Diversidade e Origem Das
Espécies
“Toda a mentalidade científica é hoje inevitavelmente
evolucionista. Ao nível bioquímico e molecular, os
mecanismos fundamentais são os mesmos, da bactéria
ao Homem”
Luis Archer, 1980
Se só tiver em conta a morfologia externa dos seres, a
diversidade é, aparentemente, a regra no mundo biológico e,
até final do século passado, era mesmo considerada a
principal característica do mundo vivo; mas, a partir do início
deste século, os estudos bioquímicos fizeram ressaltar as
semelhanças estruturais e fisiológicas entre as espécies.
Os compostos bioquímicos básicos são os mesmos em todos
os indivíduos, desde o reino das bactérias até ao reino dos
animais; do mesmo modo, são semelhantes as principais vias
metabólicas e é a mesma a molécula energética.
Alguém referiu, a propósito, que «ninguém teria suposto que
existissem características energéticas comuns entre a pétala de
uma rosa e a orelha de um elefante» e que «até alguns anos
custava a imaginar que a hereditariedade das bactérias
pudesse ser estudada nos mesmos termos que a hereditariedade
do Homem (...)».
A diversidade morfológica e ecológica entre os organismos é,
portanto, acompanhada por uma unidade bioquímica e estrutural
básica entre esses mesmos organismos.
Origem das espécies:
Hipóteses interpretativas
Como explicar a diversidade e a semelhança que as
espécies actuais apresentam entre si? Ao longo dos anos,
tem havido duas formas de explicar como surgiram as
espécies actuais:
Hipóteses fixistas, aceites sem qualquer discussão até
meados do séc.XVIII, defendiam que as diferentes espécies,
uma vez surgidas, se mantinham inalteradas ao longo do
tempo. Foi o contacto com grande variedade de fauna e flora
de outros continentes que, no final do séc. XVIII, levou a pôr-se em causa, a perspectiva fixista da origem das espécies.
Hipóteses evolucionistas, surgidas no início do séc XIX,
segundo as quais as espécies actuais são o resultado de lentas
e sucessivas transformações sofridas por espécies que
existiram no passado. Os primeiros defensores destas
hipóteses foram os naturalistas que na tentativa de
classificarem
inúmeros
organismos,
encontraram
dificuldades em introduzir, nos grupos já estabelecidos,
determinados seres que «fugiam ao padrão».
As explicações para a origem das espécies
foram surgindo ao longo dos séculos,
fortemente influenciadas por princípios
• religiosos;
• filosóficos;
• culturais.
Fixismo e Teorias Fixistas
Até ao início do século XIX, dominaram no
mundo ocidental as ideias cujas raízes
mergulhavam na Filosofia Platónica , a que
sucedeu a Teologia Natural, as quais atribuíam a
origem das espécies ao «planeamento do
criador», considerando a idade da Terra
circunscrita a 6000 anos.
Platão (427-347 a.c.)
Platão supunha a existência de dois
mundos: um «mundo real, e
perfeito», e um «mundo ilusório e
imperfeito», de que nos dávamos
conta através dos nossos sentidos.
As variações nas populações de
animais e plantas eram simples
representações imperfeitas das
formas perfeitas, que eram, essas
sim, reais. Esta filosofia, conhecida
como «idealismo», punha de parte
a evolução, que não seria
compatível com a ideia de um
mundo onde os organismos ideais
estavam já perfeitamente adaptados
aos seus ambientes.
Aristóteles (383-322 a.c.)
Embora tenha questionado a platónica
visão da existência de dois mundos, as
suas próprias ideias também excluíam a
evolução. Estudioso da natureza,
reconhecia que entre os organismos
havia alguns «muito simples» e outros
«muito
complexos».
Todos
os
organismos estavam organizados numa
escala crescente de complexidade, mais
tarde chamada «scala naturae».
Considerava que os organismos
surgiam por geração espontânea, a
partir de matéria inerte, por acção de
um princípio activo que actuava sobre
essa matéria. Nesta visão da vida, as
espécies eram fixas não evoluindo.
Filósofo grego, aluno de Platão, é uma das mais
fecundas mentalidades da Grécia antiga. Era fixista.
A ideia de geração espontânea como modo de explicar a
origem das espécies consistia
em considerar o
aparecimento de seres vivos a partir de matéria não viva,
como pó e sujidade: uma vez formadas, as espécies não
tinham capacidade para alterar as suas características.
Tratava-se, portanto, de uma hipótese fixista, mas que
considerava a geração espontânea.
As teorias fixistas foram ainda fortalecidas, mais tarde, através
da cultura judaico-cristã, cujas ideias da «criação», expressas no
Velho Testamento, constituem o primeiro registo sobre a
formação das espécies:
«Deus disse: que a Terra produza seres vivos segundo as suas
espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo
as suas espécies. Assim aconteceu. Deus fez os animais ferozes,
segundo as suas espécies; os animais domésticos, segundo as suas
espécies; e todos os répteis da Terra, segundo as suas espécies»
Neste contexto surge o criacionimo, que é outra explicação fixista
para a origem das espécies segundo o qual as espécies haviam
sido planeadas individualmente pelo criador e eram imutáveis.
Até ao século XVIII, as noções de «criação especial» e de
«imutalidade das espécies», pontos-chave da hipótese
criacionista, eram geralmente aceites.
No século XVIII, Carolus
Linnaeus (Lineu), médico
e botânico sueco, viu
ordem na diversidade da
vida.
Lineu, que foi pai da
taxonomia, como teólogo
que era acreditava que as
espécies eram criações
imutáveis,tendo
desenvolvido um esquema
de
classificação
para
«revelar o plano de Deus»
Lineu (1707-1778)
Botânico sueco. O «Pai» da taxonomia. A ele se
ficou a dever o uso da classificação binominal.
Entretanto os estudos paleontológicos revelavam:
• Descoberta de vestígios de seres já desaparecidos - fósseis;
• Os fósseis encontrados num estrato diferiam dos
encontrados em estratos anteriores;
• Perspectiva histórica do conceito de evolução
O registo fóssil fornecia uma evidência de que
fauna e flora terrestres não tinham sido sempre
iguais, mostrando uma variação de características
ao longo do tempo.
A Paleontologia, ciência que estuda os fósséis, foi
desenvolvida pelo grande anatomista francês George Cuvier.
Verificando que a história da
vida é registada nos estratos que
contêm fósseis compreendeu
que a extinção das espécies
tinha sido uma ocorrência
comum na história da vida. De
estrato a estrato, novas espécies
surgem e outras desaparecem.
Mas, apesar desta evidência,
Cuvier foi um fiel e efectivo
oponente aos evolucionistas dos
seus dias.
Cuvier (1769-1832). Francês.
Defensor
da
teoria
do
catastrofismo. Era um fixista,
grande adversário de Buffon.
Como é que Cuvier conciliava a história dinâmica
ilustrada pelos fósseis com o conceito de que as
espécies eram imutáveis?
Cuvier tentou explicar as diferenças entre os fósseis dos
diferentes estratos dizendo serem devidas a cataclismos, tais
como dilúvios ou secas que teriam destruído as formas préexistentes, sobrevindo a cada cataclismo um novo
repovoamento, com novas espécies – hipótese catastrófica
ou catastrofismo.
Alguns dos seguidores de Cuvier tinham ainda uma visão mais
extrema do catastrofismo. Consideravam as catástrofes globais e
depois de cada holocausto, Deus criava a vida de novo. Por esta
razão, o catastrofismo é muitas vezes referido com teoria das
criações sucessivas.
Embora Cuvier não tenha incluído esta visão nos seus escritos, a
sua aversão à ideia da evolução surge clara e forte. Porém, apesar
de Cuvier ter ganho debates contra adeptos da evolução, a teoria
da história dinâmica da Terra, que ajudaria a abrir caminho para
Darwin, foi ganhando popularidade entre os geólogos.
Mas se Cuvier acreditava que as espécies eram imutáveis,
como é que ele aceitava o aparecimento, nos novos estratos,
de espécies que não estavam presentes em estratos mais
antigos?
- As catástrofes que causavam extinções em massa eram
confinadas a certas regiões geográficas;
- Depois da extinção de grande parte da flora e fauna locais, a
devastada região era povoada por espécies diferentes, vindas
de outra áreas.
Durante a segunda metade do século XVIII, começaram
a surgir as primeiras ideias transformistas, as quais
tentaram explicar a enorme variedade dos seres através
da evolução.
Para os primeiros evolucionistas, a questão deixou de ser
se havia ou não evolução, para passar a ser:
Como ocorreu a evolução?
Os Homens que fizeram a História e passaram para a
História
Pierre Maupertuis
lançou a
hipótese de que todas as formas
vivas derivam de uma mesma fonte
original. Referiu ainda a adaptação
dos organismos ao meio. Segundo
este autor, eram eliminados, por
selecção, os indivíduos com
caracteres mais aberrantes e
permaneciam os que apresentavam
apenas ligeiras alterações em
relação aos progenitores. Desse
modo, ocorreria a evolução.
Maupertuis
(1698-1759).
Francês. Foi um dos primeiros a
defender a ideia da selecção
como factor de mudança.
Buffon , que foi anterior a Cuvier, nos seus
estudos sobre biogeografia, referiu a
existência de variações geográficas entre os
indivíduos de uma mesma espécie
Concluiu, então, que, embora o
povoamento inicial tivesse sido feito por
um certo número de espécies, estas teriam
sofrido uma variação, consoante as
condições geográficas do local para onde
haviam migrado
É uma das primeira pessoas a contrariar a
ideia de que a Terra teria 6000 anos.Para ele
a Terra teria à volta de 70 000 anos
considerando que «o tempo é o vector das
alterações geológicas e biológicas».
Buffon (1707-1788).
Grande cientista francês, autor
de uma obra em 90 volumes.
Defendeu a ideia de que a terra
teria mais de 6000 anos.
Depois de Buffon, o fixismo voltou a ser defendido, em particular
por Cuvier.
Todavia, a noção de evolução estava presente na mente das
pessoas ...
Erasmos Darwin, avô de
Charles Darwin, foi um dos
primeiros
defensores
do
evolucionismo. No seu livro
Zoomania,
antecipava
a
doutrina da hereditariedade
dos caracteres adquiridos,
identificada
depois
com
Lamarck e ainda a teoria da
selecção natural, que mais
tarde seria formulada pelo seu
neto.
Erasmos Darwin (1731-1803)
Avô de Charles Darwin. Foi um dos
primeiros defensores do evolucionismo
Na frança distinguiu-se Saint-Hilaire, que era um jovem de 16
anos quando Buffon morreu.
Tendo tomado conhecimento
das ideias de Buffon através
da leitura da sua vasta obra,
foi, durante toda a vida um
grande defensor da sua
memória e, simultaneamente,
um opositor das ideias de
Cuvier. Foi professor de
anatomia comparada; as suas
investigações levaram-no a
crer na ideia do não-fixismo
das espécies.
St. Hilaire (1772-1844).
Anatomista francês. Adversário
de Cuvier e defensor de Buffon.
Gradualismo em Geologia
Competindo com a teoria do catastrofismo de Cuvier, surge uma
explicação muito diferente da acção dos processos geológicos
que deram forma à crosta terrestre.
Em 1795, geólogo escossês James Hutton afirmou ser possível
explicar as diferentes formas da Terra olhando os mecanismos
que actualmente operam no mundo.
Hutton explicou o estado actual da Terra pela aplicação do
príncipio do gradualismo, o qual considerava que as
«alterações profundas são o produto cumulativo de um lento
mas contínuo processo»
O princípio do gradualismo apoiou as ideias evolucionistas:
- avaliação da idade da Terra em milhares da milhões de anos
de anos, em vez dos 6000 anos que era a idade aceite até então;
- com uma Terra de tanta idade, existiu tempo necessário e
suficiente à lenta acção da evolução biológica.
Jean Baptiste Lamarck
Apesar das ideias evolucionistas serem
resultado da reflexão de vários cientistas,
considera-se geralmente Lamarck, naturalista
francês, como o verdadeiro fundador do
evolucionismo. Lamarck publicou a sua
teoria de evolução em 1809, ano em que
nasceu Darwin. Notanto a prodigiosa
variedade de formas entre os seres vivos,
Lamarck elaborou uma explicação científica
para a variabilidade apresentada, que atribuiu
à acção evolutiva «das circunstâncias
ambientais»
Lamarck foi severamente criticado, sobretudo
por Cuvier, e as suas ideias acabaram por
sucumbir ao fixismo
Lamarck (1744-1828)
O primeiro cientista a
procurar uma explicação
para a evolução. A ele se
deve a criação da palavra
Biologia
Charles Darwin
As ideias de Lamarck e de outros
evolucionistas pioneiros eram
muito debatidas durante o tempo
em que Charles Darwin esteve na
Universidade.
Os anos que se seguiram foram
fertéis na recolha de dados de
Anatomia Comparada, de Geologia
e de Paleontologia, de tal modo que
a teoria explicativa da evolução,
apresentada por Darwin, em 1858,
teve um impacto muito maior.
Charles Darwin (1809-1882)
Autor da obra «A Origem das
espécies», publicada em 1859.
Novos dados da Geologia
Em 1830, Lyell, célebre geólogo
inglês, apresentou uma explicação
para as descontinuidades entre os
vários estratos geológicos – lacunas
estratigráficas- as quais seriam
devidas à acção erosiva dos ventos e
das chuvas que teriam eliminado os
estratos sedimentares em falta.
Desse modo, os fósseis dos estratos
existentes apresentavam diferenças
bruscas devido a faltarem os fósseis
intermédios correspondentes aos
estratos erodidos.
Charles Lyell (1797-1875).
Grande geólogo inglês,
amigo de Darwin é um dos
apresentadores dos trabalhos
de Darwin e Wallace na
Sociedade
Lineana
de
Londres
Este ponto de vista de Lyell, que aperfeiçoou o gradualismo de
Hutton, é baseado na teoria do uniformitarismo ou princípio da
causas actuais, segundo o qual «as causas que provocaram
determinadas alterações geológicas no passado são iguais às que
provocam os mesmos fenómenos no presente»; esta ideia surgiu-lhe
ao presenciar a acção erosiva do vento e da chuva.
Segundo a mesma teoria os processos geológicos são tão uniformes que
as suas taxas e os seus efeitos devem manter-se em equilíbrio ao longo
do tempo.
Darwin rejeitou esta visão extrema da uniformidade nos processos
geológicos, mas foi influenciado por duas conclusões que surgiram
directamente das observações de Hutton e Lyell.
Primeiro, se a alteração geológica resulta de uma lenta e
contínua acção, mais do que acontecimentos repentinos, então
a Terra deve ser muito velha.
Segundo, os muito lentos e subtis processos, persistindo durante
um longo período de tempo, podem causar uma substancial
alteração na morfologia terrestre.
Darwin pensou que, sendo a terra muito antiga, a acção contínua
dos fenómenos físicos sobre as espécies poderia provocar nestas
uma acção selectiva, da qual beneficiavam os indivíduos que
mostrassem uma melhor adaptação ao ambiente, sendo os outros
eliminados. Seria através da selecção natural que ocorreria uma
gradual evolução das espécies.
Após cerca de vinte anos de trabalho
sobre a sua teoria acerca da evolução,
Darwin recebeu uma carta e um
manuscrito de Alfred Wallace,
naturalista britânico que trabalhava
no arquipélago malaio e onde
desenvolveu uma teoria em tudo
semelhante à de Darwin.
Os dois trabalhos foram apresentados
simultaneamente na Sociedade Lineana
de Londres pelo geólogo Lyell, amigo
de Darwin.
Desde a data da sua apresentação, até à
actualidade, a teoria da selecção natural,
elaborada por Darwin e Wallace, tornouse no princípio unificador de toda a
Biologia.
Wallace
(1823-1913).
Naturalista britânico que, após
vários anos de investigação,
desenvolveu uma teoria em
tudo semelhante à de Darwin.
Contudo a teoria continua a ser
identificada com Darwin e com
a sua célebre obra «A origem
das espécies»
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