Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Percy Jackson e Os Olimpianos: relações entre mitologia grega e ciência1 Rosana Marques de SOUZA2 Luís Paulo PIASSI3 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP RESUMO Neste trabalho tratamos da literatura juvenil como instrumento midiático capaz de transmitir ideias e valores que permitem diversas discussões e reflexões tanto educacionais como culturais. A partir destas possibilidades, analisamos o livro “O ladrão de raios”, da série “Percy Jackson e os Olimpianos” do escritor Rick Riordan. No decorrer da análise, observamos como a ciência está representada, assim como o papel desempenhado pela mesma. Neste livro, assim como os demais livros que constituem a série, o autor retrata a mitologia grega neste século, fazendo parte do dia a dia das pessoas, sem ser percebida pelos seres humanos, mas como a força suprema da natureza graças à ação dos deuses do Olimpo. PALAVRAS-CHAVE: literatura juvenil; educação científica; mitologia grega. INTRODUÇÃO Geralmente os livros de literatura infantil e juvenil são voltados para a educação, contribuindo para a alfabetização e familiarização da criança universo da cultura. e do jovem com o Além de, como uma forma de mídia, passar valores sociais. Todavia, as obras literárias juvenis atuais são uma forma comercial de cultura e, com uma visão lucrativa, estão sendo elaboradas com o intuito de prender o jovem leitor, como ocorre com o rádio e a televisão, precisam ter audiência, e isto significa grandes vendas. Além disso, está passando valores que são consideráveis para o contexto desta época. De acordo com Kellner (2001, p.27) a cultura veiculada pela mídia transformou-se numa forma dominante de socialização, a ponto de influenciar e substituir a família, a 1 Trabalho apresentado no DT 6 – Interfaces Comunicacionais do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 22 a 24 de maio de 2014. 2 Mestranda em Educação pela FE-USP, email: [email protected]. 3 Orientador do trabalho. Docente de graduação e pós graduação na EACH-USP, FE-USP e IF-USP, email: [email protected] Financiamento: Capes, CNPq e PRCEU - USP 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 escola e a igreja produzindo novos modelos de identificação como estilos, moda e comportamento. A literatura juvenil possui séries que fazem sucesso no mundo todo a ponto de serem adaptadas para o cinema, como no caso da série Harry Potter de J.K. Rowling. Tais séries atraem seus leitores devido à familiaridade encontrada com as personagens. Esta familiaridade é o que podemos chamar de identificação, ou seja, o jovem leitor percebe nas personagens características e atitudes bem semelhantes a que vivencia, principalmente nesta fase da vida em que a personalidade do jovem ainda está em formação. Ward & Young (2007, p. 71) afirmam que os leitores esperam um enredo claro no qual os problemas que surgirem são resolvidos de forma satisfatória, ou seja, o leitor identifica conflitos vividos pelas personagens e durante a leitura observa as atitudes, as aventuras e os riscos que as personagens sofrem para resolver os problemas da melhor forma, além disso, os assuntos inacabados durante a história, é uma forma de prender os leitores e envolvê-los com os próximos livros da série. É importante ressaltar também as expectativas culturais, pois, a literatura juvenil é uma forma de mídia, muitos valores são transmitidos, por este motivo que Kellner afirma que devemos considerar o contexto social que influenciou de certa forma o desenvolvimento de obras da literatura juvenil: No entanto, não devemos nos deter nos confins da intertextualidade, mas devemos nos mover do texto para seu contexto, para a cultura e a sociedade que constituem o texto e nas quais ele deve ser lido e interpretado (KELLNER, p. 42, 2001). Atualmente existe uma preocupação em educar as crianças e os jovens cientificamente, para que estes possam se tornar cidadãos críticos e capazes de refletir sobre situações que envolvem o cotidiano e a vida social (BRASIL, 1997). Neste sentido, os livros produzidos para o público jovem poderão ser um dos meios de estudo para a observação de valores implícitos e explícitos de acordo com o contexto social e cultural em que as obras foram escritas. Além disso, é possível observar como a ciência e a tecnologia são apresentadas, e como influenciam o desenvolvimento da história e beneficiam os personagens, através de uma linguagem atrativa e compreensiva para os jovens leitores. Sabemos que nem toda obra infantil ou juvenil, possui um viés didático, mas considerando a obra literária como uma mídia cultural, escrita em um determinado contexto, e as preferências do leitor para determinadas obras, há uma possibilidade de estudo não apenas nos conteúdos de determinadas disciplinas, como já fizemos em outras pesquisas, onde o foco foi o ensino de ciências. 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Pensando na literatura juvenil e suas implicações educacionais, este trabalho pretende analisar essas obras podem contribuir para a educação científica ou a compreensão do papel da ciência na sociedade contemporânea. Sabemos das inúmeras dificuldades e limitações que esta suposição traz, e a princípio reconhecemos que para ter o hábito de leitura é necessário tempo, interesse e iniciativa. Mas diante dessas limitações decidimos nos focar no que prende o jovem leitor, naquilo que o interessa e o faz ler. Parece ser algo simples, mas no contexto cultural em que vivemos, outras atividades acabam se tornando mais interessantes. Com o desenvolvimento da tecnologia, os diversos meios de entretenimento se ampliaram, por exemplo, a internet, videogames, a TV por assinatura, cinema, músicas entre outros. Será que o livro ainda é um meio de entretenimento? Podemos dizer que sim, mas devemos considerar que a leitura considerada de entretenimento para os jovens não é a mesma tão incentivada pelo meio escolar. Os jovens são amplamente influenciados pela cultura de consumo e seus livros favoritos são os conhecidos mundialmente como bestsellers. Por mais que muitos destes livros sejam criticados e considerados sem valor literário, devemos levar em conta que esses campeões em vendas são estimuladores de leitura por despertarem a imaginação do leitor. Sendo assim, a escolha voluntária de uma obra literária indica que há certo interesse sobre a obra escolhida. Este interesse pode ter surgido através das ilustrações da capa, título, algum comentário que se tenha ouvido, ou o fato de ser uma obra que tenha inspirado o cinema, entre outros. Quando a obra é selecionada voluntariamente, é o leitor que decide o que deseja ler, logo a leitura é por livre escolha e pode ser vista como uma prática de lazer. De acordo com Camargo, (2008) se tudo na vida é fonte de conhecimento, de informação e de aprendizagem, logo a leitura também pode ser considerada como uma atividade intelectual de lazer, que é visto como “um tempo precioso para o exercício do conhecimento e satisfação da curiosidade intelectual [...]” (CAMARGO, 2008, p. 25). Portanto, o lazer está muito relacionado à satisfação, descanso, alegria e outros benefícios que nos dias de hoje é muito buscado pelas pessoas. Em seu livro “A alegria na escola”, Georges Snyders (1988) enfatiza que a alegria buscada pelos estudantes atuais é muito relacionada à cultura, ou seja, os jovens ou mesmo qualquer pessoa, busca satisfação naquilo que lhe faz sentido. Para isto é necessária uma valorização da cultura em questão, este fato se relaciona com as ideias propostas por Kellner (2001) 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 sobre a consideração do contexto cultural. Este pode ser um dos motivos de alguns livros de literatura fazer tanto sucesso entre o público no geral, provavelmente por despertar o interesse pela relação com a cultura ou com o próprio indivíduo. Neste trabalho analisamos a série “Percy Jackson e os Olimpianos”, que foi escrita pelo estadunidense Rick Riordan, e é composta por cinco livros que retratam através da aventura e fantasia a mitologia grega no século XXI. Percy Jackson e os Olimpianos A série Percy Jackson e os Olimpianos é uma série de cinco livros juvenis de aventura, escrita pelo escritor norte-americano Rick Riordan. Retratam a história de Percy Jackson, um garoto metade humano e metade deus, filho do deus do mar Poseidon e uma humana. A série é baseada na mitologia grega e envolve o contexto do século XXI. Os cinco livros da série já venderam mais de 10 milhões de exemplares pelo mundo, e possuem os seguintes títulos: 1) O Ladrão de Raios 2) O Mar de Monstros 3) A Maldição do Titã 4) A Batalha do Labirinto 5) O Último Olimpiano Em 2010 o primeiro livro da série foi adaptado para o cinema com no título Percy Jackson e os Olimpianos: O ladrão de raios. E em 2013 o segundo livro da série também chegou as telas do cinema com o título Percy Jackson: O mar de monstros. É interessante considerar que a adaptação ao cinema surge após o sucesso da série pelo mundo. Personagens Percy Jackson é um garoto de cabelos negros e olhos verdes, tem doze anos e sofre de dislexia e transtorno do déficit de atenção, portanto suas notas na escola sempre eram péssimas. Por este motivo chegou a mudar de escola 6 vezes em 6 anos. É um garoto estressado que não controla seus impulsos quando está nervoso. Não possui muitos amigos, na escola seu único amigo era Grover. Porém no decorrer da série Percy faz novas amizades com jovens como ele. 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Estes problemas de Percy é pelo fato dele não ser um garoto humano comum, ele é um semideus ou meio sangue, filho de uma humana com um deus. Percy foi criado por sua mãe e nunca conheceu o pai, o deus do mar Poseidon. Muitos fatos misteriosos aconteciam com o garoto pelo fato de ser filho de um dos Três Grandes deuses. Desde bebe, Percy foi perseguido por monstros e criaturas do submundo. Sua mãe, Sally Jackson, tentou protegê-lo de todas as formas, chegando até a se casar com Gabe Ugliano, um homem folgado e extremamente fedorento, por este motivo Percy o chamava de Gabe Cheiroso: “O cara fedia a pizza de alho embolorada num calção de ginástica” (RIORDAN, 2009, p.38). O relacionamento de Percy com Gabe não era agradável, eles discutiam muito e o garoto não se conformava em ver sua bela mãe, uma mulher doce e honesta casada com um preguiçoso, que só a tratava mal e se aproveitava de seu dinheiro. Percy amava profundamente sua mãe, ele a considerava a melhor pessoa do mundo, e em meios a tantas dificuldades, o garoto sentia paz em tê-la por perto, e aparentemente era a única que o compreendia: A simples entrada da minha mãe no quarto já consegue me fazer sentir bem.[...] Quando me olha, é como se estivesse vendo todas as coisas boas em mim, nenhuma das ruins (RIORDAN, 2009, p. 41). Por ser um semideus, Percy lia com dificuldades, como se as letras saltassem dos livros. A única aula que o interessava era de latim, pois o professor da disciplina, o Sr. Brunner, era o único que o respeitava e acreditava em seu potencial. Contudo, Percy não sabia que era semideus e nem acreditava em deuses. Porém, os acontecimentos nos últimos dias na escola deixavam o garoto confuso, achando que estava tendo alucinações. Mas o grande fato era que estava sendo perseguido e corria sério risco de vida. Seus amigos também possuíam características bizarras, Grover Underwood o melhor amigo de Percy, é um sátiro, metade bode metade garoto. Estava na escola com a função de proteger Percy. Para disfarçar sua metade bode, Grover usava pés falsos e andava com dificuldades e por este motivo era considerado manco. Por ser um sátiro, envelhece o dobro dos seres humanos, não morre, mas é transformado em alguma coisa da natureza. Já Annabeth é filha da deusa Atena. Também sofria de déficit de atenção e dislexia, assim como os demais semideuses. Ela tem cabelos cacheados e loiros e os olhos cinzentos como os demais filhos de Atena, além de uma aparência atlética (RIORDAN, 2009, p.72). 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 E é uma garota inteligente e sempre possui planos inesperados e úteis, principalmente em situações de perigo, onde é necessário pensar rápido para escapar da morte. Tem um boné que a deixa invisível, e que muitas vezes foi utilizado em situações que não era para ser vista. REFERENCIAL DE ANÁLISE A semiótica proposta por Greimas estuda a significação (geração do sentido). Para a construção de um sentido no texto, a semiótica assume o plano do conteúdo sob a forma de percurso gerativo do sentido, que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto. O percurso é dividido em três níveis: o nível discursivo, narrativo e fundamental (BARROS, 2005, p. 13; FIORIN, 2009, p.22). O nível discursivo é o mais complexo e concreto. O sujeito da narrativa é analisado e alguns fatores são observados, tais como, o espaço e o tempo em que se passam a narrativa. O nível narrativo está organizado do ponto de vista de um sujeito que está em busca de um objeto de valor, ou seja, algo desejável, que pode ser material ou sentimental, podendo ser bom ou mau. Para a compreensão deste nível existem as modalidades, que visam facilitar a compreensão da narrativa (TATIT, 2005, p.191): a) O destinador manipulador determina os valores que serão visados pelo sujeito e proporciona condições necessárias à execução da ação. b) O destinatário sujeito é aquele que recebe um valor ou ameaça do destinador, e começa a agir em busca deste valor ou contra a ameaça. c) Objeto de valor é o que o destinatário sujeito deseja ter ou sentir (alvo). d) Objetos modais são as condições ou ferramentas necessárias para que o destinatário sujeito consiga o objeto de valor. e) Coadjuvante do sujeito é alguém ou algo que contribui ativamente para o sucesso do destinatário sujeito. f) O antissujeito é algo ou alguém que visa atrapalhar o destinatário sujeito de alcançar seu objeto de valor. O nível fundamental é o percurso mais simples e abstrato, onde o texto é analisado a partir de oposições entre valores semânticos contrários (PIETROFORTE, 2004, p. 12). Com as etapas da análise semiótica, será possível evidenciar como a narrativa da obra permite a discussão sobre aspectos culturais e sociais da ciência, mesmo que tais aspectos estejam presentes na obra de forma implícita, principalmente ao identificarmos o destinador manipulador, o espaço, o tempo, os objetos de valor e modais. ANÁLISE DA OBRA 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Com base nos referenciais de análise, percebemos que no nível discursivo Percy Jackson é o herói da série, apesar de suas limitações como a dislexia e o transtorno do déficit de atenção. Como é o personagem principal, todo o enredo centraliza nele, que irá utilizar suas habilidades de semideus para encontrar o verdadeiro ladrão do raio mestre de Zeus e salvar sua mãe. O enredo ocorre em diversos lugares do mundo, e se desenvolve entre os aspectos da realidade e da fantasia. Na história, os deuses olimpianos estão nos Estados Unidos, e o símbolo do país é a águia de Zeus. As influências dos deuses estão em toda parte, e onde for a potência do ocidente, lá eles estarão. O local exato do Monte Olimpo, morada dos deuses é no Edifício Empire State, no aparentemente inexistente 600º andar, na cidade de Nova Iorque. O Monte Olimpo não é percebido pelos seres humanos, assim como toda presença sobrenatural é vista pelos humanos como se fosse uma névoa ou confusão. Nos aspectos da realidade percebemos como espaço a cidade de Nova Iorque e em relação aos aspectos relacionados a fantasia, percebemos a influência dos deuses de modo a ultrapassar os limites das profundezas da Terra, conhecido como submundo ou local de domínio do deus Hades, o mar, domínio de Poseidon e os céus, morada de Zeus. Os semideuses geralmente ficam em treinamento no “Acampamento Meio-Sangue”, localizado na costa norte de Long Island, Nova Iorque. Este acampamento é somente para semideuses e possui elementos de um acampamento normal e ao mesmo tempo criaturas e elementos fantasiosos pela interferência dos deuses. Em relação ao tempo, podemos dizer que se trata do tempo presente, pois a relação com fatos do século XXI ficam evidentes, como elementos da cultura atual e o estilo de vida das pessoas. Um exemplo a mencionar, é o fato de Grover tocar em sua flauta de bambu, melodias semelhantes a de Hilary Duff, e também quando durante a missão, Percy e seus amigos tiveram a impressão de estar num restaurante fast-food por sentirem o cheiro de comida frita e gordurosa (RIORDAN, 2009, p.178). Sobre o nível narrativo, as modalidades didáticas ajudam a entender o papel de cada personagem. O destinador manipulador é a acusação de roubo. O raio mestre de Zeus, símbolo de seu poder, foi roubado por alguém com más intenções. Este raio é um cilindro de bronze celestial de alto grau, com sessenta centímetros de comprimento. Se o raio mestre não for encontrado antes do solstício de verão, haverá guerra entre os deuses, e esta guerra se reflete na natureza, através de catástrofes e consequentemente a civilização ocidental 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 transformada num campo de batalha com milhões de mortos (RIORDAN, 2009, p. 146). Por causa das brigas e rivalidades entre Zeus e Poseidon, Percy Jackson foi acusado em roubar o raio mestre a pedido de seu pai. Para provar sua inocência, Percy aceita a missão profetizada pelo Oráculo. O destinatário sujeito é Percy Jackson, pois é o acusado de roubar o raio mestre de Zeus e quem se dispõe a ir em uma missão, a procura do verdadeiro responsável pelo roubo. O objeto de valor do destinatário do sujeito é o desejo de salvar sua mãe Sally, que foi atacada abduzida misteriosamente por um Minotauro, ao tentar proteger Percy: […] A verdade era que eu não me importava em recuperar o relâmpago de Zeus, em salvar o mundo ou mesmo em ajudar meu pai a sair da encrenca. Eu só me preocupava com minha mãe . Hades a levara injustamente, e Hadesiria devolvê-la [...] (RIORDAN, 2009, p.168). Além de tentar salvar a mãe, Percy também pretende provar sua inocência, pois perde sua paz ao ser perseguido por criaturas mitológicas e monstros, e esta perseguição se dá pelo fato de o considerarem o ladrão do raio. Os objetos modais adquiridos pelo destinatário sujeito são os objetos mitológicos que o auxiliam durante sua missão. Um destes objetos, a espada poderosa chamada Anaklusmos, ou Contracorrente, que está disfarçada como uma caneta, Percy usou para matar a Sra. Dodds (um monstro conhecido como Fúria, disfarçada de professora). A espada era usada somente para matar monstros e qualquer criatura do Mundo Inferior, além disso era uma arma encantada: […] Encostei a tampa da caneta na ponta da espada e instantaneamente Contracorrente encolheu e se transformou de novo em uma esferográfica. Enfiei-a no bolso um pouco nervoso, porque na escola tinha a fama de perder canetas. Não há risco – disse Quíron. De quê? De perder a caneta – disse ele. - É encantada. Sempre vai reaparecer no seu bolso. Experimente. […] (RIORDAN, 2009, p.162). Os coadjuvantes do sujeito são Annabeth Chaise, filha da deusa Atena, e o sátiro Grover Underwood. Ambos decidem ajudar Percy na missão e ao mesmo tempo conseguir seus objetivos. Os coadjuvantes do sujeito também possuíam objetos modais. Annabeth possuía um boné mágico dos Yankees que a tornava invisível. Este boné também foi utilizado por Percy durante a missão e o ajudou a escapar de monstros que o perseguiam a procura do raio. 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Grover e Percy também fazem uso de um par de tênis mágico com asas que o ajudaram a escapar de situações arriscadas. Poseidon demonstra nunca ter abandonado Percy e envia um ser conhecido como Nereida (um espírito do mar) para aconselhá-lo e também dar-lhe três pérolas brancas, para serem usadas em momentos de apuro (RIORDAN, 2009, p. 280). Outro artifício mitológico são os dracmas de ouro, o dinheiro dos deuses, usado para diversos fins tais como enviar objetos aos deuses. Percy fez questão de enviar ao Olimpo a cabeça da Medusa, a taxa de envio foram os dracmas. Para se comunicarem com Quíron durante a missão, Annabeth usou dracmas para enviar uma Mensagem de Íris, que é uma mensagem instantânea através do arco-íris (RIORDAN, 2009, p. 228). Se existe sujeito, obviamente haverá antissujeito, que neste livro da série são os monstros a serviço de Hades. Desde o início Percy Jackson é perseguido por criaturas mitológicas como por exemplo, as Fúrias, que são as torturadoras de Hades, mais conhecidas como Benevolentes; a Medusa, que transforma as pessoas em pedra com seu olhar; cães infernais do tamanho de um rinoceronte e presas que pareciam punhais; a mãe dos monstros Equidna; o Cérbero, o cão de três cabeças e guardião do portão de Hades e o assustador Minotauro, um dos primeiros monstros a colocarem a vida de Percy em perigo. Em relação ao nível fundamental, percebemos que as oposições estão relacionadas diretamente com o destinatário sujeito. As principais oposições observadas são em relação ao objeto de valor, que é ao mesmo tempo salvar sua mãe do Mundo Inferior e dos perigos dos monstros e também o desejo de alcançar justiça e heroísmo, mostrando aos deuses do Olimpo que ele não era o ladrão do raio mestre de Zeus. Percy as vezes deixava claro que sua prioridade era salvar a mãe, pois era o mínimo que poderia fazer por tudo o que ela havia feito por ele. Mas também tinha muita raiva de seu pai, por tê-lo abandonado ainda bebê, e de certa forma queria mostrar sua coragem ao cumprir a missão e surpreendê-lo. Os sentimentos entram em contradição, pois apesar de toda a mágoa e orgulho, Percy se sentiu feliz em ser reconhecido como filho por Poseidon e queria deixá-lo orgulhoso. Outra oposição encontrada é em relação aos seres presentes na série. Os deuses do Olimpo são os controladores do mundo e das suas riquezas. Os semideuses, filhos de deuses com um ser humano, possuíam características do deus progenitor, mas eram frágeis a ponto de serem feridos por armas humanas e mitológicas. Esta oposição poderia ser denominada de PODER versus FRAGILIDADE, pois o poder representa 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 toda soberania dos deuses e a fragilidade representa os semideuses, os seres humanos e as demais criaturas mitológica. Com esta análise, percebemos que os deuses representam o poder e o domínio, pois tudo que acontece no mundo está diretamente relacionado com as interferências dos deuses. A ciência está representada de maneira explícita quando é evidenciada através dos fenômenos naturais, ao passo que se torna uma ciência implícita por não ser tratada como ciência na narrativa, e sim como ação direta dos deuses. Deste modo, se nesta obra, a ciência está representada através da sabedoria e influência dos deuses, que são as formas dominadoras deste mundo, o papel desempenhado pela ciência neste caso, é de poder, domínio, autoridade e controle. Como é uma narrativa que representa o tempo presente, é possível fazer uma relação com a influência da ciência e da tecnologia nos dias atuais. Por exemplo, independentemente do desenvolvimento científico e tecnológico de um país, as catástrofes naturais conseguem destruir em questão de segundos muitas das conquistas e construções humanas. Também devemos considerar os grandes avanços da medicina, transportes, conforto e entretenimento, pois a ciência e a tecnologia se encontram presentes em praticamente tudo em nosso cotidiano. Sendo assim, é difícil imaginar o que seria de nós, se de repente tudo isso se perdesse, mas devemos considerar que de certa forma a ciência e a tecnologia representam o poder, domínio, autoridade e controle, porém sem nenhum sentido se não fossem manipuladas pelo homem. É neste sentido que a narrativa da obra permite a discussão sobre aspectos culturais e sociais da ciência, e percebemos tais fatos durante a análise da obra, através das etapas da semiótica, principalmente após a identificação do destinador manipulador, o espaço, o tempo, os objetos de valor e modais. Mitologia grega e ciência Esse livro possui muitas histórias da mitologia grega, e detalha a função de muitos deuses e seus poderes sobre o universo. A civilização ocidental não é vista apenas como um conceito abstrato, mas uma força viva regida pela consciência coletiva dos deuses. O domínio dos deuses foi bem presenciado na Grécia e depois se expandiu para a Roma. Esses deuses são vistos como forças, com nomes diferentes: Júpiter em vez de Zeus, Vênus em vez de Afrodite, e assim por diante. 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 Os deuses se mudaram para diversas regiões do mundo, onde havia mais popularidade, fama, sucesso e domínio da civilização, lá eles ficavam: [...] Em todos os lugares onde reinaram, nos últimos três mil anos, você pode ve-los em pinturas, em estátuas, nos prédios mais importantes (RIORDAN, 2009, p. 81). Os deuses do Olimpo são diferentes dos deuses tradicionais, pois não são oniscientes. O deus retratado como santo, onisciente, onipresente e onipotente em nossa cultura é muito diferente dos deuses da mitologia grega. Os deuses do Olimpo são diferentes dos deuses tradicionais, pois não são oniscientes, ou seja, não sabem todas as coisas. A história de Percy Jackson se baseia no fato dele ser acusado de ser ladrão do raio mestre de Zeus, deste modo, se Zeus fosse onisciente ele saberia que Percy não é o ladrão. Outro fato a considerar é em relação a santidade, pois os deuses do Olimpo possuem filhos, e muitos destes filhos são frutos de uma paixão com um humano. Percy é filho do deus Poseidon e a humana Sally, e Annabeth é filha da deusa Atena com um professor. A princípio, Percy não sabia que era um semideus, filho de Poseidon, e para ele, a mitologia servia para explicar os fenômenos, antes desconhecidos para a ciência: [...] –Mas são histórias – disse eu. – São...mitos, para explicar os relâmpagos, as estações do ano e tudo o mais. Era nisso que as pessoas acreditavam antes de surgir a ciência (RIORDAN, 2009, p.76). As explicações científicas para os fenômenos da natureza são reações dos deuses, que podem estar satisfeitos ou furiosos. Hades é o deus do mundo inferior e senhor dos mortos, o mundo inferior representa o interior do planeta Terra, logo, Hades é responsável pelos movimentos sísmicos da terra e tem domínio sobre os minerais e metais preciosos. Em uma situação, o deus fica extremamente furioso, pois achava que Percy era o ladrão do raio mestre e de seu elmo das trevas, sua fúria foi tão grande a ponto de provocar um terremoto em Los Angeles: [...]Hades gritou com tamanha raiva que a fortaleza inteira se sacudiu e eu soube que aquea não seria uma noite tranquila em Los Angeles. [...]Tinha havido um terremoto sem dúvida, e a culpa era de Hades (RIORDAN, 2009, p. 328). Além disso, alguns deuses são responsáveis por diversos fenômenos naturais. A época da frutificação era determinada pela presença do deus Dioniso, deus do vinho, e por isso ele exerce um grande feito sobre as vinhas e plantas frutíferas. 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 A deusa da agricultura Deméter, (mãe de Perséfone, que é esposa de Hades é responsável pelas estações do ano: “[...]Suas visitas, e não a inclinação do planeta , criavam as estações” (RIORDAN, 2009, p.319). Neste trecho percebemos que os conceitos científicos para explicar o fenômeno das estações do ano, é apenas um disfarce, para a explicação real, que no caso é a presença dos deuses. No decorrer da série, as batalhas entre os seres sobrenaturais como monstros, semideuses e a própria magia dos deuses, são vistas pelos seres humanos como tragédias e desastres naturais, e mesmo quando não havia uma explicação coerente para a situação, sempre os humanos adequava cada caso, chegando até a modificar fatos: “É gozado como os seres humanos são capazes de enrolar a sua mente em volta das coisas e encaixá-las na sua versão de realidade” (RIORDAN, 2009, p.344). CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esta obra, acreditamos que seja possível incentivar os jovens ao hábito de leitura, principalmente por ser uma obra famosa e por ter a influência do cinema para atrair os leitores, permitindo que a leitura seja um hábito prazeroso, de satisfação e lazer, e não apenas uma obrigação escolar. Além disso, é possível que através das explicações mitológicas para os fenômenos naturais, os jovens possam, mesmo que individualmente, fazer uma comparação com os conteúdos científicos aprendidos no ambiente escolar e perceber como a cultura vivencia os fenômenos naturais nos dias de hoje. A mitologia grega também é apresentada de uma forma atrativa em toda a série, e acreditamos que o jovem leitor que não conheça esta forma de cultura, possa se interessar pelos mitos gregos e aprender mais sobre o assunto. Deste modo, não é apenas os conteúdos científicos que poderão ser estudados ou percebidos através da leitura da série, mas também o papel que a ciência e a tecnologia desempenham na nossa cultura e o modo que o conhecimento científico foi construído, pois a própria mitologia grega é uma destas construções de conhecimento. Na sala de aula, a obra poderá ser usada para possíveis debates sobre estes e outros assuntos, assim como ser utilizada em atividades diferenciadas. As demais possibilidades desta série juvenil, assim como outras, estão sendo analisadas no decorrer da atual pesquisa de mestrado. 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vila Velha - ES – 22 a 24/05/2014 REFERÊNCIAS BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2005. BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências Naturais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. CAMARGO, L.O.C. O que é lazer. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. 14ª ed. São Paulo: Contexto, 2009. KELLNER, D. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001. PIETROFORTE, A. V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004. RIORDAN, R. O ladrão de raios. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. SNYDERS, G. A alegria na Escola. 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