Tutoria e Mediação em Educação: Novos Desafios à Investigação Educacional
XVI Colóquio AFIRSE/AIPELF 2008
A MEDIAÇÃO NO ACESSO DE UM ALUNO CEGO ÀS FERRAMENTAS
CULTURAIS DA MATEMÁTICA
SANTOS, Nuno ([email protected])
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
CÉSAR, Margarida ([email protected])
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
RESUMO
Actualmente a educação de alunos categorizados como apresentando
necessidades educativas especiais orienta-se pelos princípios da educação inclusiva.
Cabe às escolas garantir equidade de oportunidades de participação e de sucesso a
estes alunos. Assim, o desenvolvimento de cenários educativos mais inclusivos é um
desafio que (ainda) hoje é colocado às escolas (César & Ainscow, 2006). A participação
e o sucesso dos alunos na disciplina de matemática são configuradas pelo acesso e
apropriação de um conjunto de ferramentas culturais (Vygotsky, 1932/1978). Na base
deste acesso está a mediação, marcada por processos sociais e culturais. Apresentamos
parte de um estudo de caso intrínseco de um aluno cego a frequentar a disciplina de
matemática no 12.º ano do ensino secundário numa escola regular, e que apresenta
sucesso académico. Assumimos uma abordagem interpretativa. Neste estudo
participaram, além do aluno cego e colegas de turma, a professora de matemática. Os
instrumentos de recolha de dados foram a observação participante, entrevistas áudio
gravadas, documentos e protocolos do aluno. Procedemos a uma análise de conteúdo
aprofundada e sucessiva dos dados recolhidos, focando-nos nas categorias indutivas
de análise que emergiram (Merriam, 1988). Analisamos um episódio interactivo onde
se pode observar como, através da informação gestual, do complemento de informação
verbal e da solicitação de feedback, a professora mediou o acesso deste aluno às
ferramentas culturais da matemática (funções). Esta mediação permitiu que este aluno
participasse, conjuntamente com os seus colegas, nas tarefas propostas.
PALAVRAS-CHAVE
Matemática; Cegos; Sucesso académico; Mediação; Dialogismo.
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Introdução
Actualmente, e desde a declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que a
educação de alunos categorizados como apresentando necessidades educativas
especiais (NEE) se orienta pelos princípios da educação inclusiva (Ainscow & César,
2006). Torna-se importante que as escolas possam garantir equidade de oportunidades
de participação e de sucesso a estes alunos, nomeadamente aos cegos. Assim, o
desenvolvimento de cenários educativos mais inclusivos é um desafio que (ainda) hoje
é colocado às escolas (César & Ainscow, 2006).
Em 1994, em resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais, noventa e dois governos, incluindo o de Portugal, adoptam, de forma
unânime, a Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das
necessidades educativas especiais e o Enquadramento da acção na área das necessidades
educativas
especiais.
Alguns
autores
destacam
esta
declaração
e
respectivo
enquadramento da acção como um marco de grande importância no desenvolvimento
da educação (Ainscow & César, 2006; Bénard da Costa, 2006; César & Ainscow, 2006).
A Declaração de Salamanca, no segundo capítulo, aponta as escolas regulares como o
local privilegiado para a educação dos alunos caracterizados como apresentando NEE
e, no capítulo sétimo do enquadramento para a acção na área das necessidades
educativas especiais, podemos identificar um dos princípios da educação inclusiva:
O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos
aprenderem em conjunto, sempre que possível, independentemente das
dificuldades e das diferenças que apresentam. Estas escolas devem
reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptandose aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom
nível de educação para todos, através de currículos adequados, e uma boa
organização escolar, de estratégias pedagógicas. É preciso, portanto, um
conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades
especiais dentro da escola. (UNESCO, 1994, pp. 11-12)
A educação de alunos cegos passa pela sua inclusão na sala de aula regular.
Esta deve constituir-se como um cenário de educação formal inclusiva, que permita a
participação destes alunos, em conjunto com os seus colegas, criando condições e
oportunidades para que estes tenham sucesso académico, ou seja, garantindo-lhes
equidade de oportunidades e uma educação de qualidade.
A participação e o sucesso dos alunos na disciplina de matemática são
configuradas pelo acesso e apropriação de um conjunto de ferramentas culturais
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(Vygotsky, 1932/1978). Na base deste acesso está a mediação, marcada por processos
sociais e culturais (Abreu & Elbers, 2005; César & Santos, 2006). As interacções sociais
na sala de aula desempenham, por isso, um papel fundamental no desenvolvimento da
aprendizagem e no acesso às ferramentas culturais da matemática. Segundo Rosa,
Huertas e Blanco (1993), apesar de um aluno cego percepcionar o mundo de forma
diferente de um dito normovisual, isso não o impede de partilhar significados, ainda
que construídos de forma distinta. É, também, através da interacção social com outros
sujeitos, onde a linguagem desempenha um papel fundamental, que estes alunos
desenvolvem o seu sistema de significados culturais (Batista, 2005; Rosa et al., 1993).
Deste modo, o diálogo que se estabelece entre professor e aluno(s) pode ser um
elemento que contribui para a construção de cenários educativos mais inclusivos.
Renshaw (2004), ao falar do ‘diálogo enquanto instrução’ (p. 6), destaca o seu poder na
construção de uma plataforma que cria condições à participação dos alunos na
construção do conhecimento.
Diversos autores (ver Hatch, 2002; Jaworski, 2002; Serrazina, 1996; entre outros)
destacam, no processo de aprendizagem matemática, a importância do estabelecimento
de conexões. Estas podem ser realizadas a dois níveis diferentes. Um primeiro nível
que se encontra dentro da matemática, enquanto corpo de conhecimento articulado e
integrado e um outro nível, na relação com a realidade na qual a matemática marca a
sua presença. Serrazina (1996), sustenta que as conexões, entre os novos conhecimentos
matemáticos e os conhecimentos matemáticos já apropriados pelos alunos,
desempenham um papel fundamental na aprendizagem da matemática. As interacções
sociais, desenvolvidas em cenários de educação formal, são um elemento de mediação
na construção do acesso de alunos cegos às ferramentas culturais da matemática.
Batista (2005) acrescenta à importância das interacções o recurso ao estabelecimento de
conexões como forma de suportar e mediar esse acesso.
É na procura de cenários educativos mais inclusivos e de algumas das suas
características que situamos este estudo. Iremos analisar um episódio interactivo
retirado de uma das aulas de noventa minutos de matemática observadas. Destacamos
alguns elementos de mediação que emergiram da análise dos dados recolhidos, na
construção do acesso de um aluno cego às ferramentas culturais da matemática e que
terão contribuído para o seu sucesso académico nesta disciplina. Através da
informação gestual, do complemento de informação verbal e da solicitação de feedback
a professora mediou o acesso a conceitos com uma componente visual associada e às
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tarefas da sala de aula. Esta mediação permitiu que este aluno participasse,
conjuntamente com os seus colegas, nas tarefas propostas da aula, possibilitando o seu
acesso às ferramentas culturais da matemática.
Metodologia
O problema que motivou este estudo, do qual apresentamos uma parte,
relaciona-se com as barreiras à construção do acesso dos alunos cegos às ferramentas
culturais da matemática. Para iluminar este problema recorremos a um estudo de caso
intrínseco (Stake, 1995, 2000), de natureza interpretativa (van der Maren, 1996), de um
aluno cego. O Ricardo tinha 17 anos de idade e encontrava-se a frequentar o 12.º ano de
escolaridade, do Agrupamento Científico-Natural numa escola da região da grande
Lisboa e apresentava sucesso académico a diversas disciplinas, entre as quais a
matemática. Pretendíamos, assim, iluminar como se constróem casos de sucesso em
alunos cegos, que frequentam o ensino secundário, pois uma das formas de aprender a
ultrapassar barreiras consiste em estudar casos de sucesso (Stake, 1995, 2000). Neste
estudo participaram, além do aluno cego e colegas de turma, a professora de
matemática, a que chamámos de Sofia (nome fictício, para proteger o anonimato), que
acompanhou este aluno desde o 10.º ano de escolaridade.
Os dados recolhidos durante a investigação tiveram origem num conjunto
diverso de instrumentos, no sentido de, por um lado, enriquecer o estudo com
evidências empíricas e, por outro, assegurar a sua validade, através da triangulação
(van der Maren, 1996). Os instrumentos de recolha de dados foram a observação
participante de um conjunto de aulas de 90 minutos de matemática, desde o final do 1º
período (Dezembro) até ao final do ano lectivo, tendo sido estas aulas áudio gravadas,
para posterior análise de episódios interactivos, e registadas as observações no diário
de bordo do investigador; entrevistas áudio gravadas, de estrutura aberta e de índole
narrativa; conversas informais com os diversos participantes do estudo que surgiram
de forma não programada, bem como documentos e protocolos produzidos pelo aluno
e outros elementos da comunidade educativa.
Procedemos a uma análise de conteúdo aprofundada e sucessiva dos dados
recolhidos, a partir da qual se desenvolveu um conjunto de categorias e subcategorias
que contribuíram para a construção de uma descrição do caso que permitisse iluminar
o problema em estudo (Merriam, 1988).
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Resultados
O episódio interactivo que a seguir transcrevemos ocorreu numa das aulas que
observámos já no final do ano lectivo. Trata-se de uma aula onde os alunos vão
colocando as dúvidas que encontraram ao resolver exercícios, em casa, relacionados
com conteúdos já leccionados, como forma de preparação para o exame nacional de
matemática do ensino secundário, que irão realizar no final do ano lectivo.
O excerto que iremos analisar refere-se a um exercício de escolha múltipla, que
tem por base uma figura geométrica, como nos refere a professora (Fala 459). O
exercício enquadra-se no tema dos números complexos do currículo de Matemática A,
para o 12.º ano de escolaridade, tendo sido o último tema estudado por estes alunos.
[Esta aula tinha como objectivo a resolução de exercícios de
aplicação de conteúdos já leccionados, em que os alunos
começaram por indicar alguns exercícios nos quais tiveram
dúvidas]
457
Sofia: Vinte e quatro, página cento e vinte e três. [A professora escreve
no quadro] Página cento e vinte e três, exercício vinte e quatro.
Então é assim… vou dizer primeiro o enunciado. Ricardo… o
complexo z1… chhhhhhhh… 3cis
π
4
… estás a ver onde é que ele
está, não estás? Está na recta y igual a…
x
x. E tem comprimento três. Ok. Este complexo, tem por afixo um
dos vértices do hexágono… do hexágono regular representado na
figura. E esse hexágono é regular, portanto tem os lados todos
iguais e está centrado na origem do referencial. Estás a ver?
Sim
Pronto. Então eu vou tentar fazer aqui. E é isso que eu ‘tou a fazer.
Portanto, e ‘tou a fazer, além do hexágono estou a colocar a cheio
no boneco a circunferência que inscreve o hexágono. Está bem?
458
459
Ricardo:
Sofia:
460
461
Ricardo:
Sofia:
462
463
Ricardo: Sim
Sofia: Portanto a circunferência que inscreve o hexágono. O hexágono
está
464
465
inscrito
na
circunferência.
[Tosse]
Portanto,
uma
circunferência de que raio, já agora? Ricardo…
Ricardo: Humm… raio três.
Sofia: Lindo menino… raio três. Ok. Então… está aqui um ponto,
humm, o complexo z1 que é 3cis
π
4
= x. Está bem? Faz-se uma recta e
. Portanto está sobre a recta, y
π
4
e depois isto está desenhado
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da seguinte maneira. [A Sofia aproxima-se do Ricardo e com as
mãos dele faz a representação na mesa das posições dos vértices]
466
467
Ricardo:
Sofia:
468
Ricardo:
475
Sofia:
476
Ricardo:
492
Sofia:
493
494
Ricardo:
Sofia:
495
Ricardo:
Isto é um vértice, Ricardo. O outro vértice, andando no sentido
positivo, um [Palavra Imperceptível] a ele, está no segundo
quadrante num sítio que não ‘tá indicado. Humm… depois o
terceiro vértice ainda está no segundo quadrante mais próximo
dooo…. Pi. Ainda está aí. O terceiro, vértice… sempre no sentido
dos… no sentido positivo está no terceiro quadrante e, de certeza,
que está aqui algures… humm… na recta y = x.
Sim
Depois o… já fiz… um, dois, três, quatro… o quinto está no
quarto quadrante e que, em principio é simétrico daquele que está
no segundo quadrante. Está bem? E depois há um outro…o
último vértice, perto do eixo dos xx, perto do 2̟ e que é simétrico
daquele que está no segundo quadrante. O segundo do segundo
quadrante. Estás a imaginar, não estás?
Sim
(…)
(…) e a pergunta é a condição que define o lugar geométrico
sombreado – e o que está a sombreado é o sector circular que está
no segundo quadrante, entre os dois vértices… limitado pela
circunferência… o… e os raios que contêm os dois vértices, que
estão no segundo quadrante, do hexágono – Agora viste tudo?
Está bem?
Sim
[A Sofia descreve ao Ricardo cada uma das expressões da escolha
múltipla. O Ricardo após conhecer as opções indica a sua resposta
– d) – sem que a professora chegue a ouvir. A professora ouve
ideias de outros alunos quanto à resposta.]
Pronto, então é assim… peço desculpa… mas vou perguntar outra
vez ao Ricardo… mas preciso de ver se ele conseguiu perceber
isto…. Há aqui duas que se vão logo embora porquê?
Por causa do raio.
Por causa do raio, lindo menino. Ricardo, quais é que se vão
embora? É as que têm…
Raio igual a 9.
[A professora explora questionando os alunos e o Ricardo
algumas das propriedades da figura relativamente aos
argumentos associados aos vértices.]
513
514
Sofia: (…) Então Ricardo, és capaz de me dizer qual é a condição?
Ricardo: É a última, é a d).
Aula de 26 de Maio de 2006
Um dos elementos que medeia o acesso do Ricardo às ferramentas culturais da
matemática, durante as aulas, é a solicitação de feedback que a Sofia faz, de forma
sistemática, ao Ricardo. Como o Ricardo não pode contar com o sentido da visão como
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suporte de recolha de informação, a professora tem um cuidado adicional de se
certificar se o que está a dizer está a ser compreendido por ele, ou não (final das Falas
459, 467 e 475). É um elemento que podemos encontrar em muitos outros cenários de
educação formal. Mas é um recurso que a Sofia também usa como forma de relembrar
e interligar conceitos já estudados anteriormente, como é o caso da posição do
complexo na recta y=x (Falas 457 e 458). Permite relembrar e interligar elementos já
referidos, como é o caso do raio da circunferência que inscreve o hexágono regular que,
atendendo ao facto de um dos vértices do hexágono ter como afixo o complexo 3cis
π
4
,
terá de ser 3. É esta a resposta do Ricardo (Fala 464), após a pergunta da Sofia (Fala
463). Já no final do episódio interactivo acima transcrito encontramos outro momento
de solicitação de feedback explicitado pela professora: “preciso de ver se ele conseguiu
perceber isto” (Fala 492), em que a solicitação que a professora faz tem como finalidade
avaliar a compreensão do Ricardo acerca do trabalho desenvolvido anteriormente. No
entanto, é curioso realçar como a formulação da frase da professora se destina,
essencialmente, aos restantes alunos, dando-lhes a entender o motivo de estar a prestar
uma atenção maior ao Ricardo do que aos restantes colegas.
O estabelecimento de conexões entre diferentes conceitos reveste-se de grande
importância na construção do acesso do Ricardo às ferramentas culturais da
matemática, como nos refere a professora, durante a primeira entrevista que
realizámos: “(...) na parte da geometria, para eu descrever aquilo tudo, tinha que me
recorrer de muita coisa teórica que o Ricardo percebe que,... e que os outros vêem, não
é preciso eu estar a dizer, mas que... às vezes vêem, mas não sabem” (Sofia, E1, p. 5).
Este esforço de interligar os conceitos para facilitar o acesso às ferramentas culturais da
matemática permite que se olhe para a matemática como um corpo de conhecimentos
que se relacionam entre si, facilitando a aprendizagem (Batista, 2005; Hatch, 2002;
Jaworski, 2002; Serrazina, 1996). Por isso mesmo, ao possibilitar que os diversos alunos
estabeleçam conexões, sobretudo se estas forem diversificadas, estão-se a criar cenários
de educação formal mais inclusivos, pois favorecem a atribuição de sentidos aos
conhecimentos a apropriar pelos alunos.
A necessidade de descrever as figuras e o enunciado de exercícios surge,
também, como resposta à falta de material adaptado às necessidades do Ricardo –
manual em braille e figuras em relevo – para que este não dependa da professora para
ter acesso à participação nas actividades da turma. A realidade portuguesa da
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produção de materiais adaptados para alunos cegos é caracterizada por um grande
desfasamento entre a entrega dos manuais aos alunos cegos e o momento em que esses
manuais são realmente necessários. Assim, surge a necessidade de compensar esta
falta. Não se podendo compensar previamente, pois o excerto refere-se a uma aula
onde os alunos colocam espontaneamente as suas dúvidas, há que desenvolver formas
de superar esta barreira à participação do Ricardo, contribuindo para a sua inclusão
nas actividades desenvolvidas na sala de aula.
Uma das estratégias a que a professora recorre é o complemento de informação
verbal que, no episódio interactivo apresentado, está associado aos momentos em que
a Sofia está a descrever a figura ao Ricardo (Falas 457, 459, 461, 463 e 475). Nestas
interacções com o Ricardo a professora fornece elementos que permitem ao aluno
construir, para si, uma imagem da figura que serve de base ao exercício. O
complemento de informação verbal é abandonado pela professora em situações em
que, pela sua complexidade descritiva, este se revela pouco eficiente, passando então a
recorrer à informação gestual.
A informação gestual é um dos recursos observados que procura tirar partido
do gesto e do tacto como forma de transmitir informações. No exemplo aqui descrito,
quando a professora refere “isto é um vértice” (Fala 465), está simultaneamente a
segurar a mão do Ricardo e, com ela, vai marcando, num referencial imaginário, sobre
a mesa, os restantes vértices, complementando a informação gestual com a informação
verbal. Este complemento de informação verbal é relativo aos quadrantes (Falas 465 e
467) e à simetria em relação à origem do referencial (Fala 467). Durante este processo, o
recurso à solicitação de feedback é, também, observado (Final da fala 467), ocorrendo
fornecimento de feedback, de forma espontânea, por parte do Ricardo (Fala 466).
O que foi descrito ilumina, de forma nítida e paradigmática, em relação às
diversas aulas observadas, a capacidade desta professora em recorrer a estratégias
diversificadas que facilitam a participação do Ricardo nas actividades desenvolvidas.
Visto tratar-se de uma turma do 12º ano de escolaridade, os conteúdos abordados em
matemática são complexos e exigem um elevado grau de formalização. Por outro lado,
ao escolhermos realizar observações durante a leccionação do conteúdo das funções
pretendíamos observar como seriam ultrapassadas as barreiras num conteúdo com
uma forte componente visual, em que frequentemente se recorre a diversas formas de
representação gráfica para resolver as tarefas propostas. Assim, o desafio que este tipo
de conteúdos coloca, quando estamos perante um aluno cego, é particularmente
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importante, exigindo um enorme empenho quer da professora quer do Ricardo, bem
como atitudes inclusivas, por parte dos colegas de turma.
Este processo de interacção entre a Sofia e o Ricardo permite que este último
tenha acesso ao enunciado do exercício em que um colega tinha colocado uma dúvida,
permitindo que o Ricardo seja capaz de acompanhar o trabalho que está a ser
realizado, respondendo de forma correcta às questões colocadas neste exercício (Fala
514). Este episódio interactivo constitui, por isso mesmo, um exemplo claro de como os
processos interactivos medeiam o acesso às ferramentas culturais, neste caso, da
matemática, e, tal como sustentam César 2 Santos (2006), como a inclusão pode ser
facilitada pelos jogos interactivos que caracterizam um determinado cenário de
educação formal, ou seja, um determinado contrato didáctico.
Considerações finais
As
interacções
sociais
desempenham
um
papel
fundamental
no
desenvolvimento do acesso às ferramentas culturais da matemática, influenciando de
forma nítida a qualidade dos desempenhos e da participação dos alunos. Analisámos
um episódio interactivo que permitiu ilustrar de que forma as interacções sociais entre
a Sofia e o Ricardo mediaram o acesso deste último às ferramentas culturais da
matemática, em relação a conteúdos com uma forte componente visual (funções), ou
seja, aqueles que se tornam mais desafiantes para uma professora que lecciona uma
turma onde está incluído um aluno cego.
Encontramos a solicitação de feedback, ferramenta que caracteriza muitos
cenários de educação formal, e que permite saber, neste caso, se, por um lado, o
Ricardo estava a acompanhar a descrição da professora, e, por outro, se tinha presente
alguns dos conceitos importantes que podem facilitar a construção desse acesso. De
notar que, esta professora, acreditava que o Ricardo tinha de conseguir imaginar a
figura, tinha de “a ver”, como ela afirmava. Como tal, ela recorria a uma gama
diversificada de solicitações para se certificar de que o Ricardo estava a acompanhar o
processo de trabalho desenvolvido no quadro, ou oralmente, durante as aulas.
Observámos, ainda, dois elementos interactivos que são mais específicos das
interacções entre o Ricardo e a Sofia: o complemento de informação verbal e a
informação gestual. Estes elementos interactivos são um importante recurso para
ultrapassar as barreiras, com que um aluno cego se pode deparar numa sala de aula,
em relação à sua inclusão. A alternância e complementaridade destas formas de
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interacção reforçam o seu poder na construção de cenários educativos mais inclusivos,
nos quais o Ricardo conseguiu ter acesso às ferramentas culturais da matemática,
permitindo-lhe ter prazer em desenvolver actividades matemáticas, participar no
trabalho que era realizado na sala de aula e atingir um elevado sucesso académico em
matemática que o fez acreditar que valia a pena investir numa formação no ensino
universitário. Por isso mesmo, analisar detalhadamente os processos de apropriação e
conhecimentos e de participação nas actividades académicas pode ser um caminho
para sabermos promover a inclusão dos diversos alunos, respeitando e valorizando as
suas necessidades e características, como sugerem os princípios de educação inclusiva.
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