13 Uso e conservação de Piper cernuum Vell. (Piperaceae) na Mata Atlântica: II. Estrutura demográfica e potencial de manejo em floresta primária e secundária 1 2 2 1* MARIOT, A. ; ODORIZZI, J. ; NASCIMENTO, J.V. ; REIS, M.S. 1 Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais, Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, Universidade 2 Federal de Santa Catarina, Caixa Postal 476, CEP 88040-900, Florianópolis, SC, *[email protected]; Atlântica Assessoria Agroambiental, Rua Sebastião Jorge Ribeiro, 155. Jardim Caiçara I, CEP 11.900-000, Registro, SP. RESUMO: Estudos demográficos envolvem a análise de diferentes estágios do ciclo de vida de uma população e podem ser de grande importância na definição de estratégias de manejo e conservação de populações naturais de espécies com uso medicinal. Este trabalho teve como objetivo realizar a caracterização da estrutura demográfica de pariparoba (Piper cernuum Vell.) em duas áreas com diferenciados estágios sucessionais, visando detectar diferenças na estrutura demográfica e no potencial de exploração sustentada das mesmas. Foram montadas e avaliadas 17 parcelas permanentes em floresta secundária e 19 parcelas permanentes em floresta primária. Todas as plantas de P. cernuum foram avaliadas quanto ao Diâmetro à Altura do Peito (DAP), altura total e mapeadas. Todos os índices levantados na floresta secundária são superiores aos levantados na floresta primária, com exceção do DAP médio. Além do maior número de ramos por planta, a floresta secundária também apresenta uma maior quantidade total média de plantas, adultas e reprodutivas, que refletem no seu maior potencial de exploração. A floresta secundária apresenta biomassa seca de folhas de pariparoba mais de 80 vezes o que apresenta a floresta primária, e considerando as áreas totais a serem manejadas, a floresta secundária apresenta uma produção superior em mais de 70 vezes em relação à área floresta primária, apesar de ser menor em extensão. Sendo P. cernuum uma espécie de ocorrência em clareiras, a sua exploração, realizada empiricamente por extratores através da poda dos ramos, necessita levar em conta a manutenção da dinâmica da ocupação de novos ambientes pelas sementes produzidas e dispersadas para garantia de sustentabilidade do processo. Com isso, torna-se imprescindível a manutenção de plantas reprodutivas nas áreas, pois elas produzirão as sementes para a colonização das novas clareiras que ocorrerão na floresta, e serão as futuras plantas passíveis de exploração. Palavras-chave: demografia, clareira, manejo sustentado, Vale do Ribeira ABSTRACT: Use and conservation of Piper cernuum Vell. (Piperaceae) in the Atlantic tropical forest: II. Demographic structure and management potential in primary and secondary forest. Demographic studies involve the analysis of different stages of a population’s life cycle and are useful in providing information to define management strategies and conservation of natural populations’ of species with medicinal use. The present work aimed the characterization of the pariparoba (Piper cernuum Vell.) demographic structure in two areas with different successive stages in order to detect differences in the demographic structure and its potential of sustainable management. There were evaluated 17 permanent plots in the Area 1 (secondary forest) and 19 permanent plots in the Area 2 (primary forest). All plants of P. cernuum were evaluated for the Diameter at Breast Height (DHB), total height and mapped. All the indexes in the Area 1 are superior to the indexes in the Area 2, excepting for medium DHB. Besides the largest number of branches per plant, the Area 1 also presents a larger medium amount of total plants, adult and reproductive, which contemplate in larger exploration potential. The Area 1 presents 80 times drier biomass of pariparoba leaves than Area 2, and considering the total areas that will be managed, the Area 1 presents a superior production, 70 times more than Area 2, in spite of being smaller in extension. P. cernuum depends on constant gap formation for maintenance of its dynamism. The seeds produced in these gaps are responsible for the establishment of new gaps and foundation of new populations, maintaining the dynamic of species. Key words: demography, gap, sustainable management, Ribeira Valley. Recebido para publicação em 24/05/2005 Aceito para publicação em 12/12/2005 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 14 INTRODUÇÃO Estudos demográficos envolvem a análise de diferentes estágios do ciclo de vida de uma população para revelar seus padrões de mortalidade, propagação, recrutamento, crescimento e sucesso reprodutivo, entre outros (Fischer & Santos, 2001; Hutchings et al., 1998; Clark, 1994; Field & VasquezYanes, 1993). Os dados obtidos desses estudos podem ser usados para calcular parâmetros básicos como expectativa de vida e o destino da população (Oyama, 1993; Espírito-Santo et al, 2003; Souza et al., 2003; Mondragon et al., 2004; Yates & Ladd, 2004), além de definir estratégias de conservação genética e manejo de populações naturais (Oyama, 1993; Reis et al., 2003; Oostermeijer et al., 2003). O comportamento demográfico de uma espécie vegetal é afetado pelas mudanças das condições bióticas, como a predação de sementes e associações micorrízicas, e das condições abióticas, como as propriedades do solo e a disponibilidade de luz. Esses comportamentos são de grande interesse tanto para espécies comuns como para espécies raras para que possamos efetivamente manejá-las e/ ou conservá-las (Yates & Ladd, 2004; Volis et al., 2004; Clark, 1994). Florestas podem ser consideradas mosaicos dinâmicos de retalhos de vegetação de diferentes idades, produzidos por distúrbios e influenciados por diferentes condições bióticas e abióticas, como as clareiras que abrem o dossel da floresta (MartínezRamos et al. 1989). No sentido restrito, clareiras são manchas criadas na floresta pela remoção do dossel. A composição de espécies que preenchem uma nova clareira na floresta depende do tipo de distúrbio e a ação de diversos mecanismos afetando a colonização, crescimento e mortalidade dessas espécies (Connell, 1989). Muitas espécies tropicais são dependentes de clareiras em algum estágio de seu ciclo de vida (Clark, 1994). A existência continuada de uma espécie em uma comunidade florestal é uma função das taxas de estabelecimento de plântulas frente à competição entre espécies para um mesmo local (Denslow, 1980), como verificaram Valverde & Silvertown (1998) para Primula vulgaris, uma erva de sub-bosque, onde as populações declinaram demograficamente com a diminuição de luminosidade pelo fechamento do dossel, e Svenning (2002) para Geonoma macrostachys, uma palmeira de sub-bosque, onde o crescimento e a fecundidade aumentaram com o aumento da luminosidade, superando o risco de dano causado pela queda de árvores em clareiras. Somente com o entendimento dos fatores que afetam a distribuição das plantas nos ambientes é que será possível o entendimento de porque algumas espécies são abundantes em alguns ambientes enquanto raras ou ausentes em outros. Este trabalho teve como objetivo caracterizar a estrutura demográfica de Piper cernuum Vell. em áreas com diferenciados estágios sucessionais de floresta, visando detectar diferenças na estrutura demográfica e no potencial de exploração sustentada das mesmas. P. cernuum é uma espécie utilizada na medicina popular, sendo a infusão das suas folhas empregada como analgésico, especialmente para dores de estômago, contra problemas do fígado, dos rins e da circulação (Stipp, 2000; Di Stasi et al., 2002). Outras informações sobre a espécie podem ser obtidas em Mariot et al. (2003). MATERIAL E MÉTODO Foi realizado o levantamento demográfico em duas áreas contínuas florestadas de ocorrência natural da Floresta Ombrófila Densa, uma das tipologias florestais do Bioma Mata Atlântica, na Fazenda Colônia Nova Trieste, de propriedade da S/ A Agro Industrial Eldorado, localizada no Município de Eldorado (SP), em estágios sucessionais diferenciados. A Área 1 (A1) encontra-se na sua maioria em estágio secundário avançado de sucessão florestal, e a Área 2 (A2) encontra-se em estágio primário de sucessão florestal. A propriedade apresenta uma área territorial contínua de 30.000 ha, com cobertura florestal nativa na sua totalidade. As coordenadas geográficas dos linites da fazenda são 24o20' e 24o25' S e 48o20' e 48o10' W. O clima da área de estudo é do tipo Cfa (mesotérmico úmido de verão quente), com temperatura média do mês mais quente superior a 18 o C, apresentando uma precipitação média anual em torno de 1.500 mm. O solo da região é classificado como Argissolo Vermelho Amarelo com associações bastante intensas com Gleissolos Háplicos nas baixadas (Embrapa, 1999). O relevo predominante na área enquadra-se na classe forte ondulado e montanhoso, porém apresenta extensas áreas de baixada, classificadas como várzeas de interior, com altitudes variando de 100 a 1000 m. A A1 apresenta 1.395 ha, dos quais 1.110 ha são passíveis de exploração pela exclusão das Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nesta área foram instaladas 17 parcelas permanentes de 1.600 m2 (40 x 40m) cada, totalizando 27.200 m2 (2,72 ha) amostrados. A A2 apresenta 1.660 ha, dos quais 1.298 ha são passíveis de exploração pela exclusão das APPs. Nesta área foram instaladas 19 parcelas permanentes de 1.600 m2 (40 x 40m) cada, totalizando 30.400 m2 (3,04 ha) inventariados. As plantas com altura total inferior a 1,30 m foram consideradas na classe de regeneração natural. Foram medidos os diâmetros à altura do peito (DAP), com paquímetro florestal, para todos os ramos Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 15 de todas as plantas de pariparoba com altura total superior a 1,30m, e medidas as alturas totais, com régua dendrométrica, de todas as plantas. Foi avaliado também a presença de estruturas reprodutivas. Todos os ramos foram etiquetados com placas de alumínio contendo o número da planta e o número seqüencial do ramo. Todas as plantas avaliadas foram mapeadas. Os dados foram analisados visando a obtenção de estatísticas descritivas, usando os programas STATISTICA 6.0. e Microsoft® EXCEL 2002. Uma exsicata foi depositada no Herbário FLOR da Universidade Federal de Santa Catarina sob o número 30989. RESULTADO Na A1 P. cernuum foi encontrada numa freqüência de 94%. O número total médio de plantas foi de 69 por hectare (Amplitude (A)= 0 a 219; Desvio Padrão (DP)= 74,85). O número médio de plantas com altura total superior a 1,3 metro foi de 43/ha (A= 0 a 188; DP= 59,30), das quais 18 apresentavam estruturas reprodutivas, consideradas matrizes (A= 0 a 119; DP= 30,96). O número de plantas com altura total inferior à 1,3 metros foi de 26/ha (A= 0 a 106; DP= 30,93). O DAP médio foi de 1,9 cm (A= 1,1 a 3,2 cm; DP= 0,59). Considerando que a pariparoba é uma espécie arbustiva, com vários ramos por planta, e que a exploração é realizada pelos extratores mediante o corte de ramos para a retirada de folhas (Mariot, 2000), foi avaliado o número de ramos das plantas. O número médio de ramos por planta foi de 1,5 (A= 1,0 a 2,3; DP= 0,39). A distribuição diamétrica da A1 está exposta na Figura 1. A estrutura demográfica obtida, sugere uma tendência a J invertido, considerando a classe diamétrica a partir de plantas com diâmetro = 1 cm, pois as inferiores apresentam influência das plantas com altura = a 1,3 m. As plantas reprodutivas apresentam tendência de distribuição normal. Na A2 P. cernuum foi encontrada numa freqüência de 26%. O número total médio de plantas foi de 4 por hectare (A= 0 a 19; DP= 5,76). O número médio de plantas consideradas adultas foi de 1,7/ha (A= 0 a 13; DP= 6,50), das quais 1,4 apresentava estruturas reprodutivas, porém, consideradas matrizes (A= 0 a 13; DP= 5,45). O número de plantas que compõem a regeneração natural foi de 2,3/ha (A= 0 a 19; DP= 5,81). O DAP médio foi de 2,3 cm (A= 1,6 a 3,0 cm; DP= 0,6). O número médio de ramos por planta foi de 1,2 (A= 1,0 a 1,5; DP= 0,29). Para a A2 não será exposta a distribuição diamétrica, pois o número de indivíduos foi muito reduzido, o que resultaria numa figura pouco informativa. Na Figura 2 são apresentados os mapeamentos de todas as plantas avaliadas da A1 num gradiente de áreas mais secundárias (base da figura) para áreas mais primárias de sucessão florestal (alto da figura), plotando as parcelas lado a lado, para visualização da distribuição das plantas nas parcelas, e não com o objetivo de representar um contínuo de área. Foi excluída da Figura 1 uma das parcelas, a que não apresentava plantas, pois além de não ser informativo, impossibilitava a regularidade da figura. Na Figura 2 é possível verificar uma maior densidade de plantas nas parcelas localizadas nas áreas em formação secundária comparativamente as parcelas localizadas em áreas em formação primária. O mapeamento de todas as plantas avaliadas na A2 é apresentado na Figura 3, plotando as parcelas lado a lado, para visualização da distribuição das plantas na área. Foram excluídas da Figura 3 três parcelas, que não apresentavam plantas, pois, além de não serem informativas, impossibilitavam a regularidade da figura. FIGURA 1. Distribuição diamétrica (cm) do número de plantas (N) de plantas de Piper cernuum em 17 parcelas da Área 1 (floresta secundária) da Fazenda Colônia Nova Trieste, Eldorado, SP. Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 16 FIGURA 2. Mapeamento das plantas de Piper cernuum na Área 1 (floresta secundária) da Fazenda Colônia Nova Trieste, Eldorado, SP. FIGURA 3. Mapeamento das plantas de Piper cernuum na Área 2 (floresta primária) da Fazenda Colônia Nova Trieste, Eldorado, SP. Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 17 DISCUSSÃO ESTRUTURA DEMOGRÁFICA E DINÂMICA DE CLAREIRAS Os modelos existentes para a avaliação da regeneração das espécies tropicais têm se baseado principalmente na presença ou ausência de clareiras. Porém, a presença ou ausência de luz não responde a toda a síndrome de comportamento observado no estabelecimento de espécies florestais tropicais, pois apesar dos agrupamentos das espécies em grupos ecológicos, cada espécie apresenta peculiaridades em suas estratégias de estabelecimento (PiñaRodrigues et al., 1990). A formação constante de clareiras é a forma de manutenção das espécies adaptadas a esse meio, pois as sementes serão dispersas, formando novas comunidades. Enquanto isso, as antigas clareiras tendem a desaparecer, sendo sombreados os indivíduos das espécies não adaptadas a essa condição, que tenderão a morrer (Valverde & Silvertown, 1998; Mariot et al., 2003). Este comportamento foi descrito para Cecropia obtusifolia, Miconia argentea e Trema micrantha, espécies que também dependem de clareiras para a sua manutenção na floresta (Brokaw & Scheiner, 1989). A maior densidade de plantas na A1 em comparação com a A2 se dá pela maior possibilidade de encontrar sítios com luminosidade adequada para a espécie, pois na A2 a espécie somente se instalará após a abertura de uma clareira. Esse padrão de distribuição pode ser visualizado na Figura 2. Algumas parcelas na A1 apresentam o padrão de distribuição da A2. Após avaliação de cada parcela individualmente, foi verificado que essas parcelas correspondem a áreas com menor luminosidade, confirmando a necessidade de maior luminosidade para a ocorrência da espécie. Além da luz como o fator de maior influência na distribuição demográfica de P. cernuum nas duas áreas estudadas, vários outros fatores podem interagir para explicar esses resultados. Um delas é a probabilidade de chegada de uma semente a uma clareira, que é determinada pelo modo de dispersão, a probabilidade de sobrevivência, pela dormência da semente e/ou juvenis, fisiologia, e a interação de cada espécie com patógenos e predadores nas clareiras e nas florestas adjacentes (Schupp et al., 1989). As informações ecológicas disponíveis (Mariot 2000; Guimarães & Valente, 2001; Mariot et al, 2003) indicam que P. cernuum é uma espécie que pode ser enquadrada como especialista em clareiras pequenas (small gap specialists), segundo classificação proposta por Denslow (1980). Porém, a espécie apresenta algumas características que a desqualificam como espécie especialista em clareiras pequenas e a enquadram como espécie especialista em clareiras grandes (large-gap specialists). Dentre elas estão a produção contínua de frutos, ao invés da produção supra-anual, e o pequeno tamanho das sementes ao invés de grandes sementes (Mariot et al., 2003). Com isso, torna-se difícil classificar a espécie seguindo algum padrão, já que a mesma apresenta características de ambas as categorias. A disponibilidade constante de frutos de P. cernuum pode ser o resultado da seleção para a colonização de clareiras, pois a formação das mesmas é imprevisível no tempo e no espaço, sendo necessária a disponibilidade constante de sementes desses frutos para a colonização das novas clareiras que serão formadas. A constante produção de frutos em P. cernuum só é possível devido a sua baixa intensidade, o que possibilita suprir os dispersores por todo o ano, mantendo-os na área (Mariot et al., 2003). A caracterização genética indicou que P. cernuum possui uma alta divergência entre as populações, aparentemente causada pelo efeito fundador associado à dinâmica de clareiras, além da evidência de seleção em favor de heterozigotos (Mariot et al., 2002). Sendo P. cernuum uma espécie de ocorrência em clareiras, a sua exploração, realizada empiricamente por extratores através da poda dos ramos, necessita levar em conta a manutenção da dinâmica da ocupação de novos ambientes pelas sementes produzidas e dispersadas para garantia de sustentabilidade do processo. Neste contexto, a manutenção de plantas e/ou ramos reprodutivos nas áreas, fornecendo alimento para a fauna polinizadora e dispersora, torna-se o aspecto mais importante (Mariot et al., 2002). As sementes produzidas pelas populações existentes serão responsáveis pela possibilidade de ocupação de novas clareiras e fundação de novas populações, mantendo a dinâmica de movimentação dos alelos na espécie e disponibilizando novos indivíduos para novos ciclos de exploração (Mariot et al., 2002). São necessários mais estudos sobre a autoecologia, especialmente germinação, estabelecimento de plântulas e crescimento, e sobrevivência dos reprodutivos, assim como a interação de todos esses com o tamanho da clareira. Segundo Withmore (1989), em pequenas clareiras as plântulas de espécies que se estabelecem sob o dossel da floresta têm a possibilidade de iniciar o crescimento, e as espécies que colonizam grandes clareiras as sementes germinam apenas na abertura causada pela clareira. Portanto as plântulas ocorrem somente depois da formação da clareira, sendo essas espécies chamadas clímax e pioneiras, respectivamente. Ainda segundo o autor, as espécies clímax possuem sementes que podem germinar sob o dossel da floresta, e suas plântulas são hábeis para se Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 18 estabelecer numa floresta sombreada. Os juvenis dessas espécies podem sobreviver na sombra por alguns anos. As espécies pioneiras possuem sementes que germinam somente em clareiras em que a luz chega ao solo pelo menos uma parte do dia. Portanto, as plântulas de espécies pioneiras não ocorrem sob o dossel sombreado (Whitmore, 1989). Seguindo uma terceira classificação proposta por Piña-Rodrigues et al. (1990), P. cernuum se enquadraria melhor como espécie oportunista do que como pioneira ou clímax, pois depende da formação constante de clareiras na floresta para a sua manutenção e a freqüência de indivíduos é variável, aspecto esse detectado por levantamentos demográficos realizados anteriormente para a espécie (Mariot & Reis, 1997; Mariot et al., 1999). Pode-se considerar que existem pequenas e grandes clareiras, com diversas subdivisões, assim como espécies de plantas que ocupam cada uma dessas categorias, como proposto por diversos autores (Whitmore, 1989; Piña-Rodrigues et al. 1990, Denslow, 1980). As pequenas aberturas no dossel da floresta, resultando em pequenas clareiras, são formadas pela quebra de ramos ou morte de uma árvore do dossel, enquanto as grandes aberturas do dossel da floresta, resultando em grandes clareiras, ocorrem quando árvores adjacentes são parcialmente ou totalmente destruídas e são comuns em florestas em que lianas interligam as plantas (Denslow, 1980). No caso de Piperáceas, a destruição parcial ou total da parte aérea não causa grandes problemas para a população, pois as espécies dessa família possuem grande capacidade de rebrotar após a quebra de ramos (Greig, 1993; Gartner, 1989). Diferenças no tamanho das clareiras podem produzir variações na composição de espécies da floresta no próximo ciclo (Brokaw & Scheiner, 1989). Condições microclimáticas, especialmente luz, temperatura e umidade, no centro de uma clareira são função da forma da clareira, orientação e tamanho (em relação a altura da floresta em torno), e como muitos desses fatores determinam a duração diária da insolação direta. Devido às plântulas serem expostas a grandes extremos ambientais na formação de uma nova clareira, adaptações afetando a sobrevivência e crescimento devem ser importantes na determinação do sucesso com que uma espécie estabelece a descendência em clareiras de diferentes tamanhos (Whitmore, 1989). Para Geonoma macrostachys, o número de indivíduos mostrando crescimento positivo foi reduzido sob condições de dossel fechado, refletindo o reduzido número de microsítios com média ou alta luminosidade. Já a sobrevivência, por outro lado, aumentou sob condições de dossel fechado, reflexo da diminuição do risco de dano causado pela queda de árvores em clareiras. A heterogeneidade do dossel tem efeitos na estrutura demográfica a nível individual pela limitação de luminosidade e danos. Esta heterogeneidade, especialmente a limitação de luminosidade para o crescimento e fecundidade, tem importantes conseqüências a nível populacional para Geonoma macrostachys . A baixa luminosidade poderia levar essa espécie a extinção pela redução do crescimento e da fecundidade se tais condições fossem permanentes, assim como sugerem os resultados da estrutura populacional para P. cernuum. O efeito da abertura do dossel no desempenho individual possui um grande efeito na taxa de crescimento da população, incluindo uma inabilidade de se manter uma população sob permanente baixa iluminação (Svenning, 2002). ESTRUTURA DEMOGRÁFICA E POTENCIAL DE MANEJO Comparativamente, a A1 apresenta-se muito mais interessante do ponto de vista econômico do que a A2. Todos os índices levantados na A1 são superiores aos levantados na A2, com exceção do DAP médio (1,9 cm na A1 e 2,3 cm na A2). Contudo, o maior número de ramos na A1 compensa esse menor valor pela maior quantidade de ramos disponíveis à exploração por planta. Além do maior número de ramos por planta, a A1 também apresenta uma maior quantidade média de plantas total, adultas e reprodutivas, que refletem no seu maior potencial de exploração. Adotando-se o critério de explorar apenas ramos com DAP > 1cm para plantas com no mínimo 2 ramos, mantendo sempre metade dos ramos no caso de plantas com número ímpar de ramos com DAP >1cm, como no caso de uma planta com 3 ramos, adotou-se o critério de explorar apenas 1 ramo); bem como, adotando-se o critério de manter sempre os ramos com maior diâmetro no momento da exploração, já que os mesmos possuem maior possibilidade de produção de sementes, ficando como matrizes; a estimativa da produção média de matéria seca por hectare foi de 2,613 kg, variando de 0 a 16,862kg. Na área total de 1.100 ha seria obtida uma produção de 2.874 kg de matéria seca de folhas de pariparoba. Estas estimativas de produção de biomassa foram realizadas utilizando uma equação de regressão obtida a partir da produção de algumas plantas, onde: NÚMERO DE FOLHAS = 10,559072 DAP** (R2 = 0,9236). Através da equação de regressão citada, foi estimado o número de folhas passíveis de exploração na A1, considerando que uma folha seca de pariparoba pesa em média 5g (dado obtido através de amostragens). Considerando os critérios de exploração na A2 também para A1, a produção média de matéria seca por hectare foi de 0,031 kg, variando de 0 a 0,594 kg; na área total de 1.298 ha seria obtida uma produção de 40 kg de matéria seca Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.1, p.13-20, 2007. 19 de folhas de pariparoba. A A1 apresenta 2,613 kg ha-1 de biomassa seca de folhas de pariparoba, mais de 80 vezes o que apresenta a A2, (0,031kg há-1). Considerando as áreas totais a serem manejadas, a A1 apresenta uma produção superior em mais de 70 vezes em relação à área A2, apesar de ser menor em extensão. Estes resultados reforçam a possibilidade de exploração da espécie em áreas de formação secundária. Um ponto crucial na elaboração de propostas de manejo é a quantificação da regeneração natural da espécie alvo do estudo, pois serão essas plantas, que hoje não apresentam biomassa disponível para exploração, que irão disponibilizar propágulos para compor a categoria de plantas passíveis de exploração no futuro. Nesse ponto, a A1 apresenta mais de 4 vezes (26) a quantidade de regeneração natural presente na A2 (6). Como especificado anteriormente, a A1 encontra-se na sua maioria em estágio secundário avançado de sucessão, e a A2 encontra-se em estágio primário. Além dessa diferença, as duas áreas apresentam outras características que a diferenciam, mas uma delas é marcante, e resultante dessa diferença de estágios sucessionais em que se encontram: disponibilidade de luz. Aparentemente a A1 recebe muito mais luminosidade no nível do solo do que a A2, e para P. cernuum a luminosidade é de suma importância no seu ciclo de vida, assim como muitas espécies tropicais, que são dependentes de clareiras (Denslow, 1980). Variações temporais na radiação solar podem refletir em mudanças no crescimento, sobrevivência ou reprodução de plantas, como encontrado por Field & Vazquez-Yanes (1993) e Clark (1994). Num primeiro momento, os critérios adotados nas simulações de explorações podem parecer demasiadamente conservacionistas, pela exploração de poucos ramos, sempre os de menor diâmetro, e somente de plantas com mais de 2 ramos, mesmo a planta tendo um único ramo com grande quantidade de biomassa. Porém, com esses critérios adotados busca-se obter biomassa de uma planta, e ao mesmo tempo mantê-la como matriz para a produção de sementes visando a ocupação de novos sítios na floresta, neste caso, novas clareiras, mantendo a diversidade genética da espécie pela não eliminação de indivíduos (Mariot et al., 2002). O objetivo dessa estratégia de manejo é a continuidade do processo de exploração, sendo que o mais importante não é a biomassa que sai do sistema, num primeiro momento, mas a garantia da realização de novas explorações num futuro. O conjunto dessas retiradas ao longo do tempo será maior do que uma exploração mais agressiva num primeiro momento, muitas vezes comprometendo a espécie alvo da exploração para explorações futuras. Com isso, não serão necessárias ações de enriquecimento ou reintrodução da espécie nas áreas exploradas, pois o próprio sistema irá recompor o equilíbrio dinâmico das populações e da própria floresta. Por se tratar de uma espécie dependente da formação de clareiras para a sua manutenção na paisagem, plantas de P. cernuum desenvolvem-se melhor sob condições de alta luminosidade. Muitas plantas passíveis de exploração são as adultas que ocorrem sob um dossel já fechado após a recuperação da clareira. Assim, essas plantas não encontrarão as condições ideais para o seu desenvolvimento após a exploração, ficando o rebrote comprometido. Em alguns casos essas plantas serão exploradas apenas uma única vez, apesar da capacidade de rebrote da espécie. Porém, muitas plantas já estão passíveis de exploração quando ainda ocorre alta luminosidade na clareira que ainda não teve seu dossel recuperado, tornando possível explorações subseqüentes numa mesma planta. Com isso, torna-se imprescindível a manutenção de plantas reprodutivas nas áreas, pois elas produzirão as sementes para a colonização das novas clareiras que ocorrerão na floresta, e serão no futuro as plantas passíveis de exploração. AGRADECIMENTO À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro, e à Agroindustrial Eldorado pela permissão de realizar o trabalho na Fazenda Colônia Nova Trieste. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BROKAW, N.V.L.; SCHEINER, S.M. Species composition in gaps and structure of a tropical forest. Ecology, v.70, n.3, p.538-41, 1989. CLARK, A. Plant demography. In: MCDADE, L.A. et al. La selva: ecology and natural history of a neotropical rain forest. Chicago: University Chicago Press, 1994. p.4260. CONNELL, J.H. Some processes affecting the species composition in forest gaps. Ecology, v.70, n.3, p.560-2, 1989. DENSLOW, J.S. Gap partitioning among tropical rainforest trees. Biotropica, v.12, p.47-55, 1980. DI STASI, L.C. et al. Medicinal plants popularly used in the Brazilian Tropical Atlantic Forest. Fitoterapia, v.73, p.69-91, 2002. EMBRAPA. Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília: SNPS, 1999. ESPIRITO-SANTO, M.M. et al. 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