“No clarear do dia vou para o roçado
A capinar.
Até de tarde tiro o meu eito: arranco inços, tranqueiras ,
Joás e bosta de bugiu que não serve nem para esterco.”...
(O Roceiro)
“Imagens não passam de incontinência do
visual”
“Eu te invento, ó realidade”
Mostrei a obra pra minha
mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que
assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo
das imagens
(O Poeta)
“Daqui vem que os poetas podem refazer o mundo por
imagens, por eflúvios, por afeto”...
(Despalavra)
“… Tinha um perfume de jasmim no beiral de um
sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na
pedra.
Fotografei a existência dela…
(O Fotografo)
E deixo o texto germinar sobre o branco do papel
Na maior masturbação com as pedras e as rãs.
(O Roceiro)
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados
com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.
(O vento)
“Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei.”...
(O Fotografo)
O Fotógrafo
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Vi um paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim cheguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
ERRO DE CONCORDÂNCIA
I
N
T
E
R
T
E
X
T
O
COMPARAMENTO
Os rios recebem, no seu percurso, pedaços de pau,
folhas secas, penas de urubu
E demais trombolhos.
Seria como o percurso de uma palavra antes de
chegar ao poema.
As palavras, na viagem para o poema, recebem
nossas torpezas, nossas demências, nossas
vaidades.
E demais escorralhas.
As palavras se sujam de nós na viagem.
Mas desembarcam no poema escorreitas: como que
filtradas.
E livres das tripas do nosso espírito.
Auto –Retato
Ao nascer eu não estava acordado,de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamentos e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
NEOLOGISMO
Produzi
desobjetos , 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que escrevo é invenção;
só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio - Sem moscas
na boca descampada!
O Fingidor
O ermo que tinha dentro do olho do menino era um
Defeito de nascença, como ter uma perna mais curta.
Por motivo dessa perna mais curta a infância do
Menino mancava.
Ele nunca realizava nada.
Fazia tudo de conta.
Fingia que lata era um navio e viajava de lata.
Fingia que o vento era cavalo e corria ventena.
Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino
Montava o lagarto e ia pro mato.
Mas logo o lagarto virava pedra.
Acho que o ermo que o menino herdara atrapalhava
As suas viagens.
O menino só atingia o que seu pai chamava de ilusão
Manoel de Barros é uma palpitação nas nossas vidas.
O poeta humaniza as coisas, o tempo e o vento.
deixe isso transcender e torne a sua vida poesia
Andar a toa é coisa de ave
Meu avo andava a toa
(O Provedor)
“Noventa por cento
do que escrevo é
invenção; só dez por
cento que é mentira”
Manoel de barros
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