Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) CATEDRAL DE SENHORA SANTANA: PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE CAETITÉ Fernanda de Oliveira Matos Para entender e considerar a Catedral de Senhora Santana como patrimônio histórico e cultural de Caetité, é preciso retornar, mesmo que brevemente, à história da igreja em Caetité, como instituição e templo religioso, pois as duas estão muito entrelaçadas e às vezes até se misturam. A história da igreja católica em Caetité começa muito antes da criação da Diocese em 1913. Inicia-se ainda no século XVIII com o estabelecimento das primeiras famílias católicas do arraia que se empenharam na construção da capela dedicada à Sant’Anna. Essa capela ficava no lugar onde se encontra a Catedral de Senhora Santana atualmente, era bem menor em relação à igreja atual, contava com duas torres e cinco portas na frente, cinco janelas de cada lado e era cercada por uma baixa cerca de madeira. Como não há fotografias da parte interior da capela e poucos relatos escritos encontrados até agora, não dá para saber detalhes da parte interna dessa capela que data de 1710. Já neste período, por ser a primeira instituição religiosa organizada de Caetité, a igreja exercia muita influência na vida das pessoas e os eventos religiosos marcavam a vida social do lugar. Essa influência pode ser observada até mesmo através do nome escolhido para a antiga freguesia por ocasião da sua elevação a categoria de vila em 05 de abril de 1810 que fazia uma reverência muito clara e explícita de devoção à padroeira Senhora Santana - Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité. Ainda neste período, a Freguesia de Caetité adquire algumas imagens, doadas por famílias locais, inclusive a de Senhora Santana. Não há comprovação de uma data precisa para essa aquisição, entretanto, no Livro da História da diocese, o segundo bispo de Caetité, Dom Juvêncio Brito, relata entre muitas outras coisas, que, durante sua estadia em Caetité como bispo, a imagem de Santana já era centenária: Secretaria Municipal de Educação de Caetité, Especialista em Metodologia do Ensino de História. 1 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) “Segundo a tradição corrente, a imagem de Sant’Anna, da catedral tem mais de cem annos e veio da Bahia. Os escravos a conduziram em rêdes, aos ombros, desde São Felix até aqui!” (Livro da História da diocese, 1926: 31); Por isso, quando trato a Catedral de Senhora Santana como patrimônio, não me refiro apenas à estrutura física arquitetônica da igreja, mas, a um conjunto de elementos que a torna importante referência da cultura e da história da nossa terra. Em 1754, mesmo enfrentando muita resistência por parte da paróquia a qual pertencia - Rio de Contas, a freguesia de Santana de Caetité é desmembrada, tornando-se a Paróquia de Santana de Caetité e com isso dá os primeiros passos de sua trajetória rumo à elevação a categoria de diocese. Durante o século XIX, a igreja teve importante atuação na vila e posteriormente no município de Caetité. As atividades religiosas, interferiam na vida social de Caetité, fosse a partir do calendário das festas, que eram verdadeiros eventos públicos, fosse no que diz respeito ao comportamento da sociedade caetiteense ou ainda simplesmente marcando as horas do dia pelo badalar dos sinos que indicavam a hora das orações diárias (seis da manhã, meio dia e seis da tarde – hora da Ave Maria). A paróquia consegue o título de diocese no início do século XX, no ano de 1913, por decreto do papa Piu X com a publicação de uma Bula papal, entretanto, seu primeiro bispo, Dom Manoel Raymundo de Mello, só chega em Caetité em 1915, é recebido solenemente na cidade e assume a diocese. É ele quem registra no livro da história da diocese: A paróquia de Caetité fora julgada entre outras como apta a ser elevada a categoria de uma diocese. A Bula de criação Majus animarum bonum – 20/10/1913 vem, em patentes circunstâncias, comprovar o santo interesse da Santa Sé pelas demonstrações dedicadas do Brasil à Religião Catholica. (Livro da História da diocese, 1915: 9) Como a paróquia não tinha estrutura suficiente para assumir tal categoria, muitas famílias, fizeram doações que ajudariam a estruturar a nova diocese de Caetité, inclusive na primeira grande remodelação da matriz que neste contexto assumia o título de Catedral de Santana e na aquisição de peças para ela. Sobre isso o livro diz: Para esta obra, concorreram as catholicas famílias desta sociedade sertaneja, às quais deve a Diocese de Caetité os mais carinhosos agradecimentos e 2 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) immovedora memória, que registramos com alegria e desvanecimento. (Livro da História da diocese, 1915: 14) O primeiro bispo de Caetité, Dom Manoel Raymundo de Mello, conforme registros do Livro da História da Diocese, acha a Catedral de Senhora Sant’Anna muito pequena, escura e sem ventilação e por isso propõe uma reforma que deveria solucionar esses problemas. Acerca disso o Livro da História da diocese nos conta: O estado architectonico da cathedral escuro, sombrio, sem ar tornando pesado o ambiente e incomodo o sólio episcopal, mais parecendo velho que novo, e cousas outras de comodidade aos atos religiosos motivaram sua demolição. O Exmo. Bispo substituir os grossos paredões do altar mor e levantar arejadas e bellas arcadas, estilo renascença. Este serviço foi executado sob a orientação imediata do Ilmo. Dom Manoel Raymundo, manifestando grande competência e apurado gosto artístico. Estes trabalhos foram começados no dia 2 de abril de 1916. (Livro da História da diocese, 1916: 12) Penso que essa preocupação também teve a influência do pensamento e do contexto da época em relação à proliferação de doenças que acontecia através da concentração de pessoas em lugares fechados e abafados. Pelos registros do livro, essa primeira reforma foi feita em duas etapas: na primeira foi derrubado os paredões do altar mor para a abertura de arcadas e na segunda, iniciada em 27 de novembro de 1916, foram abertas arcadas em todo o templo e esse momento também fica registrado: “A 27 de novembro de 1916 recomeçou o Exmo. Ilmo. Bispo, os trabalhos de remodelação da cathedral, abrindo várias arcadas para maior ampliação e arejamento do templo.” (Livro da História da diocese, 1916: 14); Assim a catedral de Senhora Sant’Anna, passa pela primeira grande reforma que a deixou um pouco maior e mais arejada. Com corredores e arcadas novas. Entretanto, ao ver do segundo bispo de Caetité, Dom Juvêncio de Brito empossado em 26/07/1927, as alterações feitas sob a responsabilidade de D. Manoel Raymmundo de Mello, não atingiram os resultados esperados. Dom. Juvêncio diz que a reforma feita: (...) não tinha gosto esthetico e tudo era pesado e grosseiro A capella mor, muito acanhada, não oferecia espaço para o desenrolar dos cerimoniais de missa cantada com três ministros: celebrante, diácono e subdiácono. O bispo, assistindo à missa, o seu genuflexório ou ficava embaixo da escada que dava acesso ao único e estreito degrau do altar mor, 3 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) com altura de 10 centímetros, ou mal acomodava-se junto ao degrao do (thynomo), que também era de madeira, (e só tinha também um degrao). O presbyterio, ou capella mor, era forrado. Aliás era o único forro que existia. Os corredores e a nave central eram de telha vâ. (Livro da História da diocese, 1926: 32) Além de sua opinião a respeito da catedral e da reforma já realizada, Dom Juvêncio faz algumas observações a cerca da estrutura das paredes e arcadas da construção: “Toda a construção da nossa cathedral era de adobes, inclusive a que foi remodelada por D. Raymmundo de Mello. As paredes apresentavam enormes trincaduras e o arco mor ameaçava ruir, tal a abertura que se montava”. (Livro da História da diocese, 1926: 32) Diante de tantos argumentos, a Catedral de Santana é submetida a uma nova reforma que durou de 1932 a 1939 sob a responsabilidade do segundo bispo da Diocese de Caetité, D. Juvêncio Brito. Durante esse período, as obras foram paralisadas muitas vezes por falta de verbas e mais uma vez, a igreja contou com doações de famílias da cidade e até mesmo de algumas que nem residiam mais aqui para que os trabalhos tivessem seqüência e fim, além de dinheiro, a catedral recebeu também, como doações, peças caras e importantes para o acervo da igreja como é o caso de um piano francês que durante muito tempo foi usado para animar as celebrações. A respeito disso D. Juvêncio Brito relata no livro da diocese. Recebemos auxilio de dentro da cidade e de fora, anotado $18: 703.000 reis. Contamos com a generossidade e o grande benfeitor desta terra Dr. Constantino Fraga. O harmonium – tybo mediophano que custou uns dez contos na França e posto aqui ficou em uns 12 é uma oferta do Dr. Constantino Fraga. Mais tarde mandou-nos ele mais dez contos. Asultado para a nossa catedral, o grande filho de Caetité, que está em São Paulo, mas enviou ao todo trinta contos de reis. (Livro da História da diocese, 1932: 32) Mesmo com as dificuldades financeiras apontadas, a remodelação seguiu e quanto mais se trabalhava, mais apareciam trabalhos. Dom Juvêncio, não olhava somente para a estrutura da igreja, ele também pensava no acabamento e a partir dos registros deixados, dá a ideia de que tinha noção de artes, de estilos artísticos e sentia a necessidade de conservar esses elementos: O altar mor, de madeira, e já bem estrado, obedecia a um estylo comum, puxado a barroco ou rococó com forma, muito em voga nas igrejas antigas, cujo estado de conservação era péssimo, servindo de esconderijo para morcegos e ratos. (Livro da História da diocese, 1932: 32) 4 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) Além de apresentar algum conhecimento sobre artes, ele também se mostra estar atento quanto a questão da conservação e originalidade do patrimônio, talvez um pouco a frente do seu tempo e diferentemente dos seus contemporâneos ele já apresentava alguns conceitos de conservação e educação patrimonial. Isso se confirma através de registros do tipo: “À bella imagem de Sant’Anna se encontrava muito estragada e para cumulo de falta de gente, praticava o crime de (dourá-la) com o denominado: ouro japonez”. (Livro da História da diocese, 1932: 32) Com esses comentários é fácil perceber que ele já tinha noção de que a catedral de Santana e seu conjunto de elementos era um patrimônio da cidade de Caetité. A última fase da reforma em questão se deu com a pintura artística das paredes da parte central e do teto da igreja, que a essa altura já havia sido elevado. Sobre isso D. Juvêncio fala: Com grande sacrifício, contratei um official residente em Sergipe que veio trabalhar nesta cidade vencendo a diária de $15.000 reis durante seis meses pelo menos. O official afamado Hosanna Vieira Dantas, é analfhabeto, por assim dizer. Malê e escravo. Entretanto... por ele mesmo fez-se rejubilar artista. Faleu por mim os trabalhadores que aqui estão. Com elle veio mais um official – José Valério, que trabalhava regularmente e o filho Osvaldo Vieira Dantas. Mais tarde veio o irmão do José Valério, Gerdálio Valério. (Livro da História da diocese, 1939: 36) Em 1939, mesmo sem ter terminado toda a remodelação, a Catedral foi reaberta aos fieis e depois de receber outras doações, os trabalhos continuam com o ladrilhamento dos corredores, com a construção do segundo coro, visto que as paredes da nave central já haviam sido suspensas. Pelos registros deixados de Dom Juvêncio, fica claro que a torre da igreja também passou por modificações e ganhou mais altura, ele esclarece: Quando iniciamos os trabalhos, dizia-se que a torre rinha uma inclinação para a frente, de uns 20 centimetros... No apparelho novo que fizemos, verificou-se que não havia desaprumo, e sim que na construção, no levantamento, fora mal aprumada do solo até a primeira sapata, que se vê claramente. O prumo collocado nos lados deu perfeitamente. A essa altura é de 27 metros, a contar da cruz que tem 2m. do solo ao cone19m e o cone, 6. (Livro da História da diocese, 1939: 36) 5 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) Diante de todas as considerações registradas no Livro da história da Diocese e de muitos relatos orais de pessoas da comunidade, fica claro que a atual Catedral de Senhora Santana, apesar de ter como data primeira 1710, não corresponde mais a esse período. As reformas realizadas na primeira metade do século XX descaracterizaram a primeira versão da igreja dando-lhe outra “roupagem”, um novo estilo, não menos bonito, muito pelo contrário, de sombria e escura a catedral passou a ser arejada e iluminada, de grosseira e rústica passou a ser delicada e fina com toda a imponência de uma catedral. Considerando que: Patrimônios culturais são todas as manifestações e expressões que a sociedade e os homens criam e que, ao longo dos anos, vão se acumulando com as das gerações anteriores. Cada geração as recebe, usufrui delas e as modifica de acordo com sua própria historia e necessidades. Cada geração dá a sua contribuição, preservando ou esquecendo essa herança. (GRUNBERG, 2007: 5) E, que, “os bens culturais são aqueles através dos quais podemos compreender e identificar a cultura de um povo, em determinado lugar e momento histórico.” (GRUNBERG, 2007: 7), a Catedral de Senhora Santana se encaixa perfeitamente na condição de bem cultural, pois, a partir de cada transformação sofrida, conta uma história, é fruto de seu tempo e por isso mesmo, nos revela um pouco da vida de uma sociedade que tinha no exercício da religião uma de suas características marcantes. A catedral deve ser vista como bem cultural de Caetité e de toda a região, que vê nela, não só, um ponto de referência da cidade e mas também da fé católica e por que não, do sertão da Bahia. Prova disso são as inúmeras visitas que ela recebe todos os dias, de estudantes, professores, pesquisadores e de pessoas que ao passarem pela cidade, tem a vontade ou pelo menos a curiosidade de entrar para conhecê-la ou simplesmente para rezar. Outra prova da importância dessa igreja, é a quantidade de romeiros que todos os anos, na ida e na volta da romaria do Bom Jesus da Lapa, passam e param na cidade para visitar a “Igreja de Santana”, dentre os quais, muitos, até realizam atividades interessantes no interior da igreja, como a execução de “Benditos” antigos à Senhora Santana, deposito de fotografias e outros objetos aos pés do altar mor como pagamento de promessas, entre outras coisas. Isso mostra que, a igreja já faz parte de um “roteiro” religioso e ou turístico de uma grande maioria de visitantes que passam pela cidade. 6 Anais do I Seminário do Grupo de Pesquisa, Cultura, Sociedade e Linguagem (GPCSL/CNPq): os sertões da Bahia. Caetité, v. 1, nº 1, out. 2011. (ISSN 2237-2407) É válido lembrar que, mesmo depois dos aspectos observados aqui, este trabalho de pesquisa ainda não foi concluído e provavelmente ao seu término muitas outras informações serão levantadas e registradas. Referências bibliográficas Arquivos da Cúria da paróquia e da Diocese de Caetité: Livro de tombo da Diocese, Livro da História da Diocese. Caetité: 1915 a 1945. PINSKY, Carla Bazanessi, LUCA Tânia Regina de (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009 GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial Brasília, DF : IPHAN, 2007 HORTA, M. L. P., GRUNBERG, E., MONTEIRO, A. Q. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999 PAOLI, Maria Célia. Memória, História e Cidadania: o direito ao passado. O direito à Memória. São Paulo: DPH, 1992. SANTOS, Helena Lima. Caetité, pequenina e ilustre. Tribuna do Sertão, Brumado, 1996, 2ª ed. 7