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Uso e conservação de Piper cernuum Vell. (Piperaceae) na Mata Atlântica: II. Estrutura
demográfica e potencial de manejo em floresta primária e secundária
1
2
2
1*
MARIOT, A. ; ODORIZZI, J. ; NASCIMENTO, J.V. ; REIS, M.S.
1
Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais, Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade
2
Federal de Santa Catarina, Caixa Postal 476, CEP 88040-900, Florianópolis, SC, *[email protected]; Atlântica
Assessoria Agroambiental, Rua Sebastião Jorge Ribeiro, 155. Jardim Caiçara I, CEP 11.900-000, Registro, SP.
RESUMO: Estudos demográficos envolvem a análise de diferentes estágios do ciclo de vida de
uma população e podem ser de grande importância na definição de estratégias de manejo e
conservação de populações naturais de espécies com uso medicinal. Este trabalho teve como
objetivo realizar a caracterização da estrutura demográfica de pariparoba (Piper cernuum Vell.)
em duas áreas com diferenciados estágios sucessionais, visando detectar diferenças na estrutura
demográfica e no potencial de exploração sustentada das mesmas. Foram montadas e avaliadas
17 parcelas permanentes em floresta secundária e 19 parcelas permanentes em floresta primária.
Todas as plantas de P. cernuum foram avaliadas quanto ao Diâmetro à Altura do Peito (DAP),
altura total e mapeadas. Todos os índices levantados na floresta secundária são superiores aos
levantados na floresta primária, com exceção do DAP médio. Além do maior número de ramos
por planta, a floresta secundária também apresenta uma maior quantidade total média de plantas,
adultas e reprodutivas, que refletem no seu maior potencial de exploração. A floresta secundária
apresenta biomassa seca de folhas de pariparoba mais de 80 vezes o que apresenta a floresta
primária, e considerando as áreas totais a serem manejadas, a floresta secundária apresenta
uma produção superior em mais de 70 vezes em relação à área floresta primária, apesar de ser
menor em extensão. Sendo P. cernuum uma espécie de ocorrência em clareiras, a sua exploração,
realizada empiricamente por extratores através da poda dos ramos, necessita levar em conta a
manutenção da dinâmica da ocupação de novos ambientes pelas sementes produzidas e
dispersadas para garantia de sustentabilidade do processo. Com isso, torna-se imprescindível a
manutenção de plantas reprodutivas nas áreas, pois elas produzirão as sementes para a colonização
das novas clareiras que ocorrerão na floresta, e serão as futuras plantas passíveis de exploração.
Palavras-chave: demografia, clareira, manejo sustentado, Vale do Ribeira
ABSTRACT: Use and conservation of Piper cernuum Vell. (Piperaceae) in the Atlantic
tropical forest: II. Demographic structure and management potential in primary and
secondary forest. Demographic studies involve the analysis of different stages of a population’s
life cycle and are useful in providing information to define management strategies and conservation
of natural populations’ of species with medicinal use. The present work aimed the characterization
of the pariparoba (Piper cernuum Vell.) demographic structure in two areas with different successive
stages in order to detect differences in the demographic structure and its potential of sustainable
management. There were evaluated 17 permanent plots in the Area 1 (secondary forest) and 19
permanent plots in the Area 2 (primary forest). All plants of P. cernuum were evaluated for the
Diameter at Breast Height (DHB), total height and mapped. All the indexes in the Area 1 are
superior to the indexes in the Area 2, excepting for medium DHB. Besides the largest number of
branches per plant, the Area 1 also presents a larger medium amount of total plants, adult and
reproductive, which contemplate in larger exploration potential. The Area 1 presents 80 times drier
biomass of pariparoba leaves than Area 2, and considering the total areas that will be managed,
the Area 1 presents a superior production, 70 times more than Area 2, in spite of being smaller in
extension. P. cernuum depends on constant gap formation for maintenance of its dynamism. The
seeds produced in these gaps are responsible for the establishment of new gaps and foundation
of new populations, maintaining the dynamic of species.
Key words: demography, gap, sustainable management, Ribeira Valley.
Recebido para publicação em 24/05/2005
Aceito para publicação em 12/12/2005
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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INTRODUÇÃO
Estudos demográficos envolvem a análise de
diferentes estágios do ciclo de vida de uma população
para revelar seus padrões de mortalidade,
propagação, recrutamento, crescimento e sucesso
reprodutivo, entre outros (Fischer & Santos, 2001;
Hutchings et al., 1998; Clark, 1994; Field & VasquezYanes, 1993). Os dados obtidos desses estudos
podem ser usados para calcular parâmetros básicos
como expectativa de vida e o destino da população
(Oyama, 1993; Espírito-Santo et al, 2003; Souza et
al., 2003; Mondragon et al., 2004; Yates & Ladd, 2004),
além de definir estratégias de conservação genética
e manejo de populações naturais (Oyama, 1993; Reis
et al., 2003; Oostermeijer et al., 2003).
O comportamento demográfico de uma
espécie vegetal é afetado pelas mudanças das
condições bióticas, como a predação de sementes e
associações micorrízicas, e das condições abióticas,
como as propriedades do solo e a disponibilidade de
luz. Esses comportamentos são de grande interesse
tanto para espécies comuns como para espécies
raras para que possamos efetivamente manejá-las e/
ou conservá-las (Yates & Ladd, 2004; Volis et al.,
2004; Clark, 1994).
Florestas podem ser consideradas mosaicos
dinâmicos de retalhos de vegetação de diferentes
idades, produzidos por distúrbios e influenciados por
diferentes condições bióticas e abióticas, como as
clareiras que abrem o dossel da floresta (MartínezRamos et al. 1989). No sentido restrito, clareiras são
manchas criadas na floresta pela remoção do dossel.
A composição de espécies que preenchem uma nova
clareira na floresta depende do tipo de distúrbio e a
ação de diversos mecanismos afetando a
colonização, crescimento e mortalidade dessas
espécies (Connell, 1989). Muitas espécies tropicais
são dependentes de clareiras em algum estágio de
seu ciclo de vida (Clark, 1994).
A existência continuada de uma espécie em
uma comunidade florestal é uma função das taxas
de estabelecimento de plântulas frente à competição
entre espécies para um mesmo local (Denslow, 1980),
como verificaram Valverde & Silvertown (1998) para
Primula vulgaris, uma erva de sub-bosque, onde as
populações declinaram demograficamente com a
diminuição de luminosidade pelo fechamento do
dossel, e Svenning (2002) para Geonoma
macrostachys, uma palmeira de sub-bosque, onde o
crescimento e a fecundidade aumentaram com o
aumento da luminosidade, superando o risco de dano
causado pela queda de árvores em clareiras. Somente
com o entendimento dos fatores que afetam a
distribuição das plantas nos ambientes é que será
possível o entendimento de porque algumas espécies
são abundantes em alguns ambientes enquanto raras
ou ausentes em outros.
Este trabalho teve como objetivo caracterizar
a estrutura demográfica de Piper cernuum Vell. em
áreas com diferenciados estágios sucessionais de
floresta, visando detectar diferenças na estrutura
demográfica e no potencial de exploração sustentada
das mesmas.
P. cernuum é uma espécie utilizada na
medicina popular, sendo a infusão das suas folhas
empregada como analgésico, especialmente para
dores de estômago, contra problemas do fígado, dos
rins e da circulação (Stipp, 2000; Di Stasi et al., 2002).
Outras informações sobre a espécie podem ser
obtidas em Mariot et al. (2003).
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado o levantamento demográfico em
duas áreas contínuas florestadas de ocorrência
natural da Floresta Ombrófila Densa, uma das
tipologias florestais do Bioma Mata Atlântica, na
Fazenda Colônia Nova Trieste, de propriedade da S/
A Agro Industrial Eldorado, localizada no Município
de Eldorado (SP), em estágios sucessionais
diferenciados. A Área 1 (A1) encontra-se na sua
maioria em estágio secundário avançado de sucessão
florestal, e a Área 2 (A2) encontra-se em estágio
primário de sucessão florestal. A propriedade
apresenta uma área territorial contínua de 30.000 ha,
com cobertura florestal nativa na sua totalidade. As
coordenadas geográficas dos linites da fazenda são
24o20' e 24o25' S e 48o20' e 48o10' W.
O clima da área de estudo é do tipo Cfa
(mesotérmico úmido de verão quente), com temperatura
média do mês mais quente superior a 18 o C,
apresentando uma precipitação média anual em torno
de 1.500 mm. O solo da região é classificado como
Argissolo Vermelho Amarelo com associações bastante
intensas com Gleissolos Háplicos nas baixadas
(Embrapa, 1999). O relevo predominante na área
enquadra-se na classe forte ondulado e montanhoso,
porém apresenta extensas áreas de baixada,
classificadas como várzeas de interior, com altitudes
variando de 100 a 1000 m.
A A1 apresenta 1.395 ha, dos quais 1.110 ha
são passíveis de exploração pela exclusão das Áreas
de Preservação Permanente (APPs). Nesta área foram
instaladas 17 parcelas permanentes de 1.600 m2 (40 x
40m) cada, totalizando 27.200 m2 (2,72 ha) amostrados.
A A2 apresenta 1.660 ha, dos quais 1.298 ha
são passíveis de exploração pela exclusão das APPs.
Nesta área foram instaladas 19 parcelas permanentes
de 1.600 m2 (40 x 40m) cada, totalizando 30.400 m2
(3,04 ha) inventariados.
As plantas com altura total inferior a 1,30 m
foram consideradas na classe de regeneração natural.
Foram medidos os diâmetros à altura do peito (DAP),
com paquímetro florestal, para todos os ramos
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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de todas as plantas de pariparoba com altura total
superior a 1,30m, e medidas as alturas totais, com
régua dendrométrica, de todas as plantas. Foi avaliado
também a presença de estruturas reprodutivas. Todos
os ramos foram etiquetados com placas de alumínio
contendo o número da planta e o número seqüencial
do ramo. Todas as plantas avaliadas foram mapeadas.
Os dados foram analisados visando a
obtenção de estatísticas descritivas, usando os
programas STATISTICA 6.0. e Microsoft® EXCEL
2002. Uma exsicata foi depositada no Herbário FLOR
da Universidade Federal de Santa Catarina sob o
número 30989.
RESULTADO
Na A1 P. cernuum foi encontrada numa
freqüência de 94%. O número total médio de plantas
foi de 69 por hectare (Amplitude (A)= 0 a 219; Desvio
Padrão (DP)= 74,85). O número médio de plantas
com altura total superior a 1,3 metro foi de 43/ha (A=
0 a 188; DP= 59,30), das quais 18 apresentavam
estruturas reprodutivas, consideradas matrizes (A=
0 a 119; DP= 30,96). O número de plantas com altura
total inferior à 1,3 metros foi de 26/ha (A= 0 a 106;
DP= 30,93). O DAP médio foi de 1,9 cm (A= 1,1 a
3,2 cm; DP= 0,59). Considerando que a pariparoba é
uma espécie arbustiva, com vários ramos por planta,
e que a exploração é realizada pelos extratores
mediante o corte de ramos para a retirada de folhas
(Mariot, 2000), foi avaliado o número de ramos das
plantas. O número médio de ramos por planta foi de
1,5 (A= 1,0 a 2,3; DP= 0,39).
A distribuição diamétrica da A1 está exposta
na Figura 1. A estrutura demográfica obtida, sugere
uma tendência a J invertido, considerando a classe
diamétrica a partir de plantas com diâmetro = 1 cm,
pois as inferiores apresentam influência das plantas
com altura = a 1,3 m. As plantas reprodutivas
apresentam tendência de distribuição normal.
Na A2 P. cernuum foi encontrada numa
freqüência de 26%. O número total médio de plantas
foi de 4 por hectare (A= 0 a 19; DP= 5,76). O número
médio de plantas consideradas adultas foi de 1,7/ha
(A= 0 a 13; DP= 6,50), das quais 1,4 apresentava
estruturas reprodutivas, porém, consideradas matrizes
(A= 0 a 13; DP= 5,45). O número de plantas que
compõem a regeneração natural foi de 2,3/ha (A= 0 a
19; DP= 5,81). O DAP médio foi de 2,3 cm (A= 1,6 a
3,0 cm; DP= 0,6). O número médio de ramos por
planta foi de 1,2 (A= 1,0 a 1,5; DP= 0,29). Para a A2
não será exposta a distribuição diamétrica, pois o
número de indivíduos foi muito reduzido, o que
resultaria numa figura pouco informativa.
Na Figura 2 são apresentados os
mapeamentos de todas as plantas avaliadas da A1 num
gradiente de áreas mais secundárias (base da figura)
para áreas mais primárias de sucessão florestal (alto
da figura), plotando as parcelas lado a lado, para
visualização da distribuição das plantas nas parcelas,
e não com o objetivo de representar um contínuo de
área. Foi excluída da Figura 1 uma das parcelas, a que
não apresentava plantas, pois além de não ser
informativo, impossibilitava a regularidade da figura. Na
Figura 2 é possível verificar uma maior densidade de
plantas nas parcelas localizadas nas áreas em
formação secundária comparativamente as parcelas
localizadas em áreas em formação primária.
O mapeamento de todas as plantas avaliadas
na A2 é apresentado na Figura 3, plotando as parcelas
lado a lado, para visualização da distribuição das plantas
na área. Foram excluídas da Figura 3 três parcelas,
que não apresentavam plantas, pois, além de não serem
informativas, impossibilitavam a regularidade da figura.
FIGURA 1. Distribuição diamétrica (cm) do número de plantas (N) de plantas de Piper cernuum em 17 parcelas da Área
1 (floresta secundária) da Fazenda Colônia Nova Trieste, Eldorado, SP.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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FIGURA 2. Mapeamento das plantas de Piper cernuum na Área 1 (floresta secundária) da Fazenda Colônia Nova Trieste,
Eldorado, SP.
FIGURA 3. Mapeamento das plantas de Piper cernuum na Área 2 (floresta primária) da Fazenda Colônia Nova Trieste,
Eldorado, SP.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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DISCUSSÃO
ESTRUTURA DEMOGRÁFICA E DINÂMICA
DE CLAREIRAS
Os modelos existentes para a avaliação da
regeneração das espécies tropicais têm se baseado
principalmente na presença ou ausência de clareiras.
Porém, a presença ou ausência de luz não responde
a toda a síndrome de comportamento observado no
estabelecimento de espécies florestais tropicais, pois
apesar dos agrupamentos das espécies em grupos
ecológicos, cada espécie apresenta peculiaridades
em suas estratégias de estabelecimento (PiñaRodrigues et al., 1990). A formação constante de
clareiras é a forma de manutenção das espécies
adaptadas a esse meio, pois as sementes serão
dispersas, formando novas comunidades. Enquanto
isso, as antigas clareiras tendem a desaparecer, sendo
sombreados os indivíduos das espécies não
adaptadas a essa condição, que tenderão a morrer
(Valverde & Silvertown, 1998; Mariot et al., 2003). Este
comportamento foi descrito para Cecropia obtusifolia,
Miconia argentea e Trema micrantha, espécies que
também dependem de clareiras para a sua
manutenção na floresta (Brokaw & Scheiner, 1989).
A maior densidade de plantas na A1 em
comparação com a A2 se dá pela maior possibilidade
de encontrar sítios com luminosidade adequada para
a espécie, pois na A2 a espécie somente se instalará
após a abertura de uma clareira. Esse padrão de
distribuição pode ser visualizado na Figura 2. Algumas
parcelas na A1 apresentam o padrão de distribuição
da A2. Após avaliação de cada parcela
individualmente, foi verificado que essas parcelas
correspondem a áreas com menor luminosidade,
confirmando a necessidade de maior luminosidade
para a ocorrência da espécie.
Além da luz como o fator de maior influência
na distribuição demográfica de P. cernuum nas duas
áreas estudadas, vários outros fatores podem interagir
para explicar esses resultados. Um delas é a
probabilidade de chegada de uma semente a uma
clareira, que é determinada pelo modo de dispersão,
a probabilidade de sobrevivência, pela dormência da
semente e/ou juvenis, fisiologia, e a interação de cada
espécie com patógenos e predadores nas clareiras e
nas florestas adjacentes (Schupp et al., 1989).
As informações ecológicas disponíveis
(Mariot 2000; Guimarães & Valente, 2001; Mariot et
al, 2003) indicam que P. cernuum é uma espécie que
pode ser enquadrada como especialista em clareiras
pequenas (small gap specialists), segundo
classificação proposta por Denslow (1980). Porém, a
espécie apresenta algumas características que a
desqualificam como espécie especialista em clareiras
pequenas e a enquadram como espécie especialista
em clareiras grandes (large-gap specialists). Dentre
elas estão a produção contínua de frutos, ao invés da
produção supra-anual, e o pequeno tamanho das
sementes ao invés de grandes sementes (Mariot et
al., 2003). Com isso, torna-se difícil classificar a
espécie seguindo algum padrão, já que a mesma
apresenta características de ambas as categorias.
A disponibilidade constante de frutos de P.
cernuum pode ser o resultado da seleção para a
colonização de clareiras, pois a formação das
mesmas é imprevisível no tempo e no espaço, sendo
necessária a disponibilidade constante de sementes
desses frutos para a colonização das novas clareiras
que serão formadas. A constante produção de frutos
em P. cernuum só é possível devido a sua baixa
intensidade, o que possibilita suprir os dispersores
por todo o ano, mantendo-os na área (Mariot et al.,
2003).
A caracterização genética indicou que P.
cernuum possui uma alta divergência entre as
populações, aparentemente causada pelo efeito
fundador associado à dinâmica de clareiras, além da
evidência de seleção em favor de heterozigotos (Mariot
et al., 2002).
Sendo P. cernuum uma espécie de
ocorrência em clareiras, a sua exploração, realizada
empiricamente por extratores através da poda dos
ramos, necessita levar em conta a manutenção da
dinâmica da ocupação de novos ambientes pelas
sementes produzidas e dispersadas para garantia de
sustentabilidade do processo. Neste contexto, a
manutenção de plantas e/ou ramos reprodutivos nas
áreas, fornecendo alimento para a fauna polinizadora
e dispersora, torna-se o aspecto mais importante
(Mariot et al., 2002).
As sementes produzidas pelas populações
existentes serão responsáveis pela possibilidade de
ocupação de novas clareiras e fundação de novas
populações, mantendo a dinâmica de movimentação
dos alelos na espécie e disponibilizando novos
indivíduos para novos ciclos de exploração (Mariot et
al., 2002). São necessários mais estudos sobre a
autoecologia, especialmente germinação,
estabelecimento de plântulas e crescimento, e
sobrevivência dos reprodutivos, assim como a
interação de todos esses com o tamanho da clareira.
Segundo Withmore (1989), em pequenas
clareiras as plântulas de espécies que se
estabelecem sob o dossel da floresta têm a
possibilidade de iniciar o crescimento, e as espécies
que colonizam grandes clareiras as sementes
germinam apenas na abertura causada pela clareira.
Portanto as plântulas ocorrem somente depois da
formação da clareira, sendo essas espécies
chamadas clímax e pioneiras, respectivamente. Ainda
segundo o autor, as espécies clímax possuem
sementes que podem germinar sob o dossel da
floresta, e suas plântulas são hábeis para se
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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estabelecer numa floresta sombreada. Os juvenis
dessas espécies podem sobreviver na sombra por
alguns anos. As espécies pioneiras possuem
sementes que germinam somente em clareiras em
que a luz chega ao solo pelo menos uma parte do
dia. Portanto, as plântulas de espécies pioneiras não
ocorrem sob o dossel sombreado (Whitmore, 1989).
Seguindo uma terceira classificação proposta
por Piña-Rodrigues et al. (1990), P. cernuum se
enquadraria melhor como espécie oportunista do que
como pioneira ou clímax, pois depende da formação
constante de clareiras na floresta para a sua
manutenção e a freqüência de indivíduos é variável,
aspecto esse detectado por levantamentos
demográficos realizados anteriormente para a espécie
(Mariot & Reis, 1997; Mariot et al., 1999).
Pode-se considerar que existem pequenas
e grandes clareiras, com diversas subdivisões, assim
como espécies de plantas que ocupam cada uma
dessas categorias, como proposto por diversos
autores (Whitmore, 1989; Piña-Rodrigues et al. 1990,
Denslow, 1980). As pequenas aberturas no dossel
da floresta, resultando em pequenas clareiras, são
formadas pela quebra de ramos ou morte de uma
árvore do dossel, enquanto as grandes aberturas do
dossel da floresta, resultando em grandes clareiras,
ocorrem quando árvores adjacentes são parcialmente
ou totalmente destruídas e são comuns em florestas
em que lianas interligam as plantas (Denslow, 1980).
No caso de Piperáceas, a destruição parcial ou total
da parte aérea não causa grandes problemas para a
população, pois as espécies dessa família possuem
grande capacidade de rebrotar após a quebra de
ramos (Greig, 1993; Gartner, 1989).
Diferenças no tamanho das clareiras podem
produzir variações na composição de espécies da
floresta no próximo ciclo (Brokaw & Scheiner, 1989).
Condições microclimáticas, especialmente luz,
temperatura e umidade, no centro de uma clareira
são função da forma da clareira, orientação e tamanho
(em relação a altura da floresta em torno), e como
muitos desses fatores determinam a duração diária
da insolação direta. Devido às plântulas serem
expostas a grandes extremos ambientais na formação
de uma nova clareira, adaptações afetando a
sobrevivência e crescimento devem ser importantes
na determinação do sucesso com que uma espécie
estabelece a descendência em clareiras de diferentes
tamanhos (Whitmore, 1989).
Para Geonoma macrostachys, o número de
indivíduos mostrando crescimento positivo foi reduzido
sob condições de dossel fechado, refletindo o reduzido
número de microsítios com média ou alta
luminosidade. Já a sobrevivência, por outro lado,
aumentou sob condições de dossel fechado, reflexo
da diminuição do risco de dano causado pela queda
de árvores em clareiras. A heterogeneidade do dossel
tem efeitos na estrutura demográfica a nível individual
pela limitação de luminosidade e danos. Esta
heterogeneidade, especialmente a limitação de
luminosidade para o crescimento e fecundidade, tem
importantes conseqüências a nível populacional para
Geonoma macrostachys . A baixa luminosidade
poderia levar essa espécie a extinção pela redução
do crescimento e da fecundidade se tais condições
fossem permanentes, assim como sugerem os
resultados da estrutura populacional para P. cernuum.
O efeito da abertura do dossel no desempenho
individual possui um grande efeito na taxa de
crescimento da população, incluindo uma inabilidade
de se manter uma população sob permanente baixa
iluminação (Svenning, 2002).
ESTRUTURA DEMOGRÁFICA E POTENCIAL
DE MANEJO
Comparativamente, a A1 apresenta-se muito
mais interessante do ponto de vista econômico do
que a A2. Todos os índices levantados na A1 são
superiores aos levantados na A2, com exceção do
DAP médio (1,9 cm na A1 e 2,3 cm na A2). Contudo,
o maior número de ramos na A1 compensa esse
menor valor pela maior quantidade de ramos
disponíveis à exploração por planta. Além do maior
número de ramos por planta, a A1 também apresenta
uma maior quantidade média de plantas total, adultas
e reprodutivas, que refletem no seu maior potencial
de exploração.
Adotando-se o critério de explorar apenas
ramos com DAP > 1cm para plantas com no mínimo
2 ramos, mantendo sempre metade dos ramos no
caso de plantas com número ímpar de ramos com
DAP >1cm, como no caso de uma planta com 3
ramos, adotou-se o critério de explorar apenas 1
ramo); bem como, adotando-se o critério de manter
sempre os ramos com maior diâmetro no momento
da exploração, já que os mesmos possuem maior
possibilidade de produção de sementes, ficando como
matrizes; a estimativa da produção média de matéria
seca por hectare foi de 2,613 kg, variando de 0 a
16,862kg. Na área total de 1.100 ha seria obtida uma
produção de 2.874 kg de matéria seca de folhas de
pariparoba. Estas estimativas de produção de
biomassa foram realizadas utilizando uma equação
de regressão obtida a partir da produção de algumas
plantas, onde: NÚMERO DE FOLHAS = 10,559072
DAP** (R2 = 0,9236). Através da equação de regressão
citada, foi estimado o número de folhas passíveis de
exploração na A1, considerando que uma folha seca
de pariparoba pesa em média 5g (dado obtido através
de amostragens). Considerando os critérios de
exploração na A2 também para A1, a produção
média de matéria seca por hectare foi de 0,031 kg,
variando de 0 a 0,594 kg; na área total de 1.298 ha
seria obtida uma produção de 40 kg de matéria seca
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007.
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de folhas de pariparoba.
A A1 apresenta 2,613 kg ha-1 de biomassa
seca de folhas de pariparoba, mais de 80 vezes o
que apresenta a A2, (0,031kg há-1). Considerando as
áreas totais a serem manejadas, a A1 apresenta uma
produção superior em mais de 70 vezes em relação
à área A2, apesar de ser menor em extensão. Estes
resultados reforçam a possibilidade de exploração da
espécie em áreas de formação secundária.
Um ponto crucial na elaboração de propostas
de manejo é a quantificação da regeneração natural
da espécie alvo do estudo, pois serão essas plantas,
que hoje não apresentam biomassa disponível para
exploração, que irão disponibilizar propágulos para
compor a categoria de plantas passíveis de exploração
no futuro. Nesse ponto, a A1 apresenta mais de 4
vezes (26) a quantidade de regeneração natural
presente na A2 (6).
Como especificado anteriormente, a A1
encontra-se na sua maioria em estágio secundário
avançado de sucessão, e a A2 encontra-se em estágio
primário. Além dessa diferença, as duas áreas
apresentam outras características que a diferenciam,
mas uma delas é marcante, e resultante dessa
diferença de estágios sucessionais em que se
encontram: disponibilidade de luz. Aparentemente a
A1 recebe muito mais luminosidade no nível do solo
do que a A2, e para P. cernuum a luminosidade é de
suma importância no seu ciclo de vida, assim como
muitas espécies tropicais, que são dependentes de
clareiras (Denslow, 1980). Variações temporais na
radiação solar podem refletir em mudanças no
crescimento, sobrevivência ou reprodução de plantas,
como encontrado por Field & Vazquez-Yanes (1993)
e Clark (1994).
Num primeiro momento, os critérios adotados
nas simulações de explorações podem parecer
demasiadamente conservacionistas, pela exploração
de poucos ramos, sempre os de menor diâmetro, e
somente de plantas com mais de 2 ramos, mesmo a
planta tendo um único ramo com grande quantidade
de biomassa. Porém, com esses critérios adotados
busca-se obter biomassa de uma planta, e ao mesmo
tempo mantê-la como matriz para a produção de
sementes visando a ocupação de novos sítios na
floresta, neste caso, novas clareiras, mantendo a
diversidade genética da espécie pela não eliminação
de indivíduos (Mariot et al., 2002). O objetivo dessa
estratégia de manejo é a continuidade do processo
de exploração, sendo que o mais importante não é a
biomassa que sai do sistema, num primeiro momento,
mas a garantia da realização de novas explorações
num futuro. O conjunto dessas retiradas ao longo do
tempo será maior do que uma exploração mais
agressiva num primeiro momento, muitas vezes
comprometendo a espécie alvo da exploração para
explorações futuras. Com isso, não serão necessárias
ações de enriquecimento ou reintrodução da espécie
nas áreas exploradas, pois o próprio sistema irá
recompor o equilíbrio dinâmico das populações e da
própria floresta.
Por se tratar de uma espécie dependente da
formação de clareiras para a sua manutenção na
paisagem, plantas de P. cernuum desenvolvem-se
melhor sob condições de alta luminosidade. Muitas
plantas passíveis de exploração são as adultas que
ocorrem sob um dossel já fechado após a
recuperação da clareira. Assim, essas plantas não
encontrarão as condições ideais para o seu
desenvolvimento após a exploração, ficando o rebrote
comprometido. Em alguns casos essas plantas serão
exploradas apenas uma única vez, apesar da
capacidade de rebrote da espécie. Porém, muitas
plantas já estão passíveis de exploração quando ainda
ocorre alta luminosidade na clareira que ainda não
teve seu dossel recuperado, tornando possível
explorações subseqüentes numa mesma planta. Com
isso, torna-se imprescindível a manutenção de plantas
reprodutivas nas áreas, pois elas produzirão as
sementes para a colonização das novas clareiras que
ocorrerão na floresta, e serão no futuro as plantas
passíveis de exploração.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro,
e à Agroindustrial Eldorado pela permissão de realizar
o trabalho na Fazenda Colônia Nova Trieste.
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(Piperaceae) na Mata Atlântica: II. Estrutura demográfica e