XVI SEMINÁRIO DE PESQUISA DO CCSA
ISSN 1808-6381
A PROFESSORA STELLA VÉSPER FERREIRA GONÇALVES E SUA PRÁTICA EDUCATIVA NO
RIO GRANDE DO NORTE (1910 – 1930)
Érika Nogueira Martins - UFRN
1
Maria Arisnete Câmara de Morais - UFRN
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RESUMO
O presente trabalho é oriundo da efetivação de pesquisas acerca de professoras e escritoras que se
destacaram no Estado do Rio Grande do Norte, contribuindo para a formação de gerações. Desse
modo, objetivamos reconstituir a prática educativa da professora Stella Vésper Ferreira Gonçalves no
cenário educacional norte-rio-grandense, durante o período de 1910 a década de 1930. No intuito de
se obter informações mais detalhadas a respeito do perfil biográfico desta educadora, bem como de
sua trajetória docente, efetuamos pesquisas nos acervos do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte/ IHGRN, utilizando como fontes os registros formais encontrados na Revista
Pedagogium e em jornais como A República e Diário de Natal, do início do século XX. Além disso,
realizamos pesquisas no Arquivo Público do Estado/ APE-RN, Instituto de Educação Superior
Presidente Kennedy e Biblioteca Central Zila Mamede/ UFRN. Com base nas investigações
efetuadas, destacamos que Stella Gonçalves formou-se na primeira turma da Escola Normal de
Natal, no ano de 1910. Posteriormente, exerceu o magistério na instituição Grupo Escolar Augusto
Severo – criado no governo de Alberto Maranhão pelo Decreto Lei de n° 174, de 05 de março de
1908 e, inaugurado, em 12 de dezembro de 1908. Observamos, também, que a referida educadora
pertenceu à Associação das Noelistas, espécie de irmandade, presidida por mulheres que
realizavam, periodicamente, estudos literários, religiosos e educacionais. Concernente a isso, dedicou
grande parte de sua vida ao exercício dos escritos de cunho religioso e, ao mesmo tempo, educativo
no jornal Diário de Natal da década de 1920. É importante destacar que, em alguns de seus artigos,
utilizava como assinatura o pseudônimo Potyguara com a finalidade de responder às questões
propostas pelas associadas da citada irmandade. Nessa perspectiva, os escritos de Stella Gonçalves
evidenciavam um modelo de educação articulado a valores religiosos como a fé incondicional, a
perseverança cristã e o amor fraterno. Ainda através de seus artigos, Potyguara defendia a relevância
do papel materno na formação moral da criança. A identificação das contribuições de Stella
Gonçalves para a Instrução Pública do Rio Grande do Norte e para a sociedade letrada natalense nos
permite evidenciar sua relevância, no âmbito da História da Educação, como educadora, escritora e
mulher. Dessa maneira, esta pesquisa, em andamento, visa contribuir para a Historiografia da
Educação Brasileira, sobretudo, a norte-rio-grandense.
Palavras - chaves: Educação. Prática Educativa. História.
1
Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/PIBIC vinculada ao Projeto Gênero, Educação e Práticas de
Leitura/CNPq, desenvolvido na Base de Pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens históricas, educativas
e literárias/UFRN. Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email:
[email protected]
2
Pesquisadora do CNPq. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP/SP.
Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Coordena a Base de Pesquisa Gênero e
Práticas Culturais. Pós-Doutorado na Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales/Paris. Email:
[email protected]
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ISSN 1808-6381
Situando a Pesquisa
O presente artigo está vinculado ao projeto Gênero, Educação e Práticas de Leitura/CNPq, o
qual, entre seus objetivos, faz referência à pesquisa sobre professoras e escritoras que se
destacaram no Estado do Rio Grande do Norte, contribuindo para a formação de gerações. Nessa
perspectiva, analisamos a prática educativa da professora Stella Vésper Ferreira Gonçalves no
cenário norte-rio-grandense, tendo em vista que a referida educadora foi aluna da primeira turma da
Escola Normal de Natal e teve sua diplomação, no ano de 1910. Posteriormente, deu início à atuação
docente no Grupo Escolar Modelo Augusto Severo, bem como à carreira de escritora na imprensa
potiguar.
Para a construção deste trabalho, fundamentamo-nos na abordagem teórico-metodológica da
História Cultural, que tem por principal objetivo “identificar o modo como em diferentes lugares e
momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16). Tratase de uma abordagem que norteia sua atenção para a história de homens e de mulheres comuns,
preocupando-se com suas práticas culturais e experiências de vida.
Desse modo, buscamos evidenciar a presença feminina na educação mediante a análise das
práticas das mulheres, com ênfase na educadora Stella Gonçalves, visto que sua atuação fazia parte
de uma nova exigência da sociedade que se pretendia formar. Observamos também o valor histórico
de tais feitos para a historiografia norte-rio-grandense, dada a importância dessa participação na
constituição da sociedade letrada do início do século XX, no Estado.
As pesquisas sobre a história de professoras e escritoras potiguares são objetos de estudos
importantes e vem ganhando relevância a partir dos trabalhos desenvolvidos no âmbito da base de
pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens históricas, educativas e literárias. A exemplo
dessa linha em pesquisa da História da Educação, destaca-se o livro da escritora Maria Arisnete
Câmara de Morais intitulado Chicuta Nolasco Fernandes, Intelectual de Mérito. Na obra, a autora
reconstrói a trajetória de Francisca Nolasco, uma mulher que dentro de suas possibilidades, soube
vencer os obstáculos presentes em uma sociedade patriarcal até tornar-se aluna da Escola Normal
de Natal e, posteriormente, uma das educadoras mais conceituadas do Estado do Rio Grande do
Norte, visto que, fora a primeira diretora desta instituição, depois de sete direções masculinas.
De acordo com Lopes e Galvão (2001, p. 79) o trabalho relacionado ao âmbito da História da
Educação requer a seleção de fontes que serão utilizadas para o seu desenvolvimento. Neste
sentido, imprescindível seria a busca por fontes documentais providas de informações que nos
permitissem reconstruir a trajetória educacional de Stella Gonçalves. Para tanto, empreendemos
pesquisas no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte/ IHGRN, onde utilizamos como
fontes Leis e Decretos do governo do Rio Grande do Norte, Livros de Atas, assim como os registros
formais encontrados na Revista Pedagogium e em jornais do início do século XX como A República e
Diário de Natal. Do mesmo modo, realizamos pesquisas no Arquivo Público do Estado/ APE-RN,
Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy e Biblioteca Central Zila Mamede/UFRN.
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No acervo da base de Pesquisa Gênero e Práticas Culturais, tivemos como referencial
teórico-metodológico trabalhos monográficos acerca das práticas educativas de professores que se
formaram na primeira turma da Escola Normal de Natal, no ano de 1910. A exemplo disso,
enfatizamos as pesquisas: A Prática Pedagógica da Professora Josefa Botelho nos Grupos Escolares
(1908-1930), desenvolvida pela autora Ingrid Katiucha da Silva (2009) e A prática educativa do
professor norte-rio-grandense Severino Bezerra de Melo (1927-1946), produzida por Janeclécia
Ferreira da Silva (2009).
A continuidade da investigação se deu por meio da visita ao arquivo particular da Escola
Estadual Stella Gonçalves, localizada no bairro da Guarita, em Natal/RN. Neste lócus, pudemos ter
acesso a documentos pessoais como fotos, carteira de identidade, título eleitoral e o registro
funcional de Stella Gonçalves, assim como à Ata de criação do Grupo Escolar Stella Gonçalves
(Decreto nº 4004, de 08 de janeiro de 1963), criado em homenagem à educadora, no ano seguinte ao
do seu falecimento.
Os estudos realizados com o intuito de efetivar o desenvolvimento deste trabalho permitiramnos dispor de uma melhor compreensão acerca do perfil biográfico da professora Stella Gonçalves,
bem como de algumas de suas contribuições para a educação do Estado do Rio Grande do Norte, a
exemplo da divulgação de um ideal de educação articulado a valores religiosos, através de escritos
expressos em edições do jornal Diário de Natal da década de 1920.
A trajetória da docente e escritora Stella Gonçalves
Filha legítima de Euclides Brasiliano Gonçalves e Joana Leitão Ferreira Gonçalves, Stella
Vésper Ferreira Gonçalves nasceu às 16 horas do dia 11 de agosto de 1897, em Natal/RN. Morou na
Praça José da Penha, número 143, situada no Bairro da Ribeira. Faleceu, aos 65 anos de idade, na
Casa de Saúde São Lucas, situada na mesma cidade em que nasceu, em 17 de novembro de 1962,
deixando suas contribuições para o campo educacional norte-rio-grandense.
Stella Gonçalves não se casou, tampouco pôde experimentar o ofício da maternidade
biológica. Todavia, dedicou sua vida, integralmente, ao ensino da educação primária, admoestando
os alunos do Grupo Escolar Augusto Severo, os quais ela considerava como filhos do coração. A
educadora também atuou na imprensa potiguar. Cooperou com revistas e jornais natalenses do início
do século XX, tendo em vista que possuía um acentuado pendor para as letras.
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Stella Vésper Ferreira Gonçalves (1897-1962)
Fonte: Arquivo Particular da Escola Estadual Stella Gonçalves
Em 1908, aos onze anos de idade, ingressou na primeira turma da Escola Normal de Natal,
cuja reabertura ocorreu em 29 de abril de 1908, através do Decreto n. 178 expedido pelo governador
3
Alberto Maranhão . A mencionada instituição foi inaugurada em 13 de Maio do mesmo ano, com
instalações no Ateneu Norte-Rio-Grandense.
Conforme Morais (2006, p. 75), no dia 04 de dezembro de 1910, ocasião da cerimônia de
colação de grau da primeira turma no Palácio do Governo, foram diplomados estes vinte e sete
normalistas:
Luiz Antonio dos Santos Lima; Severino Bezerra de Melo; Manuel Tavares
Guerreiro; Anfilóquio Soares Câmara; Francisco Ivo Cavalcante; José Rodrigues
Filho; Luis Garcia Soares de Araújo; Ecila Pegado Cortez; Judith de Castro
Barbosa; Áurea Fernandes Barros; Olda Marinho, Stella Vésper Ferreira Gonçalves;
Beatriz Cortez; Arcelina Fernandes; Guiomar de França; Anita de Oliveira; Francisca
Soares da Câmara; Maria Natália da Fonseca; Maria Abigail Mendonça; Maria das
Graças Pio; Clara Fagundes; Maria da Conceição Fagundes; Maria Julieta de
Oliveira; Maria Belém Câmara; Maria do Carmo Navarro; Helena Botelho; Josefa
Botelho.
3
Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão (1872-1944) governou o Estado do Rio Grande do Norte em dois mandatos, o primeiro
corresponde ao período de 1900 a 1904 e o segundo de 1908 a 1913. (SILVA, 2009, p. 61)
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É de grande valia destacar que a Escola Normal de Natal visava o preparo de homens e
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mulheres para o magistério . As mulheres normalistas, nem sempre recorriam a esta formação
profissional por motivos vocacionais, mas por ser uma maneira de terem acesso aos conhecimentos e
à vida pública, contribuindo assim para a construção da sociedade letrada.
O magistério possibilitava uma inserção social mais ativa e as mulheres poderiam
exercer maior influência sendo professoras, havendo também a possibilidade de
promover mudanças sociais, políticas e espirituais e veicular valores como uma
maior igualdade social e sexual, a tolerância e a diminuição dos preconceitos, assim
como a conversão religiosa entre os alunos e seus pais (ALMEIDA, 1998, p. 70-71).
Posteriormente, em 22 de dezembro de 1910, a educadora foi nomeada para atuar, em 1911,
como professora primária e regente da cadeira feminina do Grupo Escolar Augusto Severo, criado no
governo de Alberto de Albuquerque Maranhão pelo Decreto Lei nº 174, de 05 de março de 1908 e,
inaugurado, em 12 de junho de 1908. A instituição foi edificada no bairro da Ribeira, ao lado do
Teatro Carlos Gomes, atualmente Teatro Alberto Maranhão. De acordo com Araújo e Moreira (2006,
p.198) o bairro da Ribeira era considerado um lugar representativo, pelo fato de agrupar repartições
públicas como o Palácio do Governo, as lojas comerciais, as moradias de famílias de grande poder
aquisitivo, além de contemplar as belas paisagens do rio Potengi e do mar.
O Grupo Escolar Augusto Severo foi a primeira instituição pública do gênero a ministrar o
Curso Graduado, equivalendo-se ao lócus-modelo em termos de modernidade arquitetônica e de
aprendizagem prática para os estudantes da Escola Normal de Natal. Este foi inaugurado com três
escolas (cursos): uma Infantil Mista, uma Elementar Masculina e outra Elementar Feminina.
No ideário das professoras lecionar no Grupo Escolar significava o máximo da
ascensão na carreira do magistério, uma vez que o cargo superior de diretor era
reservado ao sexo masculino. Os professores assumiam também o cargo de
inspetor do ensino para ajudar os diretores de Grupos Escolares e guiar os
professores na organização técnica de suas escolas e observar o cumprimento dos
métodos e processos de ensino recomendados pelo Departamento de Educação
(SILVA, 2007, p. 48).
4
Conforme Silva (2007, p. 27-28) o curso completo da Escola Normal abrangia as disciplinas: Português, Francês, Aritmética, Geometria Teórica
e Prática, Geografia Geral e Particular do Brasil, Educação Moral e Cívica, Noções de Física e Química aplicadas à vida prática, História aplicada
à Agricultura e a Criação dos Animais, História da Educação, Economia e Leis Escolares, Pedagogia, Higiene Escolar, Desenho, Princípios de
Música e Contos Escolares, Trabalhos Manuais, Economia e Artes Domésticas (destinada ao sexo feminino), Educação Física e Exercícios
Infantis; Prática Escolar no Grupo Modelo.
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Grupo Escolar Augusto Severo
Fonte: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
No transcorrer de sua ação docente, Stella Gonçalves recebeu elogios individuais por parte
do senhor Manuel Dantas, então Diretor Geral do Departamento de Instrução Pública do Estado do
Rio Grande do Norte, por haver lecionado, com aproveitamento, a um total de duzentos e oitenta e
quatro alunos, entre os anos de 1914 e 1918. Os louvores à educadora encontram-se registrados no
Livro de Honra do referido Departamento, criado pelo Artigo 195, da Lei Orgânica do Ensino de 1916,
no qual compreendem as seguintes palavras: “A professora Stella Ferreira Gonçalves alia à
inteligência um acentuado pendor pedagógico” (RIO GRANDE DO NORTE, 1919, p. 03).
Paralelamente à carreira do professorado, aos dezessete anos de idade, a educadora dava
início a uma significativa atuação na imprensa potiguar. Assim, colaborou com a primeira revista
5
feminina intitulada Via-láctea , que circulou na cidade de Natal nos anos de 1914 e 1915. Segundo
Carvalho (2002, p. 32), as capas das revistas apresentavam os nomes das colaboradoras que, a
6
princípio, formavam um grupo de oito moças da sociedade natalense: Palmyra Wanderley , Carolina
Wanderley, Stella Gonçalves, Maria da Penha, Joanita Gurgel, Anilda Vieira, Dulce Avelino e Stellita
5
A Via Láctea foi uma revista feminina idealizada, produzida e dirigida por Palmyra Wanderley, contando com a parceria de sua prima Carolina
Wanderley e de outras colaboradoras, a exemplo de Stella Gonçalves. “Através dessa revista impressa em papel ofício, surge a oportunidade de
mulheres divulgarem seus escritos valorizando suas vocações literárias, mas que aos poucos refletem, também, seus anseios, introduzindo
questões relacionadas a emancipação feminina” (CARVALHO, 2002, p. 30).
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Palmyra Wanderley, poetisa e jornalista potiguar. Apaixonada por sua terra e por sua gente ficou conhecida como a poetisa de Natal
(CARVALHO, 2002. p. 21).
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Melo. A partir da edição número 05 da revista, de 1915, o grupo contou com a participação de duas
novas colaboradoras: Sinhazinha Wanderley e Cordélia Silva.
Um dos grandes méritos da Revista Via-Láctea foi o de abrir espaço para que as mulheres
potiguares pudessem expressar suas angústias com relação ao espaço muito restrito que tinham na
sociedade e divulgar seus ideais acerca da emancipação feminina.
Na Via-Láctea predominavam poemas, contos e crônicas, além de comentários
sobre artes, descobertas científicas e matérias sobre o papel das mulheres na
sociedade. [...] Nos oito números encontrados até hoje, a perspectiva de estimular a
mulher a adentrar no universo das letras, de instruí-la e conscientizá-la dos direitos
que possui é latente (CARVALHO, 2002, p. 31).
No ano de 1919, Stella Gonçalves deixou de reger a cadeira feminina do Curso Elementar no
Grupo Escolar Augusto Severo, para então assumir a Cadeira Infantil Mista. Dessa maneira, a
professora passaria a ensinar alunos do sexo feminino e masculino com faixa etária entre cinco e dez
anos, por dois anos relativos ao tempo de duração deste curso. A referida transposição de posto,
encontra-se expressa no Registro de Atas do Departamento de Instrução Pública do Estado do
mesmo ano:
O Doutor Manoel Dantas, Diretor Geral da Instrução Pública, resolve: ouvido o
diretor da Escola Normal, que, no Grupo Escolar Augusto Severo, durante o corrente
ano letivo, a professora Stella Vésper Ferreira Gonçalves passe a reger a cadeira
infantil mista, a professora Stelita Mello passe a reger a escola isolada feminina, a
professora Guiomar de França passe a reger a escola isolada mista e a professora
Ana Silva de Araújo passe a reger a cadeira elementar feminina (RIO GRANDE DO
NORTE, 1919).
Uma das marcas do Curso Infantil Misto do Grupo Escolar Modelo era a disciplina Moral e
Civismo. Por meio desta, os professores ensinavam aos alunos os conceitos cívicos, e outros
ensinamentos como hábitos de higiene, no que compete ao asseio e banho diário. Além disso, os
alunos aprendiam as boas maneiras de comportamento, no tocante às noções de como se comportar
em casa e em ambientes públicos, de respeito e desrespeito, de gratidão e ingratidão.
7
De acordo com a edição do ano de 1924 da Revista Pedagogium , há registros de que a
professora Stella Gonçalves foi designada, pelo Diretor Geral da Instrução Pública, para lecionar no
Curso Rudimentar Misto do referido Grupo Escolar. “As Escolas Rudimentares podiam ser fixas ou
ambulantes, diurnas ou noturnas, atendiam nos bairros, povoados ou fazendas que contassem mais
de cinquenta analfabetos” (SILVA, 2007, p. 53).
Na década de 1920, a professora dedicou-se também aos escritos de artigos de cunho
religioso e, ao mesmo tempo, educativo no jornal Diário de Natal. Os artigos demonstravam ao
público-leitor traços que evidenciavam o seu forte engajamento na Associação das Noelistas, espécie
7
A Revista Pedagogium equivalia a uma publicação da Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN), entidade fundada em 04 de
dezembro de 1920 (RIBEIRO, 2003, p. 12). Sua primeira publicação ocorreu em julho de 1921, sete meses após a fundação da referida
associação.
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de irmandade presidida por mulheres que, periodicamente, em retiros espirituais, realizavam estudos
literários, religiosos e educacionais. Com base nisso, verificamos que a educação e a religião eram
campos indissociáveis na vida desta educadora.
Em alguns de seus artigos, Stella Gonçalves utilizava como assinatura o pseudônimo
Potyguara ou Potyguarana, com a finalidade de responder às questões propostas pelas associadas
religiosas da citada irmandade. Nos escritos é possível evidenciar uma proposta de educação
articulada a valores da consciência cristã como o amor fraterno, a fé, a prudência e a perseverança.
No que diz respeito ao uso dos pseudônimos, Duarte e Macedo (1997, p.10) ressaltam que
naquela época adentrar no mundo literário e jornalístico era um ato audacioso da mulher. Por isso,
era constante a prática de pseudônimos, como forma de proteger a si mesma e aos seus familiares
da exposição pública. Em contrapartida, Morais (2002, p. 84) esclarece que os pseudônimos já eram
muito utilizados por escritores e leitores do século XIX. O autor Machado de Assis é um exemplo
disto, tendo em vista que costumava adotar como assinatura de suas crônicas os nomes Gib, Job,
Manassés, Eliazar e outros.
De acordo com o jornal Diário de Natal de 12 de dezembro de 1924 o lema da referida
associação foi defendido por Potyguara da seguinte maneira:
A consciência cristã é como que um reflexo da sabedoria divina. Se alguma vez a
nossa consciência for corroída pelos germens do mal, que infesta a sociedade de
hoje e obscura a virtude, procuraremos o remédio na fé, aprendam-no no evangelho
o caminho que conduz a ressurreição moral. Eis porque o meu lema é este: a
religião da consciência e a consciência da religião (O LEMA...1924, p. 01).
Em um artigo intitulado O papel das Mães na Educação dos filhos, expresso no jornal Diário
de Natal, de 27 de março de 1930, Potyguara traz à tona a importância da função materna na
formação moral da criança e faz alusão às mães-mulheres Ana Nery, Anita Garibaldi e Rosa da
Fonseca. Estas mulheres foram exemplos de vida no que se refere ao cuidado, vigilância e dedicação
na educação de seus filhos. Assim, a escritora expressa o seu pensamento:
Ninguém melhor do que as mães ensinam a prudência, a justiça, a temperança e a
força. Não há quem as ultrapasse na maneira de infiltrar na alma a fé, o amor ao
próximo, o respeito às tradições e ao devotamento recíproco. Elas guardam a
herança do patriotismo e honra de antepassados e transmitem-na, com fidelidade
nas primeiras carícias e conselhos. São os legítimos intermediários entre as
gerações passadas e futuras. A mãe honesta e conscienciosa é guarda inteligente
do espírito da família. Consegue preservar a criança das doutrinas ruins da
sociedade contemporânea. Oxalá as mães sejam vigilantes e não esqueçam os
magníficos exemplos de Ana Nery, Anita Garibaldi, Rosa da Fonseca e tantas outras
constelações do pátrio firmamento (O PAPEL... 1930, p. 01).
Apresentando em seu discurso uma clara convicção religiosa, a educadora revelava qual
deveria ser a postura das mães na ação de educar seus filhos. A mãe equiparava-se ao elo essencial
possibilitador da ligação de um ideal de educação, que deveria estar solidificado no cristianismo, ao
desenvolvimento da criança como um ser social completo.
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Além de ter escrito artigos em jornais, Stella Gonçalves colaborou com a redação da Revista
Pedagogium, no ano de 1921. Nesse período, em um processo de eleição da Diretoria da Associação
de Professores do Rio Grande do Norte/ APRN, a educadora foi eleita ao cargo de Secretária
Adjunta, desempenhando sua função em conjunto aos professores: Anfilóquio Carlos Soares da
Câmara (presidente); Francisco Gonzaga Galvão (Vice-presidente); Júlia Alves Barbosa (1º
Secretária); Oscar Wanderley (2º Secretário); Luiz Correira Soares de Araújo (Orador); Francisco Ivo
Cavalcanti (Tesoureiro); Braz de Arruda Caldas (Bibliotecário); Djanira Leite (Adjunta do Orador); Luiz
Antonio dos Santos Lima (Adjunto do Tesoureiro) e Anna Silva de Araújo (Adjunta do Bibliotecário).
Destacamos que a sessão solene para a fundação e instalação da Associação dos
Professores do Rio Grande do Norte ocorreu no dia 04 de dezembro de 1920. A data marca o
primeiro decênio de diplomação da primeira turma da Escola Normal de Natal. Na ocasião estava
8
presente o governador do Estado, Dr. Antônio de Souza. Também participaram da cerimônia o
Diretor Geral da Instrução Pública Dr. Manoel Dantas e o Diretor da Escola Normal de Natal, Nestor
dos Santos Lima. Conforme a Ata de Fundação da APRN, escrita pelo professor Luiz Antonio dos
Santos Lima, disposta na Revista Pedagogium de 1921, neste dia realizou-se a posse da Diretoria da
referida Associação.
No ano seguinte, os educadores Anfilóquio Câmara, Oscar Wanderley, Francisco Ivo
Cavalcante, bem como a professora Stella Gonçalves foram reeleitos aos seus respectivos cargos,
dando continuidade ao desempenho de suas funções.
Dada a importância desta educadora para a Instrução Pública norte-rio-grandense, foi
inaugurado o Grupo Escolar Stella Gonçalves, através do Decreto nº 4004, de 08 de janeiro de 1963,
ano seguinte ao do seu falecimento. Atualmente, a instituição denomina-se Escola Estadual Stella
Gonçalves e localiza-se na Rua Ferreira Nobre, s/n, no Bairro da Guarita, em Natal/RN.
A solenidade para a inauguração do Grupo Escolar ocorreu no dia 11 de agosto de 1963 e
contou com a presença da poetisa e jornalista Palmyra Wanderley, companheira profissional e amiga
de Stella Gonçalves. Na ocasião, a poetisa proferiu um discurso acerca da trajetória de vida da
homenageada. Um dos trechos deste discurso destaca com louvor a dedicação e o amor de uma vida
inteira da educadora ao magistério:
[...] A casa e a escola se ligaram num só sentimento de amor no coração virgem de
Stella. Viveu sozinha e não se sentiu só, porque a saudade lhe fazia companhia e a
recordação enchia o pensamento dos bons tempos, quando a sua casa era o
encontro dos amigos e da família. Viveu sozinha e não se sentia só, porque os
alunos lhe faziam festas e lhe enchiam de amor, o coração deserto.
Filhos adotivos, maravilhosa prole que o professorado lhe dera. De tal ternura se
tomou pelos alunos de sua classe, no grupo modelo Augusto Severo, que a escola
lhe serviu de lar. Stella permaneceu no posto de honra até o fim, com alegria, com
exatidão, sem curvar os ombros de fadiga, nem a cabeça altiva. Não pediu
8
Antônio José de Melo e Souza (1867-1955) governou o Estado do Rio Grande do Norte em dois mandatos, sendo o primeiro mandato no
período de 1907 a 1908 e o segundo, no período de 1920 a 1923. Durante seu primeiro mandato, o Congresso Legislativo, tendo como respaldo
a Lei n. 249, de 22 de novembro de 1907, “autorizou o governo a reformar a instrução pública, dando especificamente ao ensino primário moldes
mais amplos e garantidores de sua proficuidade” (RIO GRANDE DO NORTE, 1917).
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recompensa, nem repouso. Ensinou por amor e por amor viveu (WANDERLEY,
1963, p. 03).
No discurso, a poetisa Palmyra Wanderley ainda traz à tona algumas das qualidades de
Stella Gonçalves. Referia-se a ela como uma mulher prendada, virtuosa, amorosa, ilustrada,
normalmente concentrada e silenciosa, traduzindo revistas e lendo romances franceses, escrevendo
artigos educativos em jornais e revistas. Inesquecível “colaboradora da Via Láctea, revista feminina
que fundei com Carolina Wanderley” (WANDERLEY, 1963, p. 05).
Considerações finais
O sentido para a história de mulheres atuantes no início do século XX como Stella Gonçalves,
demanda a reconstrução de sua trajetória de vida, por meio de procedimentos metodológicos, como a
pesquisa em arquivos e fontes documentais. Assim, destacamos a competência da referida
educadora como aluna da Escola Normal de Natal e, posteriormente, como professora primária do
Grupo Escolar Modelo Augusto Severo. Também evidenciamos sua participação e influência na
imprensa potiguar, apropriando-se deste canal facilitador de veiculação de informações, para
repercutir seus fortes ideais de devoção ao magistério tido como um sacerdócio e de ênfase à
consciência religiosa incondicional, cooperando assim com a constituição da sociedade letrada
natalense.
No momento em que falamos acerca de práticas educativas, compreendemos que estas não
se restringem apenas à escola. Elas são entendidas como “pontos de entrada particular” Chartier
(1990, p. 177) para se decodificar o mundo social construído por diversificados grupos e indivíduos,
em um determinado espaço e período histórico. Dessa maneira, salientamos que a professora Stella
Gonçalves, ao alcançar destaque na sociedade norte-rio-grandense como intelectual, docente e
escritora, fortalecia a presença e a atuação feminina nos cenários públicos e privados da época.
Aspiramos dar continuidade às investigações, no intento de encontrarmos elementos
minudenciados a respeito do objeto de estudo em questão e de contribuirmos com a historiografia do
Brasil, sobretudo, a do Rio Grande do Norte.
Referências
ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1998.
ARAÚJO, Marta Maria de; MOREIRA, Keila Cruz. O Grupo Escholar Modelo “Augusto Severo” e a
educação da criança (Natal-RN, 1908-1913). In: VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos Escolares:
cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercado
das Letras, 2006. p. 193 – 213
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CARVALHO, Isabel Cristine Machado de. Participação Feminina na Imprensa Potiguar: A
Contribuição de Palmyra Wanderley (1914-1920). 2002. 66f. Monografia (Curso de Jornalismo) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.
DUARTE, Constância Lima; MACÊDO, Diva Cunha Pereira de. Imprensa Feminina no Rio Grande do
Norte: uma história a ser contada. O Galo. Natal, jun. 1997, pag. 10-11.
DUBY, Georges. A história continua. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar;
Editora da UFRJ, 1993. Tradução de: L’ Historie Continue.
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