnicas que deixaram suas
marcas de fabricação nesses materiais vítreos resgatados, observado por um ponto de
vista cronológico, estão mais adaptadas aos contextos da América do Norte. A maioria
das sistematizações sobre o vidro decorre de pesquisas realizadas no Novo Mundo.
Serão descritas a seguir algumas técnicas de produção de garrafas e frascos de
vidro. Dentre as bibliografias consultadas, verificou-se que os autores estabeleceram
um consenso entre as técnicas empregadas na fabricação de material vítreo ao longo
dos séculos.
Os métodos utilizados para fabricação, compreendem o Sopro Humano Livre,
Sopro Humano com o auxílio de moldes, Produção Semi-Automática e Produção
Automática. As duas últimas técnicas compreendem períodos muito recentes da
história, final do século XIX e século XX inteiro (JONES; SULLIVAN, 1989).
3.2.1 Técnica de Sopro Humano Livre
A técnica de produção por sopro humano livre foi utilizada entre os séculos XVI e
XVIII. No século XVIII, esta técnica deixou de ser utilizada devido à industrialização.
Hoje, ainda encontramos esta técnica, mas apenas para a produção artesanal ou sob
encomenda (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
O vidreiro utilizando um pontel ou cana (Figura 5), conhecido também como
zarabatana, que consiste em um cano de ferro oco, separa uma porção de vidro ainda
incandescente com uma das pontas da zarabatana. Com o auxílio de uma mesa, o
vidreiro sopra a extremidade oposta à massa vítrea, criando um bulbo de vidro
(ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
Figura 5 – Produção de vidro soprado.
(JONES; SULLIVAN, 1989)
Conforme o vidreiro sopra, ele imprime movimentos de rotação no pontel e com
isto, ajuda a dar forma cilíndrica à massa vítrea. Esta técnica aliada à utilização de uma
mesa ou prancha de apoio contribuirá para a obtenção do formato desejado
(ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
Na Figura 6, observam-se as ferramentas utilizadas cotidianamente pelos
vidreiros para a confecção, modelagem, corte e manuseio das garrafas e frascos.
Figura 6 – Ferramentas de vidreiro. Pintura
século XVIII de Diderot e D’Alembert (1772)
(JONES; SULLIVAN, 1989). (Modificado).
A. Modelo de Zarabatana ou Cana;
B. Idem;
C. Idem;
D. Forno;
E, F, G e H. Moldes em ferro ou cerâmica;
I. Placa para apoio;
J. Mesa;
K. Alicates e Tesouras para corte e reparos em vidro.
Os pontéis são ferramentas utilizadas pelos vidreiros para auxiliar na finalização
da garrafa, gargalo e lábio. São confeccionados em madeira, vidro e ferro. Este último é
responsável pelas cicatrizes, incisões e marcas de colagem encontradas no fundo das
bases das garrafas (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
O uso do pontel entrou em declínio nos EUA, por volta de 1850 a 1860, surgindo
um novo instrumento conhecido como snap-case ou garra de fixação. Este envolve o
corpo do objeto, permitindo uma melhor sustentação para a finalização e servindo como
ferramenta para a inserção de inscrições nas bases (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
3.2.2 Técnica de Sopro em Molde
Segundo o método de produção por sopro em molde, a massa vítrea era soprada
com o auxílio de um pontel. Esta ação gerava um bulbo que seria submetido a uma prémodelagem, sendo rolado ainda quente sobre uma prancha. Assim, ganhava uma
forma preliminar cilíndrica, também conhecida como parison. Após este procedimento,
o cilindro de vidro seria introduzido em um molde e novamente soprado, garantindo um
formato mais regular. Estes moldes poderiam ser construídos em duas, ou três partes,
ou ainda, ser inteiriços (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
Os materiais mais comumente utilizados para sua confecção eram o metal, a
cerâmica refratária e madeira revestida com cortiça (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
3.2.3 Produção Semi-automática e Automática
Durante o final do século XIX, um movimento geral começou a mecanizar as
indústrias de produtos de vidros. Os vidreiros na Alemanha, Inglaterra, França e EUA
desenvolveram máquinas para a produção de artefatos em vidro, visando aumentar a
capacidade de produção e fixar medidas e espessuras para os materiais produzidos
(JONES; SULLIVAN, 1989).
Segundo Jones e Sullivan (1989), as máquinas automáticas que fabricavam
garrafas, jarras e potes trabalhavam com um sistema de pressurização de ar, dando a
forma desejada à massa vítrea dentro de um molde.
Já as máquinas semi-automáticas necessitavam que um operário controlasse as
quantidades de vidro e operasse o maquinário. Tanto na produção semi-automática
como na produção automática, onde não existe a operação humana da máquina, o
gargalo e o lábio, diferentemente da produção manual, passaram a ser produzidos
primeiro (ZANETTINI; CAMARGO, 1999).
3.3 MORFOLOGIA NA FABRICAÇÃO DE GARRAFAS
De modo geral, as garrafas de vidro são compostas por base, corpo, colar,
calcanhar, pescoço, ombro e gargalo. Estas são as principais partes de uma garrafa,
sendo que as produções das mesmas obedecem a padrões de confecção.
A seguir, será descrita a morfologia básica de uma garrafa, de acordo com a
Society for Historical Archeology (SHA, 1998).
Base: tem a função principal de proporcionar uma superfície plana para a garrafa
manter-se em pé na posição vertical. Há exceções a esta regra, pois existem bases
redondas com a função de não deixar a garrafa repousar na posição vertical.
Corpo: conteúdo principal da garrafa que contém uma porção geralmente mais larga,
que fica entre o ombro e o calcanhar. No corpo encontra-se o rótulo ou a impressão da
logomarca e o conteúdo da garrafa.
Colar ou Anel de Acabamento: porção de vidro utilizada para reforçar o gargalo e dar
acabamento, muito utilizado na produção manual de garrafas.
Pescoço: formar a parte superior da garrafa, situada acima dos ombros e abaixo do
gargalo. Alguns autores têm considerado a parte superior do pescoço, como parte do
acabamento, principalmente no caso de garrafas produzidas pelo método de sopro
livre.
Ombro: parte da garrafa que fica entre o ponto de mudança na tangência vertical do
corpo e da base do pescoço. Semelhante ao calcanhar, o ombro é uma zona de
transição entre as duas outras grandes porções de uma garrafa.
Calcanhar: menor parte da garrafa em que o corpo começa a curva da base. O
calcanhar geralmente termina no ponto de repouso da garrafa.
Lábio: extrema superfície superior do pescoço que recebe um acabamento diferente
para cada tipo de tampa utilizada. Também conhecido como gargalo ou aro (dentre as
várias terminologias utilizadas, será adotada a primeira).
Segundo AULTMAN e GRILLO (2008), a morfologia de uma garrafa pode ser
detalhada, onde cada parte fornece informações sobre seu modo de produção. Dessa
forma, pode-se analisar o objeto separadamente, quando há ou não a possibilidade de
montagem do conjunto NMP (Número Mínimo de Peças), ou quando as garrafas
encontram-se inteiras.
Os Quadros 1, 2, 3, 4 e 5 apresentam as especificações de cada parte de uma
garrafa, quanto às formas, técnicas de manufatura e tratamento. Nestes Quadros, onde
a coluna intitulada “Tratamento” nada contém, é porque não houve um tratamento final
para o referido formato daquele segmento da garrafa.
Figura 11 – Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Bases de garrafas.
Forma
Cônica
BASE
Técnica de manufatura
Molde único
Convexa
Domo
Quatro pontas
Reta
Sopro livre
Moldada, molde único
Sopro Humano
Rotação/Colado
Tratamento
Arredondamento das
extremidades
Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado).
Figura 12 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Corpo de garrafas.
Forma
Circular
Oval
Retangular
CORPO
Técnica de manufatura
Molde único
Sopro livre
Sopro humano
Tratamento
Não aplicado
Moldado, tipo de molde
único
Rotação/Colado
Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado).
Figura 13 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Lábio de garrafas.
Forma
Obliquo
Lateral reta
Topo reto
Irregular
Arredondado
Topo obliquo
‘V’ acentuado
LÁBIO
Técnica de manufatura
Adicionado vidro / não trabalhado
Quebra sem separação das partes / Rompimento
Ferramenta de finalização (Alicate de marisar)
Manipulação hábil
Moldado, tipo de molde único
Sopro humano
Tratamento
Não aplicado
Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado).
Figura 14 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Pescoço de garrafas.
Forma
Arredondado
Cilíndrico
Rudimentar
Cônico
Cônico superior/inferior
Não existente
PESCOÇO
Técnica de manufatura
Sopro livre
Moldado, tipo de molde único
Sopro humano
Tratamento
Não aplicado
Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado).
Figura 15 - Quadro Forma, técnicas de manufatura e tratamento de Anel de acabamento de garrafas.
Forma
Oblíquo superior
Lateral reta
Irregular
Arredondado
‘V’ acentuado
Oblíquo inferior
ANEL DE ACABAMENTO
Técnica de manufatura
Vidro adicionado
Ferramenta de finalização
Manipulado
Moldado, tipo de molde único
Sopro humano
Fonte: DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels, 2008. (Modificado).
Tratamento
4 OCORRÊNCIA DA COLORAÇÃO
O vidro é composto de 60 a 80% de sílica, sendo principalmente areia. Quanto
mais pura a areia, isto é, quanto menor for a concentração de ferro e outras impurezas,
mais claros e transparentes serão os vidros ao final da produção (JONES; SULLIVAN,
1989).
O vidro composto de 99,9% de sílica resulta em vidro completamente
transparente. Devido à dificuldade de encontrar-se areia pura, outros compostos podem
ser adicionados para clarear o vidro. A soda (dióxido de sódio) é utilizada para baixar o
ponto de fusão da sílica. A cal (óxido de cálcio) é adicionada como agente estabilizante
na produção de um vidro, composto basicamente de sílica e soda 19.
Na produção de vidro, as impurezas encontradas na sílica têm influência direta
na coloração final do produto. No processo de fundição da sílica, caso exista uma
concentração de ferro sem um agente descolorante, o produto final terá coloração
esverdeada, mais forte ou mais clara variando conforme a quantidade de ferro (JONES;
SULLIVAN, 1989).
4.1 HIALINO OU INCOLOR
O vidro hialino ou incolor é o resultado da fundição de areia pura. No final do
século XIX e início do século XX, alguns vidreiros conseguiram produzir o vidro hialino,
com a adição de alguns agentes de descoloração como o dióxido de selênio
(geralmente em conjunto com o óxido do cobalto) e o óxido de arsênio que é usado
igualmente como um estabilizador do selênio no vidro hialino 20.
O vidro hialino pode ter matizes muito fracos de âmbar ou palha, verde cinzento,
azul cinzento ou cinza. Estas colorações podem ser facilmente vistas observando-se a
parcela mais grossa do frasco, na base do objeto 21.
O vidro hialino obtido com agentes descolorantes como o dióxido de manganês,
quando exposto à luz solar recebe uma coloração de cor-de-rosa ou alfazema para
19
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
21
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
20
ametista moderada escuro ou roxo, dependendo da quantidade de dióxido de
manganês e da quantidade de luz Ultra-Violeta 22.
As utilidades diagnósticas destes recipientes fornecem informações úteis aos
arqueólogos para que possam tratá-los fragmentariamente. Estes fragmentos com
ligeiros matizes de palha, muito provavelmente podem ser datados como fabricados em
meados de 1910, como em meados do século XX. Segundo a SHA (1998), um
fragmento incolor com um matiz ligeiro de ametista é provável ser anterior à Primeira
Guerra Mundial (1915-1920). Os frascos de matiz cinzento aparecem entre 1915 e
1925. Os vidros hialinos ou incolores são raros antes de 1870, tornando-se comuns
após as propagações de máquinas automáticas posteriores a 1910 23.
4.2 AQUA OU ÁGUA-MARINHA
A cor aqua tem muitas variações sutis. Os nomes descritivos de uso gerais mais
comuns são: aqua, aqua azul, aqua verde, aqua greenish 24.
É muito comum encontrar a cor aqua em frascos utilitários para alimentos. A
coloração aqua é considerada uma cor natural, resultado de baixas quantidades de
impurezas de ferro presentes na maioria das areias, que não foram deslocadas com
agentes descolorantes25.
As utilidades diagnósticas dos recipientes na coloração aqua podem ser
descritas como vidros produzidos em meados de 1800 até 1920, tornando-se raro após
os anos de 1920. Nesta época, o vidro hialino substituiu o aqua para que os
consumidores pudessem visualizar o produto. Nos dias de hoje, alguns frascos de
coloração aqua sobrevivem em recipientes que armazenam soda para beber 26.
4.3 BRANCO OU VIDRO LEITE
O vidro branco é produzido pela adição de zinco, fluoretos, fosfatos, cálcio e
guano de animais. A principal característica do vidro branco é sua fina espessura.
Quando colocado contra a luz brilhante, percebesse a sua opalescência. O vidro branco
22
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
24
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
25
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
26
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
23
também apresenta uma grande dureza e difícil derretimento, sendo evitada a sua
produção por algumas fábricas27.
A utilidade diagnóstica dos recipientes em vidro branco dá-se pelo largo uso em
frascos de cosméticos, pomadas e artigos de toucador entre os anos de 1870 e meados
do século XX. O vidro branco também foi utilizado em recipientes de tinteiros e licores,
entre o final do século XIX e início do século XX 28.
4.4 VERDES (NÃO OLIVA) E AZUL VERDES
Os vidros verdes apresentam inúmeras classificações de coloração, pois são
encontrados em vários matizes de verde e variações ambarinas 29.
As cores verdes podem ser obtidas por diferentes agentes de coloração e
impurezas encontradas na areia, como ferro e cromo. O cromo, em circunstâncias de
oxidação, pode produzir o matiz verde amarelado. O verde esmeralda é conseguido sob
diminuição de oxigênio na fornalha. A coloração azul esverdeado pode ser obtida com
combinações de cobalto e cromo30.
As utilidades diagnósticas dos recipientes de vidro verde e seus matizes são
limitadas. Podem ser encontradas em todos os tipos de vidros e datações. Algumas
destas observações limitadas podem ser descritas, como o chamado verde, que
consiste em um matiz exclusivo do século XX e raramente pode ser encontrado em
exemplares do final do século XIX31.
4.5 ÂMBAR E VERDE OLIVA
As cores âmbar e verde oliva são cores naturais. São obtidas pela presença de
ferro e impurezas orgânicas, encontradas na areia utilizada na produção. Estas
colorações e seus matizes podem ser induzidos, adicionando-se ferro ou agentes
colorantes na sílica32.
27
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
29
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
30
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
28
31
32
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
As cores verde oliva e âmbares variam de matizes extensamente. Existem várias
denominações de coloração que podem ser utilizadas para descrever as escalas de
verde oliva, como oliva-amarelo, verde oliva profundo, âmbar verde oliva etc 33.
As variações se dão devido ao grau de densidade e espessura do recipiente e
podem ser descritas com termos modificadores, como: profundidade, espessura,
obscuridade, meio, luz brilhante etc34.
As utilidades diagnósticas do vidro verde são encontradas em diferentes tipos de
recipientes, de diferentes épocas. As cores verde oliva e âmbar verde oliva e seus
matizes são mais comuns a partir do século XIX do que em períodos mais tardios 35.
O âmbar verde oliva é uma coloração rara em frascos após 1890, sendo
praticamente desconhecido após o ano de 1900, exceto em algumas garrafas de licor,
vinho e champanhe produzidas na cor âmbar verde oliva, fabricadas após o ano de
190036.
A partir do ano de 1920, as garrafas de vinho e algumas de champanhe passam
a ser fabricadas na cor verde verde-oliva, porém, somente um olhar atento poderia
diferenciar essa sutil mudança de cor37.
Assim, a coloração verde oliva pode ser encontrada em variados períodos de
datação. Os frascos, garrafas de vinho, champanhes e águas minerais anteriores são a
1800. Frascos de tinta, também são anteriores ano de 1800. Pó para inalação pode ser
datado em anos anteriores aproximadamente a 1870. Frascos medicinais são
anteriores a 1860. Garrafas de cerveja, cerveja inglesa e licores variados apresentam
datações anteriores a 1910. Em garrafas figuradas, apresentam datações anteriores a
1870 e alguns frascos de alimentos são anteriores ao ano de 1880 38.
Os verdes verde oliva e âmbar verde oliva são cores raras para garrafas de água
e soda em todos os períodos. Também raros são os frascos de frutas e medicamentos
posteriores ao ano de 186039.
33
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
35
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
36
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
37
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
38
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
39
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
34
4.6 ÂMBAR
A cor âmbar é obtida da mesma forma que os verdes verde oliva e âmbares
verde oliva, obtidos em processos naturais, devido às impurezas encontradas na sílica
utilizada na produção. Também podem ser conseguidos pela adição de aditivos de
coloração, como níquel, enxofre e particularmente o carbono. Este último, adicionado
sob a forma de micro-plaquetas de carvão, carvão vegetal e, até mesmo, madeira 40.
Dentre os vários matizes encontrados estão o âmbar avermelhado, âmbar médio,
âmbar envelhecido e âmbar amarelo. Como as outras cores, o grau geral de densidade
de cor varia de acordo com os já mencionados fatores modificadores, como:
profundidade, espessura, obscuridade, meio, luz brilhante etc 41.
A utilidade diagnóstica de cores ambarinas descritas estão presentes em vários
tipos de recipientes, como o âmbar envelhecido, uma coloração rara em frascos e
garrafas produzidos após 189042.
Posterior a década de 1920, com novas técnicas químicas de vidraria e na
produção semi-automática e automática, o âmbar se torna padrão, com as colorações
âmbar amarelo e âmbar preto. O âmbar permanece mais comum para frascos de
medicamentos e garrafas de cerveja, fornecendo uma melhor proteção aos
comprimentos de onda, responsáveis pelas reações fotoquímicas 43.
4.7 AZUL (AZUL VERDADEIRO)
As cores azuis podem ser obtidas com a adição de óxido de cobalto e cobre
utilizados, como agentes colorantes. Dentre os vários matizes de azul produzidos, são
mais comumente encontrados os matizes azul cobalto médio, azul da meia noite
(obscuridade forte parecendo preto, diminuindo a iluminação) e azul safira 44.
As utilidades diagnósticas dos recipientes de vidro azul são limitadas pela larga
aplicação de seus matizes. Quando comparadas com outras colorações, como o aqua,
40
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
42
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
43
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
44
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
41
verde e âmbar, os matizes de azul não são muito comuns, apresentando-se em
menores quantidades45.
Os matizes azuis são encontrados em frascos para tintas, garrafas de cerveja e
frascos de alimentos, sendo mais comumente utilizadas em frascos para acondicionar
venenos e cosméticos. As cores azuis também eram freqüentemente usadas em
garrafas de água mineral e soda entre os anos de 1840 e 1900 e, em frascos de tinta
entre os anos de 1840 e 193046.
4.8 AMETISTA OU PÚRPURA
A coloração ametista ou púrpura é rara em frascos e garrafas.
Essa cor pode ser obtida com a adição de óxidos de níquel ou de manganês. As
adições de óxido de manganês foram utilizadas nos vidros hialinos como um
descolorante para deslocar as impurezas de ferro, presente na areia. Os vidros
produzidos com estes óxidos, quando expostos por longos períodos à luz solar
adquirem esta coloração ametista mais acentuada 47.
A utilidade diagnóstica dos recipientes ametista, devido às variações desta
coloração, podem ser classificados como: ametista avermelhada e ametista média. A
coloração ametista é geralmente encontrada em frascos de tratamento capilar. Os
exemplos citados datam entre os anos de 1860 e 1870 48.
4.9 PRETO
O vidro preto é considerado o mais forte dos vidros verdes e com o menor índice
de transparência, oferecendo uma maior proteção dos efeitos da luz direta. Em sua
maioria, os vidros pretos são de um verde verde oliva, ou âmbar verde oliva muito
profundo, com grandes concentrações de ferro, carbono, cobre e magnésio 49.
Provavelmente, os vidros pretos encontrados remontam a datas anteriores a
1870, devido ao fato de que, nesta época, produção de frascos ou garrafas contava
com certa inabilidade em trabalhar o vidro e os materiais usados para tal. O vidro preto
45
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
47
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
48
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
49
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
46
de coloração verde floresta escuro, muito utilizado para o envasamento de cerveja e
licores, datado entre 1865 e 1870, é muito semelhante aos produzidos anteriormente a
184050.
As diferenças entre as cores são muito sutis. A garrafa de licor ou de cerveja
inglesa na cor âmbar verde oliva escura, provém de uma fábrica americana, datando
entre 1827 e 1845. O frasco de pó para inalação, muito provavelmente produzido na
década de 1850, nos Estados Unidos, apresenta uma cor transitória entre o vidro preto
e o verde verde-oliva escuro51.
As utilidades diagnósticas dos recipientes em vidro preto de produção americana
são raras após 1880 e, os frascos importados desaparecem após a década de 1890.
Em sua maioria, os vidros pretos eram utilizados para licores, vinhos e cervejas
inglesas durante o século XIX52.
Frascos e garrafas em vidro preto anteriores a 1870 eram utilizados para
acondicionar tintas, algumas águas minerais, pós para inalação, medicamentos e
alguns tipos de alimentos. O século XX não apresenta nenhuma produção de vidro
preto, nem para envasamento de bebidas como o vinho, licor e champanhe 53.
50
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color>. Acesso em: 14 jun. 2009.
Disponível em: <www.sha.com/bottles/color.> Acesso em: 14 jun. 2009.
52
Disponível em: www.sha.com/bottles/color. Acesso em: 14 jun. 2009.
53
Disponível em: www.sha.com/bottles/color. Acesso em: 14 jun. 2009.
51
5 RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO
Neste trabalho serão apresentados os resultados da primeira fase da pesquisa
com o material vítreo do SSF-01. Esta primeira fase compreende a catalogação de todo
material resgatado entre os anos de 1994 a 1995, realizada de julho a outubro de 2008.
5.1 O RECONHECIMENTO DO ACERVO
O primeiro passo realizado durante a pesquisa foi o reconhecimento do acervo,
dentro do Departamento de Patrimônio Histórico de São Sebastião. O material vítreo
objeto desta pesquisa, encontra-se acomodado em caixas arquivo.
A pesquisa teve início com a abertura das caixas arquivo, contabilizando um total
de cinco, das sete caixas existentes. Os conteúdos de cada caixa encontram-se
separados em sacos onde estão registradas a Área e Quadrícula de origem.
A abertura dos sacos com o material vítreo de cada caixa foi realizada de modo
aleatório, porém obedeceu a ordem das caixas arquivo. Os fragmentos retirados
passaram por uma análise minuciosa.
Os dados obtidos com a análise individual dos fragmentos permitiram, além de
uma visão mais aprofundada do acervo, a possibilidade de construção do NMP.
Os fragmentos reunidos nas caixas arquivo não foram organizados em ordem
numérica. Por este motivo, foi necessário refazer o inventário destes fragmentos,
obedecendo a certos critérios impostos a esta pesquisa.
O critério adotado para o inventário, foi à análise dos métodos de produção em
cada fragmento, uma vez que o material vítreo é pouco pesquisado no Brasil. Todos os
dados obtidos foram convertidos numa planilha que detalha cada característica do
fragmento. A planilha da Figura 39 contém campos em preto, pré-existentes, originados
a partir do primeiro inventário sobre as peças e, campos em vermelho, posteriormente
construídos e acrescentados pelo autor desta pesquisa.
39
Figura 39 - Planilha de inventário do material vítreo do Sítio Arqueológico São Francisco. Os campos em preto são pré-existentes e os campos
em vermelho foram acrescentados no decorrer desta pesquisa (Acervo do autor, 2008).
Esta tabela foi mantida neste local para um melhor entendimento da parte textual.
As colunas (Figura 39) referem-se a:
ITEM - foram numerados todos os fragmentos em ordem de análise;
Nº PÇ (Número de Peça) - os fragmentos numerados foram colocados em ordem
crescente totalizando 864 fragmentos analisados. Estima-se um total de 1200
fragmentos compondo o acervo de material vítreo escavado nos anos de 1992 a 1995;
Nº ETQT (Número da Etiqueta) - os sacos receberam um número na etiqueta, como
forma de controle dos materiais retirados do sítio durante a escavação;
CX (Caixa) - identificação das caixas abertas e seu conteúdo catalogado. Das sete
caixas existentes no acervo do SSF-01, cinco foram abertas e catalogadas, restando
duas caixas, cujas peças ainda não possuem numeração;
SETOR - áreas do SSF-01 onde foram encontrados os fragmentos de material vítreo.
Respectivamente as áreas ll, lll, lllA, Vll;
QUADRA - todas as áreas escavadas obedecem ao sistema de quadrículas,
possibilitando mapear de onde cada fragmento foi retirado;
CAMADAS - as quadrículas escavadas com o método de Decapagem seguem o padrão
de 10 cm. Nenhuma quadrícula ultrapassa essa profundidade, com exceto nas
primeiras sondagens;
MATERIAL - neste campo foram identificados e classificados os materiais vítreos entre:
•
FRAGMENTO - quando a peça não apresenta maiores características como
símbolos, partes de bases de frascos ou garrafas;
•
FRAGMENTO DE BASE - partes ou peças inteiras de bases de frascos e
garrafas;
•
FRAGMENTO DE GARGALO - em sua grande parte, foram encontrados
gargalos inteiros e preservados;
•
FRAGMENTO DE GARRAFA - consiste em partes do corpo de garrafas onde se
percebe claramente marcas de moldes;
•
FRAGMENTO DE PESCOÇO - partes inteiras de pescoços de garrafas;
•
FRAGMENTO DE OMBRO – parte situada no final do pescoço e superior ao
corpo da garrafa, presente na maioria das garrafas;
•
FRAGMENTO PLANO - fragmentos de vidros planos provenientes de janelas e
vitrais das construções;
•
FRAGMENTO DE TAMPA - pertencem a esta categoria, partes ou peças inteiras
de tampas de frascos de perfume ou remédios, fabricados em vidro;
MÊS - mês em que foram escavados e registrados os fragmentos encontrados;
ANO - referente ao ano em que ocorreram as escavações, de 1992 a 1995;
COLETADO - responsável pela coleta do material em campo;
OBSERVAÇÕES - dados relevantes sobre cada peça, inscrições e detalhes;
IRIDESCÊNCIA - presente em alguns fragmentos, é a perda preferencial do material
fundente em relação à sílica, o vidro apresenta-se poroso, com pequenos furos e
coberto por uma camada de carbonatos; este efeito pode ocorrer quando o fragmento
de vidro encontra-se depositado em solos alcalinos (LOREDO, 1994);
BOLHAS - são evidências de vidros produzidos pela técnica de produção em sopro;
COLORAÇÃO - existem vários processos para obter certas colorações, devido ao
período de ocupação do SSF-01; podemos afirmar que as cores dos fragmentos foram
obtidas por processos químicos naturais de fabrico e por técnicas rudimentares de
pigmentação, abordados no capítulo 4;
CÓD. COLOR. (Código da coloração) - criado para facilitar a identificação das cores
em relação aos fragmentos analisados;
MARCAS DE FABRICO - compreendem inscrições, desenhos e motivos impressos ou
inseridos posteriormente à produção;
∅ (Bitola) - medida aproximada dos fragmentos, realizada com auxílio de paquímetro;
SACO - especificação das etiquetas dos sacos em que as peças estão
acondicionadas;
5.2 RESULTADOS PARCIAIS DO INVENTÁRIO E DISCUSSÃO
A primeira parte da pesquisa está concluída: inventário e catalogação dos
fragmentos de vidro numerados.
Dos resultados foram elaborados em gráficos quantitativos representando cada
item da planilha. Nestes, pode-se perceber as particularidades do acervo, tais como os
tipos de fragmentos encontrados no Nível 01 (10 cm), as cores predominantes dos
fragmentos e os setores onde apareceram fragmentos diagnósticos, como gargalos e
bases.
Os fragmentos estudados do SSF-01 correspondem à Área 01. Segundo Bornal
(2008), esta área é o local onde foram direcionadas as pesquisas para a evidenciação e
levantamento arquitetônico dos restos construtivos. Na Área 01 mapeou-se a
ocorrência de vestígios e realizou-se a escavação arqueológica de um trecho do sítio,
cujos locais correspondem às áreas de descarte de material.
As áreas de escavação onde foram encontrados os materiais vítreos
correspondem aos Setores ll, lll, lllA e Vll, respectivamente onde hoje se encontram o
conjunto de colunas, forno de engenho, bolsão antrópico localizado atrás do forno e
uma área entre o conjunto de colunas e o muro do terraço da casa moradia. Os
materiais provenientes destes setores em particular, posteriormente inventariados e
catalogados, foram quantificados em um gráfico de fragmentos vítreos por setor (Figura
53), onde podemos perceber as concentrações de materiais vítreos nos respectivos
setores lll e lllA.
Gráfico Fragmentos por Setor
517
Coluna B
279
Figura 53 – Gráfico de concentração de material vítreo SSF-01.
Os setores lll e lllA, conforme o gráfico (Figura 53), apresentam maiores
concentrações de materiais vítreos localizados próximos ao forno de engenho.
Possivelmente estas seriam as áreas de descarte de material, formando um bolsão
antrópico. Tais áreas, em particular, representam uma preocupação maior quanto ao
36
8
tipo de material descartado nestes locais.
3
Os bolsões antrópicos encontrados nos setores lll e lll A, situados em um local de
produção, onde existia a livre circulação de escravos que trabalhavam no forno de
engenho, teriam suas atividades vigiadas durante o período em que estavam
trabalhando. Juntamente com o fato de os escravos não terem livre acesso a
ferramentas como facões, enxadas e machados, aponta para um maior cuidado em
descartar certos tipos de materiais, como o vidro, onde o simples fato de quebra os
transformam em peças extremamente afiadas.
As garrafas e frascos quebrados poderiam facilmente tomar o lugar de facas e
pequenas ferramentas de corte, podendo ser utilizadas pelos escravos como
raspadores e facas, porém existe a possibilidade de se transformarem em armas letais
aos moradores não escravos da fazenda.
O item Sem setor/Sem quadra, corresponde a achados fortuitos, provenientes de
prospecções e limpeza dos setores para serem escavados. Já os fragmentos
agrupados em Sem Identificação correspondem diretamente a fragmentos acometidos
pela iridescência, que em estágio avançado, acabaram por perder seu número de
identificação.
Os fragmentos encontrados no setor ll, totalizando 36 fragmentos, podem ser
divididos entre: fragmentos de vidros planos, provavelmente de janelas da capela
existente durante a ocupação do SSF-01, algumas bases, pescoços e partes do corpo
de garrafas. Porém um fragmento em particular chama a atenção. Trata-se de uma
possível tampa esférica que apresenta uma evidência de êmbolo, possivelmente
pertencente a um frasco para óleos ou água benta.
O setor Vll consiste em uma área de declive entre o patamar da capela e o
patamar da casa moradia, onde foram encontrados 3 fragmentos caracterizados como
achados fortuitos.
Os dados tipológicos podem ser observados no gráfico da Figura 58. O critério
utilizado para a obtenção deste gráfico foi a separação das peças por estado físico em
que se encontram no acervo.
234
1
10
30
5
2
24
4
1
Figura 58 – Gráfico de fragmentos por tipologia.
Os dados disponíveis no gráfico (Figura 58) nos fornecem informações
importantes quanto ao acervo. Os fragmentos compõem grande parte do acervo e
apontam para métodos de produção manual. Estes fragmentos, posteriormente,
formarão conjuntos de NMP, possibilitando a reconstituição de garrafas e frascos.
Os fragmentos base são partes inteiras ou parciais de bases de garrafas e
frascos de remédios encontrados no SSF-01 e, juntamente com os gargalos, são as
partes diagnósticas mais importantes estudadas. Estes fragmentos apresentam
evidências de moldes, pontéis e em alguns casos, inscrições que fornecem maiores
informações sobre seus métodos de produção e fábricas (Figura 58).
Dentre os fragmentos de copos presentes no acervo, destaca-se um em
particular. É um copo com caneluras utilizado para o consumo de cachaça, conforme o
interessante estudo de FERREIRA (2005), sobre o espólio vítreo na cidade de Tomar,
em Portugal. Este fragmento de copo, produzido com a técnica de sopro em molde,
assemelha-se ao retratado na pintura de Antonio Pérez de Aguilar, presente no mesmo
estudo.
Uma série de fragmentos de utensílios produzidos em material vítreo presentes
no acervo do SSF-01, estudados nesta pesquisa, mostra a continuidade na produção
de utensílios em vidro, como o retratado pelo artista, na época em que se deu a
ocupação do sítio (BORNAL, 2008).
O fragmento de tampa presente no gráfico (Figura 58) corresponde a uma única
tampa, confeccionada em vidro e representada na Figura 48, encontrada nas
escavações ocorridas entre os anos de 1992 a 1995. Devido à localização deste
achado em particular, acredita-se que seja proveniente de algum frasco utilizado em
cerimoniais.
Os fragmentos de frascos encontrados apontam para frascos de perfume e
frascos de remédio. Apresentam evidências de produção de vidro soprado em molde.
Apenas três fragmentos em particular apresentam inscrições de logomarcas e de
fabricantes. O fragmento de base 1 onde há inscrição hot tot... pa..., encontra-se na
porção inferior; o fragmento 2 corresponde ao corpo de um frasco de remédio, onde
encontra-se a inscrição Pildoras de Bristol na lateral; o fragmento de base 3, pertence
a um frasco de remédio, nota-se a inscrição ...tols e ...lis... em uma face e ...tales... na
outra face.
Os fragmentos de gargalo estudados nesta pesquisa correspondem a
fragmentos inteiros onde a quebra ocorreu na base, ou no pescoço da garrafa,
preservando o gargalo e suas características de fabricação. Poucos foram os gargalos
fragmentados estudados.
Os fragmentos de ombro de garrafas, como explicado anteriormente,
correspondem a fragmentos específicos, sendo de fácil identificação devido ao ângulo
de inclinação.
Os fragmentos caracterizados como ondulados, consistem em fragmentos com
leves ondulações, possivelmente provenientes de um garrafão produzido pela técnica
de sopro livre.
Os fragmentos de pescoço como os fragmentos de ombro, são provenientes de
quebras específicas, onde ocorre abaixo da base do gargalo e superior ao ombro.
Os fragmentos de vidro plano, não fornecem nenhum elemento diagnóstico
quanto ao vidro, somente podemos afirmar a presença de janelas e vitrais nas
construções da fazenda.
Fragmentos sem identificação correspondem diretamente a fragmentos que
devido à quebra posterior a primeira catalogação, ou estágios muito avançados de
iridescência, acabaram por perder sua numeração. Mas em nenhuma hipótese esses
fragmentos poderão ser descartados, somente receberão nova numeração, quando
forem constatados por inventário quais eram seus números originais, ou durante o
processo de NMP.
O fragmento de base de taça é mais um dos fragmentos peculiares do acervo,
pois foi encontrada apenas uma base de uma taça produzida com a técnica de sopro
em molde, sendo sua base colada posteriormente à haste que sustenta a taça.
Nas escavações entre os anos de 1992 e 1995, foi encontrado um único cálice
em vidro prensado, apresentando a base com o formato de um sapato feminino,
semelhante ao encontrado no convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, Portugal.
Segundo FERREIRA (2004), cálices como este eram utilizados na Europa durante
ocasiões especiais, entre os séculos XVIII e XIX, onde os sapatos para beber mais
comuns foram utilizados na Inglaterra e também na Itália, durante o período vitoriano.
Os Joke Glass ou Copo do Segredo são nomenclaturas utilizáveis para copos e taças
de vidro para a ingestão de líquidos, dentre as quais encontra-se o corpo em forma de
bota ou sapato.
A iridescência pode acometer alguns fragmentos de vidro encontrados em solos
arqueológicos. Segundo LOREDO (2004), os vidros encontrados em solos ácidos
permanecem bem preservados, mas quando enterrados em solos alcalinos, sofrem
uma profunda deterioração, perdendo seu material fundente em relação à sílica.
O processo de desgaste do vidro aumenta na medida em que permanecerem em
contato direto com o solo alcalino, retirar o fragmento deste contexto diminui o processo
de iridescência, conforme LOREDO (2004).
O manuseio de fragmentos irisados deve ser realizado com luvas cirúrgicas,
evitando ao máximo o descolamento das camadas do fragmento de vidro. A quantidade
de fragmentos irisada quantificada (Figura 64) corresponde a um total de 415
fragmentos irisados, respectivamente 48% do acervo; os 88 fragmentos agrupados em
Iridescência avançada, 10% do acervo, se encontram em um estágio de decomposição
muito adiantado, impossibilitando a análise. Os 361 fragmentos de vidro que compõe
42% do acervo estão livres dos efeitos da iridescência, devido a sua composição de
poucos materiais fundentes.
Figura 64 – Gráfico de estágios de iridescência.
As colorações dos fragmentos em material vítreo do acervo do SSF-01 (Figura
65), foram classificadas de acordo com os modelos apresentados pela SHA, conforme
representado no capítulo 4 desta pesquisa.
Figura 65 – Gráfico de coloração dos fragmentos presentes no acervo do SSF-01.
Nota-se que a coloração transparente e matizes de âmbar e verde predominam
no acervo. Os recipientes fabricados nestas colorações compreendem utensílios para
servir e de uso cotidiano como jarras, copos e garrafas de mesa ou produzidos em
vidros planos, para janelas e vitrais.
As colorações aqua e azul cobalto se apresentam-se em menor número em
relação a outras cores no acervo, pois são colorações mais comumente produzidas a
partir de meados do século XIX, em garrafas de licores e alguns vinhos europeus.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises das amostras de vidro do SSF-01, aliadas às fontes de pesquisa e
bibliografia consultadas permitiram a compreensão de alguns aspectos de consumo dos
ocupantes do local. As análises apontam para o uso, principalmente, de garrafas de
vinho, confeccionadas em períodos distintos, sendo a maior parte delas produzidas
entre os séculos XVI e XVIII e as restantes produzidas entre os séculos XVIII e XX.
Essa diferença na cronologia foi verificada pelas técnicas de produção, onde
pode-se observar o uso da técnica de sopro livre e a técnica de sopro em molde,
aliadas a novas ferramentas que legaram marcas visíveis de produção, permitindo,
assim, uma estimativa da época de fabricação.
As concentrações de materiais estudados pertencem à Área III, onde existiu um
forno de engenho, representando o maior bolsão antrópico com material vítreo. Entre os
fragmentos analisados tipologicamente, as maiores quantidades referem-se a
fragmentos de garrafas (mais numerosos) e vidros planos. Estes últimos demonstram a
existência de janelas e vitrais na propriedade.
As análises de coloração dos fragmentos estudados apontam para uma
predominância de vidros hialinos e verdes. Entre os fragmentos de vidro hialino
observam-se duas categorias distintas: vidros isolantes, caracterizados por vidros de
janelas e utensílios para servir, como garrafas de mesa, copos e cálices diversos. Os
numerosos fragmentos de garrafas na coloração verde, classificados na categoria de
armazenamento,
necessitam
de
estudos
complementares
para
uma
melhor
compreensão de seu uso no cotidiano. Tais estudos não fizeram parte dos objetivos
deste trabalho, mas são propostos no capítulo a seguir para a continuidade futura desta
pesquisa.
7 PROCEDIMENTOS FUTUROS
Existem procedimentos desta pesquisa que serão realizados oportunamente,
como a metodologia do Número Mínimo de Peças (NMP) e o experimento de padrão de
quebra.
A metodologia NMP será aplicada visando reduzir o número de peças a serem
quantificadas.
Apesar do acervo encontrado apresentar-se bastante fragmentado, será
realizado o experimento de padrão de quebra com o objetivo de comparar os padrões
de quebra entre as garrafas do período de ocupação do SSF-01 e os exemplares
produzidos hoje.
7.1 NÚMERO MÍNIMO DE PEÇAS (NMP)
A metodologia do Número Mínimo de Peças consiste em um procedimento que
delimita o número de peças analisadas, reunindo os fragmentos por tipo de material,
métodos de fabricação e coloração, formando conjuntos de peças ou peças isoladas.
Estes
conjuntos
poderão
ser
reconstituídos
ou
permanecerem
fragmentários
(CALDARELLI, 2003).
Os conjuntos de NMP receberão uma numeração em ordem crescente. Após
este procedimento, as informações provenientes desses conjuntos, ou NMP, serão
inseridas numa planilha (Figura 66), cujo preenchimento será realizado nos campos
pertinentes, conforme os quadros apresentados no capítulo 3 – Características,
Morfologia e Fabricação de Garrafas.
A planilha de NMP pode ser utilizada em vários tipos de materiais que
possibilitem a formação de conjuntos, como vidro, cerâmica, faiança e grês.
Figura 66 – Quadro de Descrição Número Mínimo de Peças, manipulado pelo Programa Computacional Photoshop (Arquivo do autor, 2008).
Esta tabela foi mantida neste local para um melhor entendimento da parte textual.
A seguir, será apresentada a explicação detalhada para o preenchimento da planilha (Figura 66).
NMP – cada conjunto receberá um número de identificação, este deverá seguir uma ordem crescente, facilitando a
identificação posterior;
Nº DE REGISTRO – no caso do SSF-01, será preenchido com os códigos dos fragmentos inventariados e reunidos em
conjuntos, por exemplo, SF-01 Vd001, SF-01 Vd015, SF-01 Vd099;
ESTADO FÍSICO – divide-se em subcategorias, obedecendo ao padrão de
preenchimento de apenas uma delas para cada conjunto;
SEÇÃO TIPOLÓGICA – devido à montagem do conjunto, pode-se preencher mais de
um campo conforme a necessidade. Caso seja um conjunto reconstituído ou conjunto
não montado (gargalo, pescoço e ombros de uma garrafa), serão marcados os três
campos pertinentes;
MATÉRIA PRIMA – está subdividida em três categorias. Cor ou Tipo – que compreende
ao tipo de matéria prima utilizada para a produção do material ou a coloração da peça
pesquisada; Feição da Superfície – caracterizada como lisa, rugosa ou áspera; Feição
Interna – que compreende as mesmas características da Feição da Superfície;
TIPO – podem ser: materiais construtivos (vidros planos provenientes de janelas e
vitrais; globos de lustres ou lampiões), garrafas, frascos e potes;
FORMA – é caracterizada pelo seu estado físico atual; podem ser encontradas
fragmentadas, derretidas devido à exposição ao calor extremo, ou intacta;
CATEGORIA FUNCIONAL – existem três categorias básicas que podem ser utilizadas:
servir, armazenar e isolante;
INDÍCIOS DE MODO DE PRODUÇÃO – requer uma análise mais cuidadosa devido à
dificuldade de identificação dos pequenos detalhes contidos nos fragmentos; linhas
verticais, linhas horizontais e cicatrizes (pelo uso de alicates para moldagem de lábios
em garrafas), são mais comumente encontradas no material vítreo;
PRODUÇÃO – obedecem aos métodos de produção citados anteriormente no capítulo
3 – Características, Morfologia e Fabricação de Garrafas, como Sopro Livre, Sopro em
Molde, Molde Único e Molde em duas ou três partes;
DECORAÇÃO, LOGOMARCAS E OUTRAS INSCRIÇÕES – são divididas em quatro
subcategorias: Seção Morfológica, utilizada para outros materiais que não são vidros;
Motivo Decorativo são desenhos e motivos impressos ou inseridos durante e
posteriormente a produção dos materiais; Logomarcas são de dois tipos: logomarcas do
fabricante, mais comumente encontrada na porção inferior, ou na base do objeto
estudado e, logomarca do produto, que consiste em impressões durante o modo de
produção como o nome, ou conteúdo do produto estudado; Outras, que compreendem
caracteres que não oferecem maiores significados, tais como número arábico ou
romano, capacidade em mililitros e figuras geométricas em menor escala;
DIMENSÕES – existem três divisões primárias: Espessura, sendo máxima e mínima;
Diâmetro do corpo, gargalo e base; Altura, quando o objeto encontra-se inteiro ou
reconstituído por completo.
Após o término do preenchimento da planilha NMP, será necessário quantificar
os dados inseridos na mesma em forma de gráficos representativos. Os gráficos
mostrarão de uma forma resumida todo o trabalho realizado em laboratório, compondo
um relatório explicativo de todo o acervo analisado.
7.2 EXPERIMENTO DE PADRÃO DE QUEBRA
Este experimento ocorrerá da seguinte forma: serão selecionadas 15 garrafas de
vinho na coloração verde, todas produzidas pela técnica de produção automática. A
escolha do material em questão deu-se pela facilidade de obtenção.
A quebra ocorrerá em três etapas distintas: a primeira etapa consistirá na
separação de três lotes de cinco garrafas, onde cada lote será quebrado em um tipo de
superfície: cimentada, terra batida e terra batida com choque de duas garrafas.
A primeira superfície será cimentada, onde a quebra será controlada. Após cada
quebra, serão recolhidos os fragmentos e identificados como Garrafa Teste 01 (GT01).
O segundo lote será quebrado em uma superfície de terra batida, imitando o
local do bolsão antrópico encontrado no SSF-01. Após o recolhimento, os fragmentos
serão identificados como Garrafa Teste Terra 01 (GTTe01).
O terceiro lote de garrafas será quebrado em uma superfície de terra batida, mas
a quebra ocorrerá com choque de duas garrafas, onde uma estará repousando no chão
e a outra será arremessada sobre a garrafa em repouso; sua classificação será Garrafa
Teste Quebra em Choque 01 (GTC01).
Os fragmentos produzidos com o experimento serão coletados, numerados e
reunidos de forma a compor um conjunto de NMP.
Dessa forma faremos uma
comparação entre o material vítreo resgatado do SSF-01 e os fragmentos de nosso
experimento.
Este experimento de quebra controlada de garrafas terá como objetivo a
comparação dos conjuntos NMP formados com o material vítreo do SSF-01 e os
conjuntos formados pelas garrafas produzidas na segunda metade do século XX. Com
isso tentaremos criar um padrão de quebra com o número de fragmentos obtidos com o
experimento.
REFERÊNCIAS
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SP, 2007. 1 CD-ROM.
______. Sítio Histórico São Francisco: um estudo sob a ótica da arqueologia da
paisagem. São Paulo. 2008. 297 p. Tese (Doutorado em Arqueologia). Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
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AULTMAN, Jennifer; GRILLO, Kate. DAACS Cataloging Manual: Glass Vessels. eBook disponível em: <http://www.daacs.org/aboutDatabase/pdf/cataloging/Glass.pdf>.
Acesso em: 13 ago. 2008.
CALDARELLI, S. B. Arqueologia do Vale do Paraíba Paulista. Relatório Final – SP – 07
– Rodovia Carvalho Pinto. São Paulo: COP L PRINT, 2003.
GIBBON, Marcela Bernardo. Suporte de Vidro. São Leopoldo, RS, 2003. 21 p. Artigo
(Especialização em Design Gráfico). Centro de Ciências da Comunicação, Universidade
do Rio dos Sinos.
FERREIRA, Manuela Almeida. Espólio vítreo proveniente da estação arqueológica do
Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra: resultados preliminares. Revista
Portuguesa de Arqueologia, Portugal, v. 7, n. 2. p. 541-583. 2004.
______. O uso de vidraria em Sellium e em Tomar: as descobertas arqueológicas
recentes em relação com a história do vidro. Revista Portuguesa de Arqueologia,
Portugal, v. 8, n. 1. p. 387-431. 2005.
HISTÓRIA do vidro. Disponível em: <http://www.vidreiros.org.br/historia.htm>. Acesso
em: 16 jun. 2008.
HISTÓRIA pré-industrial do vidro no Brasil. Disponível em: <http://www.pilkington.com>.
Acesso em: 16 jun. 2008.
LOREDO, W.M. Manual de Conservação em Arqueologia de Campo. Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1994.
LORENZI, Eduardo Smania de. Vidros bactericidas no tratamento microbiológico
de água. Florianópolis, 2004. 95 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química).
Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos, Universidade
Federal de Santa Catarina.
JONES, Olive; SULLIVAN, Catherine. The Parks Canada Glass Glossary: for the
description of containers, tableware, flat glass, and closures. Canadá, National
Historic Parks and Sites, 1989.
RESSURREIÇÃO, Rosângela Dias da. São Sebastião: transformações de um povo
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SÃO SEBASTIÃO. Prefeitura Municipal de São Sebastião. Plano Diretor, out. 1997, per.
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O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/histvi
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ZANETTINI, Paulo Eduardo; CAMARGO, Paulo Fernandes Bava de. Cacos e mais
cacos de vidro: o que fazer com eles? Manual. 101 p. São Paulo, 1999 (versão
revisada em 2008 pelo autor principal e enviada por e-mail ao autor deste em 04 de
agosto de 2008).
GLOSSÁRIO
Bitola: espessura em milímetros; medida;
Bolsão antrópico: local de descarte de material;
Cal: óxido de cálcio é uma das substâncias mais importantes para a indústria, sendo
obtida por decomposição térmica de calcário. Também chamada de cal viva ou cal
virgem, é um composto sólido branco.
Cálcio: elemento químico (Ca), metal da família dos alcalinos-terrosos;
Cana: ver Pontel;
Carbono: elemento químico (C), pode ser encontrado na natureza em diversas formas
alotrópicas: como: carbono amorfo, cristalino, grafite ou diamante.
Cerâmica: matéria-prima queimada; qualquer classe de material sólido inorgânico, nãometálico que seja submetido a altas temperaturas para cozimento;
Cobalto: elemento químico (Co), metal de transição de coloração branco-azulada. É
obtido principalmente dos minerais carrolita, lineíta, esmaltita e cobaltita.
Chumbo: elemento químico (Pb), metal tóxico, pesado, macio, maleável e pobre
condutor de eletricidade.
Cromo: elemento químico (Cr), metal utilizado em metalurgia, seus óxidos e cromatos
são usados como corantes;
Enxofre: elemento químico (S), não-metal insípido e inodoro, facilmente reconhecido
na forma de cristais amarelos que ocorrem em diversos minerais de sulfito e sulfato;
Faiança: forma de cerâmica branca, que possui uma massa cerâmica menos rica em
caulim do que a porcelana;
Ferro: elemento químico (Fe), metal de transição encontrado em abundância na crosta
terrestre;
Garra de fixação: ferramenta que envolve o corpo do objeto de vidro, permite uma
melhor sustentação para a finalização e também serve para a inserção de inscrições
nas bases;
Grês: material produzido a partir de argila de grão fino, plástica, sedimentária e
refratária, suporta altas temperaturas. Vitrificam entre 1150°C - 1300°C. Nelas o
feldspato atua como material fundente.
Guano: nome dado às fezes das aves e morcegos quando estas se acumulam,
utilizado como fertilizante devido aos seus altos níveis de nitrogênio. Composto de
amoníaco, ácido úrico, ácido fosfórico, ácido oxálico, ácido carbônico, sais e impurezas
da terra.
Hialino: translúcido, transparente;
Irisdescência: efeito sofrido pelo vidro em estágio de decomposição, perda do material
fundente, outros compostos misturados a sílica para produzir o vidro, ocorre quando o
vidro encontra-se depositado em solo alcalino;
Lítico: relativo a pedra, ferramenta feita em pedra;
Manganês: elemento químico (Mn), metal de transição de coloração branco cinzento,
refratário e facilmente oxidável.
Magnésio: elemento químico (Mg), metal alcalino-terroso, empregado como elemento
de liga com o alumínio.
Morfologia: estudo da forma dos objetos;
Murano: ilha de um arquipélago italiano;
Níquel: elemento químico (Ni), metal de transição de coloração branco-prateada,
condutor de eletricidade e calor, encontrado em diversos minerais, em meteoritos
(formando liga metálica com o ferro);
Obsidiana: tipo de vidro vulcânico, formado quando a lava esfria rapidamente,
Paquímetro: do grego: paqui (espessura) e metro (medida), instrumento utilizado para
medir a distância entre dois lados simetricamente opostos em um objeto;
Pontel: instrumento semelhante a um cano, utilizado para soprar a massa vítrea,
geralmente produzido em ferro, madeira oi cerâmica;
Potassa: elemento químico (KOH), hidróxido de potássio, também chamado de
potassa cáustica
Sílica: elemento químico (SiO2), composto conhecido como dióxido de silício,
encontrado em areias
Sítio Histórico: sítio arqueológico com datação posterior ao ano de 1500, quando
aparecem os primeiros registros escritos do Brasil.
Snap-case: ver garra de fixação;
Soda: elemento químico (Na2CO3), conhecido também como carbonato de sódio, sal
branco e translúcido;
Sódio: elemento químico (Na), metal alcalino, sólido na temperatura ambiente, macio,
untuoso, de coloração branca, ligeiramente prateada.
Tipologia: estudo sistemático de tipos e podendo ser aplicado a diversas disciplinas;
Vidro crown: vidro utilizado para a confecção de lentes de óculos;
Vidro prensado: obtém-se moldando em prensas uma certa quantidade de massa em
estado pastoso, para fabricar botões, bolas, placas, ladrilhos e outros objectos
similares, assim como corpos ocos de formas simples;
Vidro soprado: utensílio fabricado de forma manual, sendo soprado e moldado até
atingir a forma desejada;
Zarabatana: ver Pontel.
Zinco: elemento químico (Zi), metal classificado como metal de transição, apresenta
semelhanças com o magnésio e o berílio.
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UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO - Sítio Arqueológico São