Educação Profissional e Pós-Graduação: um desafio estratégico para transformação do
espaço educacional
Autoria: Tania Maria Diederichs Fischer, Claudiani Waiandt, Renata Lara Fonseca
Resumo
Os estudos preliminares do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 (BRASIL,
2010) ressaltam que a formação de pessoas para diversas áreas de atuação é o ponto de
convergência entre os desafios que se colocam para o Brasil na perspectiva de se tornar um
país com maiores índices de desenvolvimento. Nesse processo de formar pessoas, ressalta-se
a importância da pós-graduação profissional que ainda que necessite de uma ressignificação
como o estágio mais avançado de educação profissional, consolida uma trajetória formativa
para os diferentes mundos do trabalho. Para contribuir para este debate, esse trabalho tem
como objetivo sugerir uma reconfiguração do ensino e ações que ressignifiquem a pósgraduação em Administração como um itinerário estratégico para responder aos desafios do
desenvolvimento nacional. Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa de caráter
exploratório e descritivo, com características da pesquisa histórica, que foi empreendida por
meio de levantamento bibliográfico na área de Educação, mais especificamente, no campo da
história da educação profissional, e na área de Administração – Cunha (1974), Mattos (1997),
Spink (1997), Wood Jr. e Paula (2002), Andrade, D’Avilla e Oliveira (2004), Vergara e
Afonso (2006), Giuliani e outros (2007) e Fischer (2010), sobre a pós-graduação brasileira; e,
de pesquisa documental sobre a legislação brasileira de ensino profissional, realizada no
Ministério da Educação e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A
análise sugere que os cursos tecnológicos e a pós-graduação profissional sejam
ressignificados como componentes das políticas e estratégias de educação profissional e
articulados em um eixo de formação simétrico ao eixo acadêmico. Assim, a graduação
tecnológica seria simétrica aos bacharelados e licenciaturas; os cursos de especialização são
uma modalidade de ensino comum aos dois eixos, podendo ser um espaço de experimentos
pedagógicos; os mestrados profissionais e mestrados acadêmicos mantêm suas características
de formadoras de profissionais para a academia e os mundos do trabalho, com terminalidades
e intersecções possíveis entre o fazer acadêmico e o fazer em outras profissões; e, indica-se a
criação do doutorado profissional, estimulando-se desenhos inovadores que incorporem a
prática como elemento estruturante das teorias. A proposta de construir uma estrutura atual na
pós-graduação brasileira com dois eixos em fluxos interconectados com a graduação e o
ambiente profissional pode possibilitar: a) a formação orientada por competências com
entradas e saídas no sistema, flexíveis e articuladas; b) a migração intra e interinstitucionais,
podendo o estudante se mover entre as instituições, regiões e países, abrindo espaço para a
cooperação nacional e internacional; c) o apoio ao desenvolvimento, contribuindo para a
formação de profissionais efetivamente qualificados. Como meta integradora propõe-se
estimular a realização de projetos compartilhados de construção e testagem de modelos
inovadores de educação profissional possibilitando articulações com o setor produtivo, as
diferentes esferas governamentais e as interorganizações de representação da sociedade civil.
1. Introdução
Os desafios que se colocam para o Brasil na perspectiva de se tornar um país com
maiores índices de desenvolvimento tem como ponto de convergência a necessidade de
formar pessoas para diversas áreas de atuação como energia, gestão metropolitana, meio
ambiente, defesa, transportes e multimobilidade, produção de alimentos, uso de recursos
hídricos e desenvolvimento de serviços como segurança e educação, como referem os estudos
preliminares do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020 (BRASIL, 2010).
Nesse processo de formar pessoas, ressalta-se a importância da pós-graduação
profissional em Administração que ainda que necessite de uma ressignificação como o estágio
1
mais avançado de educação profissional, consolida uma trajetória formativa para os diferentes
mundos do trabalho que se inicia na educação básica quando competências essenciais são
desenvolvidas pelos estudantes. Além de ser um espaço privilegiado da produção científica e
tecnológica, a pós-graduação forma profissionais para a gestão dos processos de
desenvolvimento, portanto, para a prática da gestão.
Neste sentido, a educação profissional nasce da prática e para ela se orienta. Prática
que não se polariza com a teoria, pois, como disse John Dewey: A única distinção que vale a
pena traçar não é entre a prática e a teoria, mas entre as formas de prática que não são
inteligentes nem prazerosas de uma forma intrínseca e imediata e aquelas que estão repletas
de significados prazerosos (DEWEY, 1974). Zundel e Kokkalis (2010) complementam que a
preocupação com a abstração contida na teoria ignora o engajamento visceral desta com a
prática, sendo a teorização uma prática.
A prática é o cerne da educação profissional e requer algumas condições, tais como a
orientação pragmática, no sentido de tomar decisões e resolver problemas; ancoragem na
materialidade; e, ancoragem na palavra, na comunicação, na mobilização discursiva e uma
base histórico-cultural, como enumeram Ghirardi (2008).
Portanto, um sistema de educação profissional deve levar em conta estas premissas,
sendo não somente formativo, mas construtor do conhecimento, contendo espaços de
atividade, experimentação e reflexividade que ressignifiquem continuamente as práticas
profissionais. Os princípios de inovação, diversidade e regulação são imanentes à educação
profissional.
A educação profissional é um componente do sistema nacional de educação de grande
diversidade de ofertas diferenciadas, mas complementares disponibilizadas pelo poder público
em instituições de pequeno e grande porte, como os Institutos Federais de Ciência, Tecnologia
e Inovação; pelo setor privado em todos os níveis; pelos sistemas de qualificação tão diversos
quanto às iniciativas dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, com destaque ao Sistema Si;
bem como às instituições com duplo papel (produção e formação profissional), como
hospitais-escola, incubadoras e cursos por meio de componentes curriculares específicos
como estágios e residência (MORAES, 2010). Devem-se incluir neste conjunto, as iniciativas
de educação corporativa, em grande quantidade e variação. Para chegar a esta oferta
diferenciada, abundante e dispersa, a educação profissional foi sendo construída pelas
necessidades de educação para o trabalho até se constituir na política de estado que é hoje,
reafirmada pelo Plano de Desenvolvimento de Educação 2011-2020 (BRASIL, 2010).
Destaca-se que o poder da educação profissional na indução do desenvolvimento é
muito amplo e efetivo, considerando a Lei nº 11.741/08 que inscreve a educação profissional
técnica de nível médio no capítulo da educação básica e tem como impactos: (1) O
reconhecimento e a certificação de competências adquiridas na educação profissional e
tecnológica e no trabalho para prosseguir ou concluir estudos; (2) A construção de cursos
tecnológicos e profissionais por eixos, possibilitando diferentes itinerários formativos; (3) A
abertura de cursos à comunidade, que poderá, modularmente, valer-se de soluções
educacionais que integram cursos ou sequências de ensino (SANTOS, 2010).
Há, portanto, um princípio de flexibilidade que permite conexões entre ofertas e níveis
de ensino. Se existe um sistema de educação nacional, porque não se podem estender estes
princípios à integração entre os níveis básicos de ensino, médio e superior, compreendendo a
pós-graduação? Como a pós-graduação em Administração pode contribuir mais diretamente à
formação de profissionais, sendo a própria, um espaço de reflexão e um locus de práticas
inovadoras?
Neste ambiente é importante destacar relativamente o reduzido número de mestrados
profissionais desde sua implantação pela CAPES por meio da Portaria Normativa nº 17, de 28
de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009). Em um total de 2.719 programas de pós-graduação
2
registrados em 2011, pelo GeoCAPES (2011), encontram-se somente 243 mestrados
profissionais, ou seja, cerca de 9% do total. A área de Ciências Sociais Aplicadas possui 344
programas de pós-graduação e 43 mestrados profissionais; e na área de Administração, 16
mestrados profissionais em 57 programas.
Sendo a educação profissional uma política de estado, considerando os índices
alarmantes de falta de profissionais em áreas estratégicas, pergunta-se como se posiciona a
Administração nesse contexto?
Para contribuir como debate esse artigo tem como objetivo geral propor uma
reconfiguração do ensino de Administração e ações que ressignifiquem a pós-graduação como
um itinerário estratégico para responder aos desafios do desenvolvimento nacional. Para isso
buscou-se entender historicamente os desafios da educação profissional; questionar o papel
marginal dos mestrados profissionais no Sistema Nacional de Pós-graduação em geral e, na
Administração, em particular; resgatar a integração da pós-graduação na educação
profissional; e, ressignificar o mestrado profissional.
Com esse objetivo realizou-se uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e
descritivo, com características da pesquisa histórica (SAVIANI, LOMBARDI, SANFELICE,
2006; RICHARDSON, 2008), pois se buscou a partir da compreensão da história recente
contribuir para o debate de problemas atuais. O estudo dá prosseguimento aos estudos da
linha de pesquisa proposta de História do Ensino de Administração e foi empreendido por
meio de levantamento bibliográfico na área de Educação, mais especificamente, no campo da
história da educação profissional, e na área de Administração, sobre a pós-graduação
brasileira; e, por meio da pesquisa documental sobre a legislação brasileira de ensino
profissional, realizada nas páginas institucionais da web do Ministério da Educação (MEC) e
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) com o objetivo de
analisar as disposições da legislação sobre os cursos de graduação tecnológica e pósgraduação profissional. Realizou-se uma avaliação crítica dos dados considerando a
compreensão do papel da pós-graduação profissional na formação de atores para esse novo
ciclo desenvolvimentista por qual passa o Brasil.
Por meio do levantamento bibliográfico, verificou-se que a educação profissional de
pós-graduação tem sido objeto de estudo na área de Administração como, por exemplo,
Cunha (1974), Mattos (1997), Spink (1997), Wood Jr. e Paula (2002), Andrade, D’Avilla e
Oliveira (2004), Vergara e Afonso (2006), Giuliani e outros (2007), Fischer (2010). Todavia,
tornam-se fundamentais novos estudos analisando essa nova configuração das políticas da
educação brasileira que incentivam a educação profissional em todos os níveis de ensino.
Após essa introdução, a segunda seção trata das expectativas do ensino profissional no
novo ciclo de desenvolvimento nacional, seguido da trajetória da educação profissional no
país e a pós-graduação como modalidade de ensino profissional. A terceira parte destaca a
pós-graduação como modalidade de educação profissional e a quarta apresenta proposições no
sentido de se articular os níveis de ensino de primeiro, segundo e terceiro graus, com destaque
ao papel da pós-graduação. Conclui-se com propostas que ressignifiquem a pós-graduação
como um itinerário estratégico para responder ao desafio do desenvolvimento.
2. Expectativas do Ensino Profissional no novo ciclo de Desenvolvimento Nacional
A universidade muda no mundo e no Brasil, revitalizando o ensino superior. “A
tecnologia quebra, radicalmente, paradigmas de ensino” (FISCHER, 2010, p. 373). O sistema
de ensino em construção precisa ser repensado, inclusive o de Administração, recuperando-se
a concepção original da pós-graduação brasileira que já previa dois eixos – acadêmico e
profissional – e indo além, para atender com maior criatividade e ousadia as necessidades de
formação de profissionais para cenários que se desenham nos planos estratégicos do
desenvolvimento nacional, que estabelecem como meta “a qualificação da força de trabalho”
3
(BRASIL, 2010).
Revendo o passado, constata-se que o ensino profissional e o ensino acadêmico
nasceram juntos, mas foram se distanciando como reflexo de um país desigual. Se a elite teve
acesso a melhor educação bacharelesca, formando para as “profissões imperiais” (COELHO,
1999), o ensino profissional formava para “os ofícios e as artes” a serem exercidos pelas
classes subalternas.
Mesmo que o ensino profissional tenha se estigmatizado como “ensino para pobres”,
os exemplos de boas políticas e práticas são notáveis na história da educação brasileira. De
certa forma, paradoxalmente, as iniciativas e instituições de ensino profissional como liceus
de artes e ofícios, as escolas técnicas e escolas normais de formação de professores foram e
ainda são referencias de qualidade e ensino, não apenas tendo cumprido seu papel na
formação de técnicos e professores desenvolvendo competências referindo-se a situação que
exigem tomadas de decisões e resolução de problemas, bem como possibilitaram o acesso à
formação cientifica em cursos de graduação e pós-graduação a muitos de seus egressos
(SANTOS, 2010).
Foi também determinante na mudança dessa mentalidade a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – Lei Darcy Ribeiro – que integra a educação profissional às diferentes
formas de educação, conforme Parecer CNE/CP 29/2002 (BRASIL, MEC, 2002). Além
disso, o Decreto nº 5.154/2004 estabeleceu os três níveis da educação profissional: o primeiro,
a formação inicial e continuada de trabalhadores; o segundo, a educação técnica e profissional
de nível médio e terceiro, a educação tecnológica de graduação e pós-graduação (BRASIL,
2004).
Darcy Ribeiro, ao elaborar o texto base da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, propõe que o cidadão tenha oportunidades de desenvolver plenamente suas
capacidades integradas aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do
trabalho, da ciência e da tecnologia” (BRASIL, MEC, 2002, art.39). Em seu último trabalho
sobre a formação e o sentido do Brasil, tendo por foco o povo brasileiro, diz Darcy Ribeiro:
“O grande desafio que o Brasil enfrenta é alcançar a necessária lucidez para concatenar essas
energias e orientá-las politicamente, com clara consciência dos riscos de retrocesso e das
possibilidades de liberação que eles ensejam” (RIBEIRO, 1995, p. 25). Darcy Ribeiro poderia
ter escrito hoje este texto, considerando os programas estratégicos da nova presidência da
república de enfrentamento radical da pobreza, o que só pode ser obtido se garantir a
educação profissional inovadora e sustentável, dentro de princípios de convergência e
flexibilidade. Para além da regulação tão característica do ethos nacional, deve-se valorizar a
criatividade para reimaginar a educação em momento de tantas possibilidades.
A sustentabilidade econômica social, cultural e ambiental é um conceito transversal às
políticas e ações em todas as escalas do desenvolvimento nacional. A tarefa de construir o
Brasil depende de profissionais competentes e qualificados. Formá-los ao longo da vida,
requalificando pessoas para novas atividades ou para os novos desafios de ocupações
tradicionais e emergentes é uma possibilidade legal e política; que deve se tornar uma
realidade sustentável.
O desenvolvimento sustentável ocorre em um país que reconhece a diversidade
cultural de suas regiões como um ativo estratégico, mas necessita aumentar o tempo de
escolaridade, os serviços de infra-estrutura, melhorar a segurança cidadã e se qualificar para
ser um dos líderes do século XXII (BRASIL, 2010).
O desenvolvimento territorial é o epicentro de programas governamentais no novo
ciclo desenvolvimentista do Brasil, “caracterizado pelos programas de renda mínima e
correção de assimetrias sociais, pelos projetos de infra-estrutura que reconfiguram territórios,
pela emergência de novos pólos de desenvolvimento nas regiões norte, centro-oeste e
nordeste” (FISCHER, 2010, p. 358). O governo renova quadros, o setor de serviços ampliou4
se e o Brasil foi escolhido para a sede estruturante de eventos mundiais.
Nesse contexto, os investimentos em formação de quadros para os setores produtivos
na indústria, serviços em geral e governos em todos os níveis em particular são componentes
dos programas de desenvolvimento de “territórios de cidadania” de mesoregiões e de
aceleração do crescimento, entre outros.
Cabe agora reconfigurar a educação profissional oferecida no Brasil a partir de uma
compreensão de perspectiva histórica para compreender a pós-graduação stricto sensu de
caráter profissional que se limita pela oferta de mestrados profissionais em quantidade
reduzida considerando os desafios de formação de quadros.
A compreensão da educação profissional como a real educação continuada que pode
se iniciar na educação básica e continuar na educação superior, articulando lato e stricto
sensu, requalificando a especialização e o mestrado profissional e dando espaço para projetos
pertinentes e inovadores de doutorados para profissionais é o grande desafio.
3. História da Educação Profissional no Brasil: educação básica ao ensino superior
Para compreender o grande desafio colocado é fundamental compreender o passado
recente da educação profissional, cuja origem se dá em 1809, após a vinda da família real
portuguesa, com a criação do Colégio das Fábricas no Rio de Janeiro, que objetivava
capacitar órfãos portugueses em diferentes ofícios (BRASIL, MEC, 2009). No início da
República, em um contexto marcado por um surto de industrialização, a partir do Decreto nº
7.566/1909, foram criadas por Nilo Peçanha as Escolas de Aprendizes e Artífices, em dezoito
capitais de estados e uma na cidade de Campos.
Essa trajetória foi marcada por aspectos de cunho social e beneficente, associada à
população de baixa renda, sem identidade, destituída de intenções pedagógicas de
desenvolvimento intelectual pleno: “O governo e os industriais viam as escolas como
instituições piedosas e não integradas à estrutura de produção, além dos aspectos limitados
impostos à qualificação qualitativa mais ampla da mão-de-obra industrial” (FONTES, 1985,
p. 24).
O aprendizado do trabalho foi um desafio para colonizadores e colonizados, e o
estigma do trabalho manual é ainda associado ao trabalho escravo.
[...] numa sociedade onde o trabalho manual era destinado aos escravos (índios e
africanos), essa característica “contaminava” todas as atividades que lhes eram
destinadas, as que exigiam esforço físico ou a utilização das mãos [...]. Aí está a
base do preconceito contra o trabalho manual, inclusive e, principalmente, daqueles
que estavam socialmente mais próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres
(CUNHA, 2000, p. 90).
Evidentemente esta situação varia dentro de um país continental com a diversidade
cultural do Brasil. Tem-se, por exemplo, a diferença da origem migratória, que faz com o que
o trabalho manual seja mais valorizado historicamente em alguns estados da federação do que
em outros.
Sob a ótica da ética da religião, o trabalho dignifica o homem, ou seja, “O dever de
trabalhar para viver exprime o universal humano, inclusive no sentido de ser uma
manifestação da liberdade. É exatamente por meio do trabalho que o homem se torna livre”
(ABBAGNANO, 2000, p. 966). Desta forma, o instrumental tecnológico e o desenvolvimento
mais equitativo das regiões brasileiras estão ressignificando também o trabalho e formação
profissional, o que ocorre, para exemplificar tanto na agroindústria quanto na agricultura
familiar no campo da economia social.
As Escolas de Aprendizes e Artífices são transformadas em Escolas Industriais e
Técnicas, pelo Decreto nº 4.127/42, passando a oferecer a formação profissional em nível
equivalente ao do secundário. “A partir desse ano, inicia-se, formalmente, o processo de
vinculação do ensino industrial à estrutura do ensino do país como um todo, uma vez que os
5
alunos formados nos cursos técnicos ficavam autorizados a ingressar no ensino superior em
área equivalente à da sua formação” (BRASIL, MEC, 2009, p. 4). A completa equivalência se
deu com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei nº 4.024/61).
Pelo Decreto nº 47.038/59, as Escolas Industriais e Técnicas são transformadas em
autarquias com o nome de Escolas Técnicas Federais, ganhando maior autonomia didática e
de gestão. Com isso, intensifica-se a formação de técnicos, mão de obra indispensável diante
da aceleração do processo de industrialização.
Em pleno período de arbítrio, iniciado em 1964, fez-se necessário estabelecer
mudanças radicais no campo educacional e, para viabilizá-las, foi assinada a Lei nº 5.692/71
que determinava a profissionalização compulsória, isto é, extinguia-se a separação entre a
escola secundária e a escola técnica, instaurando um único currículo do segundo grau: técnico
profissional. Todavia, essa Lei foi extinta em 1982, pois era equivocada em muitos aspectos.
O que se percebe na educação brasileira a partir da década de 1980 é que o acesso à
educação formal da classe média e baixa se dá em escola pública; enquanto que a educação
dos ricos é mantida pela rede privada e assim perpetuando o ciclo. Incoerentemente, o ensino
superior dos ricos em sua maioria se dá nas universidades públicas (que são mantidas por
impostos da classe média) e dos pobres na rede privada, destacando que praticamente trocam
o trabalho pelo estudo, com sérias dificuldades para arcar com as despesas e nem sempre tem
um ensino de qualidade. Porque a educação não poderia ser acessada por todos, sem ser um
privilégio de poucos? Oliveira (2003) tenta responder a esta questão com o seguinte
argumento: muitos problemas e dificuldades da educação brasileira são oriundos da estrutura
socioeconômica brasileira, na qual o capital tem interesses subordinados objetivando retirar
do âmbito estatal a responsabilidade pelo financiamento da educação.
Exemplo disso vê-se na década de 1990, quando ocorreu um retrocesso no
desenvolvimento da educação profissional. A Lei nº 9.394/96 restringiu a educação
profissional considerando-a como uma modalidade de educação, cujo custeio não se encontra
sob a responsabilidade de qualquer instância governamental. Em síntese, “a educação
profissional tornou-se órfã do dever de estado em matéria de financiamento e sua
responsabilidade ficou diluída” (CURY, 2002, p. 25 apud AMARAL; OLIVEIRA, 2007, p.
172). Além disso, o Decreto nº 2.208/97 determinou a ruptura com o princípio da
equivalência entre a educação geral e a profissional, pois apenas o ensino médio daria acesso
ao ensino superior, resgatando, assim, a mencionada dualidade da estrutura.
Essas leis culminaram na desvalorização do ensino profissional médio, por inviabilizar
a prática da “educação tecnológica”, consubstanciada na integração entre educação geral e
profissional, historicamente valorizada e reconhecida pelos setores: societário e produtivo
(AMARAL; OLIVEIRA, 2007).
Somente o Decreto nº 5.154/2004 permitiu a tentativa de mudança desse cenário com
a integração do ensino técnico de nível médio ao ensino médio. Assim, permitiu-se uma
educação politécnica (educação tecnológica) que correspondia a uma educação unitária e
universal com o objetivo de superar a dualidade entre cultura geral e cultura técnica e voltada
para “o domínio dos conhecimentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o
processo de trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, 2008, p.140). Sem, no entanto,
privilegiar uma formação profissional stricto sensu, ou seja, formação profissional em cursos
técnicos específicos.
O ensino profissional de nível superior que se inicia pela graduação tecnológica
também passou pelo mesmo desafio. O primeiro curso da graduação tecnológica no Brasil foi
ofertado a partir da Portaria 60/63, do Conselho Federal de Educação (CEF), que instituiu o
Curso de Engenharia de Operações, objetivando capacitar em tempo mais curto e em nível
superior profissionais para atender às demandas do setor produtivo. Na década de 70, criam-se
vários cursos devido ao incentivo da Lei nº 5.540/68 e Projeto 19, vinculado ao Plano Setorial
6
de Educação (1972-1974). Apesar desse incentivo, os cursos passam por um esvaziamento,
muitos alunos migram para a engenharia plena, pois enfrentam a dificuldade de
complementação dos estudos, de inserção no mercado e de registro nos conselhos regionais.
A oferta de cursos tecnólogos somente se multiplicou após publicação do Decreto nº
2.306/97, que reestruturou o ensino superior estabelecendo a criação dos Centros
Universitários que passaram a ter autonomia para instaurar cursos superiores.
O Parecer CNE/CES nº 436/2001 reconheceu os cursos tecnológicos como sendo de
graduação, mas possuindo características diferenciadas das referentes às graduações plenas.
As diretrizes curriculares para esses cursos foram determinadas pelo Parecer CNE/CP nº
29/2002, que estabeleceu as formas de credenciamento, as normas de implementação e a
carga horária e o Parecer CNE/CP 29/2002 estabeleceu os critérios para normalizar a oferta de
cursos de formação de tecnólogos.
O entendimento de que o nível tecnológico da educação profissional integre à
educação de nível superior já foi dado desde o Artigo 4º do Decreto Federal nº 2.406/97,
todavia tem sido reafirmado pelo Conselho Nacional de Educação por meio dos pareceres:
dois da Câmara de Educação Básica, os Pareceres CNE/CEB nº 17/97 e CNE/CEB nº 16/99;
dois da Câmara de Educação Superior, os Pareceres CNE/CES nº 1051/00 e CNE/CES nº
436/01. Esse entendimento é fundamental para a superação da incongruência potencialmente
preconceituosa em relação aos cursos de graduação em tecnologia.
As disposições posteriores avançam no sentido de garantir a qualificação de
profissionais nos vários níveis e modalidades de ensino, para os diferentes setores da
economia, bem como a realização de pesquisas e desenvolvimento tecnológico de novos
processos, produtos e serviços em estreita articulação com setores produtivos e a sociedade,
oferecendo mecanismos para a educação continuada (BRASIL, PRESIDÊNCIA DA
REPUBLICA, 2004). Refletindo sobre essa breve história do ensino profissional, fica a
pergunta: e a pós-graduação neste contexto?
4. A Pós-graduação como Modalidade de Ensino Profissional
Se o ensino médio e a graduação estão formatados para acolher as demandas de
educação profissional, a pós-graduação não evoluiu da forma como foi inicialmente projetada,
isto é, com dois eixos simétricos e complementares: o acadêmico e o profissional. Se foi
pensada como uma estrutura com dois eixos (Parecer CNE 977/65), a pós-graduação
brasileira decolou em uma direção predominante: a formação acadêmica em cursos stricto
sensu.
Como uma atividade complementar, os cursos de especialização ocuparam espaço na
formação de profissionais para as empresas e governo. Na década de 60, desenvolveu-se o
lato sensu e, nos anos 70 e 80, consolidou-se a pós-graduação stricto sensu fortemente
orientada à formação de pesquisadores, configurando o eixo acadêmico que se estruturou
como se vivencia hoje (FISCHER, 2005).
A justificativa para essa ênfase acadêmica com a exclusão da vertente profissional era,
conforme Lopes Neto e outros (2005, p. 140), de que “a mesma seria suficiente para assegurar
também a formação de pessoal de alta qualificação para atuar nas áreas profissionais, nos
institutos tecnológicos e nos laboratórios industriais”.
Os anos 80 e 90 foram de diferenciação progressiva, os mestrados e doutorados
tiveram expansão controlada pelo sistema de avaliação da CAPES e pela própria comunidade
de programas, mas duas ocorrências merecem destaque.
A primeira trata-se da versão glamourizada da especialização com a rotulação de
MBA aos cursos de Administração. A sigla foi utilizada por outras áreas, como
Engenharia perdendo o sentido original (Master Business Administration) e
ganhando significados associados à competência profissional que o mercado requer
em setores específicos. A segunda refere-se à indução do mestrado profissional pela
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CAPES. Se o primeiro caso é um fenômeno de mercado, o segundo é a expressão de
uma política clara da agência de estímulo a uma linha alternativa aos recursos
acadêmicos. (FISCHER, 2005, p. 25).
Assim, a CAPES defrontou-se na década de 2000 com várias propostas alternativas de
mestrado, encontrando dificuldades em lidar com elas, pois toda a estrutura de
reconhecimento, acompanhamento e avaliação dos programas de pósgraduação está centrada
na concepção de mestrado como etapa preliminar da carreira científica (LOPES NETO e
outros, 2005).
Na área de Administração, Vergara e Afonso (2005) empreenderam esforços na
diferenciação entre os MBA e Mestrados Profissionais em Administração (MPA). Para as
autoras:
Ambos os tipos de curso (MBA e MPA) se voltam para atender às demandas do
mercado, têm base generalista e funcionalista, [...], porém, a forma e a profundidade
pela qual isso acontece são diferentes. A forte base teórica dos MPAs, que os insere
no contexto de uma área completa de conhecimento conforme preconiza o Parecer
nº 977/65 (Brasil, 1965), assim como seu enfoque crítico, explicitado na pesquisa de
campo, parecem apontar para a necessidade que têm a alta e a média gerência,
público desses cursos, de encontrar fundamentos para a sua prática, sistematizá-la e
reorientá-la, se for o caso. Os MPAs desempenham, então, um papel intermediário
entre o mestrado acadêmico e os MBAs, como apontado por Ruas (2003)
(VERGARA; AFONSO, 2005, p. 1300).
O mestrado profissional, reconhecido pela Portaria nº 80/98, tinha como objetivo “a
formação de profissionais pós-graduados aptos a elaborar novas técnicas e processos, com
desempenho diferenciado de egressos dos cursos de mestrado que visem preferencialmente
um aprofundamento de conhecimentos ou técnicas de pesquisa científica, tecnológica ou
artística” (BRASIL, 1998).
Onde anos depois, a Portaria Normativa nº 7, de 22 de junho de 2009, amplia os seus
objetivos:
I - capacitar profissionais qualificados para o exercício da prática profissional
avançada e transformadora de procedimentos, visando atender demandas sociais,
organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho;
II - transferir conhecimento para a sociedade, atendendo demandas específicas e de
arranjos produtivos com vistas ao desenvolvimento nacional, regional ou local;
III - promover a articulação integrada da formação profissional com entidades
demandantes de naturezas diversas, visando melhorar a eficácia e a eficiência das
organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas e geração e
aplicação de processos de inovação apropriados;
IV - contribuir para agregar competitividade e aumentar a produtividade em
empresas, organizações públicas e privadas (BRASIL, 2009).
Essa ampliação é fruto da política empreendida pelo governo federal a partir dos anos
2000 na tentativa de configurar a educação profissional como um eixo conformativo,
institucionalizando-se tanto nos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia com todos os
níveis de ensino (da educação básica à pós-graduação) quanto nas Instituições Educacionais
públicas e privadas com os mestrados profissionais e cursos de pós-graduação lato sensu (que
já eram oferecidos em grande escala desde a década de 1960).
Nesse sentido, merece destaque o V PNPG 2005/2010 que estimulou o fortalecimento
de quadros para mercados “não acadêmicos” (BRASIL, 2005, p. 58), especificando as
empresas, os órgãos de governo e organizações não governamentais e movimentos sociais,
como as instituições alvo dos egressos da pós-graduação. Portanto, amplia-se, claramente, o
alvo do sistema nacional de pós-graduação, reconhecendo-se os mercados “não acadêmicos”.
Além da reiteração do eixo profissionalizante, o PNPG estabelece o acesso a cursos a partir de
um perfil de competências.
Além do PNPG, o Programa Brasil Profissionalizante, Decreto nº 6.302/07, ratifica a
política de apoio à profissionalização, o que se concretiza com a transformação dos Centros
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Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação (IFETs),
possibilitando a abertura de cursos superiores de graduação e pós-graduação (FISCHER,
2010a). Os 168 institutos brasileiros encontram-se no Distrito Federal e em 26 estados. Essas
ações expandem as matrículas no ensino médio, bem como nos cursos tecnológicos de
educação superior, que conferem títulos que habilitam tanto ao trabalho quanto ao
prosseguimento de estudos na pós-graduação.
Desta forma, o Brasil adota políticas já consolidadas em outros países, promovendo
convergência entre a educação acadêmica, a educação profissional e a aprendizagem pela
prática no mundo do trabalho, como ocorre nos Estados Unidos, Franca, Alemanha e Japão,
entre outras experiências, conforme Parecer CNE/CES 436/2001 (BRASIL, MEC, 2001).
Apesar das mudanças na regulamentação dos cursos de pós-graduação, a tradição
acadêmica da pós-graduação brasileira, exemplar e qualificada, tem um elo perdido, ou seja,
prevaleceu e se tornou hegemônica a formação de mestres e doutores para a academia,
desconsiderando a formação para o trabalho. Não se valorizando a pós-graduação como
espaço formativo de profissionais para a educação profissional.
Nesse cenário, vale registrar a evolução do número de cursos de pós-graduação no
Campo das Ciências Sociais Aplicadas (Gráfico 1):
OBS.: M = Mestrado; M/D = Mestrado e Doutorado e F = Mestrado Profissional
Gráfico 1– Quantidade de Cursos de Pós-Graduação agrupados por Programas (1996-2009)
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação
(MEC)/Geocapes.
De acordo com o Gráfico 1, percebe-se que o crescimento dos cursos de mestrados
profissionais é muito pequeno nos últimos três anos 2007 (40), 2008 (41) e 2009 (43); não
seguindo o crescimento dos anos 2003 a 2004, quando os cursos de mestrados profissionais
quase dobraram de 17 para 30 cursos. Os dados revelam que a política governamental de
ampliação de ofertas de mestrados profissionais não tem atingido seu objetivo final: a
expansão da oferta. Na área de Administração (Gráfico 2), os cursos passam por um momento
de inflexão:
9
OBS.: M = Mestrado; M/D = Mestrado e Doutorado e F = Mestrado Profissional
Gráfico 02 – Cursos de Pós-graduação em Administração agrupados por Programas (1996-2009)
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação
(MEC)/Geocapes.
De acordo com o Gráfico 2, percebe-se que o cenário na área de Administração é mais
instável, pois há uma diminuição da oferta. Até 2007, houve um crescimento significativo dos
mestrados profissionais, todavia, em 2008, há uma redução de 20 cursos para 16,
permanecendo estável em 2009. Além disso, os cursos de mestrados acadêmicos também
diminuíram em 2007, de 34 cursos em 2006, para 25 cursos em 2007. Por que a expansão
pretendida pelo governo federal não se consolidou?
Os mestrados profissionais ainda oscilam entre a aceitação e a rejeição da comunidade
acadêmica, pois se defrontam com o modelo acadêmico metrificado que se ancora nos
sistemas de qualificação de áreas consolidadas.
O movimento de reconstrução da pós-graduação retoma o mestrado profissional
como estratégia de formação para os setores não acadêmicos. E este movimento
encontra um sistema instituído com estruturas de formação acadêmicas voltadas à
formação de professores para o ensino superior com finalidades claramente voltadas
à pesquisa e docência (FISCHER, 2010, p. 356).
Outro ponto que inferiu na retração de ofertas dos mestrados é a “regulação de oferta
mediante chamadas públicas” delegada a CAPES pela Portaria Normativa nº 7/2009, assinada
pelo Ministério da Educação (BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLIA, 2009, art.10); bem
como a avaliação dos cursos oferecidos. Pela primeira vez, desde a instituição do mestrado
profissional pela Portaria nº 47/95 e a subseqüente regulamentação feita pela Portaria nº
080/98, o Ministério de Educação chama diretamente a si, ao poder executivo, a decisão sobre
a oferta e a regulação de mestrados profissionais.
O que esta realocação de poderes pode significar? Algumas hipóteses podem ser
levantadas sobre o novo cenário institucional. Vive-se, na verdade, um momento de
transformações significativas no ensino brasileiro em todos os níveis e de mudanças que
sinalizam uma “transformação estrutural” que não diz seu nome, mas que acontece no
aumento de vagas nas universidades públicas, na contratação de um número significativo de
professores e funcionários, na expansão do ensino à distância e “nas políticas de formação de
professores para todos os níveis de ensino”, conforme está expresso no V PNPG e, o que
interessa diretamente ao tema deste texto, a ênfase à formação profissional, o que está sendo
reiterado pelo VI PNPG em sua versão preliminar.
A instituição do mestrado profissional recuperando a proposta já contida no “Parecer
Sucupira” encontra um sistema fortemente orientado para a formação de professores e
pesquisadores (FISCHER, 2010a, p. 356). Oscilando entre valores, padrões e critérios
estritamente acadêmicos e as exigências de formação no mundo do trabalho, o mestrado
profissional é a forma mais visível de disputas ideológicas entre áreas do conhecimento e
10
entre lideranças acadêmicas que defendem tradições versus inovações como se fossem
excludentes, reforçando a inércia estrutural e a hipervalorização do eixo acadêmico. As
tradições burocráticas brasileiras e ancestralidade cartorial em um sistema centralmente
regulado como é o de educação brasileira em geral e o da pós-graduação em particular, leva a
perguntar primeiro quais são as regras antes de criar um desenho de curso, pois o sistema de
avaliação que se construiu, com mérito e pelo mérito, ostenta duas faces: estimula a qualidade
e reprime a criatividade e a inovação, atributos fundamentais de processos artesanais, dos
quais o mestrado profissional é um exemplo pleno de significado (FISCHER, 2010a).
O mestrado profissional teve uma trajetória difícil, com rejeições explícitas de
algumas áreas e dificuldades em ser reconhecido e valorizado. Talvez, porque seja um corpo
relativamente estranho no desenho do eixo acadêmico. O que se propõe, a partir da
experiência do mestrado profissional e que este tenha a função de elo perdido que contribui
para a ressignificação da educação profissional (FISCHER, 2010b). Uma das restrições que
está em processo de correção com propostas em andamento de sistemas de avaliação e
qualificação (Qualis Tecnológicos) que corrigirá a falta de métricas adequadas para avaliar
cursos de pós-graduação com natureza diferenciada como é o caso dos mestrados orientados à
formação profissional.
Chegar-se a um consenso sobre quais são os valores associados a produção
tecnológica de relevância social do trabalho e representar estes valores por indicadores
robustos é um primeiro passo para tentar diferenciar cursos orientados à formação de
pesquisadores e professores dos orientados à formação de profissionais, mesmo que esteja
implícito que profissionais podem (e talvez devam) ensinar e pesquisadores podem (e devem)
ser bons profissionais. O mestrado profissional não é somente uma opção curricular de pósgraduação brasileira, mas
[...] um recurso estratégico de mobilização para se discutir a pós-graduação do
século XXI, que será um sistema de fluxos articulados entre si e com outros níveis
de ensino, que vai incorporar a tecnologia quebrando as barreiras entre o chamado
ensino presencial e o ensino à distância (FISCHER, 2010, p. 375).
E, finalmente, entender que o professor pode ser formado em mestrados profissionais
como já ocorre com as experiências exitosas no ensino de ciências. Outras áreas estão
demandando professores com igual competência para atuar em áreas estratégicas do
desenvolvimento nacional. A seguir apresenta-se o desenho da proposta integradora da
educação profissional.
5. Reimaginar a Pós-Graduação: Construindo um Sistema de Formação Profissional
para o Presente e o Futuro
Considerando a necessidade de apoiar a qualificação ou requalificação de quadros para
responder às demandas do desenvolvimento brasileiro no próximo decênio, sugere-se uma
reconfiguração em que a educação profissional seja valorizada como um eixo de formação
com forte singularidade e identidade, como a formação acadêmica se constituiu.
Neste sentido, o foco da educação tecnológica e da formação profissional precisa ser
ampliado como uma estratégia integradora de múltiplas ações formativas em cursos de
diferentes níveis, que vão do ensino básico à pós-graduação, incluindo a proposta do
doutorado para formar profissionais.
Deve-se ter como premissa que a formação profissional, como política de Estado deve
articular competências demandadas pelo mundo do trabalho e a academia, abrindo espaço
para a inovação, apoiando a construção e testagem de modelos de ensino híbridos,
articuladores dos espaços acadêmicos e profissionais, dos diferentes níveis e instituições de
ensino.
Nesta perspectiva, os cursos profissionais e a pós-graduação profissional serão
ressignificados como componentes das políticas e estratégias de educação profissional e
11
articulados em um eixo de formação simétrico ao eixo acadêmico, como ilustra a figura 1:
DA - Doutorado Acadêmico; DP - Doutorado Profissional; MA - Mestrado Acadêmico; MP - Mestrado Profissional;
BACH – Bacharelado; LIC – Licenciatura; GT – Graduação tecnológica. Nesta representação, ficam bem claros os eixos –
acadêmico e profissional – e as conexões entre eles; bem como entre o ensino de graduação e o ensino de pós-graduação.
Figura 1 - Eixo Acadêmico/ Eixo profissional
Fonte: Elaboração Própria
A melhoria de qualidade da educação básica é uma das metas do PNPG 2011-2020
(BRASIL, 2011, p. 26), dentro das atribuições da Diretoria de Educação Básica da CAPES.
Atualmente, é competência da CAPES o apoio à formação de professores, ao estabelecimento
de padrões de qualidade para currículos, ensino e gestão da educação visando necessidades
dos alunos do ensino médio em especial e da educação profissional em particular, deve-se dar
um destaque ainda maior a concepção da educação como uma estrutura de dois eixos
estreitamente articulados: o eixo acadêmico e o eixo profissional.
O ensino fundamental e o médio (Figura 1) são responsáveis pelo desenvolvimento de
competências essenciais na infância, juventude e vida adulta. Quer já inclua componentes
curriculares diretamente implicados no mundo do trabalho ou não, a educação fundamental é
a base da educação fundamental para o mundo do trabalho.
Segue-se à educação básica a educação superior e é nela que os dois eixos se
delineiam. Pela legislação brasileira, a graduação tecnológica, o bacharelado e a licenciatura
habilitam ao exercício profissional; bem como a estudos avançados de pós-graduação de lato
ou stricto sensu.
Os cursos de especialização (ESP) são uma modalidade de ensino comum aos dois
eixos, podendo ser um espaço de experimentos pedagógicos presenciais; virtuais ou bimodais.
Os mestrados profissionais (MP) e mestrados acadêmicos (MA) mantêm suas
características de formadoras de profissionais para a academia e os mundos do trabalho, com
terminalidades e intersecções possíveis entre o fazer acadêmico e o fazer em outras
profissões.
A modalidade que ainda não existe é o doutorado profissional (DP) que deve merecer
um apoio especial estimulando-se a criação de cursos com desenho inovador que preserve as
características essenciais de um doutorado, mas que incorpore a prática como elemento
estruturante das teorias. O doutorado é um novo desafio para a academia, pois há uma forte
aderência entre o que se espera de profissionais que estarão liderando estrategicamente o
desenvolvimento brasileiro e o que a Universidade pode contribuir para a formação destes.
12
A proposta de construir uma estrutura atual na pós-graduação brasileira com dois eixos
em fluxos interconectados com a graduação e o ambiente profissional pode possibilitar: a) a
formação orientada por competências com entradas e saídas no sistema, flexíveis e
articuladas; b) a migração intra e interinstitucionais, podendo o estudante se mover entre as
instituições, regiões e países, abrindo espaço para a cooperação nacional e internacional; c) o
apoio ao desenvolvimento local, regional e nacional, contribuindo para a formação de
profissionais efetivamente qualificados.
Como meta integradora propõe-se estimular a realização de projetos compartilhados
de construção e testagem de modelos inovadores de educação profissional na pós-graduação
stricto e latu senso possibilitando articulações com o setor produtivo, de diferentes esferas
governamentais e organizações e interorganizações de representação da sociedade civil.
Para construção desta proposta recomendam-se algumas ações:

Incentivar programas estratégicos de pós-graduação em educação profissional
que articulem os cursos de especialização, mestrado profissional e o doutorado para
profissionais como um eixo estruturante de formação, com identidade própria e avaliação
adequada articulando estes cursos com os propósitos da educação básica, já que mestrados e
doutorados formam professores e estes são profissionais.

Apoiar a difusão de modalidades de pós-graduação em educação profissional
considerando critérios de equalização de ofertas nos diferentes pólos de desenvolvimento do
país; com incentivos à criação e ao desenvolvimento de programas profissionais com recursos
públicos e em parcerias público-privadas, para formar técnicos, especialistas, mestres e
doutores com competências gerais e profissionais específicas;

Prever um conjunto de ações que estimulem a pesquisa sobre a educação
profissional e experimentos controlados de qualificação para o trabalho em cursos de
primeiro, segundo e terceiro grau;

Garantir a qualidade de ofertas de cursos de natureza profissional elaborando
critérios e indicadores a partir da identidade destes cursos (especialização, mestrado,
doutorado) e dos impactos efetivos que a formação e produção científica e tecnológica tem no
desenvolvimento do país em múltiplas escalas (do local ao nacional);

Criar um sistema de avaliação adequado para a educação profissional que
reconheça a natureza e especificidade da produção científico-tecnológica e técnica com a
qualificação pertinente, que seja reflexiva dos impactos nos contextos em que as instituições
formadoras operam;

Formar professores da educação profissional na pós-graduação, incorporando
aos mestrados e doutorados componentes curriculares apropriados, que garantam o domínio
dos conhecimentos e das tecnologias das atividades profissionais em sintonia com a
competência docente;

Valorizar por meio de bolsas ou outros incentivos a participação de
profissionais dos setores empresarial, governamental e associativo no corpo docente dos
cursos de educação profissional, estimulando a cooperação com a educação profissional de
lideranças atuantes em áreas estratégicas e oportunizando a qualificação dos mesmos como
docentes;

Estimular o uso de recursos de tecnologia de informação e comunicação no
ensino profissional na pós-graduação stricto, latu senso, graduação e educação básica, de
forma a se desenvolver modelos, estratégias e ferramentas de ensino profissional para cursos
que possam ser utilizados no formato presencial, bi-modal e à distância.

Promover a criação e aperfeiçoamento de dispositivos jurídico-institucionais
que possibilitem a capacitação e o emprego adequado e legítimo de recursos por instituições
públicas e privadas que podem garantir a sustentabilidade da educação profissional em todos
os níveis.
13
Como ação concreta, propõe-se um programa multi-institucional, com apoio de órgãos
públicos e parcerias público-privadas que estimule a formação profissional em todas as
regiões do país como uma ação indutora de convergência.
6. Considerações Finais
A educação profissional encontra o seu espaço e se configura como um eixo de
formação que articula ofertas de ensino que vão do ensino básico à pós-graduação,
considerando itinerários de formação de estudantes dentro de perfis de competências que as
instituições governamentais, empresariais e associativas requerem.
A educação profissional precisa ter um tratamento artesanal no que isso significa de
mais autêntico: a criação, o desenvolvimento e a validação de modelos de ensino que
incorporam a luz que ilumina as práticas, pois os estudantes (com ou sem experiência
profissional) buscam na academia a teoria que dê a ancoragem para as boas práticas
essencialmente reflexivas.
As instituições formam pesquisadores e professores com grande experiência.
Contudo, mais desafiador e interessante nestes novos tempos que resgatam ideais
desenvolvimentistas é formar profissionais para o mundo do trabalho.
Desta forma, programas profissionais são experiências de inovação e reinvenção das
práticas acadêmicas e como tal devem ser tratados. Aprende-se muito tendo praticantes como
alunos; talvez mais do que eles aprendem com os acadêmicos. Profissionais experientes
buscam iluminar a prática com teorias apropriadas. Talvez seja esse o maior desafio em
oferecer programas de natureza profissionalizante: a articulação orgânica entre a prática (que
o aluno tem ou almeja ter) e a teoria que alimenta e alicerça essa prática.
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agricultura, transportes e cooperativas) com a finalidade de qualificar e promover o bem-estar social de seus
trabalhadores. As organizações do Sistema "S" subordinadas à Confederação Nacional da Indústria são o
SENAI - a quem cabe a educação profissional e a prestação de serviços de assistência técnica e tecnológica às
empresas do setor - e o SESI - que promove a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e de seus
dependentes por meio de ações em educação, saúde e lazer - e o IEL que promove o desenvolvimento da
indústria através da capacitação empresarial e do apoio à pesquisa e à inovação tecnológica. As outras
instituições que compõem o Sistema S são: SENAC; SESC; SENAR; SENAT; SEST; SEBRAE e, SESCOOP
(SENAI, 2010).
17
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1 Educação Profissional e Pós-Graduação: um desafio estratégico