Revisão: Fernando Selleri Silva
Revisão Final: Elias Januário
Consultor: Luís Donisete Benzi Grupioni
Projeto Gráfico/Diagramação: Dener Didoné
Capa: Dener Didoné
Fotos da capa: Acervo Joana Saira / PROESI
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA - PROESI.
Organizadores Elias Januário e Fernando Selleri Silva. Barra do Bugres:
UNEMAT, v. 6, n. 1, 2008.
ISSN 1677-0277
1. Educação Escolar Indígena
I. Universidade do Estado de Mato Grosso
II. Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
III. Coordenação-Geral de Documentação / FUNAI.
CDU 572.95 (81) : 37
UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso
Campus Universitário Dep. Estadual Rene Barbour
Educação Indígena - PROESI - Caixa Postal nº 92
78390-000 - Barra do Bugres/MT - Brasil
Telefone: (65) 3361-1964
http://indigena.unemat.br - [email protected]
SEDUC/MT - Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso
Superintendência de Formação Profissional
Travessa B, S/N - Centro Político Administrativo
78055-917 - Cuiabá/MT - Brasil
Telefone: (65) 3613-1021
SECITEC/MT - Secretaria de Estado de Ciência e
Tecnologia de Mato Grosso
Rua 03, S/N, 3º piso - Centro Político e Administrativo
78050-970 - Cuiabá/MT - Brasil
Telefone: (65) 3613-0100
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
CGE - Coordenação Geral de Educação
SEPS Q. 702/902 - Ed. Lex - 3º Andar
70390-025 - Brasília/DF - Brasil
Telefone: (61) 3313-3647
Prefeitura Municipal de Barra do Bugres
Praça Ângelo Masson, 1000 - Centro
78.390-000 - Barra do Bugres/MT - Brasil
Tel: (65) 3361-1273
ENSINAR A DANÇAR
João Severino Filho*
Apresentação
O texto “Ensinar a Dançar” é resultante de reflexões que
aconteceram posterior ao trabalho que desenvolvi no PROESI,
como Professor Auxiliar na área de Ciências Matemáticas e
da Natureza, na primeira etapa presencial do então chamado
“3º Grau Indígena”, em julho de 2001, que num momento de
descontração e de inspiração decidi apresentá-las através de
analogias, por concordar que desta forma conseguiria
expressar a profundidade e, ao mesmo tempo, leveza com que
me deparei com essa experiência extremamente rica e
pessoalmente produtiva.
Hoje, depois de algum tempo sem o contato direto com
o trabalho docente no PROESI, quando me proponho a retornar
ao universo dinâmico e complexo da Educação Escolar
Indígena, agora com um olhar que procura ser mais atento às
nuances e regras da pesquisa acadêmica mas, acima de tudo,
com a sensibilidade e envolvimento necessários para adotar a
abordagem metodológica que o antropólogo Clifford Geertz
(1989) definiu como a Teoria Interpretativa das Culturas,
“Ensinar a Dançar” simboliza o meu ritual de passagem de
educador. Tive uma sensação muito agradável ao reencontrálo perdido entre meus arquivos o qual pretendo dividir com
vocês nesse momento em que o PROESI comemora 10 anos
de caminhada desde a elaboração do Projeto Inicial.
É assim
Tratava-se de uma noite de confraternização entre os
professores que participavam do seminário de preparação da
primeira etapa do “3º Grau Indígena”. Eu refletia sobre as
* - Professor da UNEMAT, Licenciado em Matemática. Mestrando em Ciências Ambientais, sob
a orientação do Prof. Dr. Elias Januário. Atuou no PROESI como docente na área de Ciências
Matemáticas e da Natureza.
Cadernos de Educação Escolar Indígena - Vol. 6
palestras proferidas durante o dia pelos Professores
Consultores e tentava imaginar como a minha concepção de
educação e de educação matemática. poderia perceber este
novo (para mim) modelo de educação. Foi quando ela me
chamou a atenção.
Saber que ritmo tocava não importa, não me lembro.
Não me esqueço é de como era diferente o jeito dela dançar.
Contrariava todos os ritmos e compassos que eu, “exímio
dançarino” conhecera até então. Talvez seja por isso que
dançava sozinha com seus rodopios e gingados rebeldes,
indomados e sem compromisso com a regularidade
matemática do “dois pra lá e dois pra cá” do xote. Talvez por
isso era a mais animada do salão.
Era tão diferente, tão extremamente esquisito, que
chegava a ser harmônico. Estava no limiar entre o feio e o belo.
Eu observava a ginga da jovem professora e pensava: como
será que ela dança as músicas de sua região? Será que o que
ela está fazendo se encaixa em algum ritmo? Nesse momento,
um rapaz afastou-se de uma roda - onde também a observavam
e comentavam entre si - e convidou-a para dançar. Tocavam
um xote e ela ensaiava um passo que ora parecia frevo, ora
me lembrava o samba, ora não parecia com nada que eu
conhecia.
Ele abraçou-a e, como eu estava razoavelmente próximo,
pude ouvi-lo pronunciar a frase celebre dita por quem se
propõe a ensinar: “É assim”.
O que aconteceu a partir daí foi uma seqüência de
desentendimentos e “catástrofes rítmicas”. O pobre rapaz
tentou ensiná-la insistentemente os “dois-prá-lá-e-dois-prá-cá”
exigidos para aquele tipo de dança.
O sofrimento e a decepção de ambos eram visíveis. Para
os dois, aquela música durou horas e quando finalizou ela
declarou desconcertada que não sabia dançar e deixou a
improvisada pista de dança. O rapaz tentou consolá-la
afirmando que aquela música era muito complicada.
Felizmente, mal haviam tocado a segunda música e lá
estava ela saltitando por entre os casais numa mistura de regue
jamaicano e carimbó do Pará, sei lá!
156
Cadernos de Educação Escolar Indígena - Vol. 6
A epistemologia da dança
A nossa “rebelde” dançarina seria a derrota de qualquer
desavisado professor de dança que não tivesse o cuidado de
considerar que para ensinar alguém a dançar deve-se levar
em conta que o aprendiz possui uma história de vida de
movimentos do corpo, determinados pelo ambiente sóciocultural em que ele viveu. Sua ginga é resultante dos
movimentos rítmicos que lhe foram permitidos e/ou
estimulados de acordo com sua religião, grupo social, profissão
etc. Para que eu possa ensinar alguém a dançar, primeiro meu
corpo deve se deixar levar pelos movimentos do aprendiz.
Devo encontrar a sintonia entre o seu corpo e o meu, para
depois sintonizarmo-nos com o ritmo da música em questão.
Essa é, talvez, a minha principal função nesse processo, não
por dançar melhor ou mais bonito, mas por ter experiência no
assunto; ter refletido e teorizado mais sobre o ato de se
aprender a dançar; por ter destinado parte de minha vida a
epistemologia da dança; por conseguir fazer com que seu
aprendizado seja sempre algo agradável, emocionante e novo;
finalmente, por gostar muito de dançar. Por mais
desconcertante ou insignificante que pareça, tenho que
inicialmente dançar e sentir a música como ele sente e dança.
O movimento sincronizado da dança é um consenso
alcançado entre dois corpos através de um processo de
ensinamento recíproco onde as posições de professor e aluno
se confundem constantemente.
“Adequando” a palavra
Se essa é minha concepção de ensino-aprendizagem no
campo da dança, no campo da matemática não é muito
diferente. Entretanto, durante todo o Encontro de Preparação,
um aspecto interessante que eu observei em praticamente
todas as palestras proferidas foi o repetido uso de “aspas”. Os
palestrantes estavam constantemente utilizando-se do recurso
em que se levanta as duas mãos com os dedos indicadores e
médios em evidência durante a fala, colocando as palavras ou
157
Cadernos de Educação Escolar Indígena - Vol. 6
termos entre aspas, quando estes, semanticamente, não se
adequavam ao contexto em que eram evocados. Termos e
conceitos cuja utilização, por conta de um processo reflexão
feita pelos antropólogos, sociólogos, indigenistas, professores
indígenas etc., deixou de fazer sentido. Os teóricos terão que
inventar outros nomes ou termos que definam e expliquem a
complexidade da realidade que ora se apresenta na relação
entre o índio e o “não-índio”. Então eu devo colocar todas as
minhas teorizações da aprendizagem da matemática entre
aspas. Preparar-me para o novo, o incerto, para aprender
novamente como ensinar matemática, pois os modelos de
raciocínio que eu utilizara até então de pouco me valeriam
nessa nova empreitada.
A minha área de conhecimento, não tem a mesma função
dentro do contexto educacional em questão. Descobri que não
estávamos discutindo formas de se trabalhar a “educação
indígena” - isso já é trabalhado pelos mais velhos e anciãos
das aldeias, com muita propriedade - discutíamos “educação
escolar indígena”. Não estávamos falando da formação de
“cidadãos” indígenas, mas da formação de “lideranças”
indígenas. Daí, “capacitá-los”, teria o sentido de propiciar-lhes
o acesso aos conhecimentos historicamente elaborados pelos
“não-índios” e pelos índios, para que eles possam definir de
que forma tais conhecimentos poderão contribuir para o bemestar de sua comunidade. E foi nesse contexto que eu defini
minha atuação na 1ª Etapa do Curso de “3º Grau Indígena”.
Aproveitando-me da condição de professor auxiliar – o que
de certa forma me era muito cômodo, principalmente por
poder contar com a experiência e segurança da Professora
Roseli Alvarenga – pude ter tranqüilidade para vivenciar essa
nova realidade e conhecer melhor esse povo tão forte,
verdadeiro e sensível em suas relações com outros povos e
com o meio. Experiência única na vida profissional de um
educador.
No final do nosso módulo cada povo nos mostrou sua
dança. Os Xavante me pegaram pela mão, me ensinaram a
dançar e me contaram o que é a dança e o canto Xavante. Os
Bororo me ensinaram o que é sentir pela dança. Contaram-
158
Cadernos de Educação Escolar Indígena - Vol. 6
nos que dançam e cantam quando alguém muito importante
chega ou vai embora. E dançaram para nós porque partíamos.
E choramos com eles por sermos importantes. E eu chorei,
pela emoção de ter aprendido a simplicidade do significado
da dança. Todos os meus axiomas, corolários e teoremas sobre
a arte da dança agora ganharam outra dimensão, a do
significado de se ensinar a dançar.
159
Download

UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso Campus