A HISTÓRIA DAS ESCOLAS RADIOFÔNICAS: UMA PRÁTICA POLÍTICO-EDUCATIVA DA IGREJA CATÓLICA DO RIO GRANDE DO NORTE Maria Elza Alves dos Santos Lins Graduanda em Pedagogia/UFRN Marlúcia de Paiva Profª Dra. Orientadora Departamento de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN O presente trabalho é um recorte da pesquisa “A Educação na História da Igreja Católica do RN: A Ação da Arquidiocese de Natal (1944–1987). O objetivo é analisar a ação político-socialeducativa da Igreja Católica de Natal, estudando as práticas educativas no meio rural, no período compreendido entre 1944-1987. Tem como ponto de partida o período do pós-guerra (1944-1950), no qual desencadeou-se o denominado”Movimento de Natal”. Em meio ao populismo desenvolvimentista –1950 a 1954- também coincide com a ruptura Político-Institucional decorrente do golpe militar de 1964, com o acirramento da Ditadura Militar - 1968 a 1974 e o Movimento de Abertura - 1974 a 1987. Diante das restrições impostas às instituições democráticas e aos cidadãos nesse período, O Movimento de Educação de Base (MEB-NATAL) foi desativado. Nessa trajetória de estudos refletimos sobre os programas e projetos desenvolvidos junto às populações dos Municípios integrantes da área de abrangência da Ação Educativa da Arquidiocese de Natal. Portanto, o estudo da base de pesquisa: Educação, História, Práticas Educacionais e Culturais desenvolvidas pela Igreja Católica do RN, através da Arquidiocese de Natal no âmbito rural. A importância da Igreja Católica na fo rmação da sociedade brasileira é um fato inegável. Através de uma retrospectiva histórica percebe-se sua presença nos momentos decisivos da vida cultural, política, social e econômica do país. Durante o período da colonização, catequizou índios; depois participou das lutas pela emancipação de Portugal e foi fundamental no Império. A República afastou-a por alguns momentos dos centros do poder. Após esse período, a Igreja voltou a influir, notadamente após 1930, nos rumos das políticas governamentais, particularmente na política educacional. Essa instituição, por meios dos colégios católicos, atuou como principal formadora das camadas médias e das elites dominantes, contribuindo, portanto, para as formações das classes dirigentes brasileiras. No entanto, ela também atuou como uma educadora das massas, pois desenvolveu e colaborou com o programa de educação popular, para jovens e adultos, em vários pontos do país. Temos como exemplo o Movimento de Educação de Base (MEB) e das Missões Rurais, bem como as Escolas Radiofônicas. O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise à luz da nova história cultural, sobre as ESCOLAS RADIOFÔNICAS, uma ação político-educativa promovida pela Arquidiocese de Natal. Ela foi efetivada através da Radio Rural de Natal, de iniciativa voltada para as classes populares, a fim de conter a situação precária porque passou o Estado do Rio Grande do Norte no período do pós-guerra. Tinha também o propósito de evangelizar, isto é, levar os preceitos da Igreja Católica, Senhor, através dessa prática pedagógica. Esse programa direcionava-se ao homem do campo e era coordenado pelo SAR (SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL) e MEB (MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE), órgãos esses responsáveis pelos direcionamentos das práticas educativas da Igreja Católica no trabalho com as bases. Pode, ainda, contribuir para melhor apreensão da prática pedagógica da Igreja, uma vez que se dá no conjunto do movimento histórico e não numa visão parcializada do problema. Para compreendermos a ação educativa da Igreja Católica do RN, torna-se necessário perceber as mudanças sócio-econômicas que caracterizaram os anos pós 30, na fase de consolidação do capital industrial e financeiro e de realinhamento de suas forças internas. Nesse período ocorreu um crescimento das elites empresariais, do operariado, decorrente em sua grande maioria das regiões rurais e das camadas médias urbanas, como resultado desse fato há uma “explosão populacional nas cidades”, com isso modificando a aparência do Brasil, já que até o determinado momento situava-se majoritariamente no campo. O Estado, por sua vez, irá cada vez mais assumir um papel intervencionista na economia, como agente regulador do mercado, protegendo e subsidiando a indústria nacional, através de uma política de planejamento global. As idéias que se propagavam na sociedade brasileira nesse momento, eram divergentes e conflitantes, no entanto, se baseavam na idéia de que a sociedade brasileira estaria vivendo uma “fase de transição”, ou seja, saindo de uma fase “Semi-colonial”, encaminhando-se para uma “nova fase” que tinha como característica o desenvolvimento sinônimo de industrialização. Essa nova fase seria a do capitalismo nacional que implicaria num desenvolvimento capitalista, tendo por base a formação de uma frente nacional apoiada nas forças progressistas da sociedade, composta pela burguesia industrial, camadas médias e trabalhadores urbanos e rurais, em contraposição às forças retrógradas, representadas pela “burguesia latifundiária” e pela burguesia radical. Os últimos se opunham à industrialização em curso no país. Ao lado do processo de desenvolvimento, o governo manipulava as classes populares ainda que isso não se dava de forma absoluta. O populismo não alterava as condições de reprodução capitalista e expressou a insatisfação da classe trabalhadora com as condições de trabalho e de vida que em síntese encontrava. Os trabalhadores rurais expulsos do campo, entrando no circuito de expansão do capital, desencadeavam progressivamente, um processo de organização e mobilização. A partir desse momento, os trabalhadores começam a participar da vida política do Brasil. Criaram associações como as ligas camponesas, associações e sindicatos rurais. A participação aumenta a partir da década de 1950, quando ocorriam eventos como: seminários, congressos, conferências, os quais buscam discutir os problemas sociais daquele instante. Vale ressaltar, que foram conseguidos bons resultados. A educação na década de 30 era super valorizada e considerada como redentora e transformadora da realidade. Naquele momento histórico (pós 30), delineava-se na política educacional brasileira um entusiasmo exacerbado pela educação, numa atitude extremamente otimista com a mesma. Acreditava-se, portanto, que a educação devidamente planejada, bem administrada e organizada iria promover o bem-estar das populações rurais, fixaram o homem ao campo e promover a equalização social. A Igreja Católica voltou-se para a comunidade desenvolvendo um trabalho renovador para as classes populares. Esse movimento configurou-se como precursor do espírito de mudanças que tomou conta de setores da Igreja, em especial a chamada Igreja Progressista. A Igreja Católica abraçou o desafio e agiu de maneira nova e progressista, em vez de reagir cegamente, condenando toda mudança e vendo como perigosa e comunista. Optou pela mudança de maneira extremaentativa até que o golpe militar de 1964 tornou impossível manter o direcionamento político ideológico de seus programas em curso, tais como haviam sido idealizadas. Promoveu algumas mudanças na estrutura social da época, levando informações informando as camadas populares até aquelas dos recônditos mais afastados do nosso Estado. A Igreja Católica passou a adotar uma política de intervenção mais direta no processo social, trabalhou de forma eventual com as Semanas Ruralistas e ou com as Missões Rurais Ambulantes. Logo passou para as Missões Rurais de Educação em caráter permanente e depois ingressou no campo da alfabetização. Criou as ESCOLAS RADIOFÔNICAS da Arquidiocese de Natal, levando a educação para o campo e, paralelamente, o Sindicalismo Rural. A educação promovida pela Igreja Católica foi sempre colocada como amenizadora dos problemas sociais das massas, mantendo o caráter assistencialista. Colocava-se como fiadora da paz social, promovendo o desenvolvimento rural e pacificando a sociedade. Essa ação da Igreja Católica, inicialmente, configurou-se como uma proposta de educação regionalizada voltando-se para o meio rural e os valores ali cultivados minimizando, com isto, a questão social. O SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA RURAL – SAR que é parte integrante de um amplo movimento da Arquidiocese de Natal, denominado “MOVIMENTO DE NATAL”, surgiu em 1948, voltando-se para as atividades desenvolvidas pela Diocese de Natal, através das Missões Rurais, Semanas Ruralistas e Centros de Treinamentos de Líderes. caracterizadas como Ações Sociais e Culturais. A partir de 1952 o SAR tornou-se em caráter permanente responsável pelas Missões Rurais de Educação, concretizadas na Missão Rural para o agreste. A partir deste trabalho mais amplo o SAR passou a cumprir aquilo a que se destinava desde a sua criação: ser dinâmico para intervir no meio rural, visando transformá-lo pelo desenvolvimento de práticas educativas, capazes de modelar novas maneira de pensar e de agir em sociedade” (Nascimento, 1999, p.58). O SAR em seu plano de atividades propunha uma ação educativa com a finalidade de prestar assistência às comunidades do interior do Estado, utilizando-se de modernas técnicas do Serviço Social Rural, que incluía assistência jurídica, educativa e religiosa. Esta ação de Educação, realizada pela Igreja Católica, assumiu as funções de Estado, desobrigando-o das responsabilidades que lhes seriam próprias. Gramsci: (1984: 280) diz que: “a Ação Católica assinalou o início de uma época nova na história da religião católica: quando ela, de concepção totalitária, ( ... ) torna-se pessoal ( ... ) e deve possuir um partido próprio, ( ... ) a Ação Católica representa a reação (da Igreja ) contra a apostasia de amplas massas, imponente, isto é, contra a superação de massa da concepção religiosa de mundo”. Ainda como parte do MOVIMENTO DE NATAL, a partir de 09 de agosto de 1958, juntamente a inauguração da rádio rural (pertencente à diocese), foram organizadas e desencadeadas as primeiras ESCOLAS RADIOFÔNICAS. Pioneiras no Brasil constituíram-se as ESCOLAS RADIOFÔNICAS a primeira experiência em educação de base, pelo rádio, que pretendia integrar a comunidade rural à sociedade em geral, promovendo a alfabetização de adultos e adolescentes. Conforme foi demonstrado anteriormente, a situação do homem do campo naquele momento encontra-se em discussão, onde o esforço para melhorar a qualidade de vida do meio rural é preocupação não apenas do poder público, mas, da Igreja Católica. O projeto para educação de base dado início pelo então Presidente do SAR D. Eugênio de Araújo Sales, Bispo Auxiliar de Natal, objetivava atender tanto as necessidades de um país premente em mudanças, em transformações sociais e econômicas como a um projeto iniciado na década de 40 de levar os ideais católicos a todos os brasileiros, num processo de retorno ao seio da “Santa Madre Igreja”. As mudanças eram bem vindas, desde que fossem de acordo com os dogmas da instituição que os possibilitava. Para ilustrar esse fato, tomemos como exemplo o cuidado que D. Eugênio manifestava para com os conteúdos que eram difundidos pelas Escolas Radiofônicas. Era característica sua uma atitude conservadora, somente admitindo mudanças lentas e moderadas, responsabilizando-se pelo conteúdo transmitido pelas escolas fazendo, com que se afirmasse um dos principais objetivos deste projeto no Nordeste, que dizia-se respeito a expansão das ligas camponesas e o avanço do comunismo no campo, cumprindo também as tarefas da política desenvolvimentista do Presidente em curso naquele momento, promovendo a organização da comunidade, formação de líderes, alfabetização de adultos, promoção de melhores técnicas agrícolas no âmbito rural, englobando os aspectos econômicos, político, religioso, fatores indispensáveis ao desenvolvimento econômico da região. Objetivava um desenvolvimento harmonioso partindo do local para o nacional. Diante do que foi pontuado as Escolas Radiofônicas foram criadas em um período muito peculiar da história. Contou com o capitalismo em fase ascendente no Brasil e uma política que favorecia os incentivos financeiros e um trabalho sistematizado e articulado já desenvolvido. As Escolas Radiofônicas do Rio Grande do Norte foi baseada na experiência do Bispo da Colômbia Mons. Salcedo. Em 1953, no Rio de Janeiro ele veio realizar palestra sobre as Escolas Radiofônicas, que já contavam seis anos de funcionamento. A princípio o Monsenhor queria apenas comunicar-se com os seus paroquianos, no entento expandiu sua idéia: ensinar a ler e a escrever, pelo fato da grande maioria da população se analfabeta. O projeto atingiu bons resultados tornandose um complexo radiofônico. D. Eugênio Sales, Bispo Auxiliar de Natal e diretor-presidente da Emissora de Educação Rural em 1957 fez uma viagem por diversos países da América Latina e na ocasião conheceu de perto o trabalho com as Escolas Radiofônicas. De volta ao Brasil o presidente do SAR começa com a campanha para colocar em prática a experiência, buscando os recursos necessários e estimulando as comunidades rurais para esta modalidade de educação. Foram efetivadas várias reuniões nas comunidades por representantes da Emissora Rural de Natal. O futuro sucesso foi percebido de imediato refletido na aceitação do projeto pelas comunidades. As Escolas Radiofônicas possuíam receptores especiais, produzidas para a recepção exclusiva da Emissora de Educação Rural de Natal. A estação emissora deu início ao seu trabalho abrangendo quase todo o Estado do Rio Grande do Norte. As Escolas Radiofônicas encontravam-se espalhadas em vários municípios, onde através da Rádio Rural passam a ser ministradas aulas de alfabetização. As Escolas eram supervisionadas pela Emissora Rural. A grande maioria das Escolas funcionava na casa da monitora. Ela ouvia a aula com os alunos, atentando para a transmissão da professora locutora via estúdio da Emissora de Educação Rural. Durante ou logo após a transmissão, de acordo com as orientações da professora-locutora eram realizados as atividades, com o auxílio da monitora que agia como intermediária, fazia-se uso do quadro e do giz, cartazes ou mesmo as cartilhas fornecidas pela Arquidiocese de Natal. As aulas eram ministradas por uma só professora, no estúdio onde ela desenvolvia suas aulas para os alunos/ouvintes. Tratava-se, portanto, de uma profissional da área da Educação, que, era treinada em alguns aspectos mais elementares que a ajudassem a trabalhar junto à mesa de som. Ela contava permanentemente com a ajuda da monitora, deveria preencher alguns requisitos, a saber: ser alfabetizada, representativa dentro da comunidade, voluntária e geralmente era indicada pelo vigário da localidade. As tarefas da professora referia-se a fazer a matrícula dos alunos, organizar a escola e orientar o aluno de acordo com as orientações da professora locutora, coordenar debates sobre o tema das aulas, enviar um mapa de freqüência dos educandos, além de manter contato com a coordenação do Comitê Paroquial. No que tange aos alunos, estes eram geralmente trabalhadores rurais. Compreendendo desde adolescentes até idosos. Residiam em sítios ou fazendas, tendo em vista que se tratava de trabalhadores rurais. A concepção didático-pedagógica que influenciava o ensino promovido pela Igreja Católica de Natal denota-a ser adepta do ensino tradicional, aquele que se caracteriza pela valorização da figura do professor e o aluno recebe o conteúdo transmitido de maneira passiva. A ação educativa da Igreja Católica, além de promover a educação de jovens e adultos através do rádio, organizava as comunidades rurais com o objetivo da apreensão de melhores técnicas agrícolas, que se utilizava dos líderes comunitários como um elemento facilitador desse trabalho no campo. A imprensa veiculava informações nos meios de comunicação que garantiam um maior desenvolvimento da região e do povo, por meio desta modalidade educativa. Este programa repercutiu positivamente em outras cidades brasileiras. REPERCUTE NO RIO O PROGRAMA EDUCATIVO DA EMISSORA RURAL: (...) experiência bem sucedida da Arquidiocese de Natal no emprego do Rádio para promover a educação de base, a organização de comunidade, a utilização de líderes, a alfabetização de adultos, a promoção de melhores práticas agrícolas, levou os demais bispos do Nordeste no seu recente encontro na capital potiguar, a recomendar as escolas radiofônicas como instrumento indispensável ao projeto do desenvolvimento econômico regional. (A República, 03de julho de 1959) Ademais, naquele momento histórico ocorreu no Brasil uma mobilização da sociedade civil e expansão da sua ação junto à população. A Igreja Católica, manifestou-se também, estando presente nas diversas lutas e movimentos sociais ocorridos naquele período. Repassava seu ideário de mundo e possibilitava estratégias para a efetivação do desenvolvimento da economia no país. Os estudos sobre a história da educação do Rio Grande do Norte, são de grande relevância especialmente no que se refere à educação dirigida ao meio rural e ao trabalho da Igreja Católica de Natal. Através das Escolas Radiofônicas e em um contexto maior, as relações que se estabelecem entre as políticas sociais, econômicas e educacionais do Estado. A contribuição historiográfica desta investigação vem possibilitando uma melhor compreensão dos acontecimentos educativos que ocorrem na sociedade brasileira, em particular no que diz respeito à contribuição da Arquidiocese de Natal. Este estudo além de contribuir para a compreensão desses aspectos em situações específicas do RN associa-se a temas em âmbitos nacionais e internacionais. Ao estudar e analisar as Escolas Radiofônicas fundadas por esta instituição católica também se contribui para fazer um resgate histórico em mais uma etapa da história da Igreja, embora pareça portadora de valores universais que a colocam fora e acima desses segmentos sociais, a Igreja preserva-se e mantém-se em comunhão com seu corpo de fiéis: nem muito distante das classes dominantes, nem muito distante das classes trabalhadoras. As práticas educativas realizadas pela Igreja Católica de Natal provocaram e despertaram, sentimentos, vontades e aceitações. Esta realidade se revela em práticas que se traduzem na aceitação das populações, dessas modalidades educativas. Podemos constatar que nas práticas educativas de então, o uso do rádio de pilha para a Igreja Católica de Natal, constitui-se em contribuição expressiva para a educação do homem do campo. Precisam, portanto, ser melhor conhecidas e compreendidas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHARTIER, Roger. 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