Práticas de leitura virtual: análise de um texto
fílmico
Maria Goreth de Sousa Varão (UFMG)
Resumo:
O objetivo principal desse artigo é descrever um recorte teórico de uma
tese de doutorado, em andamento, com as reflexões sobre a contribuição
do trabalho com a leitura de filmes na sala de aula para a formação de
leitores. Não queremos tecer críticas e nem apontar o caminho para o
“pote de ouro”, mas mostrar aspectos sobre novas possibilidades de leitura
de textos audiovisuais na sala de aula, principalmente o texto fílmico, que,
de um modo geral, boa parte de alunos, pais e professores tem afinidade.
O trabalho está centrado nas abordagens sobre letramento digital
(Coscarelli, 2005), e inteligência coletiva (Lévy, 2010), entre outros. Na
interface das teorias com a leitura de um filme específico procuramos
mostrar a aplicabilidade das teorias nesse texto visando a um trabalho
interativo entre aluno-texto na produção de sentido. Consideramos essas
reflexões enriquecedoras e que podem suscitar discussões produtivas no
campo dos estudos linguísticos.
Palavras-chave: leitura, filme, ensino
Abstract:
The main aim of this paper is to describe a theoretical approach to a
doctoral dissertation in progress, with the reflections on the contribution
of working with watching films in the classroom to contribute to form
readers. We do not want to criticize and even point the way to the "pot of
gold", but to show aspects of new possibilities of reading audiovisual texts
in the classroom, especially the film text, which, in general, many of
students, parents and teachers have a familiarity. The work is focused on
approaches to computer literacy (Coscarelli, 2005) and collective
intelligence (Lévy, 2010), among others. At the interface of the theories by
reading a particular movie we try to show the applicability of theories in
that text aiming at an interactive work in the production of meaning. We
consider these reflections enriching and that they may raise productive
discussions in the field of linguistic studies.
Keywords: reading, film, teaching
Introdução
No século XXI Já não é suficiente, ser um leitor competente apenas de livros
e/ou do texto oral, pois estamos vivendo uma evolução constante das novas
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tecnologias em vários setores e as práticas sociais exigem um leitor capaz de ler e
compreender códigos e linguagens variados (principalmente a linguagem imagética,
visual e gestual) que envolvem tanto a leitura do livro quanto a leitura de textos
virtuais, por exemplo: a pintura, o filme, o texto eletrônico, entre outros. Para isso,
os alunos precisam desenvolver competências e habilidades constituintes de múltiplos
letramentos, principalmente do letramento virtual.
A intenção que tem lugar neste trabalho não é discutir enfaticamente o
letramento virtual, mas descrever um recorte teórico de uma tese de doutorado, em
andamento, com reflexões sobre o trabalho com a leitura de filmes na sala de aula
para a formação de leitores, um percurso que nos faz navegar rapidamente pela rede
do letramento virtual. Não queremos tecer críticas e nem apontar o caminho para o
“pote de ouro”, mas mostrar aspectos sobre novas possibilidades de leitura de textos
visuais, principalmente o texto fílmico, que, de um modo geral, boa parte de alunos,
pais e professores tem afinidade.
A idéia de que ler é viajar por outros mundos, já vem de longa data e o que se
sabe é que na prática de leitura, o leitor envereda pelos caminhos do mundo da
fantasia e pelas trilhas do mundo do conhecimento em busca do desconhecido, do
saber. Houve um tempo que essa viagem era associada ao texto literário, mas,
estamos no século XXI e o gosto pela leitura vem da vivência com diversos tipos de
texto, além do literário, e de um processo de interação com o mundo ao redor. Essa
viagem pode ser feita por textos bem sedutores, que encantam pelas multiplas
linguagens que o constituem, como o texto fílmico que é um terreno fértil de
encantamento e sedução, decorrente de um cruzamento de diferentes: formas de
dizer, planos, personagens, tramas, diálogos, imagens, cores e sons, que compõem a
macroestrutura desse texto e que, portanto, participam da construção de sentido do
mesmo.
Segundo Foucamber (1994), o rito de iniciação na prática de leitura não tem
idade para começar e o leitor precisa estar envolvido pelos escritos os mais variados,
quer se trate dos textos da escola, do ambiente, da imprensa, dos documentos, das
obras de ficção. Por isso, é papel das instituições de ensino e do professor oferecer os
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mais variados tipos de manifestações culturais, dentro de uma pedagogia, que
proporcione ao aluno construir-se e constituir-se como leitor competente de múltiplos
gêneros textuais, inclusive o filme.
Koch e Elias (2006) consideram a leitura como uma atividade complexa de
produção de sentido que se realiza com base nos elementos linguísticos presentes na
superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um
vasto conjunto de saberes adquiridos pelo leitor na coletividade, já que o sentido não
está no texto, mas é constituído na interação sujeitos-texto. Como bem diz Napolitano
(2004), todas as disciplinas tradicionais, assim como os temas transversais,estão
cobertos pelos filmes (algumas mais, outras menos), Logo, esse gênero textual,
favorece o desenvolvimento de uma prática de leitura interativa.
As possibilidades de análise do texto fílmico são ilimitadas, devido às suas
características peculiares e às infinitas interpretações que ele favorece. Além disso,
pode-se entrar em contato com diferentes culturas e contextos históricos que podem
contribuir para nossa formação como cidadão crítico.
1.No caminho tem uma pedra
Em uma época em que as novas tecnologias da comunicação estão em evidência,
podemos dizer, parafraseando Carlos Drummond, que no caminho do aluno tem uma
pedra: o texto virtual. Noto que no senso comum o termo virtual tem sido usado com a
mesma significação de digital, significando o texto eletrônico. Para (LÉVY,2009) um
texto virtual é não-presente, desterritorializado mas, que
não é totalmente
independente do espaço-tempo de referência, pois deve se inserir em um suporte
físico para se atualizar em um determinado tempo. Neste texto, usarei o termo virtual
por considerar que abrange não só o texto eletrônico como também o filme.
O ser letrado para Xavier (2010) é aquele que domina a tecnologia da leitura e da
escrita, é capaz de enxergar além do código e fazer relações com informações fora do
texto, vinculando-as a seu contexto sociocultural. No caso do letrado digital, ele
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precisa desenvolver práticas de leitura e escrita em outro nível, para dominar o
texto, assim como já domina o texto escrito.
O Letramento digital implica realizar práticas de leitura e escrita diferentes
das formas tradicionais de letramento e alfabetização. Ser letrado digital
pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais
verbais e não-verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas
de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os
textos digitais é a tela, também digital. (XAVIER,2010, p.3)
O autor nos mostra que o processo de leitura tradicional, recebeu uma nova
roupagem, ou seja, novos aspectos devem ser considerados ao nos depararmos com a
produção do texto digital ou a leitura para construir um sentido, o mesmo acontece
com o texto fílmico1. O problema que percebo é que o ser humano, de um modo
geral, se apropria e vive do modismo, sem refletir sobre o papel dessa postura no
contexto situacional: antes da contribuição de Gutenberg para a humanidade, em
1455, e o surgimento da escrita, a comunicação era processada oralmente e existia
uma proximidade entre os interlocutores; com o advento da escrita, passou-se a
priorizar o uso deste recurso para processar a comunicação, o que provocou um
distanciamento entre os interlocutores e a interação ocorria por uma rede de textos
(BELMIRO, 2003); com a explosão da era digital, a preferência do momento é a leitura
e a escrita digital, principalmente por conta da agilidade entre processar e receber a
informação. Nesse contexto, surgiram novos textos que provocaram mudanças na
concepção de texto, pois passou-se a envolver a música, a imagem e o movimento em
sua constituição. Alterações que exigem outras competências e habilidades do leitor
(COSCARELLI, 2003), que vem a constituir outros letramentos.
O aluno precisa entender que adquirir uma condição de letramento é um
processo somatório, não de exclusão, o letramento virtual é um degrau a mais na
formação do cidadão e tem como base o letramento do texto escrito e da leitura.
Segundo Levy (2010), os mundos virtuais são potencialidades de textos, de imagens, de
sons que podem ser atualizados na prática de leitura de um desses textos, mas o leitor
1
Ao longo deste texto usaremos o termo filme ou texto fílmico indistintamente.
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precisa ter o conhecimento das especificidades desse textos e a habilidade para a
praticar a leitura.
2.Na trilha da leitura
Novos tempos, velhos hábitos. É o que caracteriza as práticas de leitura vigentes
em algumas escolas da educação básica: o discurso sobre o uso das novas tecnologias
é latente, mas as mudanças no ensino não tem acompanhado o mesmo ritmo.
Compartilho com Coscarelli (2005) a ideia de que a evolução das novas teconologias
provocou mudanças no papel da escola: ela deixou de ser apenas transmissora do
saber, para ser um ambiente de construção do conhecimento. Logo precisa aplicar
metodologias/ propostas que propiciem a construção do saber coletivo. Nessa
perspectiva, kleiman e Moraes (2006) sugerem o uso de um projeto colaborativo
que faria da sala de aula o lugar de convergência do cognitivo, do social e da
expressão pessoal na construção de redes de conhecimentos. Seria
a
institucionalização da inteligência coletiva, em que a base e os objetivos “são o
reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de
comunidades fetichizadas”. (LÉVY,2010,p.29)
As autoras também afirmam que o ensino de leitura deve ser território de todos
os professores, pois “a leitura é a atividade-elo que transforma os projetos de um
professor em projetos interdisciplinares: parte-se da ótica do especialistahistoriador, geógrafo, biólogo – para instaurar um espaço comum a todos, o da
leitura”. (KLEIMAN e MORAES,2006, p.23). Um projeto que caberia nessa projeção
seria desenvolvido com a prática de leitura, no caso dessa pesquisa, da leitura do
filme, por ser um texto lúdico que envolve diferentes áreas do conhecimento, como
bem diz Napolitano (2004), no corpo desse texto.
Almeida (2004) enfatiza que o filme tem sua própria linguagem e o significado se
constrói num processo de filmagem, de concepção, da tecnologia da máquina, da
possibilidade-limite da inteligência e da técnica em dado momento da história.
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(...) no filme os significados fazem-se não só das vozes, mas de todos os sons e
imagens que se sucedem. O significado do filme não está no resumo que eu
faça dele depois, mas no conjunto de sons e imagens que, ao seu término,
compôs um sentimento e uma inteligência sobre ele (ALMEIDA, 2004, p.10-11).
De acordo com o autor, a nossa inteligência do mundo tem como referencial o
texto escrito, que nos leva a pensar e refletir. Mas, hoje, para muitos, essa
inteligência se forma/informa a partir das imagens e sons das produções do cinema e
da televisão (além, é claro, daquelas do computador). Assim, para transitar nesse
universo complexo é preciso desenvolver uma habilidade de olhar o texto: um olhar
atento, sensível e crítico.
Olhar atento é olhar ativo e não simplesmente receptivo, aquele que busca o
todo e capta os detalhes. Olhar sensível é aquele instalado na corporiedade
que abarca todos os sentidos, considera até o oco dos intervalos, toda
presença que possa suscitar uma ausência (...).Olhar crítico é aquele que
carrega o desejo de ver mais do que lhe é dado a ver.(COSTA e BIONDO,2007,
p. 976-977)
Bebemos nessa fonte que nos mostra que o leitor olha o texto de forma
diferente, de acordo com a intencionalidade. A forma de olhar o texto diz muito sobre
o leitor e o nível de leitura usado no texto. Geralmente, a criança diante de um filme,
que não conhece, apresenta o olhar receptivo, a causa possível é a curiosidade em
saber sobre o desconhecido, com a prática e a formação leitora, ela passará a olhar de
outras formas. O filme também mobiliza a razão, o intelecto e as emoções, o que é,
sem dúvida, bastante importante para que os alunos se envolvam e tenham mais
disposição para aprender. Isso é bom e precisa ser alimentado para que eles
desenvolvam a habilidade do olhar crítico na leitura desse gênero textual.
3.Nas malhas do texto
Segundo Lévy(2010), no processo de leitura do texto, o resultado da
interpretação é o texto do leitor(um sentido), que surge da mescla de elementos dos
espaços inputs: o que é percebido no texto fonte e o que é recuperado da memória do
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leitor(Azevedo,2006). Nesse processo, identifica - se três realizações: No texto escrito,
por exemplo, o leitor navega pela linearidade proposta na superfície do texto e, pelas
pistas identificadas, infere um sentido. Koch (2003) afirma que esse processo não se
dá de maneira linear e seqüencial, como se pensava anteriormente, devido a uma
movimentação em várias direções, recorrendo a informações textuais e extratextuais.
Já o hipertexto é diferente do texto linear por ser constituído de nós e suas ligações
(LÉVY, 2009), e nele,o leitor sai escolhendo trilhas e mapeando o percurso do seu
texto, garimpando informações de acordo com sua intencionalidade, a partir dos links
marcados na superfície textual para construir um sentido. E no caso do filme,
percebe-se que o diretor apresenta possibilidades de links (pistas), não marcados
explicitamente no texto fonte, como é feito no hipertexto, e, na leitura, os textos ( os
sentidos) são inferidos do conhecimento prévio do leitor a partir de e com base nas
pistas identificadas, por ele, na superfície do texto fonte.
Na interface das teorias com a leitura de um filme específico, A Era do Gelo,
procuramos mostrar a aplicabilidade das abordagens sobre redes, inteligência coletiva
e mesclagem,visando a um trabalho interativo entre aluno-texto na produção de
sentido, o que discorremos no próximo item.
4.Nos domínios do filme
Compartilhamos com Rey (1997) a idéia de que a riqueza de um filme está nos
ingredientes que o compõe, no caso do desenho animado, a ação e a comédia são
importantes para se atingir o propósito maior de um filme comercial: o
entretenimento. O desenho animado é uma forma de filme voltada para todos os
públicos (GOMES e SANTOS, 2007) e, em alguns casos, é difícil classificá-lo em um
gênero específico, principalmente por conta dessa mistura de ingredientes.
O filme A Era do Gelo não é uma versão ou tradução de um texto, é uma história
criada por Lori Forte e sua equipe do Fox Animation Studios, uma ficção e, que o
identificamos como aventura por conta das características que apresenta:
predominância de ação rápida, em uma trama, envolvendo tempo espaço e
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personagens em uma missão com conflitos físicos e oposição do bem contra o mal;
além de repassar valores ideológicos, sociais e culturais. (NAPOLITANO,2004)
A história se passa em plena era do gelo, basicamente no período pré-histórico
chamado Pleistoceno, num momento em que todos os animais migram para regiões
ainda quentes, em busca de alimento.
Nesse cruzamento do concreto (a migração) com o ficcional (a aventura dos
personagens). Há uma multiplicidade de códigos/indícios que compõem essa ação,
alguns óbvios e outros não, formando uma rede de coneções que direcionam para a
discussão de temas diversos. Na contrução de um sentido, o
leitor precisa se
distanciar e perceber os elementos utilizados na composição desta aventura e fazer
inferências mesclando os dados informados no texto e os conhecimentos prévios do
leitor, de outros textos e áreas do conhecimento, navegando por uma rede de
informações que versa sobre: a evolução das espécies, o período pré-histórico da
humanidade, a extinção das espécies, a era glacial, a geografia, o clima, as relações
sociais, entre outros. Enfim, o filme é uma imensa rede conectada a outras redes que
autorizam temáticas diferentes, cabe, então, ao leitor trilhar um desses caminhos, de
acordo com a temática percebida.
Há várias conexões ao longo do filme, como nas cenas da caverna, onde se
nota uma referência ao período da existência de animais na água, passa pelo
congelamento
e
extinção
dos
dinossauros
e
pela
época
dos
“invasores
extraterrestres”, que teriam visitado a Terra depois da extinção dos dinossauros (idéia
inferida pela representação da nave congelada e pelo comportamento do bebê
humano diante dela, pois nos dá uma idéia de que os homens primitivos tinham
conhecimento desses seres, mas não tinham dos dinossauros). Em seguida, passamos
pelo período de degelo, surgimento das espécies animais, a partir da evolução da
preguiça Sid e a formação das trilhas nas cavernas. Depois, chegamos ao período do
homem primitivo que habitava as cavernas e à caça de animais: pelos próprios animais
(pinturas em que tigres caçam outros animais) e pelos homens (pintura em que
homens caçam mamutes) para sobrevivência. Por último, o homem morando fora das
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cavernas e descobrindo o fogo, como os pais do bebê. Dependendo do olhar do leitor,
será escolhido um percurso pelas informações da malha do texto.
O filme possibilita múltiplas leituras e, uma delas, percebe duas histórias
paralelas na trama: a principal que envolve os animais (Sid, Manny e Diego na grande
jornada) em que a inteligência coletiva é abordada como o caminho para se atingir um
objetivo; e a segunda, com o personagem Scrat (o esquilo), que funciona como um
contraponto da outra, pois aqui o individualismo é a predominância e, apesar das
tentativas, só leva ao fracasso. Assim temos uma balança com dois pesos, que nos leva
a refletir sobre os dois e confrontar com nosso papel no contexto situacional.
O drama central mescla a fuga do gelo e a entrega do bebê humano ao pai,
como saída para a sobrevivência das espécies envolvidas e como parceria inusitada do
mamute, da preguiça e do tigre, os quais têm, a princípio, interesses diferenciados,
mas que convergem para a igualdade, o que nos dá a possibilidade da seguinte
representação:
A SOBREVIVÊNCIA
Percebe-se que no mundo real,o pano de fundo para a trama do filme, a
sobrevivência está associada à busca pelo alimento; na ficção, está na finalidade
da jornada; e, na confluência desses mundos, temos a superação das diferenças
como requisito para a sobrevivência. Uma situação leva a outra, marcando a
importância desse elo que se forma na estrutura do texto fílmico.
A história também nos repassa a ideia de que cada ser(representativo de
uma espécie)tem suas crenças e seu modo de vida, que provocam o confronto de
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ideias sobre a sobrevivência: na primeira, o que vale é a lei do mais forte, ou seja,
quem é mais preparado é que vence, a sobrevivência é fruto da força, muito bem
marcada nos personagens Manny e Diego: grandes, fortes, só pensam neles e se
colocam numa posição superior na cadeia alimentar. Na segunda, o que vale é a
esperteza, ou seja, a inteligência supera os músculos, muito bem representada no
personagem Sid: fraco, medroso, colocado em um nível inferior na cadeia
alimentar, mas é criativo, solidário, planeja e faz o impossível pelo outro. Tudo
isso remete para o ideal de inteligência coletiva (LÉVY,2010), em que o sucesso se
sustenta no equilíbrio da razão e emoção, e na união de forças (idéias,
competências) para o bem comum, no caso do filme, para o êxito da jornada. Essa
idéia de coletivo perpassa toda a história do filme e é bem marcada no personagem
Sid.
No caso das personagens principais, encontramos situações diferentes e isso
caracteriza o comportamento deles na trama. Neste caso, por inferência temos que
saber que o tigre é um carnívoro caçador em potencial (daí a sua força, sua
estratégia de ação, sua individualidade e o seu interesse no menino:comida); a
preguiça (literalmente é o símbolo da paz, ela quer companhia, não pensa em
prejudicar o outro, tenta mostrar que cada um tem seu lado bom e seu espaço em
uma sociedade); o mamute (prefere ficar sozinho, isso porque
é visto
como
alimento por todos os carnívoros e, principalmente, o homem, ideia reforçada pela
cena representada na caverna, e justifica porque ele não quer ajudar o bebê (“um
caçador do futuro”) e o bebê/o ser humano (é o inimigo de todos os animais, ele
não mata os outros animais só por alimento, como é a regra, também modifica a
natureza). Por isso, é o inimigo número um de todos eles.
Assim como tem o poder de destruir, o ser humano (representado pelos
personagens) também tem de preservar, de cuidar e é isso que provoca a mudança
no comportamento e nos valores dos personagens: o bebê faz a união do bando e
dá sinais de que a relação homem-animal vai ser diferente, idéia representada em
alguns momentos:
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1) quando o bebê acaricia o desenho do filhote de mamute que sobreviveu
ao ataque do homem, no caso, ele está representando a personagem Manny e
mostrando ao leitor porque essa personagem é a única da espécie;
2) quando o bebê começa a andar e escolhe o tigre para agradar, o rival do
homem na cadeia alimentar, pois os dois são predadores;
3) na sincronia que tem com Sid, pois são colocados no mesmo nível de
entendimento, de brincadeira ,de brigas e de cumplicidade.
Esses momentos nos mostram a ideia do todo em ângulos diferente, ou
seja, na sociedade, a inteligência
coletiva não escolhe um nível, quanto mais
diversificado, melhor será, mais contribuições o grupo terá e mais aprendizado
também.
Sid leva as outras personagens a respeitarem as diferenças e aceitarem o
outro como igual. Esse espírito de luta e união perpassa os tempos, as sociedades e
os seres vivos, idéia bem representada pela personagem Sid, ele é um ser primitivo
com espírito contemporâneo, representa o adolescente real. Com ele percebemos
pistas evidentes de intertextualidade, marcadas em suas falas e ações, pontos que
não são típicos da espécie, nem do período em que a história é retratada, ou seja,
foram usados de outros textos, penso que foi um
recurso para aproximar o
personagem do contexto situacional do espectador, tais como: na brincadeira de
jogar bola de neve no outro, típico de crianças que moram em um lugar propício
para isso; assim como patinar no lago congelado e manobras de snowboard ao fugir
dos tigres. Também tem a tática de futebol americano, usada para tirar o melão
dos pássaros, e a vibração do jogador e da torcida pela vitória. Além da tentativa
de imitar a morte com uma faca (lança de gelo) atravessada no pescoço, como já
vimos em alguns filmes de terror; a briga com o personagem Scrat por uma bolota,
pois diz que é um “espólio de guerra”, expressão própria de filmes de guerra e/ou
de piratas, entre outros); e nas falas, em que usa algumas expressões de senso
comum como:“ dois solteirões sozinhos na multidão”, ao tentar convencer Manny a
viajarem juntos; “bela manobra, vão comer poeira” ao fugir dos tigres com
manobras radicais na neve; “nosso garotinho está crescendo”, quando o bebê
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começa a andar; “ quem disse que a força sempre vence”, quando estão tentando
vencer os tigres.
Há também uma preocupação com o registro da história dos povos, na ação
do Sid ao fazer o desenho de uma preguiça na parede para tentar colocá-la na
história, pois, segundo ele, a preguiça não faz parte por não ter sido congelada e
nem desenhada como o mamute e o tigre. Isso mostra o seu desconhecimento sobre
o processo evolutivo das espécies.
Ao longo do filme, é enfatizada a questão do coletivo, em várias cenas,
pois é a essência da vida desde os primórdios da civilização, ou seja, a força dos
seres está na união, no trabalho coletivo, seguindo o ditado popular de que duas
cabeças pensam melhor do que uma. No filme, o coletivo é representado em vários
momentos, inclusive na cena dos rinocerontes: um completa a fala do outro,
dialogam para dividir a comida e decidir as ações, um só ataca se o outro também
o fizer. É a fonte da força e da sobrevivência em qualquer tempo, lugar e espaço.
No momento em que os personagem param para ver o outro e a si mesmo,
saber do que são capazes e como podem dar e receber, eles mudam e deixam de
ser vários para funcionarem como um ser coletivo, aquele que une experiências
para um fim e que por isso tem êxito. O ponto forte da história é a transformação
com os personagens: eles saem do individual para o coletivo, entendem que a
força e as condições de sobrevivência
em um
ambiente hostil está nas ações
coletivas, ou parafraseando a fala do personagens Sid: numa luta, é a inteligência
que vence, não a força física.
Considero essa uma grande lição que a história passa ao espectador de
todas as idades, principalmente as criança, pois se elas praticarem esse
ensinamento ao longo da vida, pode ser que sejam adultos com concepções e
valores melhores.
Outro ponto importante nos mostra que o espaço e a convivência é para
todos, não deve haver disputa entre homens X animais, animais X animais, homem
X natureza, os personagens percebem isso e procuram se adaptar Essa é uma lição
bíblica: todos fomos criados e colocados em um espaço para convivência e
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interação, mas geralmente essa lição é esquecida. No filme,um laço de aceitação e
concordância entre as partes é feito e assinado com o colar que o homem entrega a
Manny, isso é emocionante e uma lição muito forte para o espectador.
Enfim, a maior jogada do roteirista foi colocar, juntos, espécies que são
totalmente diferentes, principalmente, que tem costumes diferentes, para mostrar
que a sobrevivência não está na individualidade e nem na força, mas na tolerância,
na aceitação do outro com suas capacidades e suas limitações, e na união de
esforços para inventar, construir algo(uso da inteligência coletiva) em prol de um
bem maior. Podemos inferir isso na ação conjunta dos personagens para proteger o
bebê de todas as intempéries e devolvê-lo à família, na ação dos personagens ao
salvarem o companheiro da morte, na estratégia para vencer os tigres e se
salvarem da armadilha, anteriormente planejada por Diego e seu bando.
O filme, em essência, é uma bela lição de vida para o homem do século XXI,
que está esquecendo essa condição de coletividade e cada vez mais se isola do
meio
social,
da
existência
física
e
prima
pelo
individual.
A
indústria
cinematográfica tem veiculado essa ideia nos desenhos animados, visando tanto ao
espectador criança quanto ao adulto (GOMES e SANTOS, 2007), um ponto a se
considerar, pois com bem diz Foucambert (1994) o aprendizado da leitura e a
formação do cidadão começam na base para que se fortaleça com a prática.
Considerações finais
A cada dia nos deparamos com produções cinematográfica em que os filmes
tem nos mostrado, apesar de tudo, que ainda exercemos a condição de seres
humanos. Produtores e diretores tem levado esse contexto para a tela do cinema
seja: para nos mostrar os avanços da ciência e, principalmente da tecnologia, mas
também para nos fazer refletir sobre o papel do homem diante dessa
transformação galopante que vem atingindo a sociedade em todos os campos.
Com os filmes, o espectador sonha, vive aventuras com certos personagens,
viaja por mundos distantes, mas também aprende e traz para o mundo real, seu
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contexto situacional, este aprendizado do imaginário para confrontar ou aplicar
em sua prática.
Nesse artigo, o objetivo era descrever um recorte teórico de uma tese de
doutorado, em andamento, com as reflexões sobre a a leitura de filmes na sala de
aula para a formação de leitores, sem tecer críticas, mas mostrando aspectos
importantes na leitura de textos sedutores e com múltiplas linguagens, com no
filme
A Era do Gelo, uma trama que nos mostra que, numa sociedade, somos
vários com características diferentes e temos
limitações, mas, se pensarmos e
agirmos em conjunto, podemos construir algo melhor, podemos vencer as pedras
que surgem em nosso caminho.
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Referência fílmica
ICE age (A Era do Gelo). 2002. Um desenho animado. Direção: Chris Wedge e
Carlos Saldanha. Música: David Newman. Roteiro:Michael Berg, Michael J. Wilson e
Peter Ackerman.Londres: Twentith Century Fox. (DVD 81 min), widescreen, color.
Produzido por Blue Sky Studios.Collector’s edition.
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Maria Goreth de Sousa VARÃO-Doutoranda
Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG/FALE
[email protected]
Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação
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