Motricidade ISSN: 1646-107X [email protected] Desafio Singular - Unipessoal, Lda Portugal Noronha, D.D.; Vieira, M.R.M.; Vieira, M.M.; Magalhães, T.A.; Leite, M.T.S. Acidentes ocupacionais ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria - HUCF Motricidade, vol. 8, núm. Supl. 2, 2012, pp. 67-77 Desafio Singular - Unipessoal, Lda Vila Real, Portugal Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273023568009 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Motricidade 2012, vol. 8, n. S2, pp. 67-77 © FTCD/FIP-MOC Suplemento do 1º EIPEPS Acidentes ocupacionais ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria – HUCF Occupational accidents occurred between the professionals of the health of the University Hospital Clemente de Faria (UHCF) D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE RESUMO Objetivou-se analisar os acidentes ocupacionais ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF) localizado em Montes Claros – MG. Trata-se de estudo de corte transversal e de abordagem quantitativa. Foram analisados Formulários de Acidentes de Trabalho (FAT) preenchidos entre os anos de 2005 e 2008, sendo selecionados 68 que envolviam profissionais de saúde. Os dados foram registrados em 11 variáveis apresentadas de forma descritiva e verificada associações por meio de análises bivariadas (Qui-quadrado e Likelihood ratio). A tabulação dos dados e análises estatísticas foram realizadas no software PASW®, considerando um nível de significância α = 5%. Dos FAT analisados 5.9% representavam acidentes ergonômicos, 3.0% acidentes mecânicos e 91.1% acidentes biológicos. Pôde-se observar associação estatisticamente significante entre a variável dependente profissão e as variáveis explanatórias ano (p = .000), tipo de lesão (p = .020), objeto causador (p = .015) e imunização prévia (p = .035). A associação entre as formas categorizadas profissão e imunização apresentou diferença estatisticamente significante (p = .019), assim como a associação entre matéria orgânica e objeto causador da lesão (p = .000). Depreende-se desta pesquisa que os profissionais de saúde do HUCF estão expostos a diversos acidentes ocupacionais. Recomendase, portanto a adoção de educação permanente em saúde problematizando a questão. Palavras-chave: acidentes ocupacionais, profissionais da saúde, estudos de corte transversal ABSTRACT The aim was to analyze the occupational accidents occurred between the professionals of the health of the Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF) located in Montes Claros – Minas Gerais, Brazil. It treats of cross-sectional study and of quantitative approach. We analyzed the Work Accidents Forms (WAF) filled between the years of 2005 and 2008, being selected 68 wrapped professionals of the health. The data were registered in 11 variables presented of descriptive form and we verified associations by bivariate analyses (Chi-square and Likelihood ratio). The data tab and the statistical analyses were realized in the software PASW®, considering a level of significance α = 5%. From the WAF analyzed, 5.9% represented ergonomic accidents, 3.0% mechanical accidents and 91.1% biological accidents. It is can be observed statistically significant association between the dependent variable profession and the explanatory variables year (p = .000), type of injury (p = .020), causing object (p = .015) and previous immunization (p = .035). The association between the categorized forms profession and immunization presented statistically significant difference (p = .019), as well as the association between the organic matter and the causing object of the injury (p = .000). It is concluded of this research that the health professionals of the HUCF are exposed to diverse occupational accidents. It is recommended, therefore, the adoption of a permanent education in health problematizing the question. Keywords: occupational accidents, health professionals, cross-sectional studies Submetido: 01.08.2011 | Aceite: 14.09.2011 Daniele Durães Noronha, Marta Raquel Mendes Vieira, Magda Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Maísa Tavares de Souza Leite. Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, Brasil. Endereço para correspondência: Daniele Durães Noronha, Unimontes, Campus Universitário Prof. Darcy Ribeiro s/n - CEP 39401-089 Montes Claros - MG, Brasil. E-mail: [email protected] 68 | D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite O ambiente hospitalar tem sido considerado insalubre por agrupar portadores de diversas enfermidades transmissíveis e por viabilizar procedimentos que oferecem riscos de acidentes e doenças para os trabalhadores de saúde. Poucos ambientes de trabalho são tão complexos como o hospital que, além de prover o cuidado-básico de saúde a um grande número de pessoas, abrigam grande contingente de agentes infeciosos multiresistentes. Como resultado, há riscos potenciais aos quais os trabalhadores hospitalares podem estar expostos (Nishide, Benatti, & Alexandre, 2004). São considerados trabalhadores do setor da saúde aqueles que atuam, direta ou indiretamente, em atividades onde há risco de exposição ao sangue e a outros materiais biológicos, incluindo profissionais que prestam assistência domiciliar, atendimento pré-hospitalar e ações de resgate (Rapparini, Lara, & Vitória, 2004). Risco ocupacional é compreendido como toda situação encontrada no ambiente de trabalho que oferece perigo à integridade física e/ou mental dos trabalhadores envolvidos no processo de trabalho (Marziale & Rodrigues, 2004). Já, acidente de trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária (Oliveira, Albuquerque, & Rocha, 1998). Quando ocorrem no ambiente hospitalar são relacionados a vários fatores de riscos, como os agentes físicos, químicos, mecânicos, biológicos, ergonômicos e psicológicos (Ruiz, Barboza, & Soler, 2004). Dados do Ministério da Previdência e Assistência Social revelaram que em 2003 foram registrados 390.180 acidentes de trabalho em todo o País, sendo que destes, 23.108 ocorreram com trabalhadores da área de saúde. Corroborando com essa idéia Ruiz et al., (2004) afirmam que enquanto em muitos setores industriais houve decréscimo de acidentes do trabalho, na área da saúde ocorreu um incremento desta ocorrência, em especial no ambiente hospitalar, exigindo mais investigações e intervenções neste contexto, no sentido de prevenir ou minimizar tais ocorrências. Nessa perspetiva, pretende-se com esse estudo analisar os acidentes ocupacionais ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF) localizado na cidade de Montes Claros – MG, no período de 2005 a 2008. MÉTODO Trata-se de um estudo de corte transversal e de abordagem quantitativa realizado no HUCF da cidade Montes Claros, Minas Gerais. Foram analisados os Formulários de Acidentes de Trabalho (FAT), referentes ao período de 2005 a 2008, sendo selecionados todos aqueles que envolviam profissionais de saúde das equipes de enfermagem, médicas e de fisioterapia. Amostra Segundo informações do Setor de Pessoal do HUCF neste período, trabalhavam 762 profissionais de saúde, sendo 280 médicos, 72 enfermeiros, 27 fisioterapeutas e 383 técnicos e auxiliares de enfermagem. O estudo foi proposto no HUCF devido ao considerável número desses profissionais atuando neste hospital. A partir da análise dos FAT foi possível destacar os elementos mais significativos e necessários para a melhor compreensão do acidente ocupacional. Os acidentes de trabalho foram agrupados de acordo com os riscos ergonômicos, mecânicos e biológicos, não foram encontradas referências à acidentes com riscos físicos e químicos. Instrumentos e Procedimentos Os dados foram registrados em 11 variáveis (ano de ocorrência do acidente, setor do profissional, profissão do acidentado, sexo, circunstância do acidente, objeto causador da lesão, tipo de lesão, matéria orgânica, imunização prévia contra hepatite B, conhecimento do paciente fonte e conduta médica), apresentadas de forma descritiva. Em função do grande Acidentes ocupacionais em profissionais do HUCF | 69 número de acidentes biológicos, optou-se por realizar, além da análise descritiva, também a análise bivariada. Foi realizada uma análise bivariada tomando a variável profissão, agrupada em 3 categorias: Técnico em Enfermagem (TEnf), Auxiliar de Enfermagem (AEnf) e Outras (médico, enfermeiro e fisioterapeuta), como dependente e 6 variáveis (ano de ocorrência do acidente, sexo, tipo de lesão, objeto causador da lesão, matéria orgânica, imunização prévia contra hepatite B) como explanatórias. Também foram realizadas análises bivariadas para verificar a associação entre as variáveis: profissão do acidentado × imunização prévia contra hepatite B, sendo que nessa análise, ao se falar em profissão foram considerados apenas TEnf e AEnf devido ao número expressivo de acidentes ocorridos entre tais profissionais. Foi realizada ainda, análise bivariada para verificar a associação entre as variáveis objeto causador da lesão x matéria orgânica. A pesquisa foi realizada considerando os aspetos éticos e legais, conforme Resolução nº 196 de 1996 do Conselho Nacional de Saúde que contém as diretrizes e normas que regulamentam a pesquisa envolvendo seres humanos. O estudo foi autorizado pelos gestores do HUCF e foi aprovado, Parecer Consubstanciado nº 1027 de 16 de maio de 2008, pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Análise Estatística A tabulação dos dados e as análises estatísticas foram realizadas no software PASW® (Predictive Analytics Software) versão 18.0 for Windows, considerando um nível de significância α = 5% (p ≤ .05). A discussão dos resultados foi baseada nas frequências absolutas e relativas encontradas e nos índices de associação calculados através do teste Quiquadrado (por se tratar de variáveis categóricas) e Likelihood ratio como alternativo para os casos onde o Qui-quadrado não é indicado, isto é, nos casos com mais de 25% de caselas, com valores esperados, menores que cinco. RESULTADOS Foram recuperados e analisados 68 FAT sendo que: 4 (5.9%) e 2 (3.0%) corresponderam a acidentes com risco ergonômico (AE) e acidentes com risco mecânico (AM), respetivamente (Tabela 1) e 62 (91.1%) corresponderam a acidentes com risco biológico (AB) (Tabela 2). Quanto aos AE e AM pode-se perceber que as prevalências foram baixas considerando os AB, assim, optou-se por realizar apenas sua análise descritiva. Os AE aconteceram apenas em 2006 (2; 50%) e 2007 (2; 50%), todos (100%) com o profissional TEnf e a maioria (75%) por esforço físico ou peso excessivo durante suas atividades laborais, caracterizando entorses e lombalgia. Os AM aconteceram apenas em 2005 (1; 50%) e 2006 (1; 50%), com os profissionais TEnf e AEnf, por condições do local de trabalho e caracterizando hematomas e cortes. Quanto aos AB, a maior incidência ocorreu no ano de 2007 (27; 43.5%), na maioria das vezes com os TEnf e AEnf (55; 88.8%), com perfuração nos membros superiores (48; 77.4%) e com envolvimento de agulha (45; 72.6%). Além disso, foi percebido que a matéria orgânica predominante foi o sangue (50; 80.6%), sendo que, em relação à imunização prévia contra hepatite B foi revelado que 33 (53.2%) profissionais apresentavam imunização completa, 15 (24.2%) não estavam imunizados e 2 (3.2%) possuíam imunização incompleta. No que se refere ao conhecimento do paciente fonte, 50 (80.6%) eram conhecidos e 8 (12.9%) desconhecidos. Ao se falar em conduta médica, 3 (4.8%) dos acidentados realizaram teste rápido de HIV, 16 (25.8%) foram submetidos a outros exames laboratoriais e a maior parte dos prontuários não tiveram o quesito conduta médica preenchido (26; 41.9%) 70 | D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite Tabela 1. Caracterização dos Acidentes Ergonômicos (AE) e Acidentes Mecânicos (AM) ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria - HUCF em Montes Claros-MG, no período de 2005 a 2008 Variáveis AE n AM % n % 1 50 1 50 2 100 2 100 Ano 2005 2006 2 50 2007 2 50 4 100 Clínica cirúrgica 3 75 Biblioteca 1 25 2008 Total Setor Bloco Obstétrico Total 4 100 2 100 4 100 1 50 1 50 4 100 2 100 Feminino 2 50 2 100 Masculino 2 50 Total 4 100 2 100 Sustentar paciente no leito 1 25 Empurrar a cama 1 25 Transporte de paciente 1 25 Levantamento brusco do profissional 1 25 Total 4 100 1 25 Escada 1 50 Piso escorregadio 1 50 2 100 Corte nos membros inferiores 1 50 Hematoma nos membros inferiores 1 50 2 100 Profissão Técnico de enfermagem Auxiliar de enfermagem Total Sexo Circunstância Objeto causador Cama Esforço para sustentar paciente 2 50 Esforço para levantar seu próprio corpo 1 25 Total 4 100 Lombalgia 2 50 Entorse 2 50 Tipo de lesão Total 4 100 Acidentes ocupacionais em profissionais do HUCF | 71 Tabela 2. Caracterização dos Acidentes Biológicos (AB) ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria - HUCF em Montes Claros-MG, no período de 2005 a 2008 Variáveis n % Caneta de eletrocautério 1 1.6 2005 1 1.6 Contato direto 5 8.1 2006 11 17.7 Intracath 1 1.6 2007 27 43.5 Pinça 2 3.2 2008 23 37.1 Tesoura 4 6.5 Total 62 100.0 Ano Profissão Técnico de enfermagem 35 56.5 Auxiliar de enfermagem 20 32.3 Variáveis (cont.) n % Outros 3 4.8 Total 62 100.0 Perfuração dos membros inferiores 3 4.8 48 77.4 Tipo de lesão Enfermeiro 5 8.1 Perfuração dos membros superiores Médico 1 1.6 Sangue/Secreção em mucosa Fisioterapeuta 1 1.6 ocular/oral 11 17.7 Total 62 100.0 Total 62 100.0 Sexo Matéria orgânica Feminino 51 82.3 Saliva 1 1.6 Masculino 11 17.7 Sangue 50 80.6 Total 62 100.0 Secreção de traqueostomia 1 1.6 Ignorado 8 12.9 Outro 2 3.2 Total 62 100.0 Completo 33 53.2 Incompleto 2 3.2 24.2 Circunstância Administração de medicação invasiva 11 17.7 Aspiração de traqueostomia 1 1.6 Corte com tesoura 2 3.2 Descarte inadequado de material perfurocortante Imunização prévia contra hepatite B 8 12.9 Não imunizado 15 Desconhecido 12 19.4 perfurocortante 2 3.2 Total 62 100.0 Glicemia capilar 10 16.1 Lavagem de material 3 4.8 Conhecido 50 80.6 Desconhecido 8 12.9 material perfurocortante 2 3.2 Não preencheu 4 6.5 Procedimento cirúrgico 2 3.2 Total 62 100.0 Punção venosa 16 25.8 Reencape 1 1.6 Teste rápido de HIV 3 4.8 Retirada de ponto 1 1.6 Teste rápido de HIV+outros Troca de equipo 1 1.6 exames laboratoriais 4 6.5 Outro 2 3.2 Sem conduta 8 12.9 Total 62 100.0 Outros exames laboratoriais 16 25.8 Não preenchido 26 41.9 Desinfeção de material Manipulação de caixa com Objeto causador Conhecimento do paciente fonte Conduta médica Agulha 45 72.6 Outras condutas 5 8.1 Bisturí 1 1.6 Total 62 100.0 72 | D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite Tabela 3. Análise bivariada dos Acidentes Biológicos (AB), em função da variável dependente profissão (TEnf -Técnico de enfermagem, AEnf - Auxiliar de enfermagem e Outros - Enfermeiro, fisioterapeuta e médico), ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria - HUCF em Montes Claros-MG, no período de 2005 a 2008 TEnf Variáveis AEnf n % 2005 1 2.9 2006 1 2007 Outros n % n % 2.9 10 50 13 37.1 10 50 4 57.1 2008 20 57.1 Total 35 100 20 100 3 42.9 7 100 Feminino 30 85.7 15 75 6 85.7 Masculino 5 14.3 5 25 1 14.3 Total 35 100 20 100 7 100 3 15 p Ano .000 Sexo .600 Tipo de lesão Perfuração dos membros inferiores Perfuração dos membros superiores 28 80 16 80 4 57.1 Sangue/Secreção em mucosa ocular/oral 7 20 1 5 3 42.9 Total 35 100 20 100 7 100 Agulha 26 74.3 17 85 2 28.6 Outro 9 25.7 3 15 5 71.4 Total 35 100 20 100 7 100 Sangue 30 85.7 17 85 3 42.9 Outro 5 14.3 3 15 4 57.1 Total 35 100 20 100 7 100 Completa 22 62.9 6 30 5 71.4 Não completa 13 37.1 14 70 2 28.6 Total 35 100 20 100 7 100 .020 Objeto causador .015 Matéria orgânica .056 Imunização prévia .035 Tabela 4. Análise bivariada dos Acidentes Biológicos (AB) - variável profissão (Técnico de enfermagem e Auxiliar de enfermagem) em função da imunização prévia contra hepatite B, ocorridos entre os profissionais de saúde do Hospital Universitário Clemente de Faria - HUCF em Montes Claros-MG, no período de 2005 a 2008 Variáveis Técnico de enfermagem n % Auxiliar de enfermagem n % p Imunização Completa 22 62.9 6 30 Não completa 13 37.1 14 70 Total 35 100 20 100 .019 Acidentes ocupacionais em profissionais do HUCF | 73 A associação entre a variável dependente profissão em relação a variáveis independentes específicas (ano, sexo, tipo de lesão, objeto causador, matéria orgânica e imunização prévia) (Tabela 3), e as variáveis: profissão do acidentado (considerando apenas TEnf e AEnf) × imunização prévia contra hepatite B (Tabela 4) e objeto causador da lesão × matéria orgânica, foram avaliadas pelo teste estatístico de Qui-quadrado (ou Likelihood ratio como alternativo). Houve associação significante entre a variável dependente profissão e as variáveis explanatórias ano (p = .000), tipo de lesão (p = .020), objeto causador (p = .015) e imunização prévia (p = .035). Não houve associação significativa com as variáveis sexo (p = .600) e matéria orgânica (p = .056). Pôde-se observar que a associação entre profissão e imunização apresentou diferença estatisticamente significante (p = .019). A associação entre as formas categorizadas das variáveis matéria orgânica e objeto causador da lesão apresentou diferença estatisticamente significante (p = .000). DISCUSSÃO A probabilidade de ocorrência de um acidente do trabalho não é distribuída homogeneamente entre diferentes trabalhadores executando diferentes tarefas em diferentes ocupações (Dias, Cordeiro, & Gonçalves, 2006). Tarefas e ocupações diferenciam-se quanto ao grau de exposição aos riscos. São considerados riscos ergonômicos: esforço físico, levantamento de peso, postura inadequada, controle rígido de produtividade, situação de estresse, trabalhos em período noturno, jornada de trabalho prolongada, monotonia e repetitividade, imposição de rotina intensa. Os riscos ergonômicos podem gerar distúrbios psicológicos e fisiológicos e provocar sérios danos à saúde do trabalhador Ministério da Saúde [Brasil] (2001). Radovanovic e Alexandre (2002) afirmam que os trabalhadores de enfermagem apresentam uma ocorrência elevada de acidentes ergonô- micos, quando comparados a outros grupos de profissionais, o que também correspondeu ao estudo, já que todos os AE envolveram apenas TEnf. Paschoarelli, Corrêa, & Silva (2004), ao estudarem as enfermarias do hospital de uma faculdade de medicina, perceberam níveis de desconforto na região da coluna lombar, nos membros inferiores, nos ombros, na região da coluna cervical e da coluna torácica, entre outros, o que também ficou comprovado no presente estudo. Alexandre (1998) constatou em seus estudos que grande parte das agressões à coluna vertebral estão relacionadas a inadequação de mobiliários e equipamentos utilizados nas atividades cotidianas dos profissionais de saúde e com a adoção de má postura corporal adotadas pelos trabalhadores. Para evitar que distúrbios ergonômicos comprometam as atividades e a saúde do trabalhador, é necessário um ajuste nas condições de trabalho por meio de melhorias no processo como: alterações no ritmo de trabalho, modernização de máquinas e equipamentos, melhoria no relacionamento entre as pessoas, disponibilidade de equipamento de proteção individual (EPI), retorno da chefia quanto ao desempenho exercido e realização profissional (Guimarães, Mauro, Mendes, Melo, & Costa, 2005). Riscos mecânicos ocorrem em função das condições físicas (do ambiente físico de trabalho) e tecnológicas impróprias, capazes de colocar em perigo a integridade física do trabalhador. Temos como exemplo arranjo físico inadequado, máquinas sem proteção, iluminação e ligações elétricas deficientes, armazenamento inadequado de produtos, ferramentas defeituosas, EPI inadequado, acidentes com animais peçonhentos e possibilidade de incêndio (Mapa de Risco, 2004). Silva (1999) observou em sua pesquisa que em diversas situações, durante a realização do processo de trabalho, o profissional estava exposto a acidentes, tais como derrapagens e/ou quedas, devido ao piso estar molhado e não ser antiderrapante; a quedas, durante o transporte de cargas ou por estar em escadas, 74 | D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite sem a devida proteção. Esses fatores também estiveram presentes no HUCF. As quedas se apresentam como um grande problema, uma vez que esse problema toma maiores proporções. O trauma físico como as fraturas, lesões da pele, estiramentos, luxações da articulação, traumas cranianos e entorses não é o único impacto resultante, há também, conseqüências de declínio funcional, da necessidade de serviço de saúde e de tratamento. Muitos episódios de quedas podem ser evitados a partir de medidas simples (Alves Júnior & Paula, 2008). Riscos físicos são aqueles gerados por máquinas e condições físicas características do local de trabalho, que podem causar danos à saúde do trabalhador. Os riscos físicos compreendem: ruídos, vibrações, calor, radiações ionizantes e não ionizantes, umidade, frio, pressões anormais. Enquanto riscos químicos são aqueles representados pelas substâncias químicas que se encontram nas formas líquida, sólida e gasosa, e quando absorvidos pelo organismo, podem produzir reações tóxicas e danos à saúde (Mapa de Risco, 2004). Não foram registrados acidentes envolvendo esses riscos no HUCF no período do estudo. Acidentes com fluidos biológicos representam o potencial contato do trabalhador com micro-organismos (principalmente vírus e bactérias) ou material infectocontagiante, os quais podem causar doenças como: Síndrome da Imudeficiência Adquirida (AIDS), tuberculose, hepatite, rubéola, herpes e outras (Sailer, 2004). Esses acidentes são ocorrências preocupantes pelos transtornos e consequências geradas aos próprios trabalhadores. Os dados obtidos nesta pesquisa vão ao encontro de outros estudos, que confirmam a equipe de enfermagem como a mais exposta aos riscos laborais na área hospitalar. Justifica-se que a equipe de enfermagem seja a mais envolvida por contar com um maior número de trabalhadores e ter características e peculiaridades na atividade profissional, de cuidados diretos e ininterruptos ao paciente, expondo-se mais aos riscos laborais, acometendo principalmente os auxiliares e técnicos de enfermagem, seguidos dos enfermeiros (Ruiz et al., 2004). Alguns estudos apontam que o técnico de enfermagem, seguido do auxiliar de enfermagem, são os profissionais que mais se acidentam devido a pouca ou nenhuma qualificação profissional (Caixeta & Branco, 2005). Corroborando com os autores, neste estudo, houve associação estatisticamente significativa entre profissão e ano de ocorrência do acidente (p = .000) indicando que os acidentes nos anos mais recentes tem ocorrido mais entre os TEnf. Este fato pode estar relacionado com mudanças na formação dos profissionais nos últimos anos, onde muitos AEnf têm feito cursos e se tornado TEnf, uma vez que os hospitais também têm privilegiado a contratação do TEnf, o que torna a proporção de TEnf bem superior a dos AEnf dentro destas instituições. Os acidentes perfurocortantes representam uma parcela importante do total de acidentes ocupacionais ocorridos no HUCF, uma vez que houve associação estatisticamente significativa entre profissão e objeto causador (p = .015) indicando que, os profissionais TEnf e AEnf tem maior probabilidade de sofrer acidentes com agulha que os outros profissionais estudados. Parte desses acidentes poderia ter sido evitada pela aplicação das precauções padrão, que incluem a manipulação cuidadosa de objetos perfurocortantes, a não reencapagem de agulhas e seu descarte em local apropriado (Canini, Gir, Hayashida, & Machado, 2002). Galão (2005) apontou que os acidentes de trabalho mais comuns na área de saúde são perfurações e cortes nas mãos com objetos como agulhas e bisturis. Isso também foi constatado no HUCF, pois houve associação estatisticamente significativa entre profissão e tipo de lesão (p = .020) indicando que a perfuração de membros superiores foi o tipo de lesão mais prevalente entre os profissionais, principalmente entre AEnf quando comparados aos demais profissionais. Dentre os vários fluidos orgânicos envolvidos em contaminação acidental dos traba- Acidentes ocupacionais em profissionais do HUCF | 75 lhadores de saúde, como secreção vaginal, liquor, urina ou esperma, o sangue é o veículo mais comum na transmissão de vários patógenos no ambiente de trabalho (Galon, Robazzi, & Marziale, 2008). Ciorlia e Zanetta (2004) afirmam que a manipulação de materiais contaminados com sangue ou secreção é inerente à própria atividade dos profissionais de saúde, embora, no presente estudo, não tenha ocorrido associação estatisticamente significativa entre profissão e matéria orgânica (p = .056). Além disso, a associação entre as formas categorizadas das variáveis matéria orgânica e objeto causador da lesão apresentou diferença estatisticamente significante (p = .000), onde a maioria dos acidentes com sangue teve agulha envolvida. De acordo com Nhamba (2004), a conduta médica é uma situação que deve merecer particular atenção no atual contexto em que são discutidas estratégias para contenção ou redução da incidência de doenças ocupacionais dado ao elevado potencial de morbi-mortalidade que as mesmas representam tanto para os profissionais, como para os assistidos por estes. Segundo Castanha, Machado e Figueiredo (2007), os exames devem ser feitos de imediato tanto no paciente fonte (quando conhecido), quanto no profissional acidentado, sendo que os exames Anti-HIV devem ser repetidos em seis semanas, três meses, seis meses, podendo chegar até a um ano. Portanto, o desconhecimento do paciente fonte dificulta utilizar as medidas de biossegurança na assistência do acidentado (Nhamba, 2004). No caso da hepatite B, a vacinação é a melhor forma de prevenção para não adquiri-la. Inúmeros estudos demonstram que quando aplicada as três doses da vacina em tempos adequados (0, 30 dias e 180 dias) a “viragem” ocorre em 95% dos casos (Coutinho, 1997). Assim, é importante que todos os profissionais da área da saúde iniciem a vacinação antes mesmo de serem admitidos pelo hospital (Galon et al., 2008). Na realidade do HUCF essa prática é questionável, pois quando realizada associação entre profissão e imuni- zação observou-se que os AEnf foram os profissionais que mais apresentaram problemas na imunização prévia (p = .035). Além disso, a associação entre as formas categorizadas das variáveis profissão e imunização apresentou uma diferença estatisticamente significante (p = .019), indicando que os TEnf foram os que mais relataram possuir imunização completa no momento do acidente (Tabela 4). O número de acidentes envolvendo material biológico pode ser reduzido se as normas de biossegurança forem implementadas no ambiente de trabalho. E é importante ressaltar que as profilaxias pós-exposição não são totalmente eficazes. Assim, a prevenção da exposição ao sangue ou a outros materiais biológicos é a principal e mais eficaz medida para evitar a transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e dos vírus da hepatite B e C. Porém, a eficácia de medidas de proteção depende do conhecimento dos profissionais de saúde e do nível de conformidade no seu uso (Metcalfe, 2005). Portanto, ações educativas permanentes e medidas de proteção individual e coletiva são fundamentais (Rapparini et al., 2004). CONCLUSÕES Observou-se no estudo que os técnicos e auxiliares de enfermagem foram as categorias profissionais que mais se acidentaram em todos os riscos descritos. Além disso, a maioria dos acidentes entre os profissionais estudados envolveram riscos biológicos. Dessa maneira, depreende-se desta pesquisa que os profissionais de saúde do HUCF estão expostos a diversos acidentes ocupacionais no desenvolvimento do processo de trabalho. Portanto, é essencial que tais trabalhadores, tenham um bom ambiente de trabalho, bem como aperfeiçoamento técnico-científico para que possam realizar suas tarefas da melhor maneira possível, assim prestando um cuidado mais humanizado e eficiente aos seus clientes sem que isso lhes acarrete danos. Recomenda-se a adoção da educação permanente em saúde problematizando a 76 | D.D. Noronha, M.R.M. Vieira, M.M. Vieira, T.A. Magalhães, M.T.S. Leite questão e como forma de reduzir os acidentes ocupacionais. Espera-se, portanto, que esses resultados possam contribuir para a implementação de medidas de biossegurança no hospital em questão. Agradecimentos: Nada a declarar. Conflito de Interesses: Nada a declarar. Financiamento: Nada a declarar. REFERÊNCIAS Alexandre, N.M.C. (1998). 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