UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitectura e A rtes
Mestrado integ rado em Arquitec tura
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5 de Janeirro de 2013
Lisboa
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2012
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
A fotografia como registo e percepção do
espaço arquitectónico
Joana Cotter Salvado
Lisboa
Novembro 2012
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
A fotografia como registo e percepção do
espaço arquitectónico
Joana Cotter Salvado
Lisboa
Novembro 2012
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do
espaço arquitectónico
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e
Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a
obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.
Orientador: Prof. Doutor Arqt. Vítor Manuel Canedo
Neves
Assistente de orientação: Mestre Arqt. Jorge António
Pereira de Sousa Santos
Lisboa
Novembro 2012
Ficha Técnica
Autora
Orientador
Assistente de orientação
Joana Cotter Salvado
Prof. Doutor Arqt. Vítor Manuel Canedo Neves
Mestre Arqt. Jorge António Pereira de Sousa Santos
Título
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Local
Lisboa
Ano
2012
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação
SALVADO, Joana Cotter, 1987A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico / Joana Cotter Salvado ; orientado
por Vítor Manuel Canedo Neves, Jorge António Pereira de Sousa Santos. - Lisboa : [s.n.], 2012. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da
Universidade Lusíada de Lisboa.
I - NEVES, Vítor Manuel Canedo, 1956II - SANTOS, Jorge António Pereira de Sousa, 1971LCSH
1. Arquitectura e fotografia
2. Fotografia arquitectónica
3. Percepção
4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses
5. Teses - Portugal - Lisboa
1.
2.
3.
4.
5.
Architecture and photography
Architectural photography
Perception
Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations
Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon
LCC
1. NA2543.P46 S25 2012
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Arquitecto Victor Manuel Canedo Neves, por ter aceite a
orientação desta dissertação e pelas referências bibliográficas com que me
presenteou durante a pesquisa.
Ao Professor Mestre Arquitecto Jorge António Pereira de Sousa Santos, por toda a
disponibilidade e troca de conhecimentos durante o desenvolvimento da investigação.
Pelo acesso que me facilitou a uma pesquisa mais alargada e enriquecedora e ainda
pelas sugestões e críticas de grande relevância feitas durante a orientação.
Aos Fotógrafos Fernando Guerra, Luís Ferreira Alves e João Morgado que me
ajudaram na reflexão do tema da minha dissertação.
Ao meu pai pela preciosa ajuda prestada na correcção do texto.
À minha mãe pela sua insubstituível presença e carinho.
Ao meu irmão e à Maria Vitória Cotter Salvado por todo o apoio e amizade.
À minha amiga e colega de Mestrado Vyernu Jyotindra Patel, pela sua especial
amizade e partilha.
APRESENTAÇÃO
A Fotografia como Registo e Percepção do espaço arquitectónico
Joana Cotter Salvado
Este trabalho apresenta uma reflexão crítica à actual condição da fotografia
enquanto sistema de representação da arquitectura.
Integrando a fotografia no contexto da arquitectura, a investigação estrutura-se
em três ideias chave: percepção, registo e representação, servindo para caracterizar
os processos fundamentais de produção da fotografia de arquitectura do início do
século XX até à contemporaneidade.
A ideia de percepção e a ideia de registo articulam-se entre si. Através deste
diálogo produzem a ideia chave de representação que irá ter um papel fundamental no
contexto da publicação de arquitectura, no final do século XX e no início do século
XXI.
Pretende-se aferir o impacto de processos de transformação de imagens
fotográficas, aparentemente contraditórios com os princípios de realidade, mas
fundamentais para caracterizar a relação da arquitectura com a fotografia, na
mediatizada sociedade actual.
Palavras-chave:
Arquitectura,
Ficção,
Fotografia,
Interpretação,
Mediatização, Percepção, Registo, Representação, Sedução, Simulação.
Manipulação,
PRESENTATION
Photography as Register and Perception of Architectonic Space
Joana Cotter Salvado
This paper presents a critical reflection of the present condition of Photography
as a representative system of Architecture.
This research is structured in three main ideas, positioning photography in
Architecture’s
realm:
perception,
registration
and
representation,
serving
to
characterize the fundamental processes of photographic production of Architecture
from the beginning of the twentieth century till the current times.
The ideas of perception and record are combined between themselves.
Through this dialogue the key idea of representation is produced and it will have a
fundamental role in the context of Architecture’s publication in the end of the twentieth
century and in the beginning of the ninetieth century.
We aim to assess the impact of the transformational processes of photographic
images, apparently contradictory with the reality principles, but fundamental to
characterize the relationship between photography and architecture in the present
mediatized society.
Key-words:
Architecture,
Fiction,
Photography,
Interpretation,
Manipulation,
Mediatization, Perception, Record, Representation, Seduction, Simulation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – International Style, Arquitectura Moderna, Museu de Arte Moderna,
Instalação da exposição de Le Corbusier, 1932. (Riley, 1992, p.6) ............................... 8
Ilustração 2 – Pavilhão alemão, Barcelona, Luwing Mies van der Rohe, Exposição
Internacional de 1929. (Johnson at al, 1995, p.187) ................................................... 10
Ilustração 3 – Turbina eléctrica da companhia Brown Boveri, Fotografia inserida nos
arquivos da revista L´Esprit Nouveau. (Colomina, 1996, p.149) .................................. 12
Ilustração 4 – Página dupla da revista L´Art décoratif d´aujourd´hui, 1925. (Colomina,
1996, p.121) ............................................................................................................... 14
Ilustração 5 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius
Shulman. “No Girls: the architectural editor´s preference was for naked construction”.
(Serraino, 2005, p.128) ............................................................................................... 15
Ilustração 6 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius
Shulman. “Two Girls: the photographer´s interpretation of both architectural and
lifestyle”. (Serraino, 2005, p.130) ................................................................................ 15
Ilustração 7 – “ O Metropolitano Solitário” (1932). Herbert Bayer. “La vista e el tacto
se funden en la verdadera experiencia vivida”. (Pallasma, 2006, p.27) ....................... 18
Ilustração 8 – Notre Dame, Paris, (1925). Tamanho original: 23x16,9cm. László
Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.108) ............................................................................. 21
Ilustração 9 – Torre Eiffel, Paris, (1925). Tamanho original: 22,7x16,9cm. László
Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.109) ............................................................................. 22
Ilustração 10 – Untitle. Tamanho original: 20,2x25,3cm. László Moholy-Nagy. (Hight,
1995, p.77) ................................................................................................................. 25
Ilustração 11 – The Law of the Series (1925). László Moholy-Nagy. (Moholy-Nagy,
1995, p.39) ................................................................................................................. 27
Ilustração 12 – “Die Buhnenklasse”, 1930, Erich Consemuller. (Consemuller, 1989,
p.151) ......................................................................................................................... 29
Ilustração 13 – Representação Esquemática dos cursos na Bauhaus. Walter Gropius.
Bauhaus em Weimar. (Wingler, 1969, p.52) ............................................................... 30
Ilustração 14 – Bauhaus Balconies (Bauhausbalkone in Dessau) (1926-1928).
Tamanho original: 37.2 x 27.4 cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.113) ............ 33
Ilustração 15 – House on Myasnicka Street, 1924, Alexander Rodchenko. (Hight,
1995, p.115) ............................................................................................................... 34
Ilustração 16 – Edifícios em Times Square, Nova York, Estados Unidos. (2000). Judith
Turner. (photoarts, 2012) ............................................................................................ 36
Ilustração 17 – Unité d´habitation, Nantes-Rezé (1955), Arquitecto Le Corbusier.
Fotografia de Lucien Hervé (1950-1958). (Sbriglio, 2011, p. 202-203, 205, 209) ........ 38
Ilustração 18 – Representação de contrastes e elementos de composição. (Itten,
1975, p.10-11) ............................................................................................................ 40
Ilustração 19 – Círculo de cores como representação de doze cores em sete tons
diferentes (1021), litografia em papel de Johannes Itten. (Droste, 2006, p.23)............ 41
Ilustração 20 – “La incredulidad de Santo Tomás” (1601-1602). Michelangelo Merisi
da Caravaggio. (Pallasma, 2006, p.23) ....................................................................... 42
Ilustração 21 – Imagem do olho e da lente da câmara fotográfica sobrepostos. Filme
“Man with a Movie Camera”,1928-1929. (Colomina, 1996, p.78) ................................ 44
Ilustração 22 – Untitled. (1922). Tamanho original: 18.9 x 13.9 cm. László MoholyNagy. (Hight, 1995, p.50) ............................................................................................ 46
Ilustração 23 – Câmara Lúcida de Wollaston, criada em 1806. (Sougez,1996, p.18) 48
Ilustração 24 – Câmara escura portátil de Athanasius Kicher. (1601-1680).1646.
(Colomina, 1996, p.79) ............................................................................................... 48
Ilustração 25 – Ciúmes, fotomontagem de László Moholy-Nagy, 1930. (Sougez, 1996,
p.242) ......................................................................................................................... 49
Ilustração 26 – “Nicholas Wilder Studying Picasso”, 1982, composite Polaroid de
David Hockney com formato original 48 ½ x 26 ½. (Hockney, 1985, p.32).................. 53
Ilustração 27 – Retrato de Dora Maar, (1936) Pablo Picasso. (Walter, 2003, p.15) ... 55
Ilustração 28 – “O jogo de scrabble”, de David Hockney, 1983. (Hockney, 2000, p.12)
................................................................................................................................... 56
Ilustração 29 – Esquema de percurso pelo espaço de trabalho do atelier EMBT (Enric
Miralles Benedetta Tagliabue). (Mirallestagliabue, 2012) ............................................ 59
Ilustração30 – Still Life on a Table 'Gillette', 1914, George Braque. (georgebraque.org,
2009) .......................................................................................................................... 66
Ilustração31 – Violin and Pipe 'Le Quotidien', 1913, George Braque.
(georgebraque.org. 2009) ........................................................................................... 66
Ilustração 32 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68
Ilustração 33 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68
Ilustração 34 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68
Ilustração 35 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 69
Ilustração 36 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 69
Ilustração 37 – Ampliação do Museu Real de Copenhaga, 1992. (Miralles, 1995, p.4445) .............................................................................................................................. 72
Ilustração 38 – Grande Canal de Veneza, fotomontagem de Enric Miralles para a
Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio). (Miralles, 2000,
p.194) ......................................................................................................................... 73
Ilustração 39 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio)
fachada norte sobre o rio San Nicoló, 1998, fotomontagem de Enric Miralles. (Miralles,
2000, p.143) ............................................................................................................... 75
Ilustração 40 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio),
plano geral realizado na primeira fase do concurso. (Miralles, 2000, p.80) ................. 76
Ilustração 41 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio,
segunda fase) Fotomontagem com as escadas de San Giacomo. (Miralles, 2000,
p.151) ......................................................................................................................... 78
Ilustração 42 – Planta do Convento de Santa Caterina, durante o primeiro terço do
séculoXIX. (Miralles, 2000, p.14) ................................................................................ 80
Ilustração 43 – Secção do claustro e Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt
(1837), publicados por Adrà Casademunt, 1886. (Miralles, 2000, p.15) ...................... 81
Ilustração 44 – Secção da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837),
publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.15) ................................. 81
Ilustração 45 – Cobertura da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837),
publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.16) ................................. 82
Ilustração 46 – Mercado de Santa Caterina anterior ao projecto de EMBT,
fotomontagem 1997. (Miralles, 2000, p.32) ................................................................. 84
Ilustração 47 – Mercado de Santa Caterina, fase de escavação, fotomontagem 1999.
(Miralles, 2000, p.32) .................................................................................................. 84
Ilustração 48 – Momentos da construção do mercado de Santa Caterina que partiu de
pesquisas arqueológicas. (Miralles at al, 2005, p.13) .................................................. 85
Ilustração 49 – Mercado de Santa Caterina, fotomontagem 2005. (Cosenza, 2008,
p.21) ........................................................................................................................... 86
Ilustração 50 – Edifícios Residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) ................................... 86
Ilustração 51 – Planta de Cobertura. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles,
2000, p.40) ................................................................................................................. 87
Ilustração 52 – Planta ao Nível Térreo. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles,
2000, p.39) ................................................................................................................. 87
Ilustração 53 – Planta à cota +9.15m. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles,
2000, p.40) ................................................................................................................. 88
Ilustração 54 – Secções Longitudinais. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles,
2000, p.38) ................................................................................................................. 88
Ilustração 55 – Esquema de plantas dos diferentes níveis dos dois edifícios
residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) ............................................................................ 89
Ilustração 56 – Secção Longitudinal do Mercado de Santa Caterina com Alçado dos
edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) .............................................................. 89
Ilustração 57 – Maqueta do Local com desenho sobreposto. (Cosenza, 2008, p.23) 90
Ilustração 58 – Cobertura do Mercado de Santa Caterina constituída por 325.000
peças de cerâmica. (Cosenza, 2008, p.20) ................................................................. 92
Ilustração 59 – Colagem - desenho técnico sobreposto com desenho livre,
fotomontagem da vista interior do mercado e imagens de frutas e legumes. (Cosenza,
2008, p.23) ................................................................................................................. 93
Ilustração 60 – Estudos e detalhes da Planta da Cobertura do Mercado de Santa
Caterina. (Miralles at al, 2005, p.70) ........................................................................... 94
Ilustração 61 – Fotomontagem da Cobertura do Mercado de Santa Caterina.
(Otxotorena, 2006, p.30) ............................................................................................. 94
Ilustração 62 – O bairro italiano, 1954, William Klein, Nova Iorque. (Barthes, 1980,
p.55) ........................................................................................................................... 96
Ilustração 63 – Cary Ross´s Bedroom, 1932, Walker Evans. (Gursky, 2007, p.64) ... 99
Ilustração 64 – Prada I, 1996, tamanho original: 134 x 226cm, Andreas Gursky.
(Syring, 1998, p.41) .................................................................................................. 100
Ilustração 65 – Untitled IX, 1998, tamanho original: 136 x 226cm, Andreas Gursky.
(Syring, 1998, p.37) .................................................................................................. 100
Ilustração 66 – Times Square, 1997, tamanho original: 186 x 250.5cm, Andreas
Gursky. (Syring, 1998, p.23) ..................................................................................... 102
Ilustração 67 – Ayamonte, 1997, tamanho original: 186 x 256cm, Andreas Gursky.
(Syring, 1998, p.137) ................................................................................................ 104
Ilustração 68 – Fotografia de Fernando Guerra, Lar de Idosos, Álcácer do Sal, Portugal,
Aires Mateus, 2011. (ultimasreportagens, 2011) ....................................................... 105
Ilustração 69 – Engadin, 1995, tamanho original: 186 x 291cm, Andreas Gursky.
(Syring, 1998, p.75) .................................................................................................. 106
Ilustração 70 – Autosalon, Paris, 1993, tamanho original: 176 x 216cm, Andreas
Gursky. (Syring, 1998, p.29) ..................................................................................... 106
Ilustração 71 – Fabrikhalle (Giebel), 1987, Bernd e Hilla Becher. (Gursky, 2007, p.51)
................................................................................................................................. 109
Ilustração 72 – The Claude & Duval Factory, Saint Dié, França (1946), Arquitecto Le
Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1951). (Sbriglio, 2011, p. 77-79).................. 110
Ilustração 73 – Gas Tanks, 1983-92, Bernd e Hilla Becher. (Becker, 2004, p.8)...... 111
Ilustração 74 – F1 Boxenstopp, 2007, tamanho original: 600 x 250cm, Andreas
Gursky. (Gursky, 2007, p.60) .................................................................................... 112
Ilustração 75 – Winding Towers, 1966–97, Bernd e Hilla Becher. (Becker, 2004, p.10)
................................................................................................................................. 113
Ilustração 76 – Canal y Carretera, 21 de Fevereiro de 1983, David Hockney.
(Hockneypictures, 2012) ........................................................................................... 114
Ilustração 77 – Hong Kong, Stock Exchange, 1994, tamanho original: díptico cada um
com: 166 x 226cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.58) ........................................ 115
Ilustração 78 – Secretariat, Chandigarh, India (1952), Arquitecto Le Corbusier.
Fotografia de Lucién Hervé (1955). (Sbriglio, 2011, p.176) ....................................... 118
Ilustração 79 – Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921. (Colomina,
1996, p.112) ............................................................................................................. 122
Ilustração 80 – Villa Schwob, fotografia original, 1920. (Colomina, 1996, p.113) ..... 122
Ilustração 81 - Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921. (Colomina,
1996, p.109) ............................................................................................................. 123
Ilustração 82 – Villa Schwob, detalhe da pérgola, fotografia original, 1920. (Colomina,
1996, p.110) ............................................................................................................. 124
Ilustração 83 – Esquema do processo criativo do trabalho de Thomas Demand.
(Joana Cotter Salvado, 2012) ................................................................................... 125
Ilustração 84 – Drafting Room - Zeichensaal, 1996, tamanho original: 183.5 x 285cm,
Thomas Deman. (Demand, 2006, p.74) .................................................................... 126
Ilustração 85 – Staircase (Treppenhaus), 1995, tamanho original: 150,0 x 118,0 cm,
Thomas Demand. (Demand, 2005, p.53) .................................................................. 127
Ilustração 86 – Gas Tanks, 1992-1997, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.42) 128
Ilustração 87 – Biblioteca Nacional de França, Paris XIII, 1999, tamanho original: 85 x
85cm, Candida Hofer. (renabranstengallery, 2012) ................................................... 129
Ilustração 88 – Art Institute of Chicago 2, 1990, Thomas Struth. (Artner, 2012) ....... 130
Ilustração 89 – D.p.b. 08, 2000, tamanho original: 128 x 178 cm, Thomas Ruff.
(Artner, 2012) ........................................................................................................... 130
Ilustração 90 – Blast Furnaces, 1970-1989, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.10)
................................................................................................................................. 131
Ilustração 91 – Notícia retirada da revista Der Stern da morte de Uwe Barschel na
banheira do quarto do Hotel Beau-Rivage, em Genéva, 1987. (Demand, 2005, p.20)
................................................................................................................................. 132
Ilustração 92 – Bathroom (Badezimmer), 1997, tamanho original: 160 x 12cm,
Thomas Demand. (Demand, 2005, p.64) .................................................................. 132
Ilustração 93 – A morte de Marat, 1793, técnica de óleo sobre tela. Tamanho
original: 128cm x 165cm, Jacques – Louis David. (Demand, 2005, p.14) ................. 133
Ilustração 94 – Robert Lembke com a sua assitente Irene Neubauer no programa
televisivo “What´s my line?”, em 1978. (Demand, 2005, p.18) .................................. 134
Ilustração 95 – Studio, 1997, tamanho original: 183.5 x 349.5 cm, Thomas Demand.
(Demand, 2005, p.70-71) .......................................................................................... 134
Ilustração 96 – Desenho para o projecto para o Novo Complexo Parlamentar da
República da Albânia, em Tirana, 2006, EMBT. (Mirallestagliabue, 2012) ................ 141
Ilustração 97 – Fotocolagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá,
Espanha, 1988-1984, EMBT. (Weston, 2004) ........................................................... 141
Ilustração 98 – Análise do território. Colagens fotográficas sobre uma planta do
quarteirão de San Lorenzo – área a intervir. (Joana Cotter Salvado, 2010) .............. 142
Ilustração 99 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Edificado. (Joana
Cotter Salvado, 2010) ............................................................................................... 146
Ilustração 100 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Traçado Viário.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 147
Ilustração 101 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Pré-existências e
novo edificado. (Joana Cotter Salvado, 2010) .......................................................... 148
Ilustração 102 – Esquema viário actual do quarteirão de San Lorenzo, 2012. (Joana
Cotter Salvado, 2012) ............................................................................................... 149
Ilustração 103 – Análise Morfológica do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter
Salvado, 2010).......................................................................................................... 150
Ilustração 104 – Edifícios residenciais e sistema verde do quarteirão de San Lorenzo.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 151
Ilustração 105 – Tipologias do edificado do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter
Salvado, 2010).......................................................................................................... 152
Ilustração 106 – Esquema morfológico das diferentes tipologias residenciais do
quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ....................................... 153
Ilustração 107 – Sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo e identificação de
lacunas. (Joana Cotter Salvado, 2010) ..................................................................... 154
Ilustração 108 – Sistema de mobilidade do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter
Salvado, 2010).......................................................................................................... 155
Ilustração 109 – Marcação de equipamentos urbanos e territoriais centrais do
quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ....................................... 156
Ilustração 110 – Actividades e equipamentos do quarteirão de San Lorenzo. (Joana
Cotter Salvado, 2010) ............................................................................................... 158
Ilustração 111 – As áreas do quarteirão de San Lorenzo a requalificar. (Joana Cotter
Salvado, 2010).......................................................................................................... 159
Ilustração 112 – Sistema director da proposta do sistema urbano. (Joana Cotter
Salvado, 2010).......................................................................................................... 163
Ilustração 113 – Pontos de ligação entre a plataforma e o restante quarteirão de San
Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) .................................................................... 165
Ilustração 114 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San
Lorenzo. Planta de Cobertura. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................... 170
Ilustração 115 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San
Lorenzo. Planta cota +3.00m. (Joana Cotter Salvado, 2010) .................................... 171
Ilustração 116 – Fotocolagem. Proposta do sistema urbano com território existente.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 172
Ilustração 117 – Registo da proposta do sistema urbano com imagens de referência.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 173
Ilustração 118 – Área detalhada. Planta de Cobertura, cota +2.00m, secção
transversal. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................ 174
Ilustração 119 – Proposta de edifício. Planta de Cobertura, Alçado AA´, Alçado CC´.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 176
Ilustração 120 – Tipologia Residencial: edifícios em linha agregados em bloco.
(Pazzaglini, 1989, p.160-161) ................................................................................... 177
Ilustração 121 – Tipologia Residencial: edifícios em bloco aberto. (Pazzaglini, 1989,
p.150-151) ................................................................................................................ 177
Ilustração 122 – Proposta de edifício. Planta à cota +5.40m, Secção BB´, Secção
DD´. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................... 178
Ilustração 123 – Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado,
2010) ........................................................................................................................ 179
Ilustração 124 – Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado,
2010) ........................................................................................................................ 180
Ilustração 125 – Proposta de edifício. Sistema distributivo funcional do módulo
residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................ 181
Ilustração 126 – Proposta de edifício. Planta à cota +1.30m, Secção AA´, Secção
CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................... 183
Ilustração 127 – Proposta de edifício. Planta à cota +0.30m, Alçado BB´, Alçado DD.
(Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 183
SUMÁRIO
1.0.
Introdução........................................................................................................ 1
2.0.
A Génese do Processo de Representação da Arquitectura através da
Fotografia ..................................................................................................................... 5
2.1
A Fotografia como Percepção do Espaço Arquitectónico .............................. 17
2.2
A Fotografia como Registo do Espaço Arquitectónico ................................... 39
3.0
Fragmento,
Manipulação
e
Ficção
na
Narrativa
da
Fotografia
Contemporânea .......................................................................................................... 61
3.1
Percepção e Fragmento: Enric Miralles ........................................................ 65
3.2
Registo e Manipulação: Andreas Gursky ...................................................... 95
3.3
Representação e Ficção: Thomas Demand ................................................ 117
4.0
Registo e Percepção: A Cidade como Campo de Acção do Projecto –
trabalho académico .................................................................................................. 137
4.1
Percepção e Território: o Quarteirão de San Lorenzo ................................. 139
4.1.1 Análise Histórica ......................................................................................... 145
4.1.2 Análise Morfológica..................................................................................... 149
4.1.3 Análise Sociológica ..................................................................................... 157
4.2
Registo e Arquitectura: A Requalificação do Quarteirão de San Lorenzo ... 159
4.2.1 A Plataforma Urbana .................................................................................. 161
4.2.2 O Edifício Habitacional ................................................................................ 175
5.0
Considerações Finais ................................................................................. 185
Apêndices ................................................................................................................. 203
Lista de apêndices ................................................................................................. 203
Apêndice A ............................................................................................................ 204
Apêndice B ............................................................................................................ 208
Apêndice C ............................................................................................................ 212
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
1.0. INTRODUÇÃO
A fotografia não é apenas uma imagem (o produto duma técnica e duma acção, o resultado dum
fazer e dum saber fazer, uma figura de papel que se olha simplesmente na sua clausura de
objecto acabado), é também, primeiramente, um verdadeiro acto icónico, uma imagem, se
quisermos, mas em trabalho, algo que não é concebível fora das suas circunstâncias, fora do
jogo que a anima, literalmente sem a sua prova. Algo portanto que é, ao mesmo tempo e
consubstancialmente, uma imagem-acto, supondo que este “acto” não se limita, trivialmente, ao
gesto único da produção propriamente dita da imagem (o gesto de a tirar), mas que inclui
também o acto da sua recepção e da sua contemplação. (Dubois, 1992, p.11)
A presente dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura tem como
objectivo primeiro, uma reflexão acerca do papel da fotografia enquanto veículo de
comunicação e compreensão na arquitectura contemporânea. A investigação
estrutura-se fundamentalmente em dois tempos, desenvolvidos no primeiro e segundo
capítulo.
A fotografia enquanto registo e percepção do espaço arquitectónico, num
período moderno, titula o primeiro tempo da presente investigação. Os princípios de
utilização da fotografia na escola Bauhaus, enquanto novo instrumento de visão que
amplia as possibilidades de representação óptica, proporcionam uma nova forma de
expressão visual da arquitectura. A fotografia, introduzida por László Moholy-Nagy, era
entendida enquanto instrumento teórico e plástico para repensar o espaço
arquitectónico, criando um modo auxiliar na compreensão e reprodução da
arquitectura. A fotografia torna-se numa das principais forças visuais, que possibilita
novas experiências de registo do espaço arquitectónico.
No segundo tempo, num período contemporâneo, são apresentados três casos
de trabalho de artistas e fotógrafos que têm em comum, a utilização da fotografia
enquanto meio de expressão de ideias e significados. A importância destes três casos
em estudo - arquitecto Enric Miralles, e os fotógrafos/artistas Andreas Gursky e
Thomas Demand - explicitam três ideias chave para a compreensão do papel
contemporâneo da fotografia no contexto da arquitectura.
A percepção, o registo e em última análise a representação da arquitectura por
meio da fotografia são as três ideias chave que estruturam a relação entre arquitectura
e fotografia.
Percepção. Reflectindo acerca do carácter naturalmente fixo da imagem
fotográfica, paralelamente ao intuito de a aproximar à experiência dinâmica do espaço
arquitectónico, é introduzida a noção de colagem. Esta, aproxima a articulação entre
Joana Cotter Salvado
1
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
espaço e tempo, tornando-se numa dicotomia que garante o entendimento do papel da
fotografia enquanto expressão desta interacção. A fotografia, para além de fixar a
duração captada apenas num único instante, isola e extrai espacialmente uma porção
de realidade.
Registo. Ao longo do séculoXX, com o reconhecimento de que a fotografia é
um fragmento e portanto, um corte espacio-temporal, diversas experiências
fotográficas foram desenvolvidas com o objectivo de ultrapassar essa noção de
fragmento. A procura da sensação espacio-temporal, num plano bidimensional e
consequente aproximação à visão natural do Homem é um mote para este conjunto de
experiências fotográficas modernas enunciadas no primeiro capítulo da presente
dissertação, que se ligam a experiências sensoriais, e ao próprio habitar do espaço
arquitectónico.
Representação. A fotografia contemporânea proporciona um novo modo de
percepção
da
arquitectura
resultado
da
utilização
de
técnicas
fotográficas
(manipulação digital) que permitem tornar a fotografia, num sistema de representação
com autonomia. Esta ideia finaliza a presente investigação, que fundamenta a
estratégia de comunicação da arquitectura pela imagem fotográfica.
Em síntese, é a fusão destas três ideias chave que podemos considerar a
realização do acto de perceber uma fotografia, em particular uma fotografia de
arquitectura. A percepção influencia o modo como registamos fotograficamente, sendo
um dos pontos de partida para o consequente modo de representação da arquitectura.
Inserido no contexto da criação arquitectónica, exploramos o trabalho prático
desenvolvido no último ano de Mestrado Integrado em Arquitectura, da Universidade
Lusíada de Lisboa – Faculdade de Arquitectura e Artes, ano lectivo 2009/2010, na
disciplina Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado em Roma na Universidade La
Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni. A proposta de requalificação do quarteirão de
San Lorenzo, em Roma, foi desenvolvida com base na análise do território, tanto
histórica, morfológica, assim como sociológica. Este conjunto de análises propõem
uma compreensão da evolução do lugar a projectar, permitindo identificar as lacunas
do tecido urbano.
A fotografia teve um papel determinante no desenvolvimento do trabalho, ao
ser utilizada enquanto registo do quarteirão de San Lorenzo. A utilização do processo
2
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
de colagem enquanto técnica de articulação do tempo evolutivo, proporcionou um
importante auxílio na compreensão do lugar, permitindo expressar o sistema urbano
de um modo integral e global.
Deste modo, e como consequência das técnicas e práticas dentro do atelier, os arquitectos vãose distanciando cada vez mais do mundo da experiência real. (Leach, 2005, p.26-27)
Na contemporaneidade, a fotografia tem um papel preponderante tanto na
produção como também na representação da arquitectura. A fotografia de arquitectura
torna-se numa plataforma fundamental no processo de mediação deixando de ser um
mero instrumento de registo, reprodução ou até de divulgação da arquitectura para se
transformar num veículo priveligiado de “ver” a arquitectura. Partindo de um objectivo
aparentemente específico – o de reproduzir e mostrar a obra arquitectónica – a
fotografia contemporânea ganha autonomia em relação à obra construída, por
representar os seus significados. Em última análise, a fotografia, através da produção
de imagens ficcionadas, constrói um imaginário, que se constitui enquanto matriz de
visualização da arquitectura.
Joana Cotter Salvado
3
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2.0. A GÉNESE DO PROCESSO DE REPRESENTAÇÃO DA
ARQUITECTURA ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA
A sedução remove o significado do discurso e destitui-o da sua própria verdade, tentando
encantar o espectador a um nível meramente visual e impedindo assim uma apreciação mais
profunda. (Leach, 2005, p.127)
Na contemporaneidade, a fotografia enquanto veículo de representação da
arquitectura, possibilita uma nova percepção do espaço arquitectónico. A percepção
da arquitectura pela imagem fotográfica proporciona também uma nova experiência do
espaço arquitectónico transformando-o num mecanismo de comunicação e sedução. A
fotografia como principal meio de representação do espaço arquitectónico, torna-se no
mais potente veículo de comunicar a arquitectura.
A fotografia não representa somente a arquitectura, mas também sugere a
forma de a percepcionar ao expressar as ideias dos arquitectos, providenciando novas
leituras.
Toda a fotografia é uma ficção. Logo é muito pessoal, ou, pelo menos, devia ser. No meu
trabalho a realidade é minha, apesar de fotografar o trabalho dos outros. (Guerra at al, 2008,
p.27)
Há portanto uma oposição entre realidade e ficção pois se por um lado a
fotografia é uma representação visual, filtrada do real, a nossa relação com a imagem
fotográfica é um suporte narrativo e ficcional com o intuito de comunicar um conjunto
de ideias de base arquitectónica. As imagens fotográficas não podem ser
compreendidas como reflectoras da realidade, pois dependem de diversos elementos
que impõem visões expressivamente diferenciadas. Mais do que registar o mundo, os
fotógrafos pretendem gerar interesse conforme as suas decisões óptico-visuais,
alargando a noção do que é um olhar errado e do que é um olhar correcto.
Uma interpretação serena das intenções do arquitecto e a busca paciente e sóbria das
complexas relações existentes numa obra pode constituir uma forma positiva de educar olhares
alheios. Não me parece negativo que se visite uma obra depois de ter “ingerido” a informação
1
mediática existente.
Desta forma, é o conjunto de imagens fotográficas que permite a construção de
uma memória da arquitectura, oferecendo um espaço interpretativo. Contudo, a
1
Luis Ferreira Alves em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Setembro de 2011.
Luís Ferreira Alves nasceu em 1938, em Valadares. É fotógrafo profissional desde 1984. Colabora
regularmente com revistas nacionais, internacionais e com arquitectos como Eduardo Souto de Moura de
Moura e Álvaro Siza Vieira.
Joana Cotter Salvado
5
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
fotografia desempenha um papel que destaca a autonomização da arquitectura,
através de técnicas de omissão e adição, transformando-a num objecto cativante que
potencia a manipulação da realidade. A sedução permite a adição de novos
significados. Tal mecanismo de sedução só é possível com a manipulação digital da
fotografia. A fotografia funciona assim, com um duplo sentido:
1. Registo da realidade
2. Contemplação dessa mesma realidade
É comum o cliente relatar algumas falhas de execução e nesse aspecto a manipulação é uma
2
ferramenta de enorme valor ao serviço quer do fotógrafo quer do autor do projecto.
Neste contexto, a fotografia, agora digital, torna-se numa construção plástica
que transforma a arquitectura numa imagem ficcionada, proporcionando essa mesma
nova experiência do espaço arquitectónico representado, garantida no plano de
superfície da própria fotografia.
Na contemporaneidade, a fotografia funciona entre o registo da realidade e a
sua contemplação, enquanto instrumento considerado privilegiado de comunicação e
divulgação da arquitectura contemporânea, veículo de sedução da imagem.
Fotografar é isso. Enquadrar a vida, seleccionando o que interessa. Numa sessão de uma obra
tenho uma longa lista de objectivos e cumpri-los, ao mesmo tempo que conseguimos imagens
especiais que vão ficar, é único. Uma mistura rara entre a encomenda, o gesto artístico e o risco
geométrico.
Sou suspeito porque é o meu instrumento preferido. Mas acho que sou completamente objectivo
quando digo que a fotografia é a forma essencial de comunicar arquitectura. Mais eficaz do que
3
um filme ou desenho.
2
João Morgado em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Maio de 2011. João
Morgado nasceu em 1985, em Cascais. Entre 2003-2008 completa o mestrado integrado em Arquitectura
pelo ISCTE – Lisboa. No ano anterior, em 2007, inicia a sua actividade na fotografia de arquitectura
colaborando regularmente com diversos ateliers nacionais e internacionais. Entre 2005 e 2009 participa
em diversos workshops de arquitectura em Itália, Suiça e Holanda e trabalhou com AAArchitects
(Rotterdam) e Wiel Arets Architects (Maastricht). Em 2008 os seus trabalhos fotográficos foram premiados
em diversos concursos fotográficos em Portugal. Entre 2008 e 2010 é orador em conferências sobre
fotografia de arquitectura na Universidade Lusíada de Lisboa, FNAC Coimbra e Pecha Kucha, Lisboa. Em
2012 é representado pela principal agência internacional de fotografia de arquitectura – VIEW Picture,
Londres. Em 2010 funda a empresa “João Morgado – Fotografia de Arquitectura”.
3
Fernando Guerra em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Novembro de 2011.
Fernando Guerra nasceu em 1970, em Lisboa. Licenciou-se em Arquitectura em 1993 pela Universidade
Lusíada de Lisboa e entre 1994-1999 trabalhou como Arquitecto, em Macau. Entre 1999-2005 leccionou a
cadeira de Projecto II no curso de Arquitectura da Arca-Euac (Escola Universitária de Coimbra). Em 1999
fundou juntamente com Sérgio Guerra o Estúdio FG+SG – Fotografia de Arquitectura, sendo este Estúdio
responsável pela difusão da Arquitectura Contemporânea portuguesa nos últimos dez anos. O seu
trabalho encontra-se representado em diversas colecções particulares e públicas.
6
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
O uso da fotografia como instrumento de divulgação da arquitectura inicia-se
no período Moderno. O Movimento Moderno marca uma nova arquitectura que é
expressa pela fotografia. É importante entendermos a arquitectura moderna mediante
a sua estreita relação com os meios de comunicação, ao construir-se como imagem,
nas páginas das revistas e em exposições, contribuindo a publicação para consolidar a
ideia de Modernidade, muito apoiada numa realidade panfletária. Os arquitectos
modernos utilizam a fotografia como um meio de divulgar e exibir a arquitectura, que
muitas vezes ainda não foi, nem chega a ser edificada. Grande parte da arquitectura
moderna foi divulgada em exposições e publicações de vanguarda através do espaço
bidimensional da imagem fotográfica, cuidadosamente trabalhado pelos arquitectos.
Los medios de comunicación estaban transformando la arquitectura en una imagen para
distribuirla por todo el mundo. Hasta la llegada de la fotografia y de la revista ilustrada, nunca
tantas personas habían llegado a conocer profundamente tantos edificios que no verían jamás.
(Colomina, 2010, p.120)
Também as exposições contribuíram, no séculoXX, para a formação da
arquitectura moderna e a sua divulgação por todo o mundo. Organizada por Philip
Johnson4 e Henry-Russell Hitchcock5, a exposição “International Style”6definiu e
universalizou a arquitectura moderna, incluindo obras seminais de arquitectos como Le
Corbusier, Walter Gropius, Mies van der Rohe7, Frank Lloyd Wright8. A exposição teve
como princípio dominante o funcionalismo, que marcou a arquitectura moderna. As
obras foram seleccionadas e distinguidas com base em três princípios estéticos: o
volume enfatizado pelo espaço fechado por planos ou superfícies finas, em oposição à
sugestão de massa e solidez; a regularidade e simetria do desenho da própria
arquitectura ao contrário de qualquer desequilíbrio, e a utilização de materiais e
4
Philip Cortelyou Johnson (1906-2005). Arquitecto influente americano. Em 1930 fundou o Departamento
de Arquitectura e Design no Museu de Arte Moderna, em Nova York. Em 1978, como administrador, foi
premiado com medalha de ouro pelo Instituto Americano de Arquitectos. Em 1979 ganhou o primeiro
prémio Pritzker de Arquitectura. (Wikipédia, 2012)
5
Henry-Russell Hitchcock (1903-1987). Historiador de Arquitectura. Em 1930, colaborou com Philip
Corleyou Johnson na exposição International Style, em 1932. (Wikipédia, 2012)
6
International Style (Estilo Internacional) foi uma exposição Internacional de Arquitectura Moderna
realizada no Museu de Arte Moderna, em Nova York, em 1932. (Wikipédia, 2012)
7
Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969). Arquitecto influente alemão. Considerado uma das figuras
chave da Arquitectura Moderna. (Wikipédia, 2012)
8
Frank Lloyd Wright (1867-1959). Arquitecto americano, designer de interiores, escritor e professor. É
uma das figuras chave do Modernismo americano. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
7
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
perfeição técnica da construção mantendo proporções, em oposição à aplicação de
qualquer ornamento. (Riley, 1992, p.27).
El edificio vivía en las fotografias. (Colomina, 2010, p.116)
Tal como referimos anteriormente, a arquitectura foi projectada sem qualquer
ornamento que a permitiu definir de uma forma regular e pura. Mas, apesar da própria
arquitectura apresentar uma nova linguagem e uma nova expressão, é nesta
exposição que é evidenciado o papel e o impacto da fotografia na representação das
obras. Tal como podemos verificar na imagem, as fotografias das obras
seleccionadas, ocupavam um espaço privilegiado de cada divisão da exposição.
From the outset the curators consistently refer to Exhibition 15 as an exhibition of models, despite
the fact that by the time it was installed it would have been more accurate to call it a photographic
exhibition. (Riley, 1992, p.79)
Ilustração 1 – International Style, Arquitectura Moderna, Museu de Arte Moderna, Instalação da exposição de Le
Corbusier, 1932. (Riley, 1992, p.6)
A maior parte das fotografias expostas eram produzidas com ângulos
escolhidos à priori, de forma a enfatizar determinados princípios associados ao
conceito de arquitectura moderna, onde a própria obra era isolada do seu contexto,
dando
relevância
ao
volume
arquitectónico.
As fotografias
manipulavam
o
protagonismo do objecto arquitectónico.
8
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
É importante portanto perceber assim a arquitectura moderna enquanto
sistema de representação. Esta questão leva-nos mais uma vez a referir um novo
modo de ver o espaço arquitectónico através da imagem fotográfica não só como meio
de comunicação mas porque as próprias obras se tornam num mecanismo de
representação com autonomia própria. São representações que descontextualizam a
arquitectura, construindo uma nova forma de habitar o espaço arquitectónico que
define o modo de ver a arquitectura moderna.
The building is, after all, a “construction”, in all senses of the world. And when we speak about
representation we speak about a subject and an object. (Colomina, 1996, p.14)
Com a emergência dos sistemas de comunicação que acabaram por definir a
cultura do séculoXX, tanto pelas exposições temporais como pela utilização da
imagem fotográfica que era inserida nas páginas de publicações de vanguarda tais
como “The Journal of the American Institute of Architects”9, “L´Architecture Vivante”10,
entre outras, a fotografia torna-se no verdadeiro espaço onde a arquitectura moderna
é produzida.
Las páginas de estas publicaciones difundían la arquitectura de un extremo a otro del mundo. El
impacto de estas imágenes ha sido tan transformador que, aun hallándose en presencia del
edificio real, los visitantes lo ven inevitablemente a través de la lente de las imágenes que ya
conocen, tratando de cotejarlo com esas imágenes, intentando reproducir fotografías canónicas e
sus instantáneas. (Colomina, 2010, p.120)
Se pensarmos no pavilhão alemão de Luwing Mies van der Rohe, construído
em Barcelona para a Exposição Internacional de 1929, questionamos a razão
fundamental de se ter convertido num dos edifícios mais importantes daquela época.
Ao ser demolido em 1930, era conhecido graças às imagens publicadas em revistas
de arquitectura que o reconheciam como ícon da arquitectura do séculoXX. Esta obra
de Luwing Mies van der Rohe “existiu” durante um certo período de tempo, tornandose pelas suas representações fotográficas numa criação mediática. O que se conhecia
do edifício antes da sua reconstrução em 1986 eram as suas fotografias, alcançando
todo o seu reconhecimento na forma de imagens. (Colomina, 2010, p.116-118)
9
“The Journal of the American Institute of Architects”, originalmente intitulado desde 1944. Em 1951, a
revista de arquitectura altera o seu nome para “The American Institute of Architects Journal”. Em 2006, a
revista altera mais uma vez o seu nome para “Architect”. (Wikipédia, 2012)
10
L´Architecture Vivante foi uma revista francesa de arquitectura vanguardista, publicada entre 19231932. Editada por Jean Badovici (1893-1956), arquitecto romeno e crítico de arquitectura. (Wikipédia,
2012)
Joana Cotter Salvado
9
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 2 – Pavilhão alemão, Barcelona, Luwing Mies van der Rohe, Exposição Internacional de 1929. (Johnson at al,
1995, p.187)
The International Style necessarily dies in the very moment it is canonized. The International
Style was over in 1932 because it never existed outside of its representations: the exhibition and
accompanying publications. It both came into being and ended with its comsumption in a sea of
publicity. (Colomina, 1996, p.202)
But what could possibly be meant by transforming architecture into an object? Surely it has to
have something to do with the change in sensibility that has induced the masses to desire the
proximity of things, to take possession of them (…) To present architecture as an object, to
assimilate the object within its image, is to make it accessible. (Colomina, 1996, p.69-70)
Para Beatriz Colomina11, a fotografia é uma representação mais permanente
que a própria arquitectura. As fotografias garantem um lugar para a arquitectura na
história e portanto um espaço histórico projectado não só por críticos e historiadores
mas também pelos próprios arquitectos. (Colomina, 1996, p.15)
This presupposes a transformation of the site of architectural production – no longer exclusively
located on the construction site, but no more displaced into the rather immaterial sites of
architectural publications, exhibitions, journals. (Colomina, 1996, p.14-15)
11
Beatriz Colomina é uma arquitecta, historiadora de renome Internacional de Arquitectura. Em 1988
funda o programa em media e Modernidade na Universidade de Princeton, um programa de pósgraduação que promove o estudo interdisciplinar entre cultura e tecnologia, arquitectura e os meios de
comunicação.
10
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
This difference turns on the status of representation, specifically the transformation of publicity. Le
Corbusier is perhaps the first architect to fully engage the modern condition of the media (to put it
bluntly), he published about fifty books and built some fifty or so buildings) In these terms,
traditional modes of interpretation exclusively founded on the aesthetic object are insufficient.
(Colomina, 1996, p.220)
No contexto da publicação, será interessante referir a revista L´Esprit
Nouveau12 onde Le Corbusier13 expõe a base teórica da sua concepção de
arquitectura e urbanismo por meio de artigos, reproduções fotográficas e anúncios
publicitários. As representações fotográficas da sua arquitectura, conjugadas com
objectos industriais como turbinas, ventiladores, centrifugadores, aviões, hidroaviões e
automóveis
Voisin14,
Peugeot15
e
Citroen16,
constituem
uma
estratégia
de
comunicação da sua arquitectura. Assim, retira imagens de objectos industriais que
pertencem a catálogos e brochuras de publicidade, inserindo-os no contexto da
publicação de sua arquitectura.
In contrast to the amount of attention that has been focused on Le Corbusier´s architecture in
relation to the culture of the “machine age”, very little has been paid to its relation to the new
means of communication, the relation of architecture to the culture of the consumer age.
Ironically, the very idea of the “machine age”, which served the period as a symbolic concept, was
largely induced by the advertising industry. Architecture´s relationship to the mechanisms of that
industry needs be analysed in order to establish architecture´s role in that period. (Colomina,
1996, p.156)
12
L´Esprit Nouveau (“O Espírito Novo”, em português) foi uma revista francesa editada por Le Corbusier e
Amédée Ozefant (1886-1966) que tinha como objectivo a renovação da e da arquitectura. (Wikipédia,
2012)
13
Charles-Édouard Jeanneret-Gris (6 de Outubro de 1887 em Chaux-de-Fonds, França – 27 de Agosto
de 1965), mais conhecido pelo pseudónimo Le Corbusier. Foi considerado dos mais importantes
arquitectos do séculoXX. Em Chaux-de-Fonds estudou arte aplicada. Em 1918, em Paris funda o
movimento purista com o pintor cubista francês Amédée Ozefant (1886 – 1966). Em 1920, também com
Amédée Ozefant edita a revista francesa “L´Esprit Nouveau” (“O Espírito Novo”, em português), com o
objectivo de renovar a arte e a arquitectura, onde expõem a base teórica da sua concepção de
arquitectura e urbanismo através de artigos, reproduções fotográficas e anúncios publicitários. Em 1928
integra os Congressos Internacionais de Arte Moderna, 1928-1956 (CIAM), responsáveis pela definição
do International Style (Estilo Internacional). (Le Corbusier, 2003, p.1)
14
Automóveis Voisin eram veículos de luxo exclusivos, com um estilo de vanguarda e equipados com a
mais avançada tecnologia. Entre 1927 e 1929, a Voisin registou diversos recordes de velocidade.
(Wikipédia, 2012)
14
Peugeot é uma marca francesa, produtora de carros, pertencente ao Grupo PSA Peugeot Citroen –
indústria automotiva francesa que produz automóveis e motocicletas sob as marcas Peugeot e Citroen.
(Wikipédia, 2012)
14
Citroen é uma fabricante de automóveis francesa, fundada em 1919 por André Citroen e hoje em dia
faz parte da PSA Peugeot Citroen - indústria automotiva francesa que produz automóveis e motocicletas
sob as marcas Peugeot e Citroen. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
11
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A interacção destas imagens com a arquitectura foi uma forma de enfatizar a
condição do arquitecto, inserido numa sociedade industrial.Le Corbusier expressava
assim, a revolução industrial que potenciava a produção em série. A presença deste
tipo de objectos nas páginas de publicações, sugeriam um deslocamento na
convencional interpretação da arquitectura: desde uma mudança interna das próprias
páginas até um diálogo com uma emergente nova realidade, nomeadamente a cultura
da publicidade e dos meios de comunicação.
Le Corbusier, introduzia imagens de produtos industriais nas suas publicações
de uma forma deliberada para que o leitor estabelecesse relações à priori entre a
arquitectura publicada e a sociedade industrial.
Ilustração 3 – Turbina eléctrica da companhia Brown Boveri, Fotografia inserida nos arquivos da revista L´Esprit
Nouveau. (Colomina, 1996, p.149)
12
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Desta forma, o conceito de sociedade industrial sustentou a ideia de
Movimento Moderno onde o arquitecto era um intérprete da nova realidade industrial.
Quando Le Corbusier seleccionou imagens de catálogos de aviões Farman17, Voisin18,
Bleriot19, entre outros para o seu artigo “Des yeux qui ne voient pass” na revista
L´Esprit Nouveau (mais tarde reimpresso como um capítulo de a revista “Vers une
architecture20”), é importante percebermos que o arquitecto não escrevia sobre aviões
mas sim de habitação produzida em série. Revelou desta forma, o sua atenção pela
inserção da arquitectura nas condições de produção. O interesse por estas condições
era necessariamente a relevância dos mecanismos que sustentavam a produção
como a publicidade e os meios de comunicação, incluindo assim a fotografia como um
meio de representar o espaço arquitectónico. Le Corbusier utilizou a fotografia com o
intuito não só de chamar a atenção dos leitores mas ainda como maneira de expressar
o conceito de arquitectura, ligado à produção industrial. (Colomina, 1996, p.159-160)
Le Corbusier identified in the very existence of the printed media an important conceptual shift
regarding the function of culture and the perception of the exterior world by the modern individual.
(Colomina, 1996, p.160)
Uma das consequências mais expressivas da influência da exposição
“International Style” no contexto dos Estados Unidos da América é o programa “Case
Study Houses”. Este programa foi promovido entre 1945 até 1966 pela revista
californiana “Arts and Architecture”21 e teve como objectivo a apresentação de 36
projectos (alguns deles foram divulgados através de fotografias, em publicações,
outros construídos) nitidamente influenciados pelo Movimento Moderno e com o
objectivo de apresentar a arquitectura moderna como resposta à evolução técnica e
económica no pós-guerra nos Estados Unidos. As habitações foram construídas com o
17
Farman Aviação foi uma empresa de aviação fundada e dirigida pelos irmãos Richard, Henri e Maurice
Farman. Projectaram e construíram aeronaves e motores entre 1908 e 1936. (Wikipédia, 2012)
18
Voisin (nome original: Société Anonyme des Aéroplanes G.Voisin) foi uma empresa francesa, fabricante
de aeronaves criada em 1906 por Gabriel Voisin e seu irmão Charles. (Wikkipédia, 2012)
19
Blériot foi o avião pilotado por Louis Blériot a 25 de Julho de 1909, para fazer o primeiro voo sob o canal
inglês (braço do oceano Atlântico que separa o Sul de Inglaterra e o Norte de França, com cerca de 350
milhas, o equivalente a 560 kilómetros. (Wikipédia, 2012)
20
Vers une architecture é uma colecção de ensaios escritos por Le Corbusier, que defende e explora o
conceito de arquitectura moderna. (Wikipédia, 2012)
21
Arts and Architecture (1929-1967) foi uma revista americana de design e arquitectura que
desempenhou um papel significativo para a história cultural, no desenvolvimento do modernismo
americano. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
13
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
objectivo claro de serem publicadas, fundamentando o facto de a fotografia assumir
um papel preponderante na divulgação da arquitectura. (Smith, 2009, p.9)
Ilustração 4 – Página dupla da revista L´Art décoratif d´aujourd´hui, 1925. (Colomina, 1996, p.121)
After all, the fact that the International Style was not simply a representation of an already existing
architecture but a production parallels Le Corbusier´s own role as producer rather than interpreter
of the existing industrial reality. (Colomina, 1996, p.212)
Uma das casas anteriormente referidas (Case Study House #22) foi projectada
por Pierre Koenig22. Este projecto adquiriu uma forma icónica no Modernismo da Costa
Oeste através das fotografias de Julius Shulman23, um dos mais conceituados
fotógrafos da arquitectura moderna. Consideradas como imagens chave da casa,
Julius Shulman não utiliza somente adereços pessoais mas também pessoas,
organizando-as com o objectivo de sugerir e seduzir o observador de um estilo de vida
confortável da casa moderna. As fotografias de Julius Shulman exibem a arquitectura
22
Pierre Koenig (1925-2004) foi um arquitecto Americano, nascido em São Francisco. Licenciado pela
Universidade do Sul da Califórnia em 1952, trabalhou com Rafael Soriano (1904-1988), entre outros
arquitectos. (Wikipédia, 2012)
23
Julius Shulman (1910-2009) foi fotógrafo de arquitectura Americano. O seu trabalho fotográfico marcou
o início de uma nova apreensão do movimento moderno na década de 1990 nos Estados Unidos da
América. (Wikipédia, 2012)
14
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
e o seu “lifestyle”, onde os pontos de interesse a revelar eram as actividades e as
pessoas que a casa moderna poderia proporcionar. (Smith, 2009, p.316). Julius
Shulman, através de duas fotografias (Ilustração 5, Ilustração 6), constrói duas formas
de representar a arquitectura. Se por um lado foca somente a arquitectura, no seu
contexto construído, por outro enquadra pessoas num ambiente convidativo, como
forma de seduzir essa mesma arquitectura.
The function of photography is not to reflect, in a mirror image, architecture as it happens to be
built. Construction is a significant moment in the process, but by no means its end product.
Photography and layout construct another architecture in the space of the page. (Colomina,1996,
p.114-118)
Would you like to a have a Martini here? Shulman likes to ask when he explains his photographs
to viewers. (Serraino, 2005, p.130)
Ilustração 5 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “No Girls: the
architectural editor´s preference was for naked construction”. (Serraino, 2005, p.128)
Ilustração 6 - Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “Two Girls: the
photographer´s interpretation of both architectural and lifestyle”. (Serraino, 2005, p.130)
Thirteen years separate the two images, yet that same chair was positioned in the frame to send
the viewer a message of modern living. Shulman placed the chair out on the patio next to the
plant to suggest the inhabitability of the outside area as well as the interior – characteristic of the
modern house. (Serraino, 2005, p.130)
Nesta perspectiva, o Movimento Moderno utilizou a fotografia enquanto forma
de representação e divulgação da arquitectura, tornando-a num novo meio de
percepção de registo da arquitectura.
Joana Cotter Salvado
15
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A introdução da disciplina da fotografia por Lázlo Moholy-Nagy na escola
Bauhaus, tema desenvolvido no primeiro subcapítulo da presente dissertação, e a
definição da fotografia também por Lázlo Moholy-Nagy como um novo instrumento de
visão, utilizado para pensar e repensar a arquitectura, veio proporcionar novas
possibilidades de comunicação do espaço arquitectónico.
16
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2.1
A FOTOGRAFIA COMO PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITECTÓNICO
O aparecimento da fotografia24, mais especificamente da fotografia de
arquitectura, altera o modo como o espaço arquitectónico é percepcionado.
What is far more important than this structural economy and its functional emphasis is the
intellectual achievement which has made possible a new spacial vision. (Gropius, 1965, p.24)
Num contexto de representação da arquitectura através da fotografia, o
movimento do corpo no espaço deixa de ser predominante e cada fotografia engloba o
espaço arquitectónico num olhar estático, afastando-se de um conjunto de sucessões
de pontos de vista que o observador percepciona ao movimentar-se. (Zevi, 2009,
p.50).
Apesar de grande parte das experiências fotográficas do final do séculoXIX e
do início do séculoXX procurarem introduzir a noção de movimento, na verdade,
centram-se na fuga à visão focada e fixa da fotografia.
Segundo Juhani Pallasmaa25, a visão periférica, que nos modela na
experiência do espaço, é eliminada através das fotografias de arquitectura.
Considerando que a visão focada nos converte em meros espectadores do espaço, a
visão periférica integra-nos, possibilitando experiências espaciais e corporais.
(Pallasma, 2006, p.10). O interesse que o autor revela pela visão periférica e pelo
corpo enquanto lugar da percepção na vivência do mundo, permite-nos sentir o
24
A fotografia aparece como um processo com antecedentes tanto ópticos como físicos e químicos.
(Flusser, 1998, p.15). Joseph – Nicéphore Niépce (1765 – 1833) foi considerado o pai da fotografia. Em
1913, dedicou-se à litografia (técnica de gravura que se baseia em desenhos com tinta gordurosa sob
pedra calcária, fixando-se o desenho com ácido diluído) e em 1816 abandona esta técnica, começando a
utilizar a câmara escura (aparelho óptico, que contém um olho artificial em cada face), nesse mesmo ano.
Em 1829, Joseph – Nicéphore Niépce e Louis – Jacques Mandé Daguerre (1787 – 1851), pintor,
cenógrafo e físico inventor da primeira patente para o processo fotográfico (daguerreótipo) formam uma
associação (Associação Niepce-Daguerre). Louis – Jacques Mandé Daguerre foi reconhecido pelo
aperfeiçoamento da câmara escura para além do processo do daguerreótipo (processo de reprodução da
realidade). Este processo propaga-se, posteriormente à sua morte, associando-se ao nome de Nicéphore
Niépce. A propagação deste processo abre o caminho para o aparecimento da fotografia. (Sougez, 1996,
p.27-56)
25
Juhani Uolevi Pallasma nasceu em 1936 em Hameenlinna, na Finlândia. Arquitecto finlandês, exprofessor de arquitectura da Universidade de Tecnologia de Helsinki e ex-director do Museu de
arquitectura da Finlândia (1978-1983). Actual professor na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign
(também reconhecida como UIUC) situada no Estado de Illinois nas cidades de Urbana e Champaign.
Escritor de artigos sobre filosofia cultural, psicologia ambiental e teoria de arquitectura e membro da
Associação Finlandesa de Arquitectos assim como membro do Instituto Americano de Arquitectos.
(Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
17
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
espaço na sua plenitude. Assim, todas as experiências sensoriais são modos de tocar
e são entendidas como prolongamentos do sentido do tacto. (Pallasma, 2006, p.10)
Ilustração 7 – “ O Metropolitano Solitário” (1932). Herbert Bayer. “La vista e el tacto se funden en la verdadera
experiencia vivida” (Pallasma, 2006, p.27)
Mas, se, como já esclarecemos, o carácter primordial da arquitectura é o espaço interior, e se o
seu valor deriva do viver sucessivamente todas as suas etapas espaciais, é evidente que nem
uma nem cem fotografias poderão esgotar a representação de um edifício, e isso pelas mesmas
razões pelas quais nem uma nem cem perspectivas desenhadas poderiam fazê-lo. Cada
fotografia engloba o edifício de um único ponto de vista, estaticamente, de uma maneira que
exclui esse processo, que poderíamos chamar musical, de contínuas sucessões de pontos de
vista que o observador vive no seu movimento dentro e ao redor do edifício. Cada fotografia é
uma frase separada de um poema sinfónico ou de um discurso poético, cujo valor essencial é o
valor sintético do conjunto. (Zevi, 2009, p.50)
She understands that it is possible to see architecture in its full complexity at once. Architecture is
made up of details, fragments, fabrications. And the very idea behind it can be captured in a
fragment, in a detail. (Hedjuk, 1980, Part III)
Architecture can be observed both from a distance and internally (close-up); we can become
internally ingested by it, become part of its interior. Instead of just being an outside observer or an
outside spectator, we can become part of its very interior organism. (Hedjuk, 1980, Part II)
La mirada defensiva y desenfocada de nuestro tiempo, sobrecargada sensorialmente, puede
finalmente abrir nuevos campos de visión y pensamiento liberados del deseo implícito de control
y poder del ojo. La pérdida de foco puede liberar al ojo del domínio patriarcal histórico. (Pallasma,
2006, p.13)
18
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Tais ideias aproximam-se aos princípios da utilização da fotografia na
Bauhaus26, introduzidos por László Moholy-Nagy27. Aqui a fotografia é entendida como
o novo instrumento da visão que estende as possibilidades de representação óptica
convertendo-se numa nova forma de expressão visual objectiva. (Moholy-Nagy, 2005,
p.186-188). Através da fotografia adquirimos novas experiências do espaço,
alcançando uma ampliação e sublimação do nosso sentido espacial. (Moholy-Nagy,
2005, p.190). Sendo um significativo auxílio na aprendizagem dos estudantes da
Bauhaus, as suas possibilidades de compreensão e reprodução do espaço
arquitectónico são conjugadas pelo profundo conhecimento das leis da óptica.
(Wingler, 1969, p.596).
Mas, de que modo a nossa ideia de arquitectura moderna é contaminada pela
fotografia?
Em 1925, László Moholy-Nagy viaja até Paris. Ao deambular por esta cidade
selecciona, para fotografar, dois ícones arquitectónicos: a Catedral de Notre Dame e a
Torre Eiffel. O objectivo é intensificar as sensações ópticas e oferecer novas formas de
experienciar a arquitectura, através da fotografia. Pelo facto destes dois monumentos
serem tão familiares, László Moholy-Nagy teve necessidade de conceber uma nova
forma de visualização destas duas obras arquitectónicas. Afastando-se do lugarcomum que é a representação tradicional destas obras em fotografia (vista em alçado,
a vista distante), explora novos pontos de vista do objecto arquitectónico,
proporcionando uma nova forma de apreensão desse mesmo objecto. (Hight, 1995,
p.107).
26
Staatliches – Bauhaus (1919-1933) - literalmente, casa estatal da construção ou “casa construída”,
conhecida somente por Bauhaus. Foi uma escola de design, artes plásticas e arquitectura de vanguarda,
situada na Alemanha que contribui fortemente para o ensino e expressão de design e arquitectura do
Modernismo. Bauhaus é dividida em três períodos entre 1919-1933. Em Abril de 1919-1925 é dirigida por
Walter Gropius na cidade de Weimar, entre 1925-1928 é dirigida por Hannes Meyer na cidade de Dessau
e entre 1928-1933 é dirigida por Mies Van der Rohe na cidade de Berlim. (Wingler, 1969, p.1-11)
27
Lázló Moholy-Nagy (20 de Julho 1895, Bácsborsód, Hungria – 24 de Novembro 1946, Chicago, Estados
Unidos). Pintor, designer e fotógrafo. Em 1922 começou a fazer fotografias sem câmara (fotogramas) com
a colaboração de Lucia Moholy (1894 – 1989). Em Abril de 1923, foi convidado por Walter Gropius para
leccionar na escola Bauhaus na cidade de Weimar, na Alemanha. Em 1924 começou a trabalhar com
fotomontagens e em 1927 tornou-se editor de fotografia da revista de arte “i10 International Revue”
publicada em Amesterdão. Em 1934 começou a trabalhar com a fotografia a cores. Em 1939 László
Moholy-Nagy com alguns membros da escola Bauhaus inauguraram a escola de design em Chicago
(renomeado o Instituto de Design em 1944 e incorporado ao Instituto de Tecnologia de Lllinois, em 1949).
Em 1941 tornou-se membro de “American Abstract Artists” (AAA). (Moholy-Nagy, 1995, p.123-127)
Joana Cotter Salvado
19
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Nas fotografias tanto da Catedral de Notre Dame (Ilustração 8) como da Torre
Eiffel (Ilustração 9), László Moholy-Nagy experiencía fotograficamente quer o seu
complexo pensamento visual como a sua interpretação destas duas obras
arquitectónicas.
From the beginning he concentrated primarily on fragmented views of the built environment:
buildings, bridges, pavement, towers. These are the same motifs that appeared in the collagelike
paintings from his first years in Berlin. Though these views Moholy analysed structural and spacial
characteristics of modern architecture and engineering. (Hight, 1995, p.110)
Na fotografia de Notre Dame (Ilustração 8), os eixos dos pilares compostos
numa das torres da Catedral formam massas leves que enquadram o plano da
fotografia e contrastam com o fundo negro, expressando um movimento diagonal entre
o canto superior direito e inferior esquerdo da imagem. A posição da câmara que
László Moholy-Nagy elege, faz com que os pilares transmitam a sensação que são
maiores à medida que atingem altura. Este posicionamento da câmara, tornando
portanto a obra mais vertical, afirma de certo modo a verticalidade ascendente da
arquitectura gótica. (Hight, 1995, p.107,110).
No caso da fotografia da Torre Eiffel (Ilustração 9), a obra é representada
através da estrutura da base. O ângulo de visão que elege nesta obra e portanto a
inclinação da câmara, exprime uma sensação de verticalidade, característica desta
obra arquitectónica. Ao suprimir qualquer impressão de altura, opta por acentuar o
carácter linear do cruzamento da construção da própria estrutura. (Hight, 1995, p.110).
Não esqueçamos que László Moholy-Nagy é uma personagem chave da
Bauhaus. A Bauhaus acompanha a contextualização da Alemanha que surge da fusão
da Escola das Artes ou Escola Grão-Ducal de Artes Aplicadas e da Academia Artística
ou Escola de Grão-Ducal de Belas-Artes, no ano de 1919. A integração destas duas
escolas dá origem a esta nova instituição que Walter Gropius28 dirige na República de
Weimar, num período revolucionário do pós-guerra.
28
Walter Gropius (18 de Maio 1883 – 5 de Julho 1969). Arquitecto alemão. Iniciou a sua carreira na
Alemanha tendo, tendo desenvolvido a maior parte do seu trabalho nos Estados Unidos. Antes de fundar
a escola Bauhaus, foi membro de Deutcher Werkbund (1907-1938). Em Março de 1919 foi nomeado
director da escola Bauhaus, em Weimar. Walter Gropius levou consigo pintores como Lyonel Feininger
(1871 – 1956) e Johannes Itten (1888 – 1967), que no ano de 1920, juntaram-se nomes como Paul Klee
(1879 – 1940) e Georg Muche (1895 – 1986). Em 1928, Walter Gropius abandona a escola Bauhaus.
(Wikipédia, 2012)
20
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ahora bien, si dicha separación resulta caduca, ello se debe a que la modernidad hace necesario
un cambio de las evaluaciones morales y de los esquemas perceptivos arcaicos y desgastados.
Para Moholy-Nagy, la fotografía debe, más que cualquier otro medio, reajustar la mirada sobre el
objecto, la gran ciudad y el espacio. Com la fotografía se consuma el duelo del aura: se acabó
com la nostalgia y el lamento. Pintura, fotografía, cine evoca de forma significativa la “higiene de
la óptica” y la “salubridad de la visíon”; y La visión dinámica insistirá en la “transformación
psicológica de nuestra mirada”. (Moholy-Nagy, 2005, p.42)
Ilustração 8 - Notre Dame, Paris, (1925). Tamanho original: 23x16,9cm. László Moholy-Nagy (Hight, 1995, p.108)
Joana Cotter Salvado
21
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Tras esbozar con gruesos trazos la historia del concepto de espacio y la de sus aplicaciones
culturales y prácticas (hábitat, juego, danza, combate, manifestaciones de la vida colectiva) en el
Antiguo Egipto y en Grecia, Moholy-Nagy puede definir la fotografía como instrumento teórico y
plástico para pensar y representar el espacio. Es sintomática, en relación com esto, la mutación
de la mirada que induce una imagen tomada desde un dirigible o desde un avión; pero aún más
significativa resulta la imbricación que implica entre espacio, tiempo y movimento, algo que será
esencial en lo sucessivo. (Moholy-Nagy, 2005, p.43)
Ilustração 9 - Torre Eiffel, Paris, (1925). Tamanho original: 22,7x16,9cm. László Moholy-Nagy (Hight, 1995, p.109)
22
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Gropius´s understanding of architecture as a “total work of art” represented instead a “distant
goal” (as we read in the program), one that would have to be worked toward collectively.
(Bauhaus – Archiv Berlin, 2009, p.15)
Walter Gropius, arquitecto alemão, foi o primeiro director e fundador da
Bauhaus a propor um projecto pedagógico inovador baseado num sistema duplo de
ensino: a junção do artista e do artesão, permitindo aos alunos desenvolver a sua
criatividade ao trabalharem em oficinas sob a direcção de mestres artesãos e
conciliando a aprendizagem teórica com os mestres da forma. Em 1923, Walter
Gropius convida László Moholy-Nagy para a direcção do curso preliminar da escola
Bauhaus, introduzindo a disciplina da fotografia.
E porque é que tal contaminação acontece na Bauhaus?
Conversely, Moholy-Nagy was acclaimed as a cultural innovator in Germany at the end of the
1920´s, but his photographs were incorporated within a discourse grounded in formalism rather
than the use of photography as an expansion of human vision as he intended. (Margolin, 1977,
p.125)
László Moholy-Nagy vai mais além da definição da fotografia enquanto
instrumento de reprodução considerando-a como o novo instrumento da visão, capaz
de abrir caminho para um novo mundo óptico: os elementos específicos da fotografia
isolam-se das complicações que trazem consigo, não só de forma teórica, mas
também de forma tangível, nas suas manifestações reais. (Moholy-Nagy, 2005, p.186).
A
fotografia
moderna
torna-se
numa
das
principais
forças
visuais,
acompanhando os descobrimentos progressivos da ciência, da tecnologia e
principalmente da óptica e da química com novas experiências de registo do espaço.
(Moholy-Nagy, 2005, p.225). László Moholy-Nagy define ainda a fotografia como um
instrumento teórico e plástico para pensar e repensar o espaço. A fotografia não é
apenas um sistema de representação bidimensional mas enquanto instrumento que
permite estagnar o movimento, reflecte sobre o modo como o observador age no
contexto do espaço envolvente.
É baseado nestas ideias que László Moholy-Nagy se interessa pela
experimentação fotográfica procurando a articulação do espaço e do tempo com a
finalidade de expressar tal interação.
Como Juhani Pallasmaa afirma, a arquitectura é o instrumento principal da
nossa relação com o tempo e com o espaço, bem como a nossa forma de dar uma
Joana Cotter Salvado
23
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
medida humana a essas dimensões. A arquitectura ocupa-se fundamentalmente de
questões da existência humana no espaço e no tempo, possibilitando a nossa
integração no mundo. (Pallasma, 2006, p.16).
László Moholy-Nagy pretende afastar-se da fotografia estática, tentando
aproximar-se à visão natural do Homem. (Moholy-Nagy, 2005, p.43). Mas como
podemos estruturar estas experiências através da fotografia? László Moholy-Nagy
recorre ao fotograma de modo a introduzir uma forma completamente nova de
articulação do espaço. São fotografias obtidas sem o auxílio do aparelho fotográfico,
que utilizam como meio de expressão a luz, registando durante um certo período de
tempo as acções luminosas e o movimento da luz no espaço. Os fotogramas, ou
fotografias sem câmaras geram espaço perceptível, unicamente mediante a
articulação sob o plano de um jogo de tonalidades pela potência radiante dos seus
contrastes e as suas gradações. (Moholy-Nagy, 2005, p.211).
A fotografia estabelece, assim, uma ordem compositiva, sendo um ponto de
partida para o registo fotográfico, que será desenvolvido no próximo subcapítulo da
presente dissertação.
Mas, o significado da articulação do espaço-tempo através da fotografia é
expressa pela utilização de sobreposições que intensificam a multiplicidade de
olhares, característica da percepção natural. László Moholy-Nagy explora a técnica do
fotograma potenciando essa procura da dualidade entre espaço, tempo e movimento
da luz. Desta forma, László Moholy-Nagy experienciava a intensidade da luz, assim
como os resultados expressivos que influenciavam o próprio objecto.
A fotomontagem ou fotoplástica (Ilustração 11) é um outro tipo de registo
fotográfico que László Moholy-Nagy explora. Neste caso, é realizado com o auxílio da
câmara fotográfica capaz de estimular e aproximar-se à percepção natural. Constituída
por elementos espácio-temporais que, ao fundirem-se, formam uma unidade,
possibilitando deste modo, uma nova compreensão da arquitectura. (Moholy-Nagy,
2005, p.214). Esta técnica também é um modo de registo que será desenvolvido no
próximo subcapítulo da presente dissertação.
En este sentido, Moholy-Nagy comparte com numerosos fotógrafos de los años veinte la idea de
que la cámara fotográfica funciona como una prótesis del ojo biológico, un órgano suplementário.
(Moholy-Nagy, 2005, p.37)
24
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 10 – Untitle. Tamanho original: 20,2x25,3cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.77)
Como se pode ver na Ilustração 11, com este registo, a fotografia tem a
capacidade de reproduzir diversas variantes de um fragmento da imagem. László
Moholy-Nagy experimenta o potencial dinâmico do fragmento que configura a imagem
total, com o intuito de produzir cinco versões de Marcel Breuer29, enquadrado em parte
por um círculo focal que ganha dinamismo pela representação de duas linhas curvas
que rematam e atravessam transversalmente a imagem fotográfica.
Historicamente, a fotografia assume um carácter preponderantemente
documental que, a par de experiências e pesquisas técnicas, possibilitam novos
modos de expressão e representação do objecto.
29
Marcel Breuer (1902-1981), arquitecto naturalizado norte-americano, com origem húngara. Marcel
Breuer integra a primeira geração de alunos da Bauhaus, formando-se em Weimar (primeira sede da
Bauhaus), em 1924. Lecciona na escola até 1928 onde se destaca pela importância do seu trabalho na
área de design imobiliário. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
25
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Para Philippe Dubois30, a fotografia articula-se num percurso de três tempos
quanto à questão do realismo e do valor documental. Interessa-nos evidenciar a
mudança de pensamento do séculoXIX para o séculoXX, para percebermos esta nova
percepção da complexidade da realidade possibilitada pelos avanços técnicos. No
início do séculoXIX a fotografia é entendida como espelho do real, considerada como
uma imitação perfeita da realidade. Enquanto instrumento de memória documental do
real, a fotografia propõe uma reprodução mimética definindo-se como instrumento fiel
de reprodução da realidade. Mas, se o discurso do séculoXIX é um discurso de
semelhança ao real, o séculoXX insiste na ideia de transformação do real pela
fotografia. De uma reprodução fiel da realidade, a fotografia alcança uma expressão
artística que começa a ser estabelecida pela escolha de determinados ângulos de
vista propondo uma maior liberdade de interpretação no observador. (Dubois, 1992,
p.20-38).
A alteração de pensamento que Philippe Dubois aponta em relação à questão
do realismo da fotografia pode ser relacionada com as ideias que László Moholy-Nagy
propunha, com a utilização da fotografia enquanto um meio de expressão e percepção
da arquitectura. A pedagogia inovadora do curso da Bauhaus pressupõe uma
aprendizagem completa que deveria ser ampliada pelo aluno com o auxílio de
experiências tácteis e visuais, incluindo a fotografia. A Bauhaus estimulava o
desenvolvimento intelectual do Homem, num contexto de profundas mudanças de
pensamento e percepção da arquitectura moderna.
O curso na Bauhaus era dividido em três grandes períodos sempre integrados
pelas artes menores e as artes maiores. Os alunos iniciavam os seus estudos no
curso preliminar com a duração de dois semestres correspondentes a um ano lectivo.
O curso preliminar era subdividido em três fases onde primeiramente apreendem o
valor táctico dos materiais, a sua textura e a consciência destes no espaço enquanto
modeladores de volume. Para além de uma aprendizagem teórica, a experimentação
de materiais em pequenas construções ou em actividades artísticas performativas, tais
30
Philippe Dubois, um dos principais pesquisadores da actualidade no campo da estética da imagem e da
figura, com contribuições decisivas na reflexão sobre fotografia, cinema, vídeo e domínio digital. Foi
professor da Universidade de Liège e, desde 1988, é professor da Universidade de Paris III (Sorbonne
Nouvelle), onde é director da Unidade de Formação e Pesquisa “Cinema e Audiovisual”. Tem extensa
obra publicada em revistas de vários países, com ensaios sobre Jean-Luc Godard, o cinema moderno e
as relações entre arte e tecnologia. (Wikipédia, 2012)
26
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
como a música, a dança e o teatro, entre outras, contribuem para a ideia de unificação
de todas as artes.
Ilustração 11 - The Law of the Series (1925). László Moholy-Nagy (Moholy-Nagy, 1995, p.39)
Numa segunda fase o aluno desenvolve o entendimento de proporção e
relação de cada trabalho com as representações visuais. O desenho à mão e a
fotografia são processos que ajudam a composição e a expressão de formas
elementares. Numa última fase, todo este conhecimento é integrado com estudos de
geometria, física, química, matemática e anatomia. A estes estudos são adicionadas
Joana Cotter Salvado
27
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
aptidões complementares de música e escrita enquanto formas de composição e a
importância da luz enquanto instrumento visual essencial, e o estudo da fotografia
como modo de percepção, expressão e representação. (Wingler, 1969, p.194). Após
terminar o curso preliminar, o aluno aplicava os conhecimentos adquiridos em
workshops específicos com a duração de seis semestres correspondentes a três anos
lectivos. Nesta altura poderia escolher entre seis workshops – madeira e metal; têxtil e
tecelagem; a cor e a decoração; a luz que inclui, a fotografia, a tipografia, o filme e as
artes comerciais; o vidro, a pedra, a argila e o plástico ou ainda o teatro relacionando-o
com exposições de arquitectura. (Wingler, 1969, p.194).
Everything that exists is differentiated according to quantity and quality of movement, is
differentiated according to time and space. All forms are differentiated, just as movements are
differentiated… (Wingler, 1969, p.49)
I am able to perceive the perception. I am able to perceive the consciousness of being moved, not
movement itself, but being moved. So, all teaching or learning is perception of how person who is
teaching or the person who is learning is being moved. Being moved begets being moved…
Movement gives birth to form, form gives birth to movement. Every point, every line, plane, every
body, every shadow, every light, every color, are forms born of movement, which again give birth
to movement. Sadness and happiness, hate and love, antipathy and sympathy, are forms of the
psyche, caused by movement If I want to experience a line, I must either move my hand in
accordance with the line or I must follow the line with my senses; hence, I have to be psychically
moved. Finally, if I am able to visualize a line, then I am mentally moved. (Wingler, 1969, p.50)
Só depois destes dois períodos, o aluno é colocado no departamento de
arquitectura com a duração de quatro semestres correspondentes a dois anos lectivos.
Como objectivo de desenvolver a instrução prática e formal, cada aluno aprende a
relacionar o espaço, os materiais e a estrutura construtiva moldando o seu
pensamento sobre a indústria não como uma adaptação ao objecto a produzir mas
fazendo dela um veículo capaz de gerar ideias. (Wingler, 1969, p.194).
László Moholy-Nagy, responsável pela direcção do curso preliminar, considera
o Homem enquanto síntese de todas as suas funções, constituído por órgãos, sentido
e percepção que serão utilizados até ao limite das suas capacidades biológicas. Existe
uma produção constante de novas impressões, de novas percepções e de novas
relações, possibilitando uma ampliação de todas as faculdades sensoriais, perceptivas
e ao mesmo tempo, criativas. (Moholy-Nagy, 2005, p.20). Denominando-o como
Homem Total, com uma base biológica que garante um desenvolvimento orgânico
com uma função reguladora para o corpo, László Moholy-Nagy adopta estas ideias à
pedagogia que desenvolve na Bauhaus. Assim, estimula as virtudes de cada
estudante, estabelecendo uma harmonia entre as capacidades biológicas e as
necessidades da sociedade. A tarefa de preparar um Homem novo e total é uma etapa
28
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
que não representa mais do que uma fase preliminar tão necessária como insuficiente.
A actualização deste homem novo com novas relações entre fenómenos funcionais
ópticos, acústicos e tácteis, permite estabelecer uma nova conexão com a percepção.
(Moholy-Nagy, 2005, p.22-23).
Ilustração 12 – “Die Buhnenklasse”, 1930, Erich Consemuller, (Consemuller, 1989, p.151)
É esta importância dada ao desenvolvimento intelectual do Homem que torna
possível uma nova visão e apreensão das qualidades do espaço arquitectónico
através da fotografia. Acompanhando um novo conceito de obra de arte total e de um
novo homem perante a cultura moderna, a sua percepção também sofre
transformações. Reformulada enquanto visão dinâmica correspondente de uma
actividade humana mais complexa e mais viva, permitiu com a fotografia tornar visíveis
a existências das coisas que o olhar não conseguia alcançar. (Moholy-Nagy, 2005,
p.86).
Todos los sentidos, incluida la vista, son prolongaciones del sentido del tacto; los sentidos son
especializaciones del tejido cutáneo y todas las experiencias sensoriales son modos del tocar y,
por tanto, están relacionados con el tacto. (Pallasma, 2006, p.10).
Joana Cotter Salvado
29
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Si bien la educación tiene como tarea preparar la llegada de este Hombre Nuevo y Total, al
mismo tiempo no representa más que la etapa preliminar – tan necesaria como insuficiente.
(Moholy-Nagy, 2005, p.23)
Ilustração 13 - Representação Esquemática dos cursos na Bauhaus. Walter Gropius. Bauhaus em Weimar (Wingler,
1969, p.52)
Como forma de relacionar a visão e os restantes sentidos, meios fotográficos
são explorados sem utilizar directamente a câmara fotográfica. (Moholy-Nagy, 2005,
p.221). Revendo as colagens Cubistas31, utiliza a técnica da fotomontagem, enquanto
síntese de associações mentais e sensações visuais possibilitadas pela construção de
diferentes fotografias montadas e dispostas numa única superfície. (Moholy-Nagy,
2005, p.150-151), dando origem a uma visão simultânea. Esta, é o resultado de
sobreposições perceptivas, que exigem uma ginástica concentrada do olhar e do
cérebro com a finalidade de acelerar uma digestão visual, capaz de incrementar
consideravelmente a variedade das associações produzidas. (Moholy-Nagy, 2005,
p.232).
31
A colagem, enquanto técnica utilizada pelos artistas do movimento do Cubismo do séculoXX, baseia-se
na utilização livre de materiais heterogéneos com o intuito de procurar expressar a tridimensionalidade da
realidade. Desta forma, liberta o artista da superfície ao incorporar no espaço diversos elementos. A
técnica começa com experiências em pintura que se estendem a outras áreas como a fotografia e a
outros movimentos artísticos. (Wikipédia, 2012)
30
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Os instrumentos são prolongamentos de órgãos do corpo: dentes, dedos, mãos, braços
prolongados. Por serem prolongamentos, alcançam mais extensa e profundamente a natureza,
são mais poderosos e eficientes. (Flusser, 1998, p.41)
É esta visão dinâmica da arquitectura, que László Moholy-Nagy utiliza para
explorar
teorias
espaciais,
inicialmente
inspiradas
pelo
Construtivismo32,
desenvolvendo novas formas de percepcionar o espaço arquitectónico. No contexto de
uma nova cultura espacial, adapta o pensamento corrente da arquitectura nas suas
fotografias, possibilitando uma compreensão bidimensional do espaço. (Hight, 1995,
p.111). Fotografa com o apoio das bases teóricas da arquitectura moderna, mantendo
sempre uma estreita relação com a pedagogia utilizada na Bauhaus.
A ideia de visão dinâmica de László Moholy-Nagy pode ser comparada ao
modo de percepção de Alexander Rodchenko através do uso da linha oblíqua
enquanto elemento dinâmico, sendo uma das influências da pintura do movimento
construtivista em ambos os artistas. A fotografia de László Moholy-Nagy “Bauhaus
Balconies” (1926-1928) (Ilustração 6) pode ser comparada “House on Myasnicka
Street” (1924) (Ilustração 7) do fotógrafo russo Alexander Rodchenko33, cujo
envolvimento com a fotografia é paralelo a László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.114).
Na fotografia “Bauhaus Balconies”, a percepção usual do edifício subvertida
escolhendo um novo ângulo de visão - “upward view”34 (ângulo inclinado, com o
posicionamento da câmara de baixo para cima, em relação ao objecto fotografado)
com o intuito de gerar sensações ópticas, permitindo novas experiências na percepção
32
Construtivismo russo foi um movimento de vanguarda, iniciado na Rússia no ano de 1919 que
influenciou fortemente tanto a arquitectura como toda a arte ocidental. A arte estava ligada à
industrialização com o objectivo de servir a construção de um mundo socialista. Expressava-se
essencialmente pela utilização de elementos geométricos que na maior parte dos casos eram conjugados
em fotomontagens. Destacam-se alguns artistas ligados ao Construtivismo como Alexander Rodchenko –
pintor, designer e fotógrafo (1891 – 1956), Dziga Vertov – cineasta (1896 – 1954), El Lissitzky – designer
gráfico (1890 – 1941), Ivan Leonidov – arquitecto (1902 – 1959), Lászlo Moholy-Nagy - pintor, designer e
fotógrafo (1895 – 1946). (Wikipédia, 2012)
33
Aleksandr Mikhailovich Rodchenko. (1891, São Petersburgo, Rússia – 1956, Moscou, Rússia). Um dos
fundadores do Construtivismo Russo e do design moderno. Escultor, artista plástico, designer gráfico e
fotógrafo. Dedicou-se à fotografia, posteriormente a trabalhar como artista plástico e designer gráfico. Em
1920 foi director do Departamento de Museus e do Fundo de Aquisições pelo Governo Bolchevique. Em
1921 tornou-se membro do Grupo Produtivista, que defendia a incorporação da arte a vida diária. Entre
1923 e 1924 começa a produzir fotografias, influenciado pelas fotomontagens dos Dadaístas alemães. As
suas fotografias expressavam composições dinâmicas pelo posicionamento diagonal, que remetiam para
o movimento dos objectos no espaço. (Wikipédia, 2012)
34
“upward view” ou “worm´s-eye shot” é o ângulo de posicionamento da câmara fotográfica que é
orientado de baixo para cima, em relação ao objecto fotografado. (Hight, 1995, p.113)
Joana Cotter Salvado
31
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
da arquitectura. A repetição das varandas rectangulares serve como elemento central
de composição que é enfatizado pelo seu reflexo no vidro das janelas, aparecendo em
fragmentos formados pelas paredes das mesmas janelas. Assim, as bandas de
janelas produzem uma continuidade de formas, que acompanham a elevação das
varandas. A parede aparece como um plano fino que liberta e destaca os elementos
de composição. É através do ângulo de visão que as linhas da laje e da cobertura das
varandas são eliminadas, aumentando por consequência a forma e o dramatismo da
composição da imagem. A importância dada ao sistema de composição do edifício
revela as formas puras da arquitectura moderna. (Hight, 1995, p.116). A figura humana
enfatiza a ideia de dinamismo. Nesta fotografia, o corpo está em balanço, afastandose da experiência banal com o edifício. Tal como as varandas rectangulares são
elementos centrais na fotografia, a figura humana é posicionada de modo a realçar o
dinamismo da composição.
Though Rodckenko and Moholy-Nagy intended photography to be an instrument of personal
transformation, neither found an unobstructed path for alignment of photographic modernism with
a process of social change. (Margolin, 1977, p.125)
Influenciando
László
Moholy-Nagy,
Alexander
Rodchenko
reinventa
a
arquitectura que fotografa não só através da sua criatividade mas fundamentalmente a
partir de dois modos de ver: “worm´s-eye shot” e “bird´s-eye shot”35. (Margolin, 1977,
p.133). Tinha como objectivo oferecer diversas interpretações ao observador através
da selecção de ângulos e escolha de focos de luz nas suas fotografias, dependentes
do posicionamento da câmara que o fotógrafo elege diante o objecto a fotografar.
Na fotografia “House on Myasnicka Street”, Alexander Rodchenko enfatiza
também o sistema de composição do edifício através do ângulo de visão. As séries de
varandas representam elementos centrais de composição que contribuem para uma
impressão de ordem e sobriedade. A área luminosa do céu contrasta com a escuridão
da fachada produzindo uma densa sombra nas varandas, realçando o equilíbrio e
simplicidade das formas que compõem o edifício. (Hight, 1995, p.114).
En ellas, aunque no reniegue de la “factografía”, del material ligado a la “fijación de los hechos”,
encarnados en las arquitecturas seleccionadas, aspira a revolucionar sus modos de verlas a
través de las tomas desde arriba y desde abajo o en la diagonal suprematista que activa
diferentes puntos de vista y ángulos dinámicos que las muestran desde unas prespectivas a las
que el espectador no está acostumbrado. (Marchán Fiz, 2010, p.23-24)
35
“bird´s-eye shot “ é o ângulo de posicionamento da câmara fotográfica que é orientado de cima para
baixo, em relação ao objecto fotografado. (Hight, 1995, p.113)
32
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 14 - Bauhaus Balconies (Bauhausbalkone in Dessau) (1926-1928). Tamanho original: 37.2 x 27.4 cm. László
Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.113)
No séculoXX é importante perceber a contribuição que a fotografia oferece à
produção e divulgação da arquitectura moderna. (Sbriglio, 2011, p.11). No momento
em que a revolução da técnica da fotografia possibilitou novos modos de apreensão e
de divulgação da arquitectura moderna é a convergência de pensamentos entre
arquitectos e fotógrafos que gera associações entre estes profissionais. (Costa, 2009,
p.122).
The two fields in which the spirit of our age has achieved its most definitive manifestations are
photography and architecture. Did modern photography beget modern architecture, or the
converse? (Sbriglio, 2011, p.11)
Joana Cotter Salvado
33
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 15 - House on Myasnicka Street, 1924, Alexander Rodchenko (Hight, 1995, p.115)
Self-taught, steeped in avant-garde photographic culture, in tune with Bauhaus ideas and the
images and writings of his compatriot László Moholy-Nagy as well as those of the Soviet
constructivists Alexander Rodchenko, Vsevolod Pudovkin36, and Sergei Eisenstein37: Hervé
perfectly incarnated the “modern sensibility”, which he shared fully with Le Corbusier. (Sbriglio,
2011, p.12)
36
Vsevolod Pudovkin Illarionovich (1893-1953), licenciou-se em engenharia na Universidade Estadual de
Moscovo. Após a primeira guerra mundial, abandonou a actividade profissional e começa a trabalhar
como actor. Mais tarde torna-se director de cinema e desenvolve diversas teorias de montagem.
(Wikipédia, 2012)
37
Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948), licenciou-se em arquitectura e engenharia no Instituto de
Engenharia Civil de Petrogrado. Em 1920 começou a sua carreira de teatro, tornando-se um dos mais
importantes cineastas soviéticos. (Wikipédia, 2012)
34
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Uma das mais importantes associações entre profissionais da primeira metade
do séculoXX, foi a colaboração do arquitecto Le Corbusier com o fotógrafo húngaro
Lucién Hervé38. (Sbriglio, 2011, p.11).
Influenciado pelas fotografias de László Moholy-Nagy e Alexander Rodchenko,
Lucien Hervé baseia-se na linguagem moderna para fotografar e revelar a essência da
arquitectura de Le Corbusier. (Sbriglio, 2011, p.12). Com uma visão dinâmica, faz
séries de fotografias da arquitectura de Le Corbusier. Compõe numerosas fotografias
a partir de fragmentos de cada obra de Le Corbusier, revelando uma ampla
compreensão da sua arquitectura. Finalmente, Lucién Hervé acredita que a
arquitectura só pode ser apreendida mediante longas séries, onde os detalhes são
fundamentais para um bom entendimento das obras. (Sbriglio, 2011, p.13).
A mesma ideia é evidenciada no artigo “The Flatness of Depth”39 do arquitecto
John Hejduk40 acerca das fotografias de arquitectura de Judith Turner41. A fotógrafa
defende a impossibilidade de apreender a complexidade da arquitectura de uma só
vez e por isso acredita que a sua essência só pode ser expressa através de
38
Lucién Hervé (1910 – 2007). Fotógrafo frango-húngaro, dedicado à fotografia de arquitectura, ficou
reconhecido pelo seu trabalho com o arquitecto Charles-Édouard Jeanneret-Gris (Le Corbusier) com
quem colaborou durante quinze anos, entre 1950 e 1965. A exposição de fotografia “Construção /
Composição” é uma das exposições que demonstra a relação entre estes dois artistas. Lucién Hervé
colabora também com arquitectos como Alvar Aalto (1898 – 1976), Marcel Breuer (1902 – 1981), Oscar
Niemeyer nascido a 15 de Dezembro de 1907 e ainda Jean Prouvé (1901 – 1984). (Wikipédia, 2012)
39
“The Flatness of Depth”. Ensaio do arquitecto John Hejduk que explora a relação da fotografia e o
espaço arquitectónico, no âmbito do movimento e percepção do tempo. A imagem requer imaginação e
memória no observador, compondo uma viagem virtual pelo espaço. Ao movermo-nos no espaço, a
passagem do tempo influencia profundamente na compreensão do espaço. Este espaço é então a soma
do que é visto e do que foi visto. A fotografia nega a progressão do tempo, pela sua fixação. A duração,
ou movimento pelo espaço arquitectónico, é na fotografia composta pela memória, imaginação e
recordação, o que leva a uma leitura ambígua entre passado em presente. (Wikipédia, 2012)
40
John Quentin Hedjuk (19 de Julho de 1929 – 3 de Julho de 2000). Arquitecto e artista americano
estudou em Cooper Union School of Art and Architecture (União Cooper para o Avanço da Ciência e
Arte), Nova York, na Universidade de Cincinnati (Cincinnati ou UC) e ainda em Harvard Graduate School
of Design (GSD), Cambridge, Massachusetts, onde se graduou em 1953 com o mestrado em arquitectura.
(Wikipédia, 2012)
41
Judith Turner inicia o seu trabalho como fotógrafa em 1972, exibindo o seu trabalho em diversas
exposições individuais em cidades nos Estados Unidos, Europa, Israel e Japão. Premiada com subsídios
em bolsas a partir da Graham Foundation for Advanced Studies in the Fine Arts, Lila Acheson Wallace
Fund e pelo Conselho Cultural da Ásia. Em 1994 recebeu o Prémio de Honra do Instituto Americano de
Arquitectos. As suas fotografias encontram-se em colecções permanentes de muitas Instituições como no
Centro Internacional de Fotografia em Nova York, no Museu de Portland Art em Maine, Estados Unidos,
no Museu Guggenheim, no Museu Ludwig, em Colónia, no Tokyo Metropolitan Museum of Photography,
entre outros. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
35
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
fragmentos que a compõem. São estes fragmentos que, apreendidos pelo observador
e reconstruídos pela memória visual, permitem criar uma dinâmica perceptiva da
arquitectura de Judith Turner.
Ilustração 16 - Edifícios em Times Square, Nova York, Estados Unidos. (2000). Judith Turner. (photoarts, 2012)
It is all made up of a series of outside fragments and inside fragments. (Hejduk, 1980, p.2)
A continuidade que Lucien Hervé constrói com base nas suas séries de
fotografias, reflecte um processo de composição estimulado pelas pinturas de Piet
Mondrian42 (1872-1944) permitindo-lhe descrever espacialmente as obras do
arquitecto Le Corbusier. (Sbriglio, 2011, p.13). Como László Moholy-Nagy, afasta-se
das perspectivas clássicas insistindo nos efeitos de colagem da realidade e da
multiplicação de olhares e de enquadramentos. Focando constantemente os detalhes
arquitectónicos, descreve o espaço da arquitectura de Le Corbusier, criando uma ideia
de visão em movimento, revelando desta forma, a arquitectura através da
expressividade de cada detalhe percepcionado.
42
Pieter Cornelis Mondrian. (1872 – 1944). Pintor holandês modernista. Fundador do movimento artístico
de vanguarda Neoplasticismo que incluía artistas designers e arquitectos. Nomes como o artista plástico,
designer gráfico, poeta e arquitecto neerlandês Theo Van Doesburg (1883 – 1931), o arquitecto e
designer neerlandês Gerrit Rietveld (1888 – 1964), o pintor cubista francês Amédée Ozefant (1886 –
1966), entre outros. Piet Mondrian colabora com a revista “De Stijl” (“O Estlio”, em neerlandês), iniciada
em 1917 com a primeira publicação do editor Theo Van Doesburg. (Wikipédia, 2012)
36
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
As fotografias de Lucien Hervé da obra de Le Corbusier “Unité d´Habitation”43
em Marselha são um exemplo da utilização do fragmento enquanto expressão e
representação da essência da arquitectura. Mediante ângulos oblíquos revela a sua
visão dinâmica que complementada com a visão moderna de Le Corbusier atinge
dimensões expressivas e inovadoras, contribuindo para a divulgação e compreensão
das obras do arquitecto, no sentido que este último desejava. (Sbriglio, 2011, p.13).
É a descoberta do facto de que qualquer situação está cercada de numerosos pontos de vista
equivalentes. E que todos estes pontos de vista são acessíveis. Com efeito o fotógrafo hesita,
porque está a descobrir que o gesto de caçar é um movimento de escolha entre pontos de vista
equivalentes, e o que tem de resgatar não é determinado ponto de vista, mas um número
máximo de pontos de vista. Uma escolha quantitativa e não – qualitativa. (Flusser, 1998, p.53)
O resultado do gesto fotográfico são fotografias, esse tipo de superfícies que nos cerca
actualmente por todos os lados. Deste modo, a consideração do gesto fotográfico pode ser a
avenida de acesso a tais superfícies omnipresentes. (Flusser, 1998, p.55)
A fotografia individual é entendida como uma pedra de mosaico que significa
um pensamento, um ponto de vista da realidade construída que nos cerca. Estar no
universo fotográfico implica existir num mundo – mosaico em que viver passa a ser
recombinar as experiências vividas através das fotografias. Assim, para obtermos uma
visão do mundo, elaboramos colagens fotográficas. (Flusser, 1998, p.86). A colagem
não é mais do que um processo mental e visual que possibilita a apreensão do espaço
arquitectónico. Uma fotografia torna-se insuficiente para a leitura global do espaço e
portanto é o conjunto de tomadas de vista, organizadas por sequências que
possibilitam a descrição desse mesmo espaço. A técnica da colagem acompanha
grande parte do séculoXX reflectindo num novo olhar perante a realidade construída,
pelo desejo de aproximação aos espaços construídos articulados na memória.
Para além de um mecanismo criativo com base numa nova percepção da
realidade, a colagem torna-se numa importante técnica na produção arquitectónica,
propiciando a compreensão de realidades imaginadas mas também servindo como
forma de registo e de representação da arquitectura. Desta forma, a fotografia
moderna em diálogo com a arquitectura proporciona uma nova linguagem artística,
capaz de transformar a nossa percepção do mundo.
43
Unidade de Habitação em português, sendo o projecto reconhecido pelo termo francês “Unité
d´Habitation”. Elaborado entre 1947 e 1953, o projecto também é conhecido por “Cité radieuse” (Cidade
radiosa). A construção destes edifícios modulares projectados pelo arquitecto francês Charles-Édouard
Jeanneret-Gris (Le Corbusier) foi concluída em 1955. As fotografias de Lucién Hervé a esta obra,
ilustradas na presente dissertação, foram produzidas entre 1950 e 1958. (Sbriglio, 2011, p.139)
Joana Cotter Salvado
37
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 17 - Unité d´habitation, Nantes-Rezé (1955), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucien Hervé (1950-1958)
(Sbriglio, 2011, p. 202-203, 205, 209)
La fotografía nos brinda un extraordinario instrumento de reproducción, pero también algo mucho
más importante. Va camino de aportar algo totalmente nuevo al mundo óptico: los elementos
(específicos) de la fotografía puden aislarse de las complicaciones que llevan consigo; no sólo de
forma teórica, sino también de forma tangible, en sus manifestaciones reales. (Moholy-Nagy,
2005, p.186)
38
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2.2
A FOTOGRAFIA COMO REGISTO DO ESPAÇO ARQUITECTÓNICO
Ao percepcionarmos, enquadramos e definimos a realidade através do foco
que delimitamos. Por outras palavras, é a focagem que determina o ponto ou o
elemento que é mais visível, o que sobressai ao observador, e o que possui um
significado.
Referimos mais uma vez, a síntese de várias áreas de conhecimento que era
objectivo último no processo de aprendizagem na Bauhaus. Esta interacção de áreas,
tais como a pintura, a escultura, a arquitectura, a matemática, a física, entre outras,
baseava-se na instrução de elementos fundamentais da forma. Enquanto relação com
o espaço e plano e ainda a utilização da cor. Na Bauhaus as formas elementares e as
cores primárias formavam a base da compreensão do espaço, peças fundamentais no
curso leccionado por Johannes Itten44. Este, ensinava os alunos a desenvolver e
desenhar peças com base na combinação e interligação das formas e cores primárias.
O equilíbrio e as proporções da forma eram fundamentais para a projecção dessas
peças.
Hence, in the first part of the investigation of form the plane is reduced to three fundamental
elements - triangle, square, and circle - and space is reduced to the resulting fundamental space
elements - pyramid, cube, and sphere. Since no plane and no space can exist without color, that
is, since form in the narrower sense must, in reality, immediately be investigated as form in the
broader sense, the division of the problem of form into two parts can be made schematically. On
the other hand, the organic relationship between the two parts must be recognized from the outset
- the relationship of form to color and vice versa. (Wingler, 1969, p.74)
Tais estudos são essenciais, pois ao percepcionarmos a realidade definimos a
relação da forma com o fundo o que torna compreensível a importância desta relação
no contexto do registo do espaço arquitectónico através da fotografia. É a inter-relação
destes elementos, que expressam espacialidade às representações num plano. A
fotografia é um dos instrumentos que permite esse registo da realidade, transformando
o espaço numa imagem fotográfica. É esta passagem entre estes dois espaços: o
registado na imagem fotográfica e o espaço que integra a realidade, que será
fundamental compreender.
44
Johannes Itten (1888-1967). Pintor, escritor e professor na Bauhaus. Começa a leccionar no ano de
1919-1923. Desenvolveu o curso preliminar na Bauhaus, denominado por “Vorkus”, baseado em
composições geométricas e cores primárias, que permitiam desenvolver a criatividade individual de cada
aluno. Nas suas aulas, apresentava fotografias através das quais os estudantes deveriam reproduzir e
reduzir a um elemento de composição. O trabalho de Johannes Itten foi fundamental para actividade
criativa e estruturação de cursos de design. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
39
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 18 – Representação de contrastes e elementos de composição (Itten, 1975, p.10-11)
40
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 19 – Círculo de cores como representação de doze cores em sete tons diferentes (1021), litografia em papel de
Johannes Itten (Droste, 2006, p.23)
A fotografia baseia-se na realidade determinando o espaço de registo. Este
espaço, reconstruído pela percepção, não é mais do que uma fracção de espaço,
representado na imagem fotográfica. É portanto, a partir desta relação, que se
consegue tal apropriação com a realidade.
Para Philippe Dubois, o espaço fotográfico é um processo de subtracção da
realidade, em que “cada olhar, cada fotografia é inelutavelmente uma machadada que
separa um pedaço de real e exclui, rejeita, desapoça o que o envolve.” (Dubois, 1992,
Joana Cotter Salvado
41
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
p.181). O espaço, é definido pelo acto fotográfico, estruturado pela percepção ou, por
outras palavras, a partir da forma como apreendemos a realidade.
Referimos no subcapítulo anterior, que a visão incorporada mediante a
realidade é caracterizada pela simultaneidade de sentidos perante essa mesma
realidade. Citámos Juhani Pallasma na necessidade de privilegiar a interacção dos
sentidos visuais, tácteis e auditivos. O autor compreende ainda a experiência do
espaço arquitectónico na sua essência corpórea, plenamente integrada, que permitirá
uma experiência mais verdadeira deste mesmo espaço. Tais ideias, relativamente à
percepção e apreensão do espaço arquitectónico constituem-se como base para
compreendermos ideias como o registo do espaço arquitectónico através da imagem
fotográfica. Mas, para percebermos o que consiste o registo do espaço através da
fotografia, será essencial compreender:
1. A fotografia enquanto fracção de espaço
2. A fotografia enquanto corte temporal
La primacía del sentido del tacto se há hecho cada vez más manifiesta. También há suscitado mi
interés el papel de la visión periférica y desfocada en nuestra experiencia vivida del mundo, así
como nuestra experiencia de la interioridad de los espacios en los que vivimos. La esencia
misma de la experiencia vivida está moldeada por la hapticidad y por la visión periférica
desenfocada. La visión enfocada nos enfrenta en la carne del mundo. (Pallasma, 2006, p.10)
Ilustração 20 – “La incredulidad de Santo Tomás” (1601-1602). Michelangelo Merisi da Caravaggio. (Pallasma, 2006,
p.23)
42
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
O registo da realidade pela fotografia, ou “espaço off” (Dubois, 1992, p.181),
seleccionado pelo foco fotográfico, determina uma fotografia ou fragmento da
realidade.
Segundo Roland Barthes45, o “referente fotográfico” (Barthes, 2009, p.87) é um
espaço necessariamente real a partir do qual é extraído o espaço fotográfico, pela
fotografia. Roland Barthes menciona ainda que o tempo deste referente fotografado é
um tempo passado e inacessível ao autor, designando-o como “Isto foi” (Barthes,2009,
p.87).
Apesar de a fotografia possuir um objecto fotografado estático, provêm da
dinâmica do olhar. A imagem fotográfica é constituída pelo espaço fotografado,
inserido em determinado instante que é fixado pela câmara fotográfica. O instantâneo
ou imagem fotográfica é portanto um recorte espacial e temporal que faz a referência a
uma determinada realidade num determinado tempo.
O essencial é que, arrancando ao mundo um pedaço de espaço, o acto-fotográfico faça deste um
novo mundo (espaço representado), cuja organização interna se elabora a partir da forma gerada
pelo corte fotográfico. O espaço de representação é o operador principal do acto fotográfico
(tanto na produção como na recepção). (Dubois, 1992, p.215)
Tdodavia, a imagem fotográfica, apesar de ser um recorte temporal, uma
suspensão
do tempo real
evolutivo,
torna-se
simultaneamente numa
nova
temporalidade, separada e isolada, correspondente de um instante fixo, de
perpetuação. A fotografia é assim uma forma de registo da realidade que introduz uma
nova relação com o tempo e com o espaço.
Segundo Philippe Dubois, a fotografia é uma impressão simultaneamente
separada, plana, luminosa e descontínua. Se por um lado o signo fotográfico
estabelece com o seu referente uma relação de conexão física, esta opera-se
precisamente na distância física que também é simultaneamente espacial e temporal.
(Dubois, 1992, p.90). Por a fotografia não compor uma imagem estereoscópica
afastada da visão humana binocular, está inevitavelmente ligada a uma superfície
plana. (Dubois, 1992, p.92). A fotografia é conjuntamente luminosa e descontínua.
Como impressão luminosa, é expressa pela descontinuidade da luz num só disparo e
num único instante. O dispositivo fotográfico transforma as ondas luminosas contínuas
45
Roland Barthes (1915 – 1980). Escritor, crítico literário, sociólogo e filósofo francês. Em 1939 formou-se
em literatura e em 1943 em filosofia na Universidade de Paris. Autor de obras como “Essais critiques”
(1964), “Nouveaux essais critiques” (1972), “La chambre claire” (1980), entre outros. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
43
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
em descontinuidades sucessivas, resultando num objecto fotográfico verdadeiramente
fracturado. (Dubois,1992, p.95).
Tal definição da fotografia também se explica pelo facto da história da
fotografia se basear na procura do instante fotográfico, e portanto, pela anulação e
fixação do tempo na imagem fotográfica.
No séculoXVIII a fixação da imagem não tinha sido estabilizada pelo facto de
se alterar quando exposta à luz. Ao longo de pesquisas técnicas neste mesmo século,
a procura do instantâneo que fixasse o objecto fotografado na superfície plana,
afastou-se de qualquer intenção de representar o movimento do tempo e a sua
duração, através da imagem.
Cameras implement the instrumental view of reality by gathering information that enables us to
make accurate and much quicker response to whatever is going on. (Sontag, 1979, p.176)
Even if incompatible with intervention in a physical sense, using the camera is still a form of
participation (Sontag, 1979, p.12)
Ilustração 21 – Imagem do olho e da lente da câmara fotográfica sobrepostos. Filme “Man with a Movie Camera”46,19281929, (Colomina, 1996, p.78)
46
“Man with a Movie Camera”, filme realizado pelo cineasta, jornalista e documentarista Dziga Vertov
(1896 – 1954) e editado por Yelazaveta Elizaveta Svilova (1900 – 1975) e produzido pelo estúdio
ucraniano VUFKU. O filme representa a vida urbana em Odessa, entre outras cidades soviéticas através
de sucessões de imagens que retratam a vida moderna. De uma forma geral, o filme mudo é
desencadeado por estas imagens, captadas ao longo do percurso, que se identificam ao fotógrafo que
foca um conjunto de situações. (Sontag, 1979, p.12)
44
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
É a partir da primeira metade do séculoXX, que o registo através da fotografia
ganha contornos de relevo. László Moholy-Nagy, recorre à técnica do fotograma, que
permite obter fotografias sem o auxílio do aparelho fotográfico. É a fotografia no seu
estado mais puro pois o objecto é pousado sobre o papel fotográfico e exposto à luz
durante um certo período de tempo, criando uma imagem com os contornos do
mesmo objecto. É deste modo considerado enquanto método fotográfico puro no
sentido em que o objecto é evidenciado pela composição dos efeitos luminosos. O
procedimento técnico do fotograma é baseado na fixação das gradações de preto,
branco e cinzentos derivados dos efeitos da luz sobre a película fotográfica. As
relações de contraste das diferentes gradações de cinzento desde o negro intenso ao
branco mais cristalino estabelecem um enorme efeito luminoso. (Moholy-Nagy, 2005,
p.157).
O fotograma, enquanto construção pictórica, estabelece assim uma ponte para
uma nova expressão visual que ao contrário da pintura não é dependente de
pigmentos de jogos de luz. A luz é apreendida na sua radiação directa possibilitando
mostrar o caminho para uma nova expressão óptica. (Moholy-Nagy, 2005, p.172). A
pintura é construída através de diversos tempos que, com a sucessão de gestos,
estruturam ao mesmo tempo que corrigem. Tal acontecimento não acontece com a
fotografia que se fixa num determinado tempo, por um determinado gesto ou acto
fotográfico.
A procura de tempo e da expressão do espaço através da imagem fotográfica é
um processo de pesquisa que acompanha a fotografia de László Moholy-Nagy. A
fotografia demonstra através dos seus próprios meios, a formulação de elementos
ligados ao tempo, indo mais além dos seus aspectos mecânicos. (Moholy-Nagy, 2005,
p.205). Com este efeito, o que se procurava fundamentalmente era reproduzir o
mundo através de um jogo de luzes. (Moholy-Nagy, 2005, p.171).
Tal como referimos no subcapítulo anterior da presente dissertação, as
fotografias sem câmara ou fotogramas, introduzem uma forma completamente nova de
articulação do espaço. O fotograma enquanto método fotográfico pela interação
directa da luz num determinado objecto sem o auxílio da máquina é só uma das
experiências com a fotografia que László Moholy-Nagy explora. Para além desta
experiência, produz também fotografias com a utilização da câmara escura realizadas
com novos sistemas de lentes. É importante percebemos que o registo da realidade
Joana Cotter Salvado
45
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
através da fotografia, evolui e que a sua descoberta não se baseia apenas em ensaios
no campo óptico mas também em desenvolvimentos químicos e técnicos das
máquinas.
Los experimentos con fotogramas son de importancia fundamental para cualquier fotógrafo.
Proporcionan, sobre el sentido del procedimiento fotográfico, que un aprendizaje más eficaz e
importante que las fotografías realizadas con cámara, las cuales casi siempre por casualidade.
Aquí, la composicíon de los efectos lumínicos es soberana, se establece justo como el creador lo
desea, independientemente de las limitaciones y los accidentes del objeto. (Moholy-Nagy, 2005,
p.159)
Ilustração 22 – Untitled. (1922). Tamanho original: 18.9 x 13.9 cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.50)
46
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Development in every field of creation has led man to concentrate upon establishing means
exclusively appropriate to the work. Extreme mastery and extreme inventiveness have been
displayed in bringing out what is essential and elementary, in discovering basic constellations and
organising them. Thus painting too came to recognise its elementary means: colour and plane.
This recognition has been aided by the invention of the mechanical process of representation:
photography. People have discovered on the one hand the possibility of representing, in an
objective, mechanical manner, the effortless crystallising out of a law stated in its own medium; on
the other hand it has become clear that colour composition carries its subject within itself, in its
colour. (Moholy-Nagy, 2005, p.14)
Há um sentido primitivo na exploração do fotograma como um suporte de
registo, na medida em que parece retornar ao passado, enquanto método muito
semelhante e relacionado com a câmara lúcida e com a câmara escura.
No início do séculoXIX, as câmaras lúcidas47 reconhecidas como “máquinas de
desenhar”
(Sougez,
1996,
p.18)
permitem
um
aperfeiçoamento
óptico
por
possibilitarem “desenhar um objecto através de um prisma, com um olho no modelo e
outro no papel.” (Barthes, 2009, p.117). É precisamente em 1816, que Nicephore
Niepce, começa a utilizar a câmara escura48, conseguindo com o seu auxílio produzir
imagens sobre papel. A câmara escura é entendida como “uma espécie de olho
artificial que é simplesmente uma caixinha quadrada de seis polegadas de cada lado:
será equipada com um tubo susceptível de alargar-se e com um vidro lenticular.”
(Sougez, 1996, p.30). É portanto a par de desenvolvimentos da técnica e
aperfeiçoamentos ópticos que as máquinas evoluem, possibilitando novas expressões
e modos de registo.
László Moholy-Nagy entendia que a técnica do fotograma não era suficiente
para expressar a realidade mas que tinha aberto novos campos de registo aliados aos
novos descobrimentos da criação fotográfica, como a fotomontagem que possibilitava
a composição de uma imagem nova a partir de fragmentos diversos (Moholy-Nagy,
47
Câmara lúcida ou câmara clara (nome da América, a sensação de sala iluminada) é um dispositivo
óptico, utilizado como auxiliar do desenho. Patenteado em 1806 por William Hyde Wollaston (1776 –
1828), físico e químico britânico. A câmara clara permite uma superposição óptica do observado e do que
está a ser desenhado. De uma forma mais simples, o artista está voltado para a superfície de desenho
por meio de um espelho com uma inclinação de 45 graus que permite sobrepor uma visão directa da
superfície de desenho e da reflexão do observado. Desta forma, cria uma imagem virtual de modo que
tanto esta como o observado possam ser vistos focado simultaneamente. (Wikipédia, 2012)
48
Câmara escura (do latim câmara oscura) consiste numa caixa com um orifício no canto de uma das
fases. A luz que entra pelo orifício produz na superfície interna uma imagem reproduzida invertida. No
século XVII, Athanasius Kircher (1601-1680) matemático e físico alemão, projectou um tipo especial de
câmara escura portátil, em forma de tenda desmontável, muita usada pelos artistas para desenho de
paisagem. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
47
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2005, p.148), permitindo assim a sobreposição de elementos ópticos e mentais.
(Moholy-Nagy, 2005, p.149).
Ilustração 23 - Câmara Lúcida de Wollaston, criada em 1806 (Sougez,1996, p.18)
Ilustração 24 – Câmara escura portátil de Athanasius Kicher (1601-1680).1646. (Colomina, 1996, p.79)
É esta síntese de associações mentais e visuais que se justapõem,
estabelecendo uma composição equilibrada entre o intelecto e o visual com a
finalidade de representar um conjunto de ideias. (Moholy-Nagy, 2005, p.153). Só
48
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
assim através da fotografia, podemos ser participantes de novas experiências com o
espaço.
La fotoplástica indica con claridad la manera de transformar el procedimiento fotográfico imitativo
en una actividad artística programática. (Moholy-Nagy, 2005, p.148)
Ilustração 25 - Ciúmes, fotomontagem de László Moholy-Nagy, 1930. (Sougez, 1996, p.242)
A procura da expressão de espaço e de tempo através da fotografia, afastava
László Moholy-Nagy das formulações da fotografia corrente em que a máquina não
domina totalmente o processo de criação da imagem fotográfica. No caso das
Joana Cotter Salvado
49
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
fotomontagens, interessou-se pelo processo de união de diferentes elementos, fixados
em tempos diferentes, mas que se conjugam na mesma imagem fotográfica.
En general, el fotomontaje exige concentración y una gimnasia del ojo y del cerebro con las que
se desarrolla inmensamente la capacidad de digestión y de asociación de imágenes.(MoholyNagy, 2005, p.222)
El fotomontage, un procedimiento que se usa con frecuencia en publicidad, sigue una técnica
muy parecida. El corte y el montaje de las partes se aplican aqui sobre un plano estático. El
efecto es el de una escena real: una sinopsis de acciones producida por elementos
espaciotemporales que originalmente no tienen niguna relación entre sí, pero que por
yuxtaposición se funden en una unidad. (Moholy-Nagy, 2005, p.214)
Encontramos ecos deste processo na obra fotográfica de David Hockney.
David Hockney49, também pretende afastar-se da deformação da mecânica da
percepção. (Hockney, 1985, p.10). Interessa-se pelo dinamismo da visão, defendendo
que a fotografia produz um distanciamento da realidade. Segundo ele, a nossa
percepção amplia-se ao movermo-nos no espaço e por isso combinamos sucessivos
pontos de vista, cada um com determinada duração. No entanto, cada fotografia fixa a
duração captada num único instante. Do mesmo modo, fracciona e isola apenas uma
porção de extensão do espaço revelando-se como uma fatia única de espaço-tempo.
(Dubois, 1992, p.163).
David Hockney relaciona-se com o Cubismo pela introdução de três elementos
artísticos que considera que uma fotografia não conseguiria expressar: tempo, espaço
e narrativa. Acreditava que apenas pela introdução destes três elementos nas suas
fotografias,
conseguiria
alcançar
uma
visão
simultânea
da
realidade
que
percepcionamos.
Si la vista se mueve, interviene el tiempo, y la cosa que vemos cambia, se ve de otra manera. En
cierto modo, nos representa. El ojo, al moverse, nos dice que estamos vivos y esta es la razón de
49
David Hockney cenógrafo, artista, pintor e fotógrafo. Nasceu no ano de 1937 em Bradford, Inglaterra.
Entre 1959-62 estudou no Royal College of Art de Londres e visita a exposição de obras de Pablo Picasso
na Galeria Tate (Londres, 1960) que considera para o seu trabalho uma inspiração. Em 1961 licencia-se
na Royal College com Medalha de Ouro. Entre 1963-68 apresenta a sua primeira exposição individual de
gravuras na Galeria Kasmin e na Galeria Alecto (Londres, 1963). Começa a fazer fotografias com câmara
Pollaroid e a pintar com acrílico. Em 1968, alarga os seus estudos fotográficos que se tornam referências
para as suas pinturas. Em 1974 trabalha com Aldo Crommelynche (1931 – 2008), colaborador de Pablo
Picasso e em 1976 fez uma série de litografias em grande escala de retratos de amigos, em Los Angeles.
Em 1982 fez várias exposições de fotografia à base de fotografias Polaroid, que evidenciam o seu
fascínio por Pablo Picasso e pelo Cubismo. Entre as exposições, destaca-se David Hockney Photographe
no Centro Georges Pompidou. Em Maio deste ano monta uma exposição em Nova Iorque que denominou
“Drawing with camera” com cerca de 150 obras fotográficas. Em Setembro deste mesmo ano,começa a
fazer photocollages utilizando uma câmara Pentax 110. Entre 1983-85 continua a pintar, a fazer gravuras
e fotografias, colaborando em produções teatrais. (Hockney, 1985, p.26-27)
50
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
que, al tener que mirar fijamente una fotografía, yo sintiera que la vida quedaba fuera, que se
eliminaba. (Hurtado, 1985, p.20)
Assim, regista a realidade através de séries, fazendo composições a partir de
várias fotografias que representam diversos pontos de vista. Se por um lado dá
importância ao tempo e ao movimento, tentando-os descrever numa imagem
fotográfica, sugere também a passagem fluída temporal construindo um percurso com
o conjunto de imagens. Só assim poderia registar os diferentes estratos de tempo,
afastando-se do tempo fixo do instante fotográfico que entendia expressar uma única
fotografia. A intenção de David Hockney é apreender a totalidade, sem se preocupar
com a coerência apenas de um fragmento. Frente à fixação do tempo da fotografia
instantânea, baseia-se na adição de fragmentos, de momentos simultâneos que o
movimento natural de percepção transforma.
Quando expôs pela primeira vez as suas composições (Composite Polaroids),
em Maio de 1982, denominou-as “Drawing with camera”. Parecia-lhe haver uma
estreita ligação com o modo de execução de uma pintura pois ao contrário de uma
fotografia, não tem necessariamente o enquadramento imposto pela objectiva do
fotógrafo. (Hockney, 1985, p.16). Desta forma, ao mover-se no espaço fazia séries de
pormenores que no seu conjunto estabeleciam resultados pictoricamente lógicos.
Utilizava a câmara Polaroid SX-7050 pois permitia-lhe a impressão imediata da
imagem. (Hockney, 1985, p.9).
No entanto, a máquina em questão possuía um inconveniente: era necessário
esperar bastante tempo até ao momento de impressão fotográfica. O tempo longo, ou
a demora na revelação da Polaroid, acaba por estabelecer uma relação directa com o
acto de desenhar ou pintar, este também vagaroso. Tal inconveniente é assim
transformado numa qualidade, pois aproxima o seu acto fotográfico a uma pintura.
(Hockney, 1985, p.16).
A máquina Polaroid tem uma lente fixa de grande angular e tal como referimos
anteriormente a execução de fotografias com esta máquina é um processo lento. Para
além disso, pelas características da película, teriam de se conservar as margens,
criando um retículo branco envolvente. (Hockney, 1985, p.17).
50
A Polaroid é a primeira máquina fotográfica de consumo a usar película de revelação instantânea. A
primeira Polaroid foi inventada em 1947, sendo que a Polaroid SX-70 é um modelo de câmara produzida
pela Polaroid Corporation 1972-1981, que permite foco manual. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
51
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
David Hockney começa a fazer novas experiências fotográficas com a
utilização da máquina Pentax 11051 que permite a substituição e utilização de três
lentes sendo uma delas era uma teleobjectiva. Esta máquina, embora possibilitasse o
trabalho em espaços abertos,só permitia observar os resultados após a revelação.
(Hockney, 1985, p.18).
Começa assim a compor fotocolagens (Photographic Collages) e dá-lhes o
nome de “joiners”, fotografias montadas pelas margens, de modo a que formem uma
só. (Hockney, 1985, p.21). David Hockney primeiramente adopta o sistema de
quadrícula. Posteriormente começa a perceber que as composições que fazia
determinavam um resultado demasiadamente previsível. Considera que com esta
nova forma de registo conseguiria recriar a série de olhares que compõem a visão ao
movimentarmo-nos no espaço. Os fragmentos distintos incluídos na montagem não se
apreendem enquanto elementos isolados pois associam-se ao movimento natural de
percepção, sugerindo espaço expressando múltiplos pontos de vista contínuos. Desta
forma, possibilitava a conexão do espaço com o tempo, à própria natureza do
movimento. Não se trata portanto de um lugar estático nem de uma descrição
cristalizada do mundo mas de uma materialização do próprio movimento que se
constrói e se expressa através de colagens fotográficas, permitindo o contacto entre
distintas distâncias. O interesse de David Hockney pela luz e pelo registo de diferentes
enquadramentos é acentuado quando abandona os “joiners” a preto e branco e
começa a utilizar a cor. (Hockney, 1985, p.10).
Seis, ocho o doce imágenes de un lugar o de una velada són más informativas que las
instantáneas sueltas, y este método demuestra además la intencionalidad que Hockney pone en
sus fotografias. (Hockney, 1985, p.12)
Assim, a percepção amplia-se e ilusoriamente move-se no espaço. As “joiners”
integram múltiplos pontos de vista e esquemas de perspectivas, construídas de forma
dinâmica. O tempo condensado expressa-se pela continuidade das agregações
fotográficas. David Hockney apercebe-se que o espaço e o tempo teriam de estar
relacionados pois não se poderia apreender o espaço com ausência de tempo e essa
era uma das razões pela qual não se identificava com a fotografia isolada. (Hockney,
1985, p.18).
51
A Pentax 110 é uma máquina fotográfica Reflex (permite substituição de lentes) produzida entre 19881985. (Wikipédia, 2012)
52
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 26 – “Nicholas Wilder Studying Picasso”, 1982, composite Polaroid de David Hockney com
formato original 48 ½ x 26 ½ (Hockney, 1985, p.32).
Joana Cotter Salvado
53
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Los contornos se forman sobre la marcha, se interrumpen en la cuadrícula formada por los
márgenes de la Polaroid, continúan su marcha o se vuelve en otra dirección descriptiva. En lugar
de estorbar, la cuadrícula proporciona interstícios que el tema salta, invisible por un momento,
para reaparecer, en uno cualquiera de los cuatro sectores del espacio adjacente. Lo que se
pretendia era utilizar la fotografía para recrear la serie movediza, indagadora y fluctuante de
miradas que componen la vision. (Hockney, 1985, p.14)
Tal como os pintores cubistas se interessavam pela correspondência entre o
espaço e o tempo (Hockney, 1985, p.11) David Hockney também demonstrava tal
interesse adoptando novas formas de visão ao tentar destruir a ideia de janela. A ideia
de janela é destruída com a pintura cubista na medida que o “objecto/tema” é
desmembrado nas faces que o compõe. (Hockney, 1985, p.16).
Una foto corriente es como mirar por la ventana. (Hockney, 1985, p.28)
Quando Pablo Picasso pinta uma figura sob diferentes pontos de vista
(Ilustração 21), representa a mudança de movimento que a nossa visão capta. David
Hockney identifica-se com tal visão e regista o que percepciona ao recolher todas as
alterações do nosso olhar ao mover-se no espaço e no tempo e reajustando
continuamente a sua focagem. (Hockney, 1985, p.17).
O quadro forneceria aos meus olhos mais ou menos o que os movimentos reais lhe forneciam:
vistas instantâneas em série, convenientemente misturadas, como, no caso de um vivente,
atitudes instáveis em suspenso entre um antes e um depois numa palavra, os exteriores da
mudança de lugar que o espectador leria no seu traçado. (Merleau-Ponty, 2009, p.62)
David Hockney cita o Cubismo, tentando representar a realidade de uma forma
mais viva. (Hockney, 1985, p.15). Procura assim uma visão simultânea que abrange
todos os aspectos da percepção humana ao longo de determinado intervalo de tempo.
Ao movermo-nos, conjugamos diversos pontos de vista. Para além disso, o Cubismo
ocupa-se do espaço entendido não só como algo que se percepciona mas que se vive.
(Hockney, 1985, p.23).
A inserção de tempo e de duração pela utilização de colagens fotográficas
expressava a sensação de espaço permitindo possibilidades narrativas. A experiência
de David Hockney realizada com a câmara fotográfica está fortemente relacionada
com a continuidade do tempo e a fragmentação da percepção. Assim, abandona uma
construção fotográfica estática, que parte da cristalização da visão sob um ponto de
vista determinado, e procura o desencadeamento de uma continuidade ou narração de
acontecimentos. David Hockney, ao operar a fotografia por sequências, acreditava que
se aproximava da ideia de contar uma história, de narrativa.
54
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 27 – Retrato de Dora Maar52, (1936) Pablo Picasso (Walter, 2003, p.15)
Hockney registra una vez más lo que ve y lo que siente. Son fotografias en las que no se trata de
describir la realidad, y sí de convertirla en auténtica. (Hockney, 1986, p.29)
Segundo Martine Joly53, a função da narrativa constitui uma dupla estrutura
entre tempo e acção. (Joly, 2003, p.88). A fotografia para além de permitir uma
imagem mental torna-se num suporte narrativo e ficcional transformando assim a
relação entre ficção e realidade que lhe está associada. (Joly, 2003, p.91). Tal relação
não é mais do que uma estratégia de comunicação, ou seja, uma representação visual
do real.
Podemos assim constatar que as formas novas das imagens e as possibilidades oferecidas pelas
tecnologias mais recentes afectam o conteúdo e a forma da nova ficção ou da nova publicidade.
(Joly, 2003, p.120)
52
Henriette Theodora Marković, poeta, pintora e fotógrafa francesa, conhecida por musa de Pablo
Picasso. (Wikipédia, 2012)
53
Martine Joly, professora na Universidade Michel de Montaigne - Bordeaux III, é responsável pela
formação de ofícios da produção audiovisual do Instituto Francês de Ciências de Informação e da
Comunicação. Contribui e participa na elaboração de numerosos estudos sobre a imagem e o audiovisual,
em França e no estrangeiro. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
55
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Na fotografia “O jogo de scrabble” (Ilustração 28), David Hockney intensifica a
ideia de narrativa. A sessão demorou o tempo da partida. Durante uma hora e meia,
David Hockney fotografa os acontecimentos, para posteriormente montar estes
fragmentos numa só imagem. Ao reunir as fotografias produzidas durante a partida de
scrabble apercebeu-se da possibilidade narrativa que uma composição fotográfica
poderia expressar: como se estivesse a narrar o jogo. Parece-lhe interessante porque
as composições continham espaço e tempo e que para além disso conseguia dedicar
a cada acção determinado tempo. Pela utilização da técnica da fotomontagem
enquanto registo, apercebia-se que conseguiria aproximar-se da visão natural.
Ilustração 28 – “O jogo de scrabble”, de David Hockney, 1983. (Hockney, 2000, p.12)
É o próprio acto de tomada de vistas que, com um operador de representação estruturado
ortogonalmente por intermediário (o rectângulo da janela), gera a homologia estruturante entre os
quatro espaços. Isso quer dizer que tiramos uma fotografia exactamente como olhamos o mundo.
É por tomada de vistas se identificar com o nosso olhar (que é tudo o que define o acto
fotográfico) que o espaço da fotografia parece “naturalmente” congruente com o espaço real tal
como é captado pela nossa percepção corrente. (Dubois,1992, p.218)
David Hockney decompõe o espaço e o tempo a partir do conjunto de
instantâneos, sugerindo portanto movimento e a passagem do tempo que é retratado
ao longo desse movimento. As experiências de David Hockney, através de múltiplas
vistas, registadas através de fotografias são fundamentais para a compreensão de
uma dinâmica perceptiva através da imagem fotográfica.
56
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Tal como referimos anteriormente, é esta dinâmica perceptiva que expressa o
movimento pelo espaço arquitectónico. Ao deambularmos pelo espaço, o olhar capta a
realidade, consoante a porção de espaço percorrida numa determinada porção de
tempo.
Ao transpormos esta procura de tempo e de espaço através da imagem
fotográfica, para a arquitectura, mais uma vez procuramos afastarmo-nos do tempo
condensado e fixo de apenas uma fotografia. Se o espaço é apreendido por
fragmentos, reconstruídos na memória que expressam uma realidade, cada fotografia
é um fragmento dessa mesma realidade.
Ao referirmos o trabalho do fotógrafo David Hockney, pela importância do uso
da fotografia enquanto procura da representação da percepção natural e apreensão do
espaço que expressa diferentes estratos de tempo, mencionamos também o trabalho
do arquitecto Enric Miralles54, que irá ser desenvolvido no subcapítulo 3.1 da presente
dissertação.
Enfocar la mirada, cada vez a un punto; tiene mucho que ver con vuestra arquitectura…
Es como un collage…
A veces parece una superposición de cosas distintas…pero en realidade miras una o miras
otra…También tiene que ver com lo que hablábamos de la apertura de las posibilidades, com el
modo de mirar un collage…Hay un conjunto de cosas, diversas pero vinculadas. Y la mirada
enfoca una sola cosa, que manda una señal…Como aquellos retratos de Hockney que hacía com
la Polaroid… (Miralles, 2000, p.14)
Esta comparação é fundamental para evidenciarmos que tais ideias são
preponderantes para a compreensão do espaço arquitectónico, igualmente pelo facto
de Enric Miralles recorrer à colagem como meio do suporte do pensamento
arquitectónico.
Enric Miralles, ao elaborar fotomontagens, baseia-se na experiência artística de
David Hockney, realizada entre 1982-1986, com a câmara fotográfica. (Miralles, 2000,
54
Enric Miralles Moya (1955-2000), arquitecto espanhol. Estudou arquitectura na Universidade Politécnica
da Catalunha, Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona (ETSAB), onde se licenciou em
1979. Entre 1983-1990 trabalhou em parceria com a sua primeira mulher e arquitecta Carmen Pinós,
licenciada também pela ETSAB em 1979. Entre 1990-1994 trabalhou sozinho e entre 1995-2000 colabora
com a sua segunda mulher e arquitecta italiana Benedetta Tagliabue, graduada pelo Instituto Universitário
de Arquitectura de Veneza (IUAV) em 1989. Benedetta Tagliabue trabalhou desde 1991 com Enric
Miralles e em 1995 montam um estúdio, renomeado EMBT (Enric Miralles Benedetta Tagliabue), com
sede em Barcelona. Após a morte de Enric Miralles, em 2000, Benedetta Tagliabue dá continuidade ao
estúdio, até ao presente. (Mirallestagliabue, 2012)
Joana Cotter Salvado
57
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
p.24). Como referimos anteriormente, é em Setembro do ano de 1982 que David
Hockney começa a fazer photocollages (colagens fotográficas) e que através destas,
lhe permite investigar a continuidade do tempo a par da fragmentação da forma,
interagindo com o espaço.
A importância do uso da fotografia, na procura de um diálogo com a
arquitectura, que represente de uma forma coerente o espaço, permite a expressão do
próprio espaço arquitectónico.
A técnica da colagem a partir de fragmentos fotográficos assume um diálogo
intenso com a arquitectura e como já foi referido introduz a noção de espaço-tempo na
imagem. O processo é de tal modo interessante, que a arquitecta italiana Benedetta
Tagliabue, que colaborou com Enric Miralles entre 1991-2000 (período anterior à sua
morte), introduziu tal processo na apresentação do seu espaço de trabalho, no site de
internet oficial do atelier.
Tal como é apresentado na Ilustração 29, é construída uma narrativa que
começa no espaço de entrada exterior e se prolonga até à sala mais privada do atelier.
Esta apresentação é uma forma de fazer introduzir ao utilizador virtual, o processo
criativo da arquitectura deste mesmo atelier. A narrativa assume-se como um percurso
que propõe a descrição do espaço arquitectónico. Tal descrição é expressa através de
momentos, que montados sequencialmente, traduzem o movimento pelo espaço de
trabalho do atelier.
La puesta en obra está incorporada a la forma de la arquitectura. El arquitecto no sólo proyecta el
edificio, sino la estrategia de su construcción. Estar construyendo no es un trámite auxiliar, que
se disuelve pontual y obedientemente para dejar paso la forma, toda ella predispuesta en el
proyecto, sino que la construcción ya es arquitectura. La construcción, es cierto, es un momento
efímero, destinado a desaparecer y quedar ocultado por la vocación de perennidad del edificio,
pero lo arquitectónico está en ambos. Por eso son tan emotivas las lâminas donde se muestra el
estibamiento, acarreo y levantamiento de los obeliscos egipcios, en Paris o Roma: mucho más
que fijados en su enhiesta pasividad en medio de una plaza. Por eso las fotografías del
transporte de los grandes monolitos para las obras de Plecnic, tirados por bueyes, son tan
sugestivas, al menos, como las obras acabadas. Por eso en cualquier visita a un edificio
construido hay un sentimento de insuficiencia, por parte nuestra, epígonos que no asistimos al
primer acto de la forma: la construcción. (Quetglas, 2000, p.27)
58
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 29 – Esquema de percurso pelo espaço de trabalho do atelier EMBT (Enric Miralles Benedetta Tagliabue),
(Mirallestagliabue, 2012)
Joana Cotter Salvado
59
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
60
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
3.0
FRAGMENTO, M ANIPULAÇÃO E FICÇÃO NA N ARRATIVA DA
FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA
To enter is to see. But not to see a static object, a building, a fixed place. (Colomina, 1996, p.5)
A fotografia estabelece uma significativa relação entre espaço e tempo. O
registo do espaço através da imagem fotográfica poderá ser entendido enquanto
espaço representado ou fotográfico. É um espaço fixado e extraído da realidade e
portanto uma fracção de espaço, isolado e expresso pelo instante fotográfico, um corte
temporal.
Ao longo da presente dissertação, a aproximação da expressão da duração do
tempo, da visão natural e da procura da sensação de espaço através da fotografia é
aliada a associações visuais, mentais que propõem um diálogo intenso da fotografia
com a arquitectura. A compreensão e apreensão do espaço arquitectónico pela
fotografia são associadas a novas técnicas fotográficas que poderão formar
composições narrativas, permitindo uma nova representação entre espaço e tempo.
La arquitectura es el instrumento principal de nuestra relación com el tiempo y el espacio y de
nuestra forma de dar una medida humana a esas dimensiones; domestica el espacio eterno y el
tiempo infinito para que la humanidad lo tolere, lo habite y lo comprenda. (Pallasma, 2006, p.16)
Assim, ao considerarmos que o espaço fotografado é apenas um fragmento da
realidade, a noção de colagem é introduzida enquanto técnica criativa que permite a
articulação de fragmentos.
Na presente dissertação, investigamos a metodologia de trabalho e
representação por meio da fotogorafia do arquitecto catalão Enric Miralles (19952000). Enric Miralles interessa-se pela associação entre espaço e tempo, apropriandose da fotografia. A importância da referência deste arquitecto na presente dissertação,
prende-se com o incorporar de diferentes fragmentos fotográficos no mesmo plano,
enquanto forma de expressão e aproximação à arquitectura. Miralles utiliza um
conjunto de fotografias enquanto estímulo no desenvolvimento de um projecto, pois
cada fotografia proporciona um diferente momento num determinado instante. A
utilização da fotografia por Enric Miralles é uma forma de registo e representação que
permite a procura de um carácter narrativo, no processo de desenvolvimento de um
projecto. Utiliza o mecanismo de colagem considerando que um conjunto de
fotografias, tal como um conjunto de olhares, constrói o espaço. A importância de
manipular fotografias e documentos que guiam o pensamento na procura e
Joana Cotter Salvado
61
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
compreensão do espaço arquitectónico, permite estruturar a percepção global da sua
arquitectura.
O projecto de requalificação do Mercado de Santa Caterina, é um dos
exemplos dessa interacção de elementos gráficos diversos, enquanto mecanismo de
estudo do lugar e representações do modo de percepcionar.
Ao longo da presente dissertação, a fotografia é também entendida enquanto
acto de transformação da arquitectura fotografada permitindo uma expressão de ideias
e de significados. Andreas Gursky, é um dos artistas/fotógrafos referidos, por utilizar a
fotografia como composição pictórica como uso de técnicas de tratamento de imagem
e manipulação digital. Ao construir composições fotográficas, multiplicando elementos
da própria imagem, constrói a sua realidade fictícia. A evolução de técnicas
fotográficas (manipulação digital), possibilitam novas formas de expressão do espaço
arquitectónico, utilizadas também por fotógrafos contemporâneos, no modo como
representam a arquitectura. Andreas Gursky, não se limita a descrever a realidade
mas sim a construir a sua própria “realidade” onde cada detalhe é multiplicado e
manipulado, ampliando o tempo de contemplação por parte do observador.
A fotografia distancia-se, assim, do objecto de representação, autonomizandose enquanto objecto de arte ou sistema de representação. A imagem fotográfica
produzida adquire um papel fundamental na compreensão da arquitectura, revelando e
tornando sua a autenticidade do objecto arquitectónico.
A fotografia recria a nossa percepção, considerando-a como mecanismo de
comunicação e sedução da própria arquitectura, sugerindo ainda a maneira de a
percepcionar. Este novo modo de visão, aproxima a percepção à simulação do espaço
arquitectónico que tende a estetizar-se de forma a seduzir o observador através da
imagem fotográfica. Enquanto sistema de comunicação, transforma o espaço
arquitectónico na sua versão mais autêntica,idealizando-a. A referência do
fotógrafo/artista Thomas Demand, é fundamental por ultrapassar a ideia base de
comunicação nas suas imagens fotográficas. Os acontecimentos são construídos pelo
artista em espaços, através de maquetes à escala real, que destrói após as fotografar.
O espaço como construção e a fotografia como resultado final de uma expressão de
um conjunto de significados de determinado acontecimento reforça a ideia de ficção,
no contexto da representação pela imagem fotográfica.
62
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A percepção, o registo e a representação são uma síntese global indissociável
para a compreensão do espaço arquitectónico através da fotografia. A divisão destas
três componentes e consequente exemplificação com o trabalho dos autores: Enric
Miralles, Andreas Gursky e Thomas Demand, permitem-nos compreender o modo
como apreendemos a arquitectura a partir da fotografia.
Destacamos o arquitecto Enric Miralles por procurar a incorporação e a
percepção global da sua arquitectura pela utilização da fotografia, Andreas Gursky
pela construção de composições fotográficas e o forte papel da simulação e
manipulação digital no seu trabalho e Thomas Demand por ir mais além da
representação do espaço arquitectónico, ao interpretar uma imagem, construir espaço
e fotografá-lo, permanecendo apenas a fotografia, enquanto representação de uma
interpretação e enquanto resultado final.
It is a space that is not made of walls but of images. Images as walls. (Colomina, 1996, p.6)
No entanto, é na síntese destas três ideias chave que encontramos a
verdadeira definição de espaço arquitectónico apreendido através da fotografia.
Joana Cotter Salvado
63
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
64
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
3.1
PERCEPÇÃO E FRAGMENTO: ENRIC M IRALLES
Las cosas son como puzzles que van encanjando…(Tuñonat at al, 2000, p.19)
Como referimos anteriormente, a fotografia teve um papel fundamental para a
produção e divulgação da arquitectura moderna, possibilitando novos modos de
apreensão e percepção do espaço arquitectónico.
A arquitectura contemporânea está intimamente ligada à noção de fragmento
como mecanismos de projecto para a elaboração de formas (Montaner, 2002, p.186).
A colagem, enquanto técnica criativa e estratégia formal, articula diferentes
fragmentos, possibilitando a decomposição e a percepção do objecto total.
Introduzida por Pablo Picasso, artista referido anteriormente nesta dissertação,
e o pintor francês George Braque55, esta técnica permitia a utilização livre de materiais
incorporados num mesmo plano. Criávam-se novas expressões visuais, afastando a
tradicional pintura feita a óleo e suporte de tela. A colagem assume-se enquanto
mecanismo técnico e visual que permite uma expressão mais próxima da realidade, e
uma procura da tridimensionalidade do objecto.
Ao percepcionarmos a arquitectura, interligamos os sentidos permitindo
articular e armazenar um conjunto de ideias sensoriais fundamentais para a
compreendermos. (Pallasma, 2006, p.10)
A construção de edifícios tem uma recepção de dois tipos: através do uso ou através da sua
percepção. Melhor dizendo: táctil e óptica. (Benjamim, 1992, p.109)
With photography, seeing the world becomes not only a matter of spacial distance but also of the
time-distance to be eliminated: a matter of speed, of acceleration or deceleration. (Virilio, 1994,
p.21)
A colagem é portanto, um conjunto de diferentes vistas, que, ao se sobreporem
num mesmo plano facilitam a apreensão do espaço arquitectónico. Quando referimos
a colagem enquanto mecanismo que constrói e expressa um determinado espaço
arquitectónico, transportamos esta ideia para a fotografia.
55
George Braque (1882-1963) foi um escultor e pintor francês. Em 1907 conhece Pablo Picasso com
quem colabora artisticamente e funda o movimento cubista. Entre 1910 e 1912 começa a trabalhar com
colagens. (Georgebraqueorg,2009)
Joana Cotter Salvado
65
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 30 - Still Life on a Table 'Gillette', 1914, George Braque (georgebraque.org, 2009)
Ilustração 31 - Violin and Pipe 'Le Quotidien', 1913, George Braque (georgebraque.org, 2009)
66
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
O registo do espaço arquitectónico através da fotografia, ou o espaço
fotografado não é mais do que um fragmento da realidade, fixado pela câmara
fotográfica. Tal como referimos no subcapítulo 2.2 da presente dissertação (p.31,p.33),
este espaço fotografado é uma extracção da realidade, um espaço necessariamente
parcial e fixado pela câmara fotográfica. (Dubois, 1992, p.181)
Contudo, para percebermos a importância da fotografia, enquanto registo do
espaço arquitectónico será fundamental considerarmos que:
1. Apenas uma fotografia é insuficiente para a compreensão e leitura do
espaço arquitectónico
2. Um conjunto de fotografias pode funcionar enquanto suporte de memória
de um determinado lugar
3. Um conjunto de fotografias pode estimular uma ideia no desenvolvimento
de um projecto
Estas ideias são essenciais para percebermos que uma fotografia isolada
expressa apenas um fragmento da realidade. E este será uma vez mais o ponto de
partida para o desenvolvimento deste subcapítulo da presente dissertação.
No trabalho do arquitecto e artista visual romeno Iosif Kiraly56, a segunda
premissa mencionada - Um conjunto de fotografias pode funcionar enquanto suporte
de memória de um determinado lugar - reflecte o modo como regista o espaço. Na
série “Reconstruções”, uma das suas exposições fotográficas individuais, o artista
apresenta diversas montagens fotográficas. Com a utilização da fotografia digital,
reconstrói lugares percepcionados em diferentes estratos de tempo.
As fotografias apresentadas pelo artista são constituídas pelo dualismo entre
espaço e a sua mutação pelo tempo, representando portanto a acumulação de
experiências em determinado lugar pela passagem do tempo, que altera a percepção
que temos dele. O espaço adquire uma estrutura narrativa, que pretende expressar
56
Iosif Kiraly nasceu em 1957 na cidade de Resita, na Roménia. Arquitecto doutorado em artes visuais, é
professor adjunto na Universidade Nacional de Artes, em Bucareste onde funda o departamento de
fotografia Em 1990 colabora com o artista romeno Calin Dan fazendo uma associação com Iosif Kiraly
(arte subREAL). Em 2000 colabora com Mariana Celac, arquitecta urbanista e crítica de arquitectura, em
diversos projectos fotográficos relacionados com ambiente urbano e vida quotidiana, num período póscomunista na Roménia. Também a partir de 2000, Iosif Kiraly monta uma série de exposições individuais,
entre elas “Reconstruções”, em 2003 - projecto iniciado em 2000. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
67
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
momentos diferentes pela criação de diversos tipos de visualidade que se sobrepõem
em sequência, num mesmo plano. Nesta série, a reconstrução da realidade através de
técnicas fotográficas digitais leva a diversas mudanças de percepção, recorrendo à
memória que possibilita o registo do tempo no espaço. O trabalho fotográfico de Iosif
Kiraly é fundamental para percebermos que o conjunto de fotografias, organizadas
num mesmo plano proporciona a leitura do espaço funcionando enquanto suporte de
memória desse mesmo lugar.
Ilustração 32 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012)
Ilustração 33 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012)
Ilustração 34 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012)
68
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 35 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly (Iokira, 2012)
Ilustração 36 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly (Iokira, 2012)
Há uma dupla posição conjunta: de realidade e de passado. E, uma vez que esse
constrangimento só existe para ela, devemos tomá-la, por redução, pela própria essência, o
noema da Fotografia. Aquilo que intencionalizo numa foto (não falemos ainda de cinema), não é
nem a Arte nem a Comunicação, é a Referência, que é a ordem fundadora da Fotografia.
O nome do noema da Fotografia será então «Isto-foi» ou, ainda o Inacessível. Em latim
(pedantismo necessário porque ilumina cambiantes), dir-se-ia sem dúvida: «interfuit», aquilo que
vejo esteve lá, nesse lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (operator ou spectador).
Esteve lá e, contudo, imediatamente separado; esteve absolutamente, indesmentivelmente
presente, e, todavia, já diferenciado. (Barthes, 2009, p.87)
Joana Cotter Salvado
69
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Com Iosif Kiraly podemos estabelecer uma forte ligação com o trabalho
fotográfico de David Hockney, já mencionado anteriormente na presente dissertação.
Ambos os artistas pretendem representar a possibilidade da fotografia ganhar espaço
e tempo, algo que uma fotografia por si só é incapaz de fazer. O entendimento
arquitectónico do espaço é revelado a par da procura da sua narrativa visual pela
tomada de diferentes vistas capazes de reconstruir e expressar a leitura total do
espaço.
Como referimos no segundo subcapítulo da presente dissertação, as
fotografias de David Hockney pretendem afastar-se de uma visão fixa e estática,
revelando a “dinâmica natural do olhar” (Hockney, 1985, p.11).
David Hockney entendia que ao afastar-se da “mecânica da percepção”
(Hockney, 1985, p.10) conseguiria ampliar o campo perceptivo e expressar o tempo e
o enquadramento de cada ponto de vista nas suas mais variadas composições. Mas,
mais do que referir David Hockney e o seu processo de registo da realidade é
essencial relacioná-lo com a intenção de produzir uma mais eficaz sensação de
espaço.
Uma fotografia “fixa até ao ponto de congelação” (Hockney, 1985, p.7) e por
consequência a “visão torna-se fixa” (Hockney, 1985, p.7) o que contradiz a
deslocação natural do movimento no espaço e o reajustamento constante da nossa
focagem. Ao reunir fotografias num mesmo plano, Hockney incorpora diferentes
tomadas de vista expressando espaço e tempo nas suas representações fotográficas.
A conjugação de momentos simultâneos oferecia a capacidade de construir uma
narrativa visual capaz de expressar o movimento intencional da percepção.
O meu corpo móbil conta no mundo visível, faz parte deste, e por isso dirigi-lo no visível, faz
parte deste, e por isso posso dirigi-lo no visível. Por outro lado, não é menos verdade que a visão
está suspensa do movimento. Só se vê aquilo para que se olha. Que seria da visão sem qualquer
movimento dos olhos, e como não confundiria o seu movimento as coisas se ele próprio fosse
reflexo ou cego, se não tivesse a sua sensibilidade, a sua clarividência, se a visão não se
antecipasse nele? Todas as minhas deslocações figuram, por princípio, num canto da minha
paisagem, reportam-se ao plano visível. (Merleau-Ponty, 2009, p.19-20)
É a conjugação de diversos fragmentos fotográficos que permite expressar
uma dimensão espacial. Tal dimensão, pela utilização do mecanismo da colagem
permite também o desenvolvimento abstracto dos sentidos, estimulando a
70
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
imaginação57, pela interacção constante destes mesmos sentidos, definindo a
expressão das intenções no contexto de um projecto de arquitectura.
Enunciamos o trabalho do arquitecto Enric Miralles, já citado anteriormente na
presente dissertação, como forma de desenvolver a terceira premissa mencionada um conjunto de fotografias pode estimular uma ideia no desenvolvimento de um
projecto.
Enric Miralles elabora fotomontagens procurando expressar a continuidade do
tempo e a tentativa de narrar a leitura global do espaço.
A noção de espaço-tempo a partir da incorporação de diferentes fragmentos
fotográficos num mesmo plano é uma forma de aproximação e expressão da
arquitectura. Ao fazermos referência à importância da união de diferentes fotografias,
mencionamos também a interacção de diferentes elementos gráficos tais como o
desenho livre, o desenho técnico e a imagem que contribuem para uma visão
estruturada, permitindo uma percepção global e integradora no trabalho criativo dos
arquitectos. Consequentemente a percepção amplia-se pela utilização desse conjunto
de elementos gráficos ou fragmentos que estimulam e materializam o pensamento.
O arquitecto catalão Enric Miralles interessa-se na fundamental relação entre
tempo e espaço. Defendia que a arquitectura permitia a relação tanto com o espaço
como também com o tempo, por serem estas as suas dimensões existenciais. Mas, a
arquitectura implementa uma especificidade com o local, evocando um sentido de
continuidade tanto espacial como temporal. Por isso alcança esta especificidade de
espaço e de tempo contínuo, incorporando-os e expressando-os por meio de imagens.
Movemo-nos através do espaço e experienciamos a arquitectura por camadas
de tempo. Cada momento constrói uma visão diferente que proporciona uma nova
apreensão da arquitectura. O seu processo de projecto liga-se a esta dinâmica de
pensamento capaz de
estimular
a
percepção
e
compreensão do
espaço
arquitectónico. Desta forma, liga a sua arquitectura com uma maior intensidade
imaginativa, conjugando referências e interesses pessoais para sustentar e
57
Segundo Gaston Bachelard a imaginação é “a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela
percepção, é sobretudo a faculdade de nos libertar das imagens primeiras, de mudas as imagens. Se uma
imagem presente não faz pensar em uma imagem ausente, se uma imagem ocasional não determina uma
prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens, não há imaginação.” (Bachelard, 1993,
p.1)
Joana Cotter Salvado
71
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
desenvolver a concepção de cada obra. Reconstrói ideias afastando-se de uma
concepção clássica da arquitectura, utilizando tais processos metodológicos na
construção do projecto arquitectónico.
Ilustração 37 – Ampliação do Museu Real de Copenhaga, 1992 (Miralles, 1995, p.44-45)
72
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
No processo criativo de Enric Miralles, a fotografia e o processo de colagem,
somam-se como peças de um puzzle, capazes de construir espaço. A fotografia
aproxima-se assim do processo criativo da arquitectura, activando o espaço ao
afastar-se da sensação de quietude e estaticismo. (Miralles, 1995, p.21)
Com él, no sólo cualquier momento del proyecto ya es arquitectura: estar dibujando, estar
visitando, estar conversando no son preparaciones y requisitos documentales para alcanzar una
finalidad posterior, sino que en ellas mismas ya consiste lo arquitectónico. (Quetglas, 2000, p.28)
Ilustração 38 – Grande Canal de Veneza, fotomontagem de Enric Miralles para a Escola de Arquitectura de Veneza
(1998, concurso, primeiro prémio). (Miralles, 2000, p.194)
Joana Cotter Salvado
73
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Quando diferentes fragmentos, ou documentos gráficos que possuem cada um
isoladamente um tempo se reúnem num mesmo projecto despontam uma percepção
simultânea reveladora de uma representação contínua. A conjugação de diferentes
fragmentos permitirá um apoio fundamental no acto da criação arquitectónica.
(Ilustração 38,40)
Focar o olhar pela utilização de diversos instantes fotográficos, é como uma
colagem que por vezes parece uma sobreposição de coisas distintas mas na realidade
observamo-las em separado. A forma como observamos uma colagem relaciona-se
com a abertura de possibilidades que revela o processo de conhecimento e
descoberta da arquitectura sendo esta a forma como percepcionamos a realidade.
El collage es un documento que fija un pensamiento en un lugar, pero lo fija de manera vaga,
deformada; fija una realidade para poder trabajar con ella. (Miralles, 1995, p.7)
Ese sentido narrativo de las cosas a mí me interesa muchísimo. (Tuñon at al, 2000, p.15)
Enric Miralles acredita que a procura de um carácter narrativo no processo de
elaborar um projecto é fundamental para esta descoberta de novas possibilidades.
Nas suas montagens fotográficas Enric Miralles revela a importância de ligar diversos
elementos enquanto fragmentos de um mesmo projecto promovendo uma visão que
vai mais além das suas próprias limitações.
A percepção amplia-se quando o observador se move no espaço e é a
consolidação de fragmentos que proporciona a combinação de diversos olhares.
Afastamo-nos, assim, desse lugar estático, representando e materializando o próprio
movimento que expressa uma sensação arquitectónica.
Yo no trabajo nunca por reducción sino que intento revelar las multiplicidades, las
singularidades…(Zaera at al, 1995, p.18)
O espaço é em si, ou, melhor, é o em si por excelência, a sua definição é de ser em si. Cada
ponto do espaço é e é pensado aí, onde é, um aqui, o outro ali, o espaço é a evidência do onde.
Orientação, polaridade, envolvimento são nele fenómenos derivados, ligados à minha presença.
Ele repousa absolutamente em si, em todo o lado, igual a si, homogéneo, e as suas dimensões,
por exemplo, são por definição substituíveis. (Merleau-Ponty, 2009, p.40-41)
A metodologia utilizada por Enric Miralles no acto de projecto da sua
arquitectura é baseada na fusão de técnicas e suportes com a finalidade de estimular
múltiplas interpretações e ideias. Manipular documentos gráficos conjugando o
desenho e a fotografia são bases que guiam o seu pensamento na procura e
compreensão do espaço arquitectónico (Ilustração 40).
74
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 39 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio) fachada norte sobre o rio San Nicoló,
1998, fotomontagem de Enric Miralles (Miralles, 2000, p.143)
A este processo Enric Miralles denomina de acumulação. A experiência real de
um espaço está ligada a uma referência anterior e é noção de memória que produz
novas descobertas e o que gera conhecimento nos arquitectos. Mais uma vez
referimos a importância do tempo e a sua estreita relação com o espaço. O tempo que
experienciamos é completado por um tempo referencial, que não é mais do que o
conjunto de significados que compõem a memória. Por um lado Enric Mirallles baseiase nas referências a trabalhos e experiências anteriores, por outro incorpora-os e
relaciona-os com passado histórico e cultural do local onde está implantado o projecto.
Esse conjunto de referências e a sua arquitectura referencial é representada
por imagens que evocam a memória. A incorporação de diversos elementos gráficos
nos seus desenhos é uma forma de expressar essa mesma memória, veinculando a
criatividade.
Lo que a mí me interesa es una suerte de incorporación, de integración infinita. (Miralles, 1995,
p.21)
Joana Cotter Salvado
75
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 40 - Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio), plano geral realizado na primeira
fase do concurso (Miralles, 2000, p.80)
Esta arquitectura referencial é expressa e representada por fragmentos de
instantes, por imagens que trazem de volta lembranças e significados para a
experiência do espaço arquitectónico. É portanto um processo de raciocínio, de
percepção da arquitectura e do seu registo que permite a fuga da realidade para a
memória. (Ilustração 34).
Enric Miralles defende que novas ideias poderão ser
desenvolvidas a partir da memória de como apreendemos a arquitectura e como
aplicamos as experiências a novos projectos.
Un proyecto consiste en saber atar múltiples líneas, múltiples ramificaciones que se abren en
distintas direcciones. (Miralles, 1995, p.10)
El collage es un documento que fija un pensamiento en un lugar, pero lo fija de manera vaga,
deformada; fija una realidade para poder trabajar con ella. (Miralles, 1995, p.7)
A ideia de narrativa é expressa pelo modo como Enric Miralles trabalha e
representa as suas obras através da imagem fotográfica. Utiliza colagens e
fotomontagens, defendendo que só um conjunto de peças e de fragmentos que se
ligam constituem algo que conseguirá expressar a complexidade do seu processo
projectual.
76
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Enric Miralles compreende a arquitectura estabelecendo esta ideia de
continuidade que é evidenciada quando se refere ao processo de raciocínio, enquanto
um processo de acumulação. Mas, quando referimos a ideia de continuidade mediante
a estruturação do pensamento, também poderemos falar do aspecto de repetição,
bastante presente ao longo do trabalho do arquitecto.
Me gustaría primeramente insistir en que lo que yo entiendo por estilo no es la repetición
sistemática de gestos formales, sino que es algo que proviene de una forma de operar. Los
gestos que determinan mi obra nacen de una serie de interesses específicos,
independientemente del resultado espacial que adquieren. Es una especie de repetición
sistemática de ciertos actos, que dan coherencia a las cosas. Una buena parte del trabajo se
produce casi por pura acumulación, por repetición. Cada dibujo que hago, lo repito treinta veces,
y mis colaboradores lo repiten otras tantas. Yo creo que la repetición está dirigida a encontrar la
estructura precisa de las condiciones físicas del lugar, la escala, las dimensiones…(Miralles,
1995, p.13)
A repetição é essencial pois cada novo desenho efectua uma operação de
esquecimento e os documentos que se vão gerando têm uma coerência interna. Tratase de um critério de coerência que articula toda a procura do espaço arquitectónico.
Susan Sontag, também considera que a fotografia possibilita a construção da
nossa memória. As fotografias, ao apropriarem-se da realidade, tornam-se peças ou
miniaturas desta mesma realidade. (Sontag, 1979, p.4). Como afirma: “To collect
photographs is to collect the world.” (Sontag, 1979, p.3).
Mas, mais do que serem entendidas enquanto forma de registo e
representação da realidade, as fotografias permitem uma construção idealizada dessa
mesma realidade, capaz de produzir um imaginário. A fotografia fixa um momento que
permite a composição da nossa memória.
Com a idade de 5anos, estando de férias na costa belga, em Oostende, num dia de Julho, entrei
num desses jogos de praia, habitualmente organizados para ocupar as crianças, de algum modo
com o objectivo de as fazer matar o tempo. Tratava-se de uma vulgar corrida ao longo do molhe:
300 metros, com prémios sem significado. Nesse dia, por acaso, eu ia destacado à cabeça, 25
metros antes da meta. Tinha praticamente a corrida ganha quando, junto dos familiares e
assistentes, me apercebi do meu pai apontado na minha direcção a máquina fotográfica, no
intuito de fixar o momento para a posteridade. Quando vi a máquina, sem dúvida com a ideia de
ser “apanhado” por ela, parei imediatamente e fixei o meu pai, que me fixava. Liberto da surpresa
– mas com a fotografia já tirada –, o meu pai bem me incitou a continuar, tornar a partir, correr.
Mas, nada feito. Permaneci imóvel ante os gritos, perfeitamente petrificados – a fotografia aí está,
justamente para o mostrar. Todos os concorrentes que vinham atrás de mim acabaram por me
passar, nas minhas costas. Eu nem sequer cortei a linha de chegada. (Dubois, 1992, p.165)
Como já referimos anteriormente, uma fotografia parece ser insuficiente para
uma leitura total do espaço arquitectónico e principalmente pelo conjunto de pontos de
vista que construimos ao movimentarmo-nos pelo espaço. A essência arquitectónica
Joana Cotter Salvado
77
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
não poderá assim ser revelada com apenas um olhar que incorpora um determinado
tempo, porque descobrimos a arquitectura ao movermo-nos no espaço.
A colagem, enquanto conjunto de pontos de vistas em simultâneo é uma
técnica utilizada como forma de reconstruir tanto um processo de pensamento como
um processo de compreensão da realidade. Reconstrói a realidade baseada na
conjugação de diferentes elementos e multiplicidade de vistas, que intervêm e
suportam o desenvolvimento de um projecto.
Ilustração 41 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio, segunda fase) Fotomontagem com
as escadas de San Giacomo (Miralles, 2000, p.151)
Enric Miralles relaciona diferentes sistemas gráficos de registo sobrepostos que
funcionam em simultâneo e que intensificam o desenvolvimento de um projecto e a
exploração do espaço arquitectónico. O projecto do Mercado de Santa Caterina (19972005)58 é um exemplo desse princípio.
58
Mercado de Santa Caterina, localizado em Barcelona. A construção do projecto é posterior à morte de
Enric Miralles, falecido em 2000. Contudo, é Benedetta Tagliabue, sua mulher até ao momento que dá
continuidade ao projecto. (Miralles, 2000, p.33)
78
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Situado no distrito de Ciutat Vella de Barcelona, junto à Catedral, o projecto
inicia-se com uma análise ao planeamento existente propondo um modelo urbanístico
da adaptação à complexidade do lugar. O projecto vai mais além da proposta do
mercado, enquanto edifício isolado, satisfazendo um importante papel na recuperação
urbanística da área em que se insere.
O Mercado de Santa Caterina, originalmente um convento do séculoXIII –
convento dos Pregadores de Barcelona59 – mais conhecido como convento de Santa
Caterina, serviu como base para criar uma reordenação urbana em todo o bairro de
San Lorenzo, revitalizando esta zona privilegiada da cidade. Apesar do convento ter
sofrido um incêndio em 1837 e ter sido construído um mercado em 1845, muitos
vestígios arqueológicos da construção originária permaneceram.
O mercado construído em 1845 servia para fornecer alimentos ao bairro, cuja
população maioritária era a classe trabalhadora. Com o pós-guerra, o mercado tornouse num centro de abastecimento, não só para a população do bairro como também
para as “cidades” vizinhas como Sant Adrià de Besòs, Santa Coloma de Farners ou
Mataró. Com o novo projecto do atelier EMBT, a construção do novo mercado sofreu
uma fase de escavação para incorporar um parque de estacionamento subterrâneo.
Em 2001, surgiram restos arqueológicos do convento dos Pregadores de edifícios
religiosos e uma necrópole tarde-romana.
O local do projecto remete-nos para uma história existente desde o séculoXIII e
portanto seria importante mantê-la, conjugando-a com o novo mercado. A intervenção
de EMBT sobre a arquitectura pré-existente adaptou não só a sua própria realidade
espacial, dimensional e construtiva, mas também considerou as sucessivas
transformações que foram referências fundamentais no discurso arquitectónico com
aquele lugar.
59
Convento dos Pregadores de Barcelona é uma das fundações monásticas que impulsionou o Bispo
Berenguer de Palou – Bispo de Barcelona, entre 1212 e 1241. Construído no séculoXIII, mais
especificamente no ano de 1219, foi o primeiro convento dominicano na Península Ibérica e um dos
primeiros exemplos arquitectónicos de gótico catalão. O convento representa a introdução do modelo de
Igreja Gótica na Catalunha. Arquitectonicamente, o convento é constituído por uma só nave, com capelas
entre contrafortes, abóbadas nervuradas e abside poligonal. Em 1835, o complexo do Convento sofreu
um incêndio e foi demolido no início de 1837, apesar da sua condição relativamente boa, com o objectivo
de modernizar a cidade. Em seu lugar surgiu o mercado de Santa Caterina em 1845 e em 2005 foi
construído o novo mercado com o projecto de arquitectura do estúdio EMBT - Enric Miralles e Benedetta
Tagliabue. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
79
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 42 – Planta do Convento de Santa Caterina, durante o primeiro terço do séculoXIX. (Miralles, 2000, p.14)
Lo que ocurre es que las ideas no estan fijadas a una imagen de ciudad, a la idea de calle o la
idea de casco histórico…Seguramente cuando empiezo el retrato de una calle que al final
termina disolviéndose en la paisage tengo que buscar la forma de trabajar con ella…(Miralles,
1995, p.9)
80
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 43 – Secção do claustro e Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà
Casademunt, 1886. (Miralles, 2000, p.15)
Ilustração 44 – Secção da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt , 1886.
(Miralles, 2000, p.15)
Joana Cotter Salvado
81
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 45 - Cobertura da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt ,
1886. (Miralles, 2000, p.16)
La superposición de los distintos momentos en el tiempo ofrecen el espectáculo de las
possibilidades. Abren un lugar al juego de las variaciones. (Miralles, 2000, p.33)
O novo mercado de Santa Caterina é um projecto com uma complexa relação
com o tempo e com o pré-existente. As camadas de tempo dão história ao lugar e é ao
considerá-las, que esse mesmo lugar permite ser reconstruído. O acesso a estas
camadas é feito por desenhos e imagens fotográficas e mais uma vez referimos o
papel da fotografia enquanto suporte de memória de um determinado lugar.
82
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A importância deste processo de sobreposição de diferentes momentos permite
a compreensão do lugar, que com base em elementos visuais possibilita a percepção
na sua totalidade, conjugando os diferentes tempos do local.
Hay que contar com esa superposición de cosas. El truco siempre es el mismo: intentar que
tenga la misma importancia la traza del monasterio que la traza de un momento en el que todo
estuviera destruido – o la de un camino que pasase por allí en medio -, como si todas esas cosas
pudieran tener la misma importancia. (Miralles, 2000, p.10)
As fotomontagens que EMBT, enquanto mecanismo do estudo do lugar e da
sua passagem do tempo são representações da forma de percepcionar remetendonos para o trabalho fotográfico do artista David Hockney. A procura do tempo na
interligação de instantes fotográficos é fundamental para a apreensão do lugar. Tal
como é demonstrado tanto na Ilustração 46 como na Ilustração 47, o lugar é narrado
por meio de imagens que se sobrepõem e que possibilitam a leitura do espaço. Na
Ilustração 46, EMBT descreve através da imagem fotográfica o mercado pré-existente,
sendo o mesmo método empregue para o decorrer da obra.
A fase de escavação (Ilustração 47) foi uma fase preponderante tanto para o
desenvolvimento do projecto assim como para a descoberta de vestígos arqueológicos
pertencentes ao convento pré-existente. Estes vestígios são incorporados na proposta
do novo mercado, marcando desta forma um tempo histórico. O projecto inclui um
reservatório que funciona como um pequeno museu arqueológico possibilitando a
compreensão da evolução da terra desde os tempos pré-históricos, até à fundação do
mercado.
A estrutura do novo mercado de Santa Caterina é reconstruída sobre as ruínas
do antigo convento dos Pregadores de Barcelona albergando uma praça coberta com
cerca de 70 postos de venda para uma área coberta aproximada de 5.500m2, com um
lote com uma área de 7.000m2.
O novo mercado cumpre ainda com um importante papel na recuperação da
área urbanística onde está inserido. Do projecto fazem parte novos serviços que
converteram Mercado de Santa Caterina num motor de revitalização comercial,
cultural e social. É desta forma, um projecto global que revitaliza e transforma todo o
bairro. (Miralles, 2005, p.59).
Joana Cotter Salvado
83
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 46 – Mercado de Santa Caterina anterior ao projecto de EMBT, fotomontagem 1997 (Miralles, 2000, p.32)
Ilustração 47 - Mercado de Santa Caterina, fase de escavação, fotomontagem 1999 (Miralles, 2000, p.32)
Necesitas tener una especie de documento donde esté condensado el tiempo en este sitio. Pero
no para considerar que tu proyecto sea un paso más, no – como si hubiera detrás una idea linea
-, sino casi como si el tiempo – a mí, me gusta pensarlo así -, en vez de tenerlo a la espalda, lo
tuvieras delante de ti…(Miralles, 2000, p.10)
Al final estás trabajando no sólo con la realidad física del momento, sino com la realidad física de
todo lo que también ha estado allí, que ha ido construyendo el sitio. Y de ahí volveríamos a las
medidas, a las cosas que son habituales. (Miralles, 2000, p.10)
84
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 48 – Momentos da construção do mercado de Santa Caterina que partiu de pesquisas arqueológicas (Miralles
at al, 2005, p.13)
Para além destes vestígios, é claro que a memória intervém como lugar de armazenamento das
sugestões colhidas aqui e ali, nas leituras, nos visionamentos e/ou contemplações. (Joly, 2003,
p.199)
Para além de uma zona de postos de mercado e de um reservatório
arqueológico, o projecto propõe uma ampliação de estacionamento que se estende
para a Avenida Cambó, com 250 novos lugares. Tanto o sistema de acessos como a
área de serviços é redesenhado, criando espaço público que abre a velha construção
do mercado para o interior do bairro de Santa Caterina.
A remodelação do mercado inclui também 59 novos apartamentos, em dois
edifícios. O projecto engloba edifícios residenciais, com uma arquitectura exterior que
permite criar uma continuidade com o mercado.
Joana Cotter Salvado
85
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 49 – Mercado de Santa Caterina, fotomontagem 2005 (Cosenza, 2008, p.21)
Ilustração 50 – Edifícios Residenciais (Cosenza, 2008, p.26)
É a combinação total destas unidades que conseguiria uma imagem viva e densa e que a
ajudaria a permanecer através de uma grande área metropolitana. (Lynch, 1989, p.121)
86
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 51 – Planta de Cobertura. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40)
Ilustração 52 – Planta ao Nível Térreo. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.39)
Joana Cotter Salvado
87
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 53 - Planta à cota +9.15m. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40)
Ilustração 54 – Secções Longitudinais. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.38)
88
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 55 – Esquema de plantas dos diferentes níveis dos dois edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26)
Ilustração 56 – Secção Longitudinal do Mercado de Santa Caterina com Alçado dos edifícios residenciais. (Cosenza,
2008, p.26)
É criado um sistema urbano que interliga uma área residencial com o espaço
de mercado e que estrutura o espaço público exterior, permitindo uma dinâmica
contínua entre o pré-existente, a construção nova e as áreas urbanas circundantes.
Mais uma vez é relevante referir que só a partir de uma sobreposição de
acontecimentos num determinado lugar e sua interpretação se poderá introduzir uma
boa relação do desse mesmo lugar com o envolvente. O processo anteriormente
referido como processo de acumulação é neste projecto bastante revelante
considerando que o lugar do projecto é marcado temporalmente por diversas
intervenções e que o conjunto de imagens são fundamentais para o percepcionar e
compreender.
Joana Cotter Salvado
89
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Mas, esta continuidade/unidade entre esta estrutura pré-existente e a nova
construção é marcada tanto pelo percurso como pela ainda mais marcante cobertura
que se prolonga ao longo do novo Mercado de Santa Caterina. A essência do projecto
baseia-se no desenho desta cobertura. A interligação é conseguida através deste
elemento que envolve a estrutura de três andares e que a estende para além do
perímetro da primeira construção
Ilustração 57 – Maqueta do Local com desenho sobreposto (Cosenza, 2008, p.23)
90
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A cobertura transforma-se no que aparenta ser um enorme toldo capaz de
abrigar os postos de venda, sem nenhuma organização predeterminada. A importância
desta cobertura é imensa ao ponto de se tornar na fachada mais importante do
edifício, dando união e continuidade ao projecto.
Una cubierta ligera como una manta, que cubre por encima la actividad que se desarrola dentro
del Mercado. (Miralles at al, 2005, p.59)
Esta cobertura, elemento de união espacial deste projecto, é um conjunto de
325.000 peças de cerâmica que ao se encaixarem entre elas simulam o colorido dos
produtos que se pode encontrar dentro do mercado.
Mais uma vez podemos falar da colagem neste caso. Este elemento do
projecto cria um espaço único e amplo que permite o posicionamento e o percurso
pela praça do mercado. Ampliando-se para além do perímetro antigo, torna-se
observável para o resto da cidade, constituindo-se como um elemento visualmente
marcante e referencial do Mercado de Santa Caterina. Tal como os desenhos
expressam a intenção de EMBT, a cobertura tem por base a metáfora de um enorme
colorido pela recordação de frutas e verduras. As peças de cerâmica, desenhadas em
colaboração com o ceramista espanhol Antoni Cumella60 são de dois tipos, peças
hexagonais maioritariamente e peças rectangulares, estas últimas em menor
quantidade. Mas, mais interessante é que são todas peças numeradas e ordenadas
que compõem um macro mosaico capaz de expressar a actividade do edifício que
cobre. Se por um lado referimos que uma sequência de fotografias, possibilita a ideia
de narração, no caso deste projecto, a própria cobertura do edifício é constituída por
peças em que só pela sua união se tornará um elemento único.
Retornamos desta forma à ideia de colagem e ao trabalho de David Hockney,
como inspiração para o trabalho intelectual e processo criativo do arquitecto Enric
Miralles.
Un proyecto siempre está hecho de esos momentos, de esos momentos diversos, de diversos
fragmentos a veces contradictorios. Estos collages, a la manera de un puzzle, forman la
representación de un espacio en una acción que, en cualquier caso, repite el trabajo mismo de
proyectar. Son como una sorpresa que abre una nueva definición de los límites y de los
contornos… (Zaera at al, 1995, p.173)
60
Antoni Cumella (1913 – 1985). Ceramista espanhol. Em 1880 fundou a empresa CERÀMICA
CUMELLA, empresa dedicada à fabricação de produtos cerâmicos. Em 1960 destacou-se como um dos
membros fundadores de FAD design school - escola de design de moda. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
91
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 58 – Cobertura do Mercado de Santa Caterina constituída por 325.000 peças de cerâmica. (Cosenza, 2008,
p.20)
92
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 59 – Colagem - desenho técnico sobreposto com desenho livre, fotomontagem da vista interior do mercado e
imagens de frutas e legumes. (Cosenza, 2008, p.23)
Tal como David Hockney pretende utilizar a fotografia como meio de recriar o
conjunto de olhares que compõem a visão, Enric Miralles acredita que só desta forma
consegue pensar e representar o espaço arquitectónico. No trabalho do arquitecto, a
colagem é utilizada enquanto processo de trabalho assim como forma de
representação, quando a obra terminada.
Qualquer um terá podido observar que uma imagem, mas principalmente, uma obra de arte
plástica, sobretudo a arquitectura, se apreende mais facilmente numa foto do que na realidade.
(Benjamim, 1992, p.131)
Sus dibujos, sus maquetas, quieren ser documentos. De paso, pueden ser considerados como el
trabajo de un artista. (Miralles, 1995, p.308)
Joana Cotter Salvado
93
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 60 – Estudos e detalhes da Planta da Cobertura do Mercado de Santa Caterina (Miralles at al, 2005, p.70)
Ilustração 61 – Fotomontagem da Cobertura do Mercado de Santa Caterina. (Otxotorena, 2006, p.30)
94
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
3.2
REGISTO E M ANIPULAÇÃO : ANDREAS GURSKY
In order to make such statements more forceful, and not in order to solve formal, aesthetic
problems, in recent years Gursky has started to manipulate the pictures he has taken using
computer technology. (Gursky, 1998, pág.6)
Tal como foi referido anteriormente, o registo da realidade está estreitamente
ligado ao modo como a percepcionamos e representamos. É o conjunto de pontos de
vista que focamos, que na sua unidade define a realidade. Cada foco pertence a um
determinado tempo, sendo apenas um fragmento da realidade. Tais fragmentos, no
seu conjunto, permitem narrar e descrever o espaço arquitectónico, articulando assim
o tempo e o espaço, representado pela imagem fotográfica.
Mas de que modo a fotografia, enquanto instrumento de registo, recria a nossa
percepção do real, através da forma como o representamos?
Se no início do séculoXIX referimos a fotografia enquanto técnica e modo de
representação e reprodução fiel ao real, é na segunda metade deste mesmo século
que associamos a fotografia ao pictorialismo61.
Neste sentido, é fundamental abordar a evolução da técnica fotográfica,
enquanto influência de uma nova percepção e registo do espaço arquitectónico. A
fotografia contemporânea, pictórica, afasta-se da técnica de documentação, sendo um
suporte para recriar a interpretação do real. No subcapítulo 2.1 da presente
dissertação referimos o autor Philippe Dubois quanto ao percurso histórico da
fotografia, no princípio da realidade. Interessa-nos evidenciar que o final do séculoXIX
e início do séculoXX insiste na ideia de transformação do real pela fotografia. (Dubois,
1992, p.30)
Não se trata de um universo duplo, ou mesmo de um universo possível – nem possível, nem
62
impossível, nem real, nem irreal: hiper-real – é um universo de simulação, o que é uma coisa
completamente diferente. (Baudrillard, 1991, p.155)
61
O pictorialismo é uma corrente fotográfica que surgiu na segunda metade do séculoXIX. A fotografia
pictórica é a primeira tentativa de elevar a fotografia à categoria de arte. Os fotógrafos procuram
aproximar as suas fotografias à pintura, manipulando e modificando determinados elementos, que
constituem a imagem fotográfica. A fotografia afastava-se então de uma reprodução fiel do real e é
associada a uma construção artística. (Infopédia, 2012)
62
Hiper-real ou hiper-realidade é um conceito aplicado à filosofia contemporânea. A hiper-realidade é um
meio para definir as interacções com a realidade representada. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
95
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A fotografia, enquanto construção pictórica, permite então a recriação da
realidade percepcionada, representado uma nova concepção e interpretação dessa
mesma realidade. Os fotógrafos, ao recorrerem à técnica do tratamento da imagem,
utilizam a manipulação digital63 como modo determinante na obtenção do resultado
formal pretendido.
Increasingly, digital image manipulation was defined as a transgressive practice, a deviation from
the established regime of photographic truth. Press photographers scented a cybernetic dystopia
in the making – a world infested with subversive, uncontrollable image hackers who would
appropriate photographic fragments at will and recombine them into fictions. (Mitchell, 1992, p.16)
Para Roland Barthes, o “punctum” numa fotografia é um elemento parcial da
fotografia ou dito de uma forma mais objectiva, um pormenor que chama a atenção do
observador, capaz de modificar a leitura dessa mesma fotografia. (Barthes, 2009,
p.52).
Sinto que a presença por si só modifica a minha leitura, que é uma nova foto que contemplo,
marcada, aos meus olhos, por um valor superior. Este «pormenor» é o punctum (aquilo que me
fere). (Barthes, 2009, p.51)
Ilustração 62 – O bairro italiano, 1954, William Klein, Nova Iorque (Barthes, 2009, p.55)
63
A manipulação de fotografias é uma das principais áreas de expressão da arte digital (ou arte
computacional, produzida com ferramentas gráficas computacionais e processos digitais) consiste em
alterar os elementos que constituem a fotografia não só a nível de tamanho, cor, entre outras
manipulações visíveis na imagem fotográfica (Wikipédia, 2012)
96
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Roland Barthes, faz referência à fotografia de William Klein 64 relativamente às
crianças de um bairro italiano em Nova Iorque (1954) e ao analisá-la, refere a
presença do pormenor que lhe chama a atenção:
«Aquilo que vejo, obstinadamente, são os dentes estragados do rapazito…» (Barthes, 2009,
p.55)
A partir de um dos conceitos desenvolvidos por Roland Barthes: o punctum,
sendo um dos temas da fotografia com o qual o autor traça a sua própria percepção
das imagens fotográficas.
Outro conceito desenvolvido pelo autor é o studium que é o conjunto de
aspectos da imagem fotográfica que determinam o contexto da cultura ou da época
referente à imagem fotográfica.
Não conseguia encontrar, em francês, uma palavra que exprimisse simplesmente essa espécie
de interesse humano; mas creio que essa palavra existe em latim: é o studium, que não significa,
pelo menos imediatamente, «o estudo», mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma
espécie de investimento geral, empolgado, evidentemente, mas sem acuidade particular. É pelo
studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos,
quer as aprecie como bons quadros históricos, porque é culturalmente (esta comutação está
presente no studium) que eu participo nas figuras, nas expressões, nos gestos, nos cenários nas
acções. (Barthes, 2009, 34-35)
Tanto punctum como studium compõem formas de percepcionar que Roland
Barthes estuda, ao analisar diversas fotografias. Segundo o autor, o olhar fotográfico
separa a atenção da percepção, libertando a primeira, dependente e derivada do acto
de percepcionar. (Barthes, 2009, p.122).
Fazemos então referência ao conceito de percepção de Roland Barthes
relativamente à imagem fotográfica, o punctum, com o qual associamos o trabalho do
artista plástico e fotógrafo alemão Andreas Gursky65.
For Andreas Gursky photography is not a medium of representation; instead, contrary to what we
are used to seeing, it is a medium for constructing realty. (Gursky, 2007, p.45)
Montage is the visible sign of his intervention. (Gursky, 2007, p.50)
64
William Klein nasceu em 1928, em Nova Iorque. Em 1948, em Paris, iniciou a sua carreira artística
como pintor. Em 1950 interessa-se pela fotografia e em 1954 é contratado pela revista Vogue, como
fotógrafo de moda, dedicando-se mais tarde à produção e realização cinematográfica. (Wikipédia, 2012)
65
Andreas Gursky nasceu em 1955, em Leipzig na Alemanha. Artista plástico e fotógrafo conceituado,
estudou na Academia Dusseldorf, tendo como professores Bernd Becher. Ganhou reconhecimento
internacional com as suas fotografias panorâmicas de grande escala. As suas fotografias fazem parte das
colecções de Museus prestigiados com TATE Modern e MOMA em Nova York. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
97
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A referência ao conceito punctum de Roland Barthes é fundamental pois é
através de pormenores da realidade que Andreas Gursky constrói as suas
composições fotográficas.
A estrutura das suas composições são formadas por alguns detalhes que o
artista/fotógrafo considera relevantes com o objectivo de gerar impacto no observador
ao percepcionar as suas obras. Mas, como se cria esse impacto? Andreas Gursky
transforma uma fotografia instantânea com o recurso à tecnologia digital, construindo
uma
composição
geométrica
em
grande
escala.
Com
base
em
técnicas
computacionais, reforça e reorganiza certos elementos que percepciona, com o intuito
de produzir a ilusão de uma realidade fictícia e criando um efeito de uma certa
estranheza.
Desde 1992 que Andreas Gursky recorre à manipulação digital de modo a
realçar, retocar e multiplicar certos elementos nas suas composições fotográficas.
Para além de centrar a atenção do observador em certos elementos da imagem,
privilegia-os ao multiplicá-los, oferecendo a possibilidade ao observador de
percepcionar um novo cenário. Desta forma tal possibilidade de observação do mesmo
cenário repetido acentua um impacto expressivo que compõe a própria fotografia. A
forma de percepcionar e registar estabelece uma forte conexão entre o cenário e o
espectador, que é fundamental na composição das suas fotografias. (Gursky, 2007,
p.61).
Andreas Gursky, ao repetir certos elementos e ao condensá-los numa imagem
fotográfica, constrói um sentido de duplicação que se refere ao facto da fotografia não
se limitar apenas a descrever a realidade. (Gursky, 2007, p.62). Como forma de
ilustrar este argumento, refere a fotografia de Walker Evans66 “Cary Ross´s Bedroom”,
1932 (Ilustração 25).
But his approach to repetition points in a different direction. The repetition of an almost identical
scene in one picture and the fourfold repetition of the entire picture with variations offers the
possibility of a constantly new scene that has its place in the world but has been expressively
distilled in the photograph. (Gursky, 2007, p.62)
The possibility of ever new scenes repeated in variation accentuates the expressive impact of the
individual picture. (Gursky, 2007, p.62)
66
Walker Evans (1903 -1975) foi um fotógrafo americano reconhecido pelo seu trabalho fotográfico para
Farm Security Administration (FSA). Muitas das suas obras fotográficas estão expostas em colecções
permanentes de museus como: Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque e George Eastman House, o
mais antigo museu do mundo de fotografia, também em Nova Iorque. (Wikipédia, 2012)
98
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 63 - Cary Ross´s Bedroom, 1932, Walker Evans, (Gursky, 2007, p.64)
Nesta fotografia de Walker Evans destaca-se a simetria de composição. As
camas, o posicionamento dos quadros e o ângulo oblíquo que constrói e enfatiza este
mesmo enquadramento. O ângulo utilizado influência a percepção desta mesma
imagem na medida que desperta a ilusão de um espaço dividido por um espelho, e
portanto de apenas uma cama que é duplicada na imagem fotográfica.
Ao definirmos a forma de registo da realidade, adoptada por Andreas Gursky é
interessante entendermos, ao mesmo tempo, que o fotógrafo explora a percepção
enquanto complemento da própria manipulação. Tal ideia torna-se compreensível
quando Andreas Gursky se foca numa acção ou até mesmo num pormenor e com
base neste, constrói uma nova imagem. É, a forma que, como a experiência visual se
cruza com a ilusão e com a realidade.
Segundo Jean Baudrillard67, “a simulação põe em causa a diferença do
«verdadeiro» e do «falso», do «real» e do «imaginário».” (Baudrillard, 1991, p.9-10).
67
Jean Baudrillard (1929-2007) foi um sociólogo, poeta, fotógrafo e filósofo francês. Desenvolveu uma
série de teorias que partiam do princípio de realidade construída ou hiper-realidade. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
99
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Há portanto a uma substituição do real ou tal como o autor descreve o conceito de
simulação, e uma estratégia de real que transforma a mutação do real em hiper-real.
Na medida em que a estetização persiste enquanto condição cultural de base que invade – a um
maior ou menor nível – toda a sociedade actual, os seus efeitos são tanto mais notórios numa
disciplina mediada pela imagem. A arquitectura encontra-se completamente dependente desta
condição, dado que os arquitectos assumem o processo de estetização como consequência
necessária da profissão.(Leach, 2005, p.25)
Ilustração 64 – Prada I, 1996, tamanho original: 134 x 226cm, Andreas Gursky, (Gursky, 1998, p.41)
Ilustração 65 – Untitled IX, 1998, tamanho original: 136 x 226cm, Andreas Gursky, (Gursky, 1998, p.37)
A ideia de estetização, visível tanto na Ilustração 26 como na Ilustração 27. Na
Ilustração 26, o princípio estético é expresso pelo alinhamento preciso dos sapatos.
Estes elementos são manipulados de forma a serem apresentados como objectos de
100
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
enorme importância. A instalação torna-se num cenário totalmente idealizado pela
utilização de técnicas digitais.
Tais considerações também são expressas em alguns casos de fotógrafos na
representação do espaço arquitectónico, levando a que a experiência espacial da
representação fotográfica da arquitectura seja reduzida à sua percepção visual.É
ainda perante esta nova cultura de simulação, a par do desenvolvimento de técnicas
fotográficas que é privilegiada uma estetização do real.
Segundo Neil Leach68, a imagem torna-se uma nova realidade, ou hiperrealidade, pois perante uma cultura de simulação, a realidade fotografada adquire um
novo sentido. A arquitectura, ao ser removida do seu contexto original, adquire um
novo significado, pelo simples facto de ser representada pela fotografia.
Mais uma vez é importante abordar o carácter pictórico das fotografias de
Andreas Gursky. A manipulação digital, enquanto modo de realçar e corrigir
determinados elementos formais da imagem, aproxima-se à execução de uma pintura,
onde cada espaço do quadro é trabalhado num determinado tempo. No trabalho
fotográfico de Andreas Gursky, a fotografia torna-se uma imagem-quadro onde cada
elemento representado é trabalhado com o recurso a técnicas digitais. Mas, o efeito de
pintura não se revela somente na questão da construção da própria imagem
fotográfica mas a grande escala da imagem faz com as suas fotografias seaproximem
formalmente a grandes pinturas. Andreas Gursky, representa e constrói a sua própria
realidade nas suas imagens fotográficas, enfatizando a teatralização das situações
fotografadas.
Gursky demonstrates the extent to which the surroundings, in turn, are defined by human
presence, be it through direct intervention or merely through the act of perception. (Gursky, 2007,
p.52)
A fotografia pode assim funcionar num duplo sentido, entre o registo e a contemplação
privilegiada sobre a essência de uma modernidade pós-industrial que ilumina ainda as
sociedades finisseculares. (Santos, 2005, p.81)
68
Neil Leach é um arquitecto e teórico. Professor de Teoria de Arquitectura na Universidade de Bath, no
Reino Unido e em várias e prestigiadas Universidades em Inglaterra e nos Estados Unidos, foi coorientador da exposição sobre Arquitectura vanguardista na Bienal de Arquitectura de Pequim, 2004.
Autor das obras “China” (2004), “A Anestética da Arquitectura” (1999) e “Millenium Culture” (1999) e foi
curador das Exposições: Designing for a Digital World (2002), The Hyeroglyphics of Space: reading and
experiencing the modern metropolis (2002), Architecture and Revolution (1999) e Rethinking Architecture
(1997). (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
101
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 66 – Times Square, 1997, tamanho original: 186 x 250.5cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.23)
As composições geométricas de grande dimensão de Andreas Gursky
(Ilustração 26) fazem com que as fotografias funcionem com um sentido duplo: o
registo por parte do artista/fotógrafo e a contemplação por parte do observador. Cada
fotografia de Andreas Gursky, propõe um único universo compositivo, que pelo seu
rigor e dimensão, adquire o estatuto de obra de arte.
Segundo Walter Benjamim69, com o aparecimento da fotografia, o processo de
reprodução de imagens torna-se acelerado. Tais reproduções a par das inovações
fotográficas modificam a própria noção de obra de arte. Todavia, a multiplicação do
objecto reproduzido faz afastar o próprio conceito de autenticidade da obra de arte.
(Benjamin, 1992, p.76). O que nos interessa referir no contexto das obras de Andreas
Gursky é o valor que é dado a cada imagem que é construída como autêntica.
69
Walter Benedix Schönflies Benjamim (1892-1940). Filósofo, crítico literário, tradutor e sociólogo, tendo
estudado filosofia ao mesmo tempo que literatura alemã e psicologia nas Universidades de Friburgo em
Bisgau, Munique e Berlim. Destacam-se entre as suas obras “Origem do Drama Barroco Alemão” (1928),
“Teses Sobre o Conceito de História” (1940), “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade
Técnica” (1936). (Wikipédia, 2012)
102
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ainda segundo Walter Benjamim, a percepção e fruição da arte assenta tanto
no valor de culto como no valor de exposição. (Benjamin, 1992, p.84). Estas
considerações tornam-se relevantes, quando mais uma vez comparadas ao trabalho
artístico do artista/fotógrafo Andreas Gursky. O seu trabalho fotográfico afasta-se da
reprodução geradora de banalização na medida em que cada fotografia se torna uma
peça que não é reproduzida de maneira igual.
Para além disso, tal como a obra de arte é susceptível de perder significado pretendido ao ser
removida do seu contexto, também um objecto ganha outro significado ao ser tratado enquanto
obra de arte. (Leach, 2005, p.24-25)
Para valorizarmos cada fotografia de Andreas Gursky como obra de arte,
devemos avaliar o tempo de contemplação do observador que é intensificado pelo
enquadramento ritmado de certos elementos. Desta forma, os detalhes das
composições tornam-se mais importantes que o próprio espaço fotografado por criar
impacto no observador.
É importante referir mais uma vez, o carácter teatral das fotografias de Andreas
Gursky que é conseguido essencialmente por dois aspectos:
1. Dimensão invulgar das suas fotografias
2. Recurso à manipulação digital de certos elementos que, ao multiplicaremse constroem uma realidade fictícia que canalizam o observador para o
espaço da fotografia.
Confunde-se assim o real e o imaginário, como se o detalhe produzisse um efeito mágico ao
nível da percepção do espectador, constantemente reenviado ao exercício de aproximação e
distanciação visual exigido pela imagem de grande escala. (Santos, 2005, p.82)
Computational tools for transforming, combining, altering, and analyzing images are as essencial
to the digital artist as brushes and pigments are to a painter, and na understanding of them is the
foundation to the craft of digital imaging.
Furthermore since captured, “painted”, and synthesized pixel values can be combined
seamlessly, the digital image blurs the customary distinctions between mechanical and handmade
pictures. (Mitchell, 1992, p.7)
Para Martine Joly, a fotografia pode ter ao mesmo tempo um efeito de narração
e um efeito de ficção. (Joly, 2003, p.88). O carácter narrativo das fotografias foi
abordado anteriormente com base na ideia de colagem que expressa formas de
registo da realidade através da fotografia. O efeito de ficção, revela-se quando uma
fotografia remete para o imaginário, ao mesmo tempo que o efeito de narração produz
a compreensão de um determinado tempo. (Joly, 2003, p.88-89). Também segundo
Joana Cotter Salvado
103
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Martine Joly “a fotografia pode proporcionar-nos a sua parte de ficção, de narração e
de ilusão, tanto mais forte quanto ela é o próprio carácter distinto do real.” (Joly, 2003,
p.89). Mas, ao percepcionarmos uma fotografia, esta pode transformar inevitavelmente
a nossa experiência em pura ficção. Mais interessante pode ser percebermos a forma
como Andrea Gursky constrói novas realidades com base numa realidade observada,
reconstruindo assim a sua própria realidade ficcionada.
Ilustração 67 – Ayamonte, 1997, tamanho original: 186 x 256cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.137)
For Andreas Gursky photography is not a medium of representation; Instead, contrary to what we
are used to seeing, it is a medium for constructing reality. The artist focuses on throngs of people
and the places where they congregate, to the structures of a globalized planet, to sites of
production and trade, as well as consumption and today´s leisure society. (Gursky, 2007, p.45)
Andreas Gursky, nas suas composições fotográficas, utiliza a figura humana
enquanto elemento manipulável e multiplicável. Esta é enquadrada como parte do
cenário onde em muitos casos constrói o contexto total da fotografia. (Ilustração 31)
Mesmo quando as figuras humanas preenchem todo o espaço nas suas fotografias,
elas não formam um centro. Estas figuras tornam-se elementos de composição,
fazendo parte integrante do espaço que as rodeia (Ilustração 30). Assim, a figura
humana é meramente um elemento de composição que não assume protagonismo por
si só.
104
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
The correlation between the figures and their surroundings tells of social settings, of the extent to
which we are constituted by the spaces in which we circulate and act. Conversely, by impartially
equating the figures with their surroundings, Gursky demonstrates the extent to which the
surroundings, in turn, are defined by human presence, be it through direct intervention or merely
through the act of perception. (Gursky, 2007, p.52)
Se por um lado na contemporaneidade, a fotografia de arquitectura utiliza a
figura humana enquanto referência de escala, como podemos perceber no trabalho de
Fernando Guerra. No caso de Andreas Gursky assume um papel compositivo pela
utilização de técnicas – analógica e digital – que influenciam o modo de percepcionar
as representações do espaço arquitectónico através da fotografia.
Ilustração 68 – Fotografia de Fernando Guerra, Lar de Idosos, Álcácer do Sal, Portugal, Aires Mateus, 2011.
(ultimasreportagens, 2011)
Joana Cotter Salvado
105
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 69 – Engadin, 1995, tamanho original: 186 x 291cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.75)
Ilustração 70 – Autosalon, Paris, 1993, tamanho original: 176 x 216cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.29)
106
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Desde os anos 90 que a fotografia se associa a uma actividade artística ao
ponto de ganhar autonomia e originalidade. A fotografia tende a não ser um mero
arquivo de memória com funções documentais, aproximando-se então de desejos
artísticos. Por consequência, surge uma nova óptica ou uma nova percepção que é
fortalecida a par da utilização e exploração de novos dispositivos.
Reconstruindo ou encenando o próprio real, Andreas Gursky parece encarnar o espírito do
pictorialista do século XIX, pois ao retocar e corrigir em termos de cor e intensidade lumínica a
imagem fotografada, estará em parte, ainda que de um modo conceptual e tecnicamente
bastante diferente, a reavivar esse objectivo pioneiro de abrilhantar ou sublimar a imagem nua
produzida pela câmara fotográfica. (Santos, 2005, p.84)
A dupla de fotógrafos Bernd e Hilla Becher exploravam a fotografia enquanto
estilo documental, centrada quase exclusivamente em diferentes tipologias da
arquitectura industrial. O interesse pela representação de edifícios industriais, facilitava
a compreensão das estruturas complexas desses mesmos edifícios. A forma como
registavam tais estruturas reflecte a ideia de as entenderem enquanto objectos,
eliminando qualquer envolvente.
Their passion is for the objects themselves, which can be precisely and systematically preserved
only by means of photography. (Becker, 2004, p.7)
Com as suas fotografias de edifícios industriais como torres de água, silos e
tanques de gás, Bernd e Hilla Becher elevam documentos de arqueologia industrial, a
objectos de arte.
É interessante referir que as suas fotografias se inscreveram desde o início em
instituições de arte, para serem exibidas em salas de exposições de museus como
obras pictóricas. A sua actividade docente entre 1976 e 1996 na Academia de Arte de
Dusseldorf estabelece um papel intermédio entre a fotografia documental originária e a
artística posterior, actuando como influência de artistas como Andreas Gursky, que
potenciam a fotografia e a fotografia de arquitectura como obra de arte.
Las “esculturas anónimas” no disimulaban las pretensiones de representar las calidades plásticas
de los objetos industriales (Marchán Fiz, 2010, p.29)
Consideradas como esculturas anónimas que expressavam tipologias das
construções industriais é através de séries sistemáticas, sem sucessão temporal ou
espacial, que recompilam tais tipologias, localizadas nas regiões da primeira revolução
industrial. Na realidade, a sequência de exemplos de um mesmo tipo de construção
rege-se por uma mera continuidade tipológica. O carácter temporal e espacial de cada
Joana Cotter Salvado
107
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
fotografia apenas é reconhecível através da sua articulação em cada conjunto. Desta
forma, a realidade de cada fotografia fragmenta-se, pois só é possível reordenar
através da informação sobre as suas fontes. (Marchán Fiz, 2010, p.29)
Pero ello es lo menos, pues estamos ante una representación sistemática que exige la
comparación y provoca imprevisibles asociaciones imaginativas y conceptuales a través de la
intuición sensible, así como tensiones entre la imagen estática, petrificada, y el carácter dinâmico
de sus interrelaciones con las demás. (Marchán Fiz, 2010, p.29)
Enquadrando diferentes arquitecturas industriais, a forma de registo da dupla
de fotógrafos Bernd e Hilla Becher, concentra-se privilegiadamente nesses mesmos
objectos arquitectónicos com o objectivo de enfatizar o seu volume, anulando as
margens que contém fugas provocadas pela perspectiva e o contexto onde se
inseriam.
É interessante de referir uma vez mais que a visualização das fotografias
destes artistas através de sequências narrativas e tipológicas move-se na apropriação
do objecto fotografado, com o objectivo de anular as distâncias entre percepções
confusas e difusas, estimulando a atenção do espectador para o próprio objecto.
(Marchán Fiz, 2010, p.29)
Interessa-nos perceber a reconstrução ou representação arquitectónica
utilizada pelos fotógrafos Bernd e Hilla Becher e Andreas Gursky na procura de
intensificar um momento. Se por um lado Andreas Gursky multiplica determinado
instante numa só fotografia, Bernd e Hilla Becher apostam em conjuntos de
sequências em que cada fotografia centra o objecto fotografado.
The objects thus become more distinct in character and do not just tempt us into an analysis of
the individual structures, but also open our eyes to see and discover these constructions in reality.
(Becker, 2004, p.5)
O modo de fotografar de Bernd e Hilla Becher acentua as semelhanças e
diferenças das diversas construções industriais, através da apresentação destas
mesmas fotografias, desde 1960, com base em conjuntos de fotografias organizadas
em tipologias. As tipologias correspondem a diferentes ângulos – incluindo uma vista
frontal e perspectivas – envolvendo instantes em intervalos de 45 graus em torno dos
objectos.
The segmentation of whole plants and the focussing on signal buildings types for presentation in
relation to one another in a new groups of images ultimately amounts to a new form of
photographic collage or montage which basically takes its cue from human perception. (Becker,
2004, p.13-14)
108
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
São portanto grupos de imagens, que se compõem numa nova forma de
colagem fotográfica ou montagem, que de alguma forma se compara ao movimento da
percepção humana perante o espaço arquitectónico.
Ilustração 71 – Fabrikhalle (Giebel), 1987, Bernd e Hilla Becher (Gursky, 2007, p.51)
Ao referirmos o trabalho dos fotógrafos Bernd e Hilla Becher voltarmos às
séries de fotografias de Lucién Hervé das obras de Le Corbusier. O que têm em
comum? Diversas questões surgem mediante a reflexão do trabalho destes fotógrafos
que actuam em épocas diferentes e que influenciam tanto na compreensão do espaço
arquitectónico como para a sua divulgação e representação.
Lucién Hervé com as suas séries de fotografias contribui fortemente para a
divulgação da arquitectura moderna, pois proporcionava através destas um quadro
estético, autónomo e diferenciado da arquitectura de Le Corbusier. (Ilustração 33).
Fragmentava a própria obra arquitectónica, registando a multiplicidade de olhares e
detalhes que a compõem. É esta descrição espacial, que compõe nas suas
fotografias, capaz de expressar a essência da arquitectura de Le Corbusier.
Joana Cotter Salvado
109
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 72 – The Claude & Duval Factory, Saint Dié, França (1946), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién
Hervé (1951) (Sbriglio, 2011, p. 77-79)
Como desenvolvemos ao longo deste subcapítulo, Bernd e Hilla Becher
também têm como intuito a compreensão do espaço arquitectónico. As fotografias dos
edifícios industriais eram organizadas em séries, dependendo das suas tipologias.
Cada estrutura é central nas suas fotografias e enquadrada enquanto centro da
própria fotografia. Por outro lado, Lucién Hervé, aposta na fragmentação da
arquitectura de Le Corbusier como forma de descrever os espaços do arquitecto. Ao
analisarmos as fotografias destes dois exemplos citados, conseguimos facilmente
perceber tais intenções e formas de percepção como diferentes modos de
representação do espaço arquitectónico.
110
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 73 – Gas Tanks, 1983-92, Bernd e Hilla Becher (Becker, 2004, p.8)
This culture probably made Hervé more sensitive than others to something that contributed to his
seduction of Le Corbusier, and which contact sheets fully reveal: the importance of the series.
Beyond an understanding of architecture, which Hervé´s images amply demonstrate, one of the
aspects that struck the architect most about the assignment Hervé executed in Marseille in a
single day was the abundance – one might be tempted to say the overabundance – of the
images: more than 600, when other architectural professionals would no doubt, in a more posed
fashion, have taken perhaps 100 shots at the most. This taste for abundance, the belief that
photography derives meaning only within a very large series, and that each detail of the building
deserves sustained attention, was related to the growing interest in the series as a form on the
part of the avant – garde, beginning in the second half of the 1930s. (Sbriglio, 2011, p.12-13)
Qual é o defeito característico da maneira de tratar a arquitectura nas histórias da arte correntes?
Já dissemos mais de uma vez: consiste no facto de os edifícios serem apreciados como se
fossem esculturas e pinturas, ou seja, externa e superficialmente, como simples fenómenos
plásticos. (Zevi, 2009, p.5)
A fotografia de Bernd e Hilla Becher centra-se no carácter unitário e estático do
objecto fotografado, por outro lado, Lucién Hervé intruduz nas suas séries uma noção
de dinâmico do movimento do observador. Andreas Gursky, no contexto da sua obra,
produz uma síntese destas duas qualidades nos fotógrafos supra-citados. A dimensão
das suas fotografias produz claramente a noção de visão unitária, bem como nos seus
Joana Cotter Salvado
111
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
trabalhos mais recentes podemos encontrar nitidamente referências à noção de
movimento.
Ilustração 74 - F1 Boxenstopp, 2007, tamanho original: 600 x 250cm, Andreas Gursky (Gursky, 2007, p.60)
Andreas Gursky supera o carácter predefinido da fotografia, proporcionando
um afastamento em relação à reprodução meramente documental da realidade. Pelo
facto de manipular as imagens, oferece a possibilidade de recriar novas composições
recriando o próprio real. As fotografias de Andreas Gursky revelam-se um caso de
estudo fundamental, apesar de não abordarem a procura do espaço arquitectónico. O
mais interessante foca-se no acto de transformação que possibilita a expressão de
uma ideia.
A evolução da fotografia proporciona técnicas que abrem novas possibilidades
de expressão e que influenciam os fotógrafos de arquitectura no registo do espaço
arquitectónico. Por analogia ao trabalho fotográfico de Andreas Gursky conseguimos
evidenciar a importância do uso destas técnicas. A frequência do uso de ferramentas
com o intuito de manipular as imagens fotográficas torna-se cada vez mais comum, ao
ponto de se tornarem as próprias imagens no instrumento mais eficaz de comunicar a
arquitectura. É a par da valorização da imagem fotográfica que a compreensão da
arquitectura acompanha uma potencial valorização da percepção visual. Contudo, ao
longo desta dissertação estão a ser apresentados exemplos que se focam
fundamentalmente
em
imagens
fotográficas
e
a
par
destas
é
explorado
constantemente a autenticidade da experiência que temos do espaço arquitectónico.
Quando nos referimos à ideia de autenticidade do espaço arquitectónico enquanto
forma de representação em fotografia, somos obrigados a referir o conjunto de
técnicas que evidenciam tal essência do espaço arquitectónico.
112
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ao longo deste subcapítulo associamos o acto de registar a realidade à
multiplicidade perceptiva, característica da dinâmica natural do olhar. E desta forma é
interessante fazermos uma analogia entre o trabalho fotográfico de David Hockney,
artista explorado no subcapítulo 2.2 da presente dissertação com o trabalho fotográfico
do artista/fotógrafo Andreas Gursky. Em ambos os casos, a arquitectura não é um
tema central mas o que é relevante é a importância do processo de registo enquanto
procura e introdução de tempo e de espaço nas imagens fotográficas. Tanto o espaço
como o tempo, são abordados como elementos fundamentais que são introduzidas na
imagem fotográfica, por meio de artifícios. Tais ideias são perceptíveis quando falamos
de dois temas – a fotografia e a arquitectura – e por isso torna-se interessante a
procura de uma expressão de tempo e de espaço pela fotografia que não é mais do
que uma forma de comunicação, das qualidades da arquitectura, no contexto da
fotografia.
Ilustração 75 - Winding Towers, 1966–97, Bernd e Hilla Becher (Becker, 2004, p.10)
Joana Cotter Salvado
113
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Como referimos anteriormente David Hockney e as suas colagens fotográficas
baseia-se num carácter tanto narrativo como sequencial ao ponto de se afastar de
uma mecânica de percepção. As suas composições atingem grandes dimensões onde
cada fotografia instantânea revela-se apenas enquanto um fragmento. Há contudo, um
efeito de pintura onde cada fragmento não pertencerá não só a tempo mas mais ainda,
ajusta-se a diversos fragmentos que no seu conjunto formam composições
pictoricamente lógicas.
Tal analogia à realização de uma pintura parece-nos fundamental pois cada
fotografia acaba por expressar um detalhe, um determinado foco, e consequente
tempo definido. As suas colagens tornam-se construções pictóricas que recriam a
realidade que vai sendo apreendida e composta.
Ilustração 76 – Canal y Carretera, 21 de Fevereiro de 1983, David Hockney (Hockneypictures, 2012)
114
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
No caso, em estudo, de Andreas Gursky também poderemos evidenciar esta
ideia de procura de espaço e de tempo. Esta procura revela-se de uma forma bastante
diferente: perante uma realidade, foca-se num detalhe (punctum) que é multiplicado
como forma de definir a apreensão do observador mediante determinado momento.
Falamos neste caso de um tempo de contemplação condensado por um momento ou
até mesmo um único elemento que se torna na estrutura compositiva de cada sua
obra. As suas fotografias são uma nova expressão visual que pertencem a uma
construção pictórica.
Tal como referimos no início da dissertação, a fotografia abordada
primeiramente enquanto ferramenta documental de uma realidade, é acompanhada
pelo desenvolvimento de técnicas que criam novas possibilidades de registo que por
sua vez constituem novos modos de apreensão e percepção. A ilusão realidade/ficção
é uma associação fundamental quando nos referimos às fotografias de Andreas
Gursky e esta dicotomia é primordial no desenvolvimento da dissertação.
Ilustração 77 – Hong Kong, Stock Exchange, 1994, tamanho original: díptico, cada um com: 166 x 226cm, Andreas
Gursky (Gursky, 1998, p.58)
Andreas Gursky projecta nas suas fotografias uma enorme dimensão artística,
em que cada detalhe é manipulado e multiplicado. Neste caso poderemos referir uma
narrativa que recorre à manipulação digital como forma de expressão e como
estratégia de promover a minúcia. Um determinado momento é intensificado e
condensado, compondo uma fotografia. Assim percebemos que a intenção
documental de Bernad e Hilla Becher resulta no trabalho de Andreas Gusrky por uma
reconfiguração pictórica. O facto de condensar determinado momento e a sua
multiplicação, tornam-se nos factores de expressão da imagem, isto é, os factores que
de facto vão ter influência na percepção do observador.
Joana Cotter Salvado
115
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
116
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
3.3
REPRESENTAÇÃO E FICÇÃO : THOMAS DEMAND
Los edificios se transforman en imágenes y las imágenes se convierten en una especie de
edificios, ocupados como cualquier otro espacio arquitectónico. (Colomina, 2010 p.124)
A câmara fotográfica pode ser entendida como uma extensão da visão, capaz
de aproximar determinados aspectos da realidade. Segundo Vilém Flusser70, os
instrumentos são extensões perceptivas que, por serem prolongadas, alcançam de
forma mais extensa e profunda a realidade. (Flusser, 1998, p.41).
A câmara fotográfica é, assim, um novo modo de percepcionar a realidade que
materializa o modo como a registamos. Tais premissas são fundamentais para
compreendermos a ideia de representação do espaço arquitectónico através da
fotografia sendo a percepção e o registo do espaço arquitectónico através da
fotografia dois processos indissociáveis o modo como percepcionamos a arquitectura
influencia a forma como a registamos e como a representamos.
A photograph is fossilized light, and its aura of superior evidential efficacy has frequently been
ascribed to the special bond between fugitive reality and permanent image that is formed at the
instant of exposure. (Mitchell, 1992, p.24)
Vilém Flusser afirma ainda que, os aparelhos são caixas negras que simulam o
pensamento humano, graças a teorias científicas, as quais, como o pensamento
humano, permutam símbolos contidos na sua «memória», no seu programa. Desta
forma, os instrumentos ao reproduzirem os órgãos simulam o pensamento humano no
sentido em que cada fotografia se transforma numa nova realidade captada num
determinado ponto de vista. (Flusser, 1998, p.48). Assim, as fotografias têm a
capacidade de construírem um espaço interpretativo no observador.
Esse espaço interpretativo é portanto um conjunto de imagens que
acumulamos e que fazem parte da nossa memória. A memória intervém na forma
como percepcionamos o espaço arquitectónico sendo determinante para entendermos
que a fotografia faz parte dessa mesma memória como veículo priveligiado para
apreender o espaço arquitectónico. Mas, a fotografia além de ser um instrumento de
70
Vilém Flusser (1920 – 1991). Filósofo, escritor e jornalista checo. Em 1938 começou a estudar filosofia
na Faculdade Jurídica da Universidade Charles, em Praga. Em 1939 continua os seus estudos na Escola
de Londres de Economia e Ciências Políticas. Em 1950 emigra para o Brasil e no ano seguinte começou
a colaborar no Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF). Em 1960 começou a leccionar filosofia na Escola
Superior de Cinema em São Paulo. Nas suas obras escritas explora temas como a imagem, a fotografia,
a filosofia da comunicação e a produção artística, entre outros. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
117
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
percepção e de registo do espaço arquitectónico, também contribui fortemente para a
comunicação e divulgação da arquitectura.
Ilustração 78 – Secretariat, Chandigarh, India (1952), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1955)
(Sbriglio, 2011, p.176)
Ao longo deste subcapítulo introduzimos a ideia de que a representação da
arquitectura através da fotografia ultrapassa a ideia de comunicação dessa mesma
arquitectura, tornando-a numa representação sob a forma de ficção.
With the restless movement that effaces boundaries comes a new mode of perception that has
become the trademark of modernity. Perception is now tied to transience. (Colomina, 1996, p.12)
This transience, and the new space of the city in which it is experienced, cannot be separated
from the new forms of representation. (Colomina, 1996, pág.12)
Quando falamos da arquitectura e das suas representações fotográficas,
referimo-nos à arquitectura enquanto sistema de representação. O espaço
arquitectónico, através das suas representações fotográficas, ganha autonomia,
118
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
gerando uma apreensão totalmente nova. Ao serem privilegiadas as sensibilidades
estéticas do espaço arquitectónico fotografado, este transforma-se numa forma de
ficção, por desta forma, previamente idealizada.
Na era da estetização, é precisamente o lado menos agradável das coisas que ganhou
capacidade de criar respostas aparentemente paradoxais, ao ponto de aquilo que não é, à
partida, atractivo poder facilmente ser considerado esteticamente apelativo. (Leach, 2005, p.3334)
A representação da arquitectura pela fotografia, é como um meio de
comunicação e sedução da própria arquitectura considerando que se torna numa
construção através da imagem, da própria arquitectura.
Se por um lado, o desenvolvimento de técnicas fotográficas proporciona
resultados expressivos no registo do espaço arquitectónico, é também através das
suas técnicas, como a manipulação digital, que a representação se torna num novo
modo de apreender o espaço arquitectónico. Recriando a nossa percepção do espaço
arquitectónico, a fotografia irá acaba por reconstruir a própria percepção. A fotografia
proporciona assim a sua parte de ficção, de narração e de ilusão afastando-se do
próprio carácter do real. (Joly, 2003, p.89).
Ao tomarmos como ponto de partida da presente dissertação a percepção do
real dependendo do modo de registo, é importante definir a fotografia enquanto
instrumento de representação na medida em que evidenciamos para além do objecto
fotografado, a experiência do observador mediante perante esse mesmo objecto.
É, para além disso, um tipo de sedução intimamente ligado à estetização. Absorvidos e
despotencializados os discursos significativos pelo mundo superficial e estetizado da imagem, a
sedução mantém-se enquanto a única estratégia viável para captar o observador. Numa cultura
de estetização, só nos resta mesmo afirmar que uma abre caminho para a outra. (Leach, 2005,
p.144)
O fetichismo da imagem, ao aderir à lógica de sedução, não pode simultaneamente procurar
fundamento na crítica radical da cultura arquitectónica contemporânea, porque a crítica radical
define-se a si mesma como uma política de conteúdo que opera ao nível do significado. (Leach,
2005, p.137)
Esta ideia de ficção é fundamental para entendermos que a representação não
é mais do que a comunicação de uma ideia de determinado espaço fotografado.
A fotografia amplia um conjunto de significados da própria arquitectura
fotografada, tendendo a tornar-se no seu principal meio de expressão. Ao edificar um
espaço interpretativo transforma-se num mecanismo de comunicação e sedução da
arquitectura, na sua versão mais autêntica.
Joana Cotter Salvado
119
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Chegam mais visitantes enquanto acabo estas linhas sentado na esplanada do Farol. Quantos
irão visitá-lo por verem estas imagens? Ou, para quantos serão estas imagens o único contacto
com a obra? (Guerra, 2008)
As fotografias não representam somente a arquitectura, sugerindo também a
forma de a percepcionar, tentando expressar as ideias dos arquitectos. Podemos
assim afirmar que na representação fotográfica existe uma dicotomia entre espaço real
e espaço representado.
Como referimos anteriormente, uma fotografia representa um fragmento de
espaço e de tempo que como o espaço fotográfico. Considerando que a fotografia é
um corte temporal e espacial, é interessante compreendê-lo enquanto espaço
interpretativo e de comunicação que propõe um processo imaginativo no observador.
A fotografia proporciona naturalmente:
1.
Um espaço interpretativo no observador que é materializado num instante
fotográfico
2.
Constrói uma hiper-realidade manipulada pela utilização de técnicas
digitais.
Digital manipulation of photographs does not obliterate the distinction between depictions and
their objects, but (characteristically of our age) blurs the boundary between two kinds of
depictions – one of which has seemed to have special claims to veracity. We are faced not with
conflation of signifier and signified, but with a new uncertainty about the status and interpretation
of the visual signifier. (Mitchell, 1992, p.17)
Computational tools for transforming, combining, altering, and analysing images are as essential
to the digital artist as brushes and pigments are to a painter, and an understanding of them is the
foundation of the craft of digital imaging.
Furthermore since captured, “painted”, and synthesized pixel values can be combined
seamlessly, the digital image blurs the customary distinctions between painting and photography
and between mechanical and handmade pictures. (Mitchell, 1992, p.7)
Ao permitir a reconstrução e a manipulação, a fotografia de arquitectura gera
no espectador/observador uma nova realidade.
João Luís Carrilho da Graça confidenciou-me, preocupado, que as minhas fotografias eram tão
bonitas que tinha receio que as pessoas ao visitarem a obra ficassem desiludidas. Seria
impossível que isso acontecesse, dado o nível raro da obra deste arquitecto, mas foi um dos
maiores elogios que podia ter ouvido. (Amaro at al, 2011)
Segundo Neil Leach, a imagem é ela própria a nova realidade, ou hiperrealidade construída pelo imaginário. (Leach, 2005, p.16). Desta forma, o hiperrealismo da simulação manifesta-se pela semelhança do real consigo próprio.
(Baudrillard, 1991, p.34). A valorização pictórica já abordada na presente dissertação,
120
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
para além de ser um aspecto fundamental para compor a imagem fotográfica torna-se,
neste contexto de representação, num mecanismo de substituição do real em hiperreal. Há como que uma simulação do espaço arquitectónico que tende a estetizar-se
de forma a seduzir o observador por meio da imagem fotográfica.
Increasingly, digital image manipulation was defined as a transgressive practice, a deviation from
the established regime of photographic truth. (Mitchell, 1992, p.16)
Se retornarmos à importância da fotografia na arquitectura moderna, o seu
impacto foi tão transformador que os observadores acabavam por ver a arquitectura
através de imagens fotográficas que tentavam reproduzir um determinado espaço
canónico. A fotografia expressava mais além do espaço arquitectónico, pois ressaltava
um aspecto optimista, idealizado pelo arquitecto. A imagem fotográfica prevalecia de
tal modo aos espaços arquitectónicos, que os arquitectos mais marcantes desta época
construíam maquetes e fotografavam-nas, tomando as suas decisões pelo que viam
através da objectiva.
Um bom exemplo é a Villa Schwob, construída em 1916 por Le Corbusier, em
Paris. Ao publicar as fotografias desta obra o arquitecto adaptou-as a uma estética
mais purista. Manipulou a imagem fotográfica original da casa modificando
determinados pormenores arquitectónicos que contaminavam os ideais formais da sua
arquitectura. Na fachada do pátio, Le Corbusier eliminou a pérgola do jardim mantendo
apenas o seu desenho geométrico através de traços no chão. Nivelou ainda a
vegetação do jardim eliminando arbustos, outras plantas e a casota do cão, definindo
assim a parede rectilínea exterior da fachada. Alterou a entrada de serviço do jardim
encurtando o vestíbulo saliente com um plano alinhado com a porta de entrada.
Finalmente a janela do vestíbulo sofre alterações sendo redesenhada na imagem
fotográfica como puro rectângulo.
Ironically, the published photographs of this house are trompeuse indeed, they have been “faked”
(Colomina, 1996, p.107)
Desta forma tentava, Le Corbusier, eliminar certos pormenores arquitectónicos
que considerava pitorescos e contextuais da casa, concentrando-se nas qualidades
formais do próprio objecto. A modificação mais evidente nas fotografias da casa
publicadas na revista L´Esprit Nouveau é a eliminação de quaisquer referências ao
terreno íngreme onde é implantada a casa. Ao descontextualizar territorialmente a
obra, transformava-a num objecto puro e independente do lugar. O que interessava a
Joana Cotter Salvado
121
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Le Corbusier era manipular a imagem fotográfica revelando na obra arquitectónica, os
ideais da sua arquitectura.
Ilustração 79 – Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921 (Colomina, 1996, p.112)
Ilustração 80 - Villa Schwob, fotografia original, 1920 (Colomina, 1996, p.113)
Furthermore, the distinction he makes between real space and the space of the page is equally
clear. (Colomina, 1996, p.111)
Las imágenes se habian convertido en la materia prima de su arte. Era simplesmente cuestión de
tempo que los fotógrafos se convirtieran en arquitectos. (Colomina, 2010, p.124)
Los arquitectos actúan como si sus edifícios fueran principalmete imágenes; ellos diseñan la
imagen. Aunque sus diseños lleguen a construirse, se entregan, digámoslo así, a sus ocupantes
como una especie de elemento de decorado usado que habitar. Ningún arquitecto tiene un
interés profundo en como se ocupan sus edifícios. (Colomina, 2010, p.120)
122
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 81 - Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921 (Colomina, 1996, p.109)
Le
Corbusier,
apropria-se
da
imagem
fotográfica,
introduzindo
consequentemente a ideia de transformação do real. Trata-se portanto de uma
dualidade entre real e ficção com o intuito de aproximação da realidade à realidade
imaginada ou idealizada pelo arquitecto.
A
manipulação
fotográfica,
utilizada
pelos
fotógrafos
de
arquitectura
contemporâneos, constitui uma técnica essencial como meio de materialização de
ideias e pensamentos que se poderão de alguma forma sobrepor da própria realidade
construída.
Com o desenvolvimento de técnicas e ferramentas fotográficas como a adição
e subtracção de elementos, que modificam a leitura das ideias de determinada obra
arquitectónica tornando, a imagem fotográfica num veículo potencial de alteração da
comunicação em arquitectura.
Surely, one look at the architectural avant-garde in these terms suggests that modern architecture
becomes “modern” not simply by using glass, steel, or reinforced concrete, as is usually
understood, but precisely by engaging with the new mechanical equipment of the mass media:
photography, film, advertising, publicity, publications, and so on. (Colomina, 2010, p.73)
Joana Cotter Salvado
123
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 82 - Villa Schwob, detalhe da pérgola, fotografia original, 1920 (Colomina, 1996, p.110)
Da mesma forma, o escultor e fotógrafo alemão Thomas Demand71, cria uma
ficção e materializa essa ficção. O modelo construído tem como objectivo a
aproximação parcial à realidade criando ao mesmo tempo, algo irreal.
En la arquitectura moderna, la fotografía reproducía la sensación del papel. Las fotografías de
Demand intentan reproducir la sensación de espacio creada por la maqueta de papel; la cual
reconstruye un espacio que existía como imagen en un momento concreto. (Colomina, 2010,
p.122)
Referimos o trabalho de Thomas Demand para demonstrar a dicotomia entre o
real e a ilusão/ficção. No contexto da fotografia, é este o ponto que se torna mais
relevante, tornando-se na ideia fulcral na escolha do trabalho deste contemporâneo
artista alemão, como caso de estudo.
Los edifícios se transforman en imágenes y las imágenes se converten en una especie de
edifícios, ocupados como qualquier otro espacio arquitectónico. (Colomina, 2010, p.124)
71
Thomas Demand nasceu no ano de 1964 em Munique, na Alemanha. Escultor e fotógrafo, entre 19891992 estudou escultura - a sua formação base - na Academia de Belas Artes em Munique (Akademie der
Kunste Bildenden Munchen). Entre 1989 – 1992 estudou fotografia na Academia de Artes em Dusseldorf
(Kunstakademie Dusseldorf). Em 1993 começou a utilizar a fotografia para registar as suas obras e é a
partir desse ano que começa a criar construções com o único propósito de as fotografar. Actualmente,
vive em Berlim e lecciona na Universidade de Belas Artes de Hamburgo. (Wikipédia, 2012)
124
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Thomas Demand apropria-se de imagens mediáticas e converte-as em
construções tridimensionais/maquetes com o objectivo de as fotografar. Utilizando
imagens retiradas tanto de arquivos como dos meios de comunicação reconstrói a
memória de tal imagem num modelo de papel tridimensional que depois é fotografado.
The degree to which the reality of the picture makes us think of the ways in which the real is
actually constructed is central to Demand´s approach to photography. (Demand, 2005, p.9)
Demand offers a model of vision that thrives on the frictions between opacity and intelligibility,
fiction and veracity. (Demand, 2005, p.24)
Ilustração 83 – Esquema do processo criativo do trabalho de Thomas Demand. (Joana Cotter Salvado, 2012)
Tal processo não é mais do que uma reconstrução de determinada realidade.
Thomas Demand, escultor de formação, começa no ano de 1993 a usar a fotografia
como registo das suas obras tridimensionais. A fotografia torna-se assim parte
intrínseca do seu processo criativo. Pouco tempo depois, a fotografia passa a ser o
seu objectivo, pois as construcções são criadas com o único propósito de serem
fotografadas. Os espaços tridimensionais passam a ser instrumentos de trabalho, que
criam o cenário fotográfico. Assim, Thomas Demand associa, duas realidades: a
imagem mediática que interpreta e o espaço que construído através interpretação.
Estas, juntam-se numa única imagem fotográfica, com o intuito de representar uma
ideia ou um acontecimento mediático.
Una constante sucesión de imágenes sobre-expuestas de fuerte carga emocional se somete a
reinterpretación. Resulta interesante observar que, si bien Demand extrae imágenes del
espectáculo de los médios de comunicación de masas, las devuelve de una forma nada
espectacular. La arquitectura que descubre dentro del espectáculo carece de todo asomo del
mismo. (Colomina, 2010, p.112)
Thomas Demand desenvolve um carácter narrativo nas suas fotografias
suportado pela memória de acontecimentos mediáticos, sendo este um dos aspectos
mais importantes da obra do artista, permitindo-lhe não só construir com um novo
significado mas também traduzi-lo e expressá-lo nos espaços que constrói para
Joana Cotter Salvado
125
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
fotografar. Analisando o resultado final,
percebemos
a
noção
de
estranheza
provocada pela quase realidade do objecto. Esta quase realidade é apreendida após,
a primeira abordagem visual, sendo o objecto apreendido como algo irreal. A ausência
da figura humana, nas fotografias de Thomas Demand é uma condicionante
fundamental no modo de representação e expressão das intenções do artista
enquanto ênfase ao aspecto irreal nas suas construções fotográficas. Deste modo, o
resultado fotográfico expressa-se por este carácter ficcionado.
A reconstrução e manipulação da realidade por Thomas Demand, expressa
uma nova realidade, verdadeiramente impessoal. A oscilação entre o real e a ficção é
denotada
nas
suas
representações
onde
os
espaços
representados
são
humanamente vazios, construídos pelos objectos que fazem parte deles, reproduzidos
de uma forma expressiva, à escala real, produzindo uma visão alternativa dos
acontecimentos.
Ilustração 84 – Drafting Room - Zeichensaal, 1996, tamanho original: 183.5 x 285cm, Thomas Deman. (Demand, 2006,
p.74)
Em “Drafting Room” (Ilustração 84), Thomas Demand, baseia-se numa
fotografia do atelier de arquitectura e urbanismo de Richard Vorholzer, responsável por
grande parte do planeamento urbano do pós-guerra na Alemanha. Aparentemente
126
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
insignificante, o espaço contruído por Thomas Demand, evoca memórias de uma
arquitectura, influenciada pelos ensinamentos da escola Bauhaus. O espaço é
contruindo com detalhe, ao ponto de ilustrar algumas ferramentas que o artista utiliza
no seu trabalho. (Demand, 2005, p.16).
Between the simulated realism of his images and the high level of preparation and documentary
detail that goes into their making, Demand presents the viewer with a hybrid model of historical
memory. (Demand, 2005, p.17)
Demand offers a model of vision that thrives on the frictions between opacity and intelligibility,
fiction and veracity. (Demand, 2005, p.24)
Ilustração 85 – Staircase (Treppenhaus), 1995, tamanho original: 150,0 x 118,0 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005,
p.53)
Joana Cotter Salvado
127
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A imagem fotográfica “Staircase” (Ilustração 85) é outro exemplo de construção
de espaço, também neste caso, proveniente da memória de experiências pessoais. O
artista / fotógrafo, recria a escada interior do edifício da escola secundária onde
estudou, construída em 1950. (Demand, 2005, p.17).
Proveniente da memória de acontecimentos passados, mais uma vez Thomas
Demand foca-se no espaço, fazendo da sua representação, objecto central das suas
construções. Como podemos observar, a figura humana é mais uma vez secundária
para a expressão e representação das suas ideias.
Thomas Demand, apesar de não ter sido aluno de Bernd e Hilla Becher na
prestigiada Academia de Artes em Dusseldorf - Kunstakademie Dusseldorf – possui
uma clara influencia destes, considerados pais da fotogorafia contemporânea alemã.
Ilustração 86 – Gas Tanks, 1992-1997, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.42)
A par de Thomas Demand, a influência destes fotógrafos extende-se a nomes
de relevo da fotografia contemporânea como Andreas Gursky, Candida Hofer72,
72
Candida Hofer nasceu em 1944, na Alemanha. A fotógrafa foi uma das primeiras alunas de Bernd e
Hilla Becher na Kunstakademie Dusseldorf. (Wikipédia, 2012)
128
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Thomas Struth73, Thomas Ruff74. Com estes conceituados artistas, Thomas Demand
partilha uma vontade de documentar de um modo aparentemente banal, lugares não
habitados. Embora Thomas Demand não agrupe esses lugares em séries ou
categorias, o resultado final do seu trabalho é uma imagem única onde realidades
existentes e realidades imaginadas são sobrepostas.
Ilustração 87 – Biblioteca Nacional de França, Paris XIII, 1999, tamanho original: 85 x 85cm, Candida Hofer.
(renabranstengallery, 2012)
Diferentemente de seus mestres, Hoffer prefere a fotografia colorida à preto e branco. Suas
fotografias geralmente exibem o espaço arquitectónico interno em sua amplidão, geralmente a
partir de um ponto de vista aparentemente neutro. (Fortes, 2007, p.2)
O processo de reconstrução de interpretações e a construção de um espaço
com o objectivo artístico, de forma a produzir uma visão pessoal e alternativa dos
acontecimentos, afasta Thomas Demand do trabalho fotográfico de Bernd e Hilla
Becher.
73
Thomas Struth nasceu em 1954, na Alemanha. O fotógrafo iniciou o curso na Kunstakademie
Dusseldorf (1973 até 1980) na área da pintura. Em 1976 começa a sua formação como fotógrafo dirigida
por Bernd e Hilla Becher. Actualmente o fotógrafo trabalha em Berlim e Nova York. (Wikipédia, 2012)
74
Thomas Ruff nasceu em 1958 em Zell am Harmersbach, na Alemanha. Estudou fotografia entre 19771985 na Kunstakademie Dusseldorf dirigida por Bernd e Hilla Becher. Andreas Gursky, Candida Hofer,
Thomas Struth, foram alguns dos seus colegas no curso de fotografia. Actualmente, vive e trabalha em
Dusseldorf, na Alemanha. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
129
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 88 – Art Institute of Chicago 2, 1990, Thomas Struth. (Google, 2012)
Ilustração 89 – D.p.b. 08, 2000, tamanho original: 128 x 178 cm, Thomas Ruff. (Google, 2012)
130
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
É por uma estratégia da fotografia enquanto processo documental que estes
artistas/fotógrafos se distinguem do ponto de vista artístico. Nas imagens fotográficas
de Bernd e Hilla Becher, o “objecto banal” ganha aura pela forma como são
documentadas as diferentes construções arquitectónicas. Agrupadas em séries
possibilitam uma análise comparativa de diferentes contruções numa mesma imagem.
Ilustração 90 – Blast Furnaces, 1970-1989, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.10)
Ao analisarmos a imagem fotográfica de Thomas Demand “Bathroom”
(Ilustração 89), é possível demonstrar o aspecto de algum modo artificial que o espaço
representado na imagem expressa. “Bathroom” relata um acontecimento mediático.
Esta imagem recria o espaço da casa de banho do Hotel Beau-Rivage em Genéva,
onde o político Uwe Barrschel75 foi encontrado morto em 1987. Considerado um dos
mais controversos escândalos do pós-guerra da Alemanha, foi publicado nas páginas
das revistas alemães como “Der Spiegel76” e “Der Stern77”.
75
Uwe Barrschel (1944-1987). Alemão político da União Democrata Cristã na Alemanha. Entre 1982-1987
foi Primeiro Ministro do Estado de Schleswig-Holstein. (Wikipédia, 2012)
76
Der Spiegel é uma revista semanal alemã, publicada em Hamburgo. É uma das maiores publicações da
Europa, com circulação semanal de mais de um milhão de exemplares. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
131
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Mais uma vez, na imagem de Thomas Demand é revelado um lado mais
impessoal e austero onde o espaço continua a ser determinante, pois de certo modo, é
ele que é construído numa maqueta à escala real e fotografado.
Ilustração 91 – Notícia retirada da revista Der Stern da morte de Uwe Barschel na banheira do quarto do Hotel BeauRivage, em Genéva, 1987. (Demand, 2005, p.20)
Ilustração 92 – Bathroom (Badezimmer), 1997, tamanho original: 160 x 12cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.64)
If we consider the Barschel picture, it was the first reproduction that caused a big scandal. People
started asking whether it should be printed at all. (They asked) (W)hether a photographer should
be allowed to intrude and take a picture before the police had arrived. Much later, the untiring
public prosecutor in Schleswig-Holstein (the state that Barschel represented) re-examined the
unresolved questions on the basis of the photos. That means, the photo medium runs through the
whole affair. (Demand quoted in Ruedi Widmer, “Building the Scene of the Crime” / (Demand,
2005, p.20)
As a rule, Demand begins with an image, usually, although not exclusively, from a photograph
culled from the media, which he translates into a three-dimensinal life-size paper model. Then he
takes a picture of the model with a Swiss-made Sinar, a large-format camera with telescopic lens
for enhanced resolution and heightened verisimilitude. Contributing to the overall illusion of reality,
his large-scale photographs are laminated behind Plexiglas and displayed without a frame. His
handcrafted facsimiles of architectural spaces, exteriors, and natural environments are built in the
image of other images. Thus, his photographs are triply, removed from the scenes or objects they
depict. (Demand, 2005, p.9-10)
Like his other pictures, Demand´s construct is full of artifice. (Demand, 2005, p.24)
77
Der Stern é uma revista semanal, publicada na Alemanha. Fundada em 1948 por Henri Nannen (19131996) – famoso jornalista alemão. Actualmente é publicada por Gruner + Jahr GmbH & Co.KG – editora
fundada em 1965 por Henri Nannen Gerd Bucerius, John Jahr Sr. e Richard Gruner. (Wikipédia, 2012)
132
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Para além do processo de trabalho deste artista/fotógrafo oscilar entre a
realidade e a ficção também balança entre a documentação de um acontecimento já
por si mediático e a construção de um conjunto de interpretações em maquetes de
papel e cartão.
Existe nesta obra, uma clara citação à pintura “A morte de Marat”78 do pintor
francês Jacques – Louis David79 a qual remete para uma sobreposição de leituras que
demonstram a complexidade do trabalho artístico de Thomas Demand.
Ilustração 93 – A morte de Marat80, 1793, técnica de óleo sobre tela. Tamanho original: 128cm x 165cm, Jacques – Louis
David (Demand, 2005, p.14)
78
A morte de Marat é uma pintura de Jacques – Louis David, datada de 1793. Exposta no Museu de
Belas Artes, em Bruxelas, a pintura retrata o assassinato de Jean – Paul Marat (1743 – 1793). O pintor
Jacques – Louis David representou Jean – Paul Marat, visto na véspera de sua morte, tal como
representado. (Wikipédia, 2012)
79
Jacques – Louis David (1748 – 1825). Pintor francês, oficial da Corte Francesa de de Napoleão
Bonaparte (1769 – 1821), foi um dos artistas representantes do neoclassicismo – movimento cultural
nascido na Europa em meados do séculoXVIII que teve grande influência na arte e cultura Ocidental, até
meados do séculoXIX. (Wikipédia, 2012)
Joana Cotter Salvado
133
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Outro exemplo de transformação de uma imagem mediática por Thomas
Demand é a fotografia “Studio”. A imagem base provém de um programa televisivo
“What´s my line?” moderado pelo jornalista Robert Lembke81. É com a utilização de
cores fortes, que Thomas Demand cria o cenário da imagem como meio de reproduzir
e evidenciar a virtual experiência de um estúdio televisivo que é reproduzido em
televisão a preto e branco.
Ilustração 94 – Robert Lembke com a sua assitente Irene Neubauer no programa televisivo “What´s my line?”, em 1978.
(Demand, 2005, p.18)
Ilustração 95 – Studio, 1997, tamanho original: 183.5 x 349.5 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.70-71)
80
Jean – Paul Marat (1743 – 1793), médico, filósofo, cientista, mais conhecido como jornalista e político
da Revolução Francesa (Wikipédia, 2012)
81
Robert Emil Weichselbaum (1913-1989) foi um apresentador de televisão alemão. Entre 1961-1989 foi
um dos jornalistas moderadores do programa televisivo “What´s my line?”. (Wikipédia, 2012)
134
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
O trabalho de Thomas Demand não se ocupa apenas da observação e
representação do espaço arquitectónico indo além de uma simples representação
fotográfica. O espaço adquire importância pois é fotografado para expressar uma
ideia, através de um conjunto de interpretações construídas num modelo
tridimensional pelo artista.
This may explain why he builds it, why he takes images from the world of media – photographs of
crime sites, most notably – and builds them as full-scale constructions in paper and cardboard,
strong enough to hold only until the photograph is taken, when he destroys the original model.
The new photographs join the media world that originated them. (Colomina, 1996, p.19)
The direction of his interrogation into truth takes as its subject the media-based perceptions of
reality. As we have seen, the certainty of this “reality” is destabilized, however, as soon as an
auxiliary reality – the world of paper and cardboard constructs – is detected. But since he never
exhibitions he never exhibits the paper mock-ups, we can never entirely conclude the former
reality as an illusion. When looking at a Demand picture, the eye is subjected to the unrelenting
act of having to decode two kinds of “reality”. In this way, the artist reinscribes his documentary
sources. The removal of figures, clinical handling, lack of detail, shallowness of depth, and cool
and utterly uniform lighting call into question the pretense that such sources can tell the truth of
the events they have in principle objectively documented. As such, it seems, Demand ensures
that photography becomes a vehicle of consciousness as much as a form of testimony to seeing
anew. (Demand, 2005, p.27)
Esta análise do trabalho de Thomas Demand permite estabelecer uma ponte
com as primeiras experiências de manipulação da imagem fotográfica. O cenário
construído é, no caso de Thomas Demand, a introdução de uma definição de realidade
ficcionada. Podemos encontrar o mesmo objectivo – a aproximação da percepção do
observador à definição conceptual do fotógrafo – nas experiências compositivas Lázlo
Moholy-Nagy, apesar de se poderem ser formalmente distintas. É portanto, a partir do
início da década de 60, que se começa a explorar a fotografia enquanto documento
artístico capaz de propor uma nova forma de representar e percepcionar a realidade.
Neste sentido, a primazia da visão enquanto forma primeira de percepção, e a predominância da
racionalidade cartesiana que se expandiu a partir desta situação, alimentam o próprio
espectáculo. (Leach, 2005, p.150)
Joana Cotter Salvado
135
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
136
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.0
REGISTO E PERCEPÇÃO : A CIDADE COMO CAMPO DE ACÇÃO DO
PROJECTO
O trabalho prático da cadeira de Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado
no 5º ano na Universidade La Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni constitui o
último capítulo da presente dissertação.
No primeiro subcapítulo deste capítulo é apresentada uma análise histórica do
território e a sua evolução desde a Época Romana até ao ano de 2009. Também foi
desenvolvida uma análise morfológica dos espaços, elementos marcantes existentes e
diferentes tipologias de edificado. Por último foi feita uma análise sociológica do
território, que revela o impacto das características urbanísticas nas transformações de
actividades sociais.
A fotografia é introduzida enquanto instrumento que possibilita a compreensão
do território a projectar – quarteirão de San Lorenzo em Roma. Com base no sistema
urbano existente, foi organizado um conjunto de imagens, que se sobrepõem e se
interrelacionam com o intuito de estrurar uma visão global e integral do território a
projectar. Um plano bidimensional, a combinação de diferentes olhares, representado
por diferentes elementos gráficos permite expressar uma sensação espacio-temporal.
No segundo subcapítulo é apresentada a proposta de requalificação do
quarteirão de San Lorenzo. A análise do território foi fundamental para esta proposta,
pois foi a partir deste estudo que foram identificadas as lacunas urbanas e
seleccionadas as duas áreas a requalificar. O sistema urbano proposto integra uma
área habitacional, uma área de serviços, equipamentos e espaços verdes. Estes
espaços e elementos territoriais são ligados através da diversidade de percursos que
para além de criarem uma continuidade com o território existente, propõem um
sistema urbano dinâmico nas duas áreas do quarteirão de San Lorenzo,
desqualificadas. Compreendido o sistema enquanto peça única, cada elemento urbano
é desenhado com o objectivo de organizar um plano urbano, que se define pelas suas
qualidades formais e funcionais. Foi com base em sete princípios utilizados por Kevin
Lynch82 que a proposta urbana é descrita, permitindo uma melhor compreensão do
82
Kevin Andrew Lynch (1918-1984). Urbanista e escritor americano de “A Imagem da Cidade” (1960), “O
Tempo é esse lugar?” (1972), entre outros. Estudou na Universidade de Yale em New Haven e licenciouse em 1947. Em 1949 começou a leccionar em MIT (Massachusetts Institute of Technology). (Wikipédia,
2012)
Joana Cotter Salvado
137
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
sistema, de um modo global. Princípios como a: singularidade, a continuidade, a
clareza das ligações, a consciência de movimento, a diferenciação direccional, a
predominância e a simplicidade da forma foram utilizados como referências para a
descrição da proposta.
Para além do desenho do sistema urbano, o edifício pertencente à área
habitacional foi desenvolvido, qualificando o piso térreo com carácter público e o piso
superior com carácter privado, habitacional. O desenho do edifício é influenciado pelas
tipologias residenciais existentes mas também pelo desenho do módulo habitacional
proposto.
A análise anterior desenvolvida, acerca do território a projectar e requalificar,
mais uma vez tem um papel fundamental para o desenvolvimento do projecto, a
diferentes escalas. O módulo habitacional, constituído por duas tipologias diferentes
com áreas entre 70m2 e 80m2, aproximadamente, advém do estudo de tipologias
existentes, destacando-se os edifícios em bloco, agregado em linha e os edifícios em
bloco aberto.
No desenvolvimento da proposta, a fotografia é usada tanto como apoio de
registo do território a requalificar assim como estímulo ao pensamento de projecto,
onde diferentes elementos gráficos são integrados, expressando uma ideia.
É claro que a forma de uma cidade ou de uma área metropolitana não apresentará uma ordem
gigante, estratificada. Será uma estrutura complicada, contínua como um todo, contudo intricada
e móvel. Tem de ser elástica aos hábitos de milhares de cidadãos, aberta a mudanças de função
e significado, receptiva à formação de novas imagens. Deve convidar aqueles que a contemplam
a explorar o mundo. (Lynch, 1989, p.132)
138
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.1
PERCEPÇÃO E TERRITÓRIO: O QUARTEIRÃO DE SAN LORENZO
Mais do que uma única imagem para todo o meio ambiente, parecia haver um conjunto de
imagens que se sobrepunham ou inter-relacionavam. Estavam organizadas em séries de níveis,
envolvidas pela escala de uma área, de modo a que o observador se movesse, à medida que ia
sendo necessário, de uma imagem ao nível da rua para níveis de vizinhança, de cidade ou de
toda uma região metropolitana. (Lynch, 1989, p.97)
Neste subcapítulo referimos a importância das ideias de Juhani Pallasma
relativamente à percepção na experiência do espaço arquitectónico, do papel do corpo
como lugar da percepção, do pensamento arquitectónico e a importância dos sentidos
na articulação de ideias sensoriais para a compreensão da arquitectura. Tais
pressupostos foram preponderantes para a compreensão do modo como a fotografia
proporciona um outro tipo de percepção do espaço arquitectónico.
Ao movimentarmo-nos no espaço criamos um conjunto de imagens que
constroem a nossa percepção do mundo. Como afirma Lazlo Moholy-Nagy, uma
fotografia não é mais do que um ponto de vista de determinado espaço. É assim num
novo instrumento de visão que abre novas possibilidades de compreensão e
representação do espaço arquitectónico.
By fragmenting and regrouping images, he first destroyed the supposed objective reality of a
photograph and then reconstructed his own subjective reaction to his environment. In creating
new contexts for the photographs (or fragments of photographs), he was consciously exploiting
the variety of meanings and associations a photograph can have and thereby tapping the
subjectivity of his viewers. (Hight, 1995, p.147)
Para Bruno Zevi, uma fotografia representa apenas um ponto de vista estático
da arquitectura, que se distancia de sucessões de pontos de vista que o observador
experiencia ao movimentar-se pelo espaço arquitectónico. A arquitectura pressupõe a
articulação entre espaço e tempo e neste sentido desenvolvemos a sua relação com a
fotografia. Ao fundirmos uma multiplicidade de olhares, característica da percepção
natural, aproximamo-nos do movimento do corpo no espaço arquitectónico e é esta
ideia que nos interessa evidenciar quando referimos a fotografia e a apreensão do
espaço.
Para compreendermos o espaço através da imagem fotográfica, é importante
referirmos que uma fotografia expressa apenas um fragmento da realidade,
representando um determinado tempo, sendo por isso, insuficiente para descrever o
espaço arquitectónico. A apreensão do espaço arquitectónico através da fotografia
Joana Cotter Salvado
139
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
aproxima-se de um conjunto de fragmentos ou imagens, visando estruturar uma visão
global e integral da realidade.
No primeiro subcapítulo que integra o terceiro capítulo da presente dissertação
fazemos mais uma vez referência à percepção do espaço arquitectónico,
relacionando-o com o trabalho do arquitecto Enric Miralles (1955-2000). Neste
subcapítulo percebemos a importância da interacção de diferentes elementos gráficos
para a materialização de um pensamento projectual e estímulo do processo de
imaginação.
A imagem de EMBT do projecto, de 2006, para o Novo Complexo Parlamentar
da República da Albânia, em Tirana (Ilustração 70) é uma colagem de elementos
distintos de representação do mesmo projecto que permite expressar e descrever o
espaço arquitectónico. O desenho livre é sobreposto a uma base rigorosa de desenho
do local associado a fotografias.
A colagem de diferentes tipos de grafismo exprimindo diferentes pensamentos,
permitem a construção do espaço na sua autenticidade. A sensação de colagem que é
expressa pela forma como utiliza a conjugação com os elementos gráficos com a
fotografia, revelando o seu interesse por descrever a realidade de maneira a
possibilitar a composição do espaço.
O conceito de imaginabilidade não tem, necessariamente, conotações com algo de fixo, limitado,
preciso, unificado ou ordenado regularmente, embora possa, por vezes, ter estas qualidades.
Também não significa visível, óbvio, evidente ou claro. O meio ambiente é fortemente complexo
se o tentarmos estruturar no seu todo, enquanto a imagem evidente depressa cansa e apenas
pode apontar para poucas características do mundo vivo. (Lynch, 1989, pp.20-21)
Desta forma, a combinação de diferentes olhares permite que a percepção se
amplie e se mova no espaço num plano bidimensional, expressando uma sensação
arquitectónica (espácio-temporal).
A imagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá, Espanha é mais um
bom exemplo de uma fotomontagem (Ilustração 71) como meio de documentar o
processo de construção do espaço arquitectónico.
O conjunto de fotografias dispostas de uma forma irregular, têm a capacidade
de expressar as intenções do projecto. A fotografia estabelece assim um diálogo com
o espaço do projecto que se evidencia com o dinamismo gráfico.
140
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 96 – Desenho para o projecto para o Novo Complexo Parlamentar da República da Albânia, em Tirana, 2006,
EMBT. (Mirallestagliabue, 2012)
Ilustração 97 – Fotocolagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá, Espanha, 1988-1984, EMBT. (Weston,
2004)
Joana Cotter Salvado
141
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Through the camera lens he isolates aspects of modern life for our scrutiny and contemplation. In
the case of photomontage, he recombines found photographic fragments to create his own
subjective interpretation through new juxtapositions of ideas. His process is primarily one of
dissecting realty and then rearranging its parts. (Hight, 1995, p.129)
O trabalho prático da cadeira de Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado
no 5ºano na Universidade La Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni, é o caso de
estudo em apresentação neste capítulo da dissertação.
A importância da fotografia na análise do território foi fundamental tanto como
forma de estruturar a percepção como no modo de registo deste mesmo. O quarteirão
de San Lorenzo foi a área em estudo, uma área com diversas lacunas a nível do
tecido urbano, onde se considerou imprescindível movimentarmo-nos para as
compreendermos e redesenharmos de modo a não só criar mais dinamismo mas
também resolver determinados problemas funcionais da área urbana a intervir.
Estes elementos são apenas a matéria-prima da imagem do meio ambiente à escala urbana.
Têm de ser trabalhados em conjunto de modo a conseguir uma forma satisfatória. (Lynch, 1989,
p.95)
Ilustração 98 – Análise do território. Colagens fotográficas sobre uma planta do quarteirão de San Lorenzo – área a
intervir (Joana Cotter Salvado, 2010)
142
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A criação de um conjunto de vistas que se registaram através de imagens
fotográficas e que por sua vez se relacionam e que constituem uma visão estruturada
e de certo modo global, são organizadas em diferentes níveis consoante a forma que
percepcionamos e que nos movimentamos no espaço. A importância deste conjunto
de fragmentos e portanto, de diversos pontos de vista, afastam-se de uma visão
estática da realidade para se assemelharem à percepção natural. De um ponto de
vista estático e parcial, reunimos um conjunto de imagens que nos permitiram
descrever o território.
Desta forma, a fotografia foi utilizada enquanto registo de uma imagem mental,
que é organizada de forma a ilustrar e representar determinadas áreas do trajecto
percorrido, na área de intervenção. Como podemos observar na Ilustração 72 , a
conjugação de vistas fotográficas de pontos determinantes do quarteirão de San
Lorenzo, foi uma das bases fundamentais tanto para a elaboração de uma proposta
como para a memória desses mesmos pontos fundamentais. A importância da
conjugação de todos os elementos marcantes e as suas relações no tecido urbano foi
apenas uma base de compreensão da área a intervir.
Não há visão sem pensamento. Mas não basta pensar para ver: a visão é um pensamento
condicionado, nasce «em virtude» do que acontece no corpo, é «excitada» a pensar por ele. Ela
não escolhe ser ou não ser, nem pensar isto ou aquilo. Ela deve trazer no seu coração este peso,
esta dependência que não lhe podem advir de uma intrusão exterior. (Merleau-Ponty, 2009, p.43)
Joana Cotter Salvado
143
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
144
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.1.1 ANÁLISE HISTÓRICA
O quarteirão de San Lorenzo, em Roma, situado no quadrante leste da cidade,
nas margens do perímetro do centro da cidade tradicional. Circunscrito entre o Muro
Aureliano a Sudeste da Estação do complexo Termini, e a Igreja do Cemitério Verano,
estabelece uma fronteira a Sul com a Estação Ferroviária.
Historicamente, San Lorenzo nasceu como um bairro83 de especulação
privada, fora dos eixos viários dos planos directores de 1873 e 1883 com um destino
popular para classes operárias naturalmente alienadas do resto da cidade. O bairro
cresceu entre 1878-1930 sendo as últimas operações realizadas na época de pós
guerra mundial. Hoje em dia é uma área central, próxima do centro histórico e cercada
por grandes zonas de serviço que influenciam a cidade e o território, como a Biblioteca
Nacional e a Universidade La Sapienza.
San Lorenzo, em oposição aos bairros vizinhos, como o bairro Esquilino, é
qualificado de degradado a ponto de se tornar objecto de consolidação, durante o
período da sua própria construção. Em 1886, foi atravessado por um período de
epidemia e cólera.
É em 1873, que se altera de forma substancial, transformando as suas
principais características e funcionamento, ao fragmentar a continuidade existente
entre a Porta de San Lorenzo e Santa Maria Maggiore. A antiga Via da Porta de San
Lorenzo desaparece por inteiro na linha que se estendia à actual Via Giolitti. Ainda em
1873, a expansão em direcção ao Sul-Leste, em direcção à Porta Maggiore e San
Giovanni, favorece o isolamento relativo do quarteirão de San Lorenzo, para o interior
da Mura Aurelina.
Em 1887, a secção das ruas de San Lorenzo atinge uma média doze metros
por largura, enquanto a altura média dos edifícios, mesmo aqueles construídos após
1887, vão até aos 24 metros, por 18 metros de largura. Foi através da evolução
histórica do quarteirão de San Lorenzo, que foram elaborados dois registos gráficos,
representados a Ilustração 99 e 100, que traduzem as transformações desde o
período romano até 2009.
83
Segundo Kevin Lynch bairros são regiões urbanas de tamanho médio ou grande, concebidos como
tendo uma extensão bidimensional, regiões essas em que o observador penetra («para dentro de»)
mentalmente e que reconhece como tendo algo em comum e de identificável. (Lynch, 1989, p.58)
Joana Cotter Salvado
145
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
No quadrante 01 da Ilustração 99, referente ao período romano, foram
marcados os vestígios arqueológicos, delimitando o bairro pelo Muro Aureliano e todas
as zonas de vinhas e pomares. No quadrante 02 da mesma imagem, correspondente
à Idade Média até ao ano de 1870, é mantida a marcação do bairro delimitada pelo
Muro Aureliano. É nesta altura que a nova construção se inicia, bem como a primeira
limitação do núcleo do Cemitério de Verano (1811-13). No quadrante 03, (ano de
1870-1924), é mantida a demarcação de todas as pré-existências, identificando todas
as novas construções, como a Estação Termini e a convergência da praça de Verano
com o Cemitério. O quadrante 04, (1824-1943), é mais uma vez marcado pelas préexistências, novas construções, e pela área Universitária La Sapienza. No quadrante
05, (1943-1960), marcamos uma vez mais as pré-existências, com a restruturação da
área do Cemitério de Verano, novas construções, em oposição aos edifícios
bombardeados. Por fim, entre 1960 e 2009, no quadrante 06, demarcamos as novas
construções, sempre com a presença de pré-existências assim como todos os
edifícios bombardeados. (Pazzaglini, 1984, p.55)
Ilustração 99 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Edificado (Joana Cotter Salvado, 2010)
Esta análise da evolução histórica com as transformações no tecido urbano no
quarteirão de San Lorenzo, evidenciando as fronteiras marcantes, as pré-existências e
novas construções, tais como as áreas mais degradadas e os espaços verdes, é
somente um primeiro estudo para a apreensão da área a intervir.
146
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 100 - Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Traçado Viário (Joana Cotter Salvado, 2010)
Na Ilustração 100 vemos um registo gráfico que demonstra a evolução histórica
do quarteirão e as transformações ao nível do traçado viário84. De uma forma geral
evidenciamos a Porta Romana (Porta de San Lorenzo), a delimitação do quarteirão, as
áreas verdes, assim como todas os edifícios bombardeados em 1943 (não foram
reconstruídos) identificando as alterações viárias ao longo dos períodos dos seis
períodos de tempo mais marcantes.
O observador tem, também, de ajustar a sua imagem a mudanças seculares na realidade à sua
volta.(Lynch, 1989, p.98)
Na Época Romana, foram representados os traçados preservados e não
preservados com a presença do Muro Aureliano e a localização de achados
arqueológicos. Do período Medieval a 1870, foram delineadas as vias existentes tais
como as novas construções. Entre 1870 a 1924 foram marcadas as novas construções
assim como os eixos viários e a Estação Termini. Entre 1824 e 1943, é um período em
que os traçados viários sofrem transformações, a par do aumento de novas
construções, para além do aparecimento do pólo Universitário La Sapienza e do
núcleo de edificado correspondente ao quartel. Entre 1943 e 1960, para além de
84
Segundo Kevin Lynch vias são os canais ao longo dos quais o observador se move, usual, ocasional ou
potencialmente. Podem ser ruas, passeios, linhas de trânsito, canais, caminhos-de-ferro. Para muitos,
estes são os elementos predominantes na sua imagem. As pessoas observam a cidade à medida que
nela se deslocam e os outros elementos organizam-se e relacionam-se ao longo destas vias. (Lynch,
1989, p.58)
Joana Cotter Salvado
147
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
novas construções e traçados, emerge o Cemitério Verano, bem como a Universidade
La Sapienza, mencionada anteriormente, como uma das fronteiras do quarteirão. Por
fim, entre 1960 e 2009, apenas pontuais novas construções são edificadas e
construído o eixo viário Scalo San Lorenzo.
Ilustração 101 - Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Pré-existências e novo edificado (Joana Cotter
Salvado, 2010)
A situação da estrutura viária que nasce da Porta de San Lorenzo, em 1870,
constitui-se essencialmente por duas vias que permitem o desenvolvimento do
quarteirão de San Lorenzo. Estas formaram um tecido orgânico, funcionalmente
importante na manutenção da relação de pontos de interesse entre lugares públicos e
religiosos, interiores e exteriores ao Muro Aureliano, entre Santa Maria Maggiore e a
Basílica de San Lorenzo e ainda entre Santa Maria Maggiore e a Via Tiburtina Sistino.
A via a norte, denominada de Via da Porta de San Lorenzo, actualmente Via Marsala,
liga a Porta de San Lorenzo com as antigas termas de Diocleciano e a sede da Igreja
de Santa Maria degli Angeli. A segunda via, em direcção ao sul, atravessava o Muro
Aureliano, tornando-se crucial para determinar o desenho da actual Via Tiburtina.
148
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.1.2 ANÁLISE M ORFOLÓGICA
No caso de terem uma forma clara, os elementos marcantes tornam-se, ainda, mais fáceis de
identificar; isto verifica-se, igualmente, quando contrastam com o cenário de fundo ou se
localizam espacialmente num local predominante. (Lynch, 1989, p.90-91)
Define-se San Lorenzo como um bairro sem qualquer desenvolvimento unitário
ao nível do tecido urbano, com elementos de degradação, que se afastam do sistema
urbanístico do séculoXIX.
A área delimitada pela Praça de Verano, Via dei Reti e Via del Verano, é um
exemplo de área caracterizada por um sistema urbano incompleto e degradado. As
actividades artesanais relacionadas com a presença do Cemitério Verano e o terciário
ligado
ao
núcleo
Universitário
La
Sapienza
com
depósitos
comerciais
e
armazenamento, constituem uma área funcional, confrontando uma zona residencial
desordenada, localizada no interior do bairro.
Ilustração 102 - Esquema viário actual do quarteirão de San Lorenzo, 2012 (Joana Cotter Salvado, 2012)
Em termos de arquitectura, o bairro de San Lorenzo é circunscrito por
elementos de grande interesse arquitectónico e histórico. Como a Muralha Aureliana,
construída entre 270 e 275 dC pelo Imperador Aureliano, que estrutura a zona leste da
cidade com um ritmo marcado por torres quadradas. Contrastando com a préexistência da Muralha Aureliana, a Estação Termini constitui também um elemento de
fronteira do quarteirão.
Joana Cotter Salvado
149
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A norte de San Lorenzo existem diversos exemplos de edifícios, integrados
mediante nas estruturas arqueológicas existentes, aproveitando por exemplo as
estruturas dos Muros e Aquedutos.
Na zona oeste do bairro, a Basílica de San Lorenzo é um elemento marcante
do território onde se dá relevância ao sistema fora da Muralha Aureliana,
correspondente ao Cemitério Verano, que se caracteriza como um conjunto compacto
cercado que surge a partir da própria Basílica e se estende para a entrada
monumental da praça do Cemitério Verano. A Basílica de San Lorenzo, era um lugar
tradicional de peregrinação, que se torna mais tarde um serviço de utilidade pública da
cidade, por decreto napoleónico de 1804.
Especialmente os bairros, que normalmente se apresentam maiores do que os outros elementos,
contêm em si próprios, estando assim também relacionados com eles, vias diversas,
cruzamentos e elementos marcantes. Estes últimos elementos não só estruturam a região
internamente como também intensificam a identidade do todo. (Lynch, 1989, p.95)
Ilustração 103 – Análise Morfológica do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010)
A Ilustração 103 evidencia a análise morfológica do bairro de San Lorenzo. A
marcação dos componentes estruturais como eixos viários e avenidas com identidade
de escala urbana e escala de quarteirão. Foram também identificadas pela sua
localização: com proximidade urbana da Muralha Aureliana assim como localizadas
pela presença de uma frente comercial.
150
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Também se procedeu à marcação da interacção do espaço, tanto de praças e
largos relevantes do território assim como a circunscrição de toda a área de quarteirão
e ainda as áreas de indústria e construção, ainda por configurar. Em destaque, mais
uma vez, a demarcação da periferia do quarteirão, pela área da Estação Termini, a
área do Cemitério de Verano e a área correspondente ao Pólo Universitário, o que
permitiu restringir a zona a reconfigurar.
Nesta análise morfológica ao quarteirão, identificaram-se todos os espaços
verdes públicos, nomeadamente os jardins e as áreas para a prática de desporto e
actividades lúdicas. Foi ainda demarcado o sistema de arqueologia, dando relevância
à Muralha Aureliana, e a todo o edificado com valor histórico, arquitectónico e
degradado.
Ilustração 104 – Edifícios residenciais e sistema verde do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010)
No que toca às áreas verdes foi elaborado um outro registo gráfico – Ilustração
104 – onde as relacionamos com os edifícios residenciais existentes (habitações
colectivas, residências de estudantes e o Convento).
Quando nos referimos ao quarteirão de San Lorenzo e aos edifícios residencias
identificados, podemos organizá-los em oito tipos:
1. Edifícios agregados em bloco não homogéneo
Joana Cotter Salvado
151
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2. Edifícios agregados em linha que encerram área exterior
3. Edifícios agregados em bloco não homogéneo, com alçado principal
contínuo
4. Edifícios agregados em bloco aberto
5. Edifícios agregados em bloco aberto dispostos em pente
6. Edifícios agregados em bloco não homogéneo com rompimento
7. Edifícios agregados em linha isolados ou com proximidade de sistema
viário
8. Edifícios – galeria agregados em bloco
Este estudo das estruturas tipológicas, dando relevância às estruturas
residenciais, foi assinalado no registo gráfico da Ilustração 105. Neste estudo são mais
uma vez assinalados os elementos do tecido urbano que delimitam o quarteirão de
San Lorenzo, já referidos anteriormente, o Cemitério Verano, a Cidade Universitária La
Sapienza, a Estação Termini e o Muro Aureliano.
Ilustração 105 – Tipologias do edificado do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010)
Na Ilustração 106, as tipologias dos edifícios são dispostas num diagrama,
ilustrando e revelando a sua estrutura e correspondente tipologia. Esta análise tornase importante não só para percebermos o território a intervir a um nível formal do
152
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
tecido urbano mas também para reconhecermos as tipologias e morfologia do
edificado residencial.
Ilustração 106 – Esquema morfológico das diferentes tipologias residenciais do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter
Salvado, 2010)
Este subcapítulo, de modo global, é dedicado a uma análise tanto histórica,
como morfológica e sociológica do território, que se torna consubstancial para o
desenho de uma proposta que inclui, em fase final, o desenvolvimento de um edifício
residencial, de tipologia habitacional. A importância de um estudo aprofundado do
quarteirão de San Lorenzo é fundamental para o desenho dessa mesma proposta
tanto a nível de requalificação de parte do sistema urbano, desenho de edifício e
tipologia residencial.
Para além disso, este conjunto de análises ao território permitem assinalar um
conjunto de elementos críticos como áreas não estruturadas, áreas verdes
degradadas pela sua reconfiguração, áreas de relevância sem configuração e espaços
pedestres sem qualquer qualidade por falta de calçadas como praças e largos sem
identidade.
A análise da actual área urbana em relação à sua colocação, nomeadamente
das estruturas rodoviárias e da área edificada, apresenta uma série de questões e
diversos problemas estruturais, tanto técnicos como formais.
Joana Cotter Salvado
153
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Determinados problemas dizem respeito à separação de acordo com o resto da
cidade do séculoXIX. Esta separação é evidente, como estrutura urbana, sobretudo a
falta de coerência da Via Tiburtina com a nova estrada perto da zona Esquilino – zona
que faz fronteira com o quarteirão pela Estação Termini - que perdeu conexão com a
Avenida Scalo San Lorenzo e com o eixo da Via Regina Margherita. Esta separação
também contraria a homogeneidade formal da cidade e a introdução a diferentes
densidades e diferentes usos.
Ilustração 107 – Sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo e identificação de lacunas (Joana Cotter Salvado, 2010)
A Ilustração 107 é mais um registo gráfico realizado onde é evidenciado o
sistema urbano do bairro de San Lorenzo com alguns recursos ou pontos
estruturantes do tecido urbano e respectivas críticas e lacunas urbanas.
A marcação de praças e largos relativamente ao seu grau de identidade do
ponto de vista histórico, morfológico, simbólico e funcional, foram elementos de estudo
urbano.
O
edificado
foi
organizado
por
interesse
estratégico,
demarcando
bombardeados e reconstruídos.
Além destes elementos, os traçados de circulação tanto com níveis urbanos
como com níveis locais aleados aos com pontos de interesse histórico e arqueológico,
154
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
organizam o sistema de mobilidade através da delineação da rede ferroviária, rede de
eléctricos com respectiva área de transportes colectivos e ainda com a marcação de
nós de intercâmbio urbano regional e nacional.
A análise cuidada de todos os elementos marcantes85 do tecido urbano que
influenciam não só a sua funcionalidade mas também a estrutura do próprio
quarteirão, permitiu destacar as suas lacunas: áreas verdes degradadas, espaços
abertos sem definição a nível de desenho urbano, áreas bombardeadas reconstruídas
e outras sem qualquer configuração morfológica.
Foi ainda elaborado um registo gráfico (Ilustração 108) da rede rodoviária
constituída pelo cruzamento de eixos viários urbanos, pelos eixos de entrada urbana
para o interior do quarteirão, eixos de ligação interna do quarteirão, estradas
intensamente ocupadas e as áreas problemáticas com as respectivas intersecções.
Ilustração 108 – Sistema de mobilidade do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010)
Através da marcação e estudo do sistema de mobilidade viário actual,
demarcamos também os parques de estacionamento de carácter público, revelando a
85
Segundo Kevin Lynch elementos marcantes são pontos de referência considerados exteriores ao
observador, são simples elementos físicos varáveis em tamanho. (Lynch, 1989, p.90)
Joana Cotter Salvado
155
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
mobilidade do sistema público, incluindo neste, a linha de circulação de autocarros e
os terminais rodoviários, de eléctricos e ferroviário.
Actualmente, o quarteirão de San Lorenzo é delimitado por equipamentos
urbanos e territoriais centrais (Estação Termini, Universidade La Sapienza, Via Scalo a
San Lorenzo, Ministério Aeronautico), turísticos (Hotel, Centro Turístico estudantil) e
culturais (Associação Cultural), (Ilustração 109).
Ilustração 109 – Marcação de equipamentos urbanos e territoriais centrais do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter
Salvado, 2010)
De facto, a função de um ambiente visualmente bom pode não ser só a de facilitar os percursos
ou de manter significados e sentimentos já existentes. Igualmente importante pode ser o seu
papel de guia e produtor de estímulos e novas explorações. (Lynch, 1989, p.122)
156
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.1.3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA
Dadas as circunstâncias históricas e urbanas deste bairro, podemos agrupar
três tipos de transformações que alteraram o tecido periférico com a presença de
actividades sociais e características urbanísticas dificilmente reconstituíveis.
O primeiro tipo de transformação depende das grandes empresas e grandes
propriedades que tornam o mercado especulativo fazendo com que haja concentração
da propriedade.
O segundo tipo de transformação associa-se a uma possível tendência de
sector terciário privado, que necessita de uma profunda transformação da indústria da
construção civil do bairro e com a qual o capital privado e as forças de especulação
são incompatíveis.
E, por último, o terceiro tipo de transformação ganhou força nos últimos anos e
é uma consequência do Pólo Universitário adjacente. Tal transformação acontece pela
presença de residências de estudantes no bairro de San Lorenzo. Mas, se por um
lado, tal acontecimento faz com que aumente o lucro de proprietários de pequenas e
médias empresas, impedindo desta forma o processo de terceirização, por outro, leva
um incremento do custo do aluguer dos apartamentos com um agravamento das já
debilitadas condições existentes de habitação e uma profunda alteração do tecido
social. Outra consequência da presença da Universidade, na periferia do bairro de San
Lorenzo, é a aquisição gradual das parcelas de terra para construção, retirando-as
desta forma, do possível uso pela vizinhança. (Pazzaglini, 1984, p.70)
Quando a 19 de Julho de 1943, o quarteirão de San Lorenzo sofreu um
bombardeamento pelos anglo-americanos, durante a guerra, os traços dessa "herança
do fascismo" (como está escrito nas fachadas em ruínas de edifícios), ainda são
claramente visíveis no quarteirão.
Em 20 anos, entre 1950 e 1970, a população diminuiu em quase metade
(47%). Cerca de 22% desta população tinha mais de 60 anos, comparando com uma
média de cerca de 13% dos outros bairros romanos. Acrescentando ainda que, a este
senso população, é adicionado cerca de 14% dos estudantes que vivem fora do local
no quarteirão. A população é predominantemente operária (mais de 60%), e a
densidade populacional bastante elevada (385ab/ha 284ab/há) em comparação com a
Joana Cotter Salvado
157
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
zona velha da cidade, tornando particularmente escassas as áreas verdes e zonas de
desporto. Cerca de 50% dos edifícios residenciais encontram-se em estado degradado
e a propriedade residencial de San Lorenzo (em 60%) pertence à classe trabalhadora,
por vezes não residentes no próprio bairro. Desta forma, há uma presença notável não
só de edifícios de propriedade privada como de áreas desabitadas.
Ainda em relação às actividades de comércio, assiste-se a uma diminuição de
30%
entre 1961 e 1974 (um fenómeno explicado em parte pela diminuição da
população). O mesmo se passa nas actividades de produção e ofício, as quais
constituem um dos traços significativos do quarteirão de San Lorenzo, expressando-se
em dois fenómenos paralelos: por um lado o encerramento de algumas fábricas de
médio porte, por outro a saturação do comércio e trabalho do mármore e actividades
funerárias associadas ao Cemitério de Verano. (Pazzaglini, 1984, p.81)
Ilustração 110 – Actividades e equipamentos do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010)
158
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.2
REGISTO E ARQUITECTURA: A REQUALIFICAÇÃO DO
QUARTEIRÃO DE SAN LORENZO
A análise do quarteirão de San Lorenzo, elaborada no subcapítulo anterior,
permitiu agrupar uma série de questões acerca do território, que ajudaram a desenhar
uma proposta dinâmica para esta área. Na proposta desenvolvida, foi considerado
fundamental o tecido urbano, de modo a permitir uma continuidade e acessibilidade
entre o existente e a proposta, na requalificação das duas áreas degradadas do
território:
1. Área circunscrita pela praça de Verano e a Via dei Reti
2. Área delimitada a Sul pela Via Scalo San Lorenzo
Ilustração 111 – As áreas do quarteirão de San Lorenzo a requalificar (Joana Cotter Salvado, 2010)
Foram propostos três objectivos principais, emergentes da análise de lacunas
do tecido urbano do quarteirão de São Lorenzo:
Joana Cotter Salvado
159
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
1. A demolição da área do tecido urbano sem tipologia reconhecível ou
degradada
2. A criação de diversos tipos de espaços verdes que desenham praças,
áreas de lazer e abrangem os edifícios residenciais
3. O desenho do parque urbano que estrutura a área exterior, pertencente ao
núcleo desportivo formando uma barreira visual e acústica para a linha
ferroviária
De modo geral, interessava-nos qualificar e criar percursos pedonais, melhorar
o trajecto de circulação das vias rodoviárias existentes com reconfiguração de áreas
de estacionamento, criar áreas verdes bem definidas consoante o grau de privacidade
e uso, reconfigurando a dinâmica do funcionamento do quarteirão.
É na experiência do mundo que todas as nossas operações lógicas de significação devem
fundar-se, e o próprio mundo não é portanto uma certa significação comum a todas as nossas
experiências, que leríamos através delas, uma ideia que viria animar a matéria do conhecimento.
(Merleu-Ponty, 1996, p.48)
As formas deveriam ser manipuladas de modo a existir uma trança de continuidade nas múltiplas
imagens de uma grande cidade…(Lynch, 1989, p.122)
160
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.2.1 A PLATAFORMA URBANA
A proposta envolve a criação de uma plataforma suspensa com percursos
pedonais, ciclo-viários, áreas verdes, espaços de estar, lazer e serviços. A plataforma
é o objecto fundamental do projecto permitindo com uma única estrutura de cotas
diferentes, que acaba por gerar diversos tipos de percursos no território.
A importância de o descrevermos de uma forma perceptiva é fundamental uma
vez que se trata de um percurso, de escala urbana que envolve e desenha um
conjunto de elementos que vão sendo habitados e percorridos.
Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de imagens de
muitos indivíduos. Ou talvez haja uma série de imagens públicas, criadas por um número
significativo de cidadãos. Tais imagens de grupo são necessárias, quando se pretende que um
indivíduo opere de um modo bem sucedido dentro do seu meio ambiente e coopere com os seus
companheiros. Cada indivíduo tem uma imagem própria e única que, de certa forma, raramente
ou mesmo nunca é divulgada, mas que, contudo, se aproxima da imagem pública e que, em
meios ambientes diferentes, se torna mais ou menos determinante, mais ou menos aceite.
(Lynch, 1989, p.57)
Para Kevin Lynch, a análise dos elementos físicos perceptíveis de uma cidade
é influenciada por factores como os aspectos sociais da área de localização, a sua
função e a história do lugar.
A imagem urbana é apreendida ao mesmo tempo que nos movimentamos e
por isso, mais uma vez a importância do modo de percepção defendido por Juahni
Pallasma. É uma visão periférica que Juahni Pallasma refere como adequada para
compreendermos o espaço arquitectónico.
O meio ambiente visual torna-se uma parte integrante da vida dos habitantes. (Lynch, 1989,
p.105)
As pessoas criaram uma forte ligação a tudo isto, a todas estas formas nítidas e diversificadas,
ligações estas que se ligam a um passado histórico ou à sua própria experiência anterior. (Lynch,
1989, p.104)
A forma do sistema urbano expressa as funções fundamentais de cada
elemento urbano, que a partir da nossa percepção, criam a imagem da globalidade do
sistema. O sistema urbano é compreendido como um todo, onde cada elemento
constituinte é mutável, ao longo do tempo, dependente também do ponto de vista.
Contudo, formam uma hierarquia visual, dependendo da importância, e do impacto da
sua escala.
Joana Cotter Salvado
161
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
É portanto a distinção sensorial de todos os elementos contínuos que
constituem as nossas opções de percurso ao longo de qualquer sistema urbano. Os
acontecimentos e características ao longo dos percursos surgem, pelas mudanças de
espaço ou através da presença de elementos territoriais marcantes, estimulando
sensações dinâmicas, que podem ser apreendidos à medida que são vividos e
imaginados.
Aumentar a imaginabilidade do meio ambiente urbano é facilitar a sua identificação e a sua
estruturação visuais. (Lynch, 1989, p.107)
Segundo Kevin Lynch, o desenho do qualquer sistema urbana organiza-se por
diversos elementos que se podem eventualmente repetir formando características
físicas gerais, descrevendo-se e agrupando-se por um conjunto de qualidades. É
interessante referir determinadas qualidades, exploradas pelo autor, visto que os
percursos alteram e constituem-se pela marcação e importância dos próprios
elementos e suas qualidades.
Neste subcapítulo estudamos o sistema urbano proposto, através de conceitos
de qualidades de forma86, desenvolvidos pelo autor Kevin Lynch. Como referimos
anteriormente, a qualidade formal de cada elemento que pertence a um sistema
urbano unitário, é fundamental para os diversos percursos que poderão ser criados ao
longo desse mesmo sistema.
Nesta percepção do movimento entram em linha de conta os sentidos do tacto e da inércia, mas
o principal é o da visão. (Lynch, 1989, p.110)
Segundo Kevin Lynch, a singularidade é uma das qualidades da forma, que
permite identificar um elemento que se torna reconhecível, a nível do tecido urbano. A
singularidade permite então criar uma clareza perceptiva quando é evidenciada a
noção de limites ou até mesmo determinada localização espacial, enquanto sinal
dominante. (Lynch, 1989, p.118).
A esta singularidade, no contexto da proposta urbana desenvolvida,
identificámos a plataforma, enquanto linha directriz que desenha todos os espaços e
elementos que são habitados ao longo do projecto. A plataforma suspensa é um
86
Segundo Kevin Lynch, as qualidades de forma são categorias de interesse directo para o design, pois
descrevem qualidades de que um desenhador se pode servir. (Lynch, 1989, 117)
162
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
elemento reconhecível e marcante no território, criando uma continuidade entre a
proposta e a área do quarteirão pré-existente.
À medida que os observadores se familiarizam com o meio, parecem depender cada vez menos
das continuidades físicas totais para organizar o todo, e apreciar cada vez mais com o contraste
e a singularidade que dão vida à cena em questão. (Lynch, 1989, p.118)
Ilustração 112 – Sistema director da proposta do sistema urbano (Joana Cotter Salvado, 2010)
Como é visível na Ilustração 112, a plataforma é desenhada não só enquanto
elemento singular e marcante no território mas sim identificado enquanto gerador de
um conjunto de elementos nos quais o gesto de orientação resulta do desenho e da
ideia de percurso. Este elemento marcante localiza-se a uma cota superior (7,50m) e
engloba todo o sistema urbano proposto. A partir deste elemento, nascem os edifícios
residenciais, os edifícios de serviço, áreas verdes e estabelece-se um percurso
principal que permite a movimentação e a construção de pontos visuais para o
território de San Lorenzo.
A força do percurso à cota da plataforma é estruturada pelos diferentes modos
de o percorrer, pela presença de uma área pedonal, de uma área ciclo viária,
permitindo apreender não só a proposta mas o resto do território envolvente. Apesar
de ser um elemento singular foi fundamental estruturar toda a área térrea. Esta, é
Joana Cotter Salvado
163
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
dinamizada pela presença de equipamentos, um núcleo desportivo e um parque
urbano, já referido anteriormente.
A força de uma imagem aumenta quando o elemento marcante coincide com uma associação.
(Lynch, 1989, p.114)
A Ilustração 112 é um plano esquemático - director da proposta. Foram
marcados elementos, pertencentes à área do quarteirão de San Lorenzo, não
englobados pela proposta, como o sistema arquitectónico valorizado pela presença de
pré-existências arqueológicas, o sistema de edifícios de requalificação residencial de
reconhecimento histórico, de requalificação não residencial de interesse estratégico, e
ainda de conservação de edifícios de recente construção e em bom estado. Inserido
no sistema edificado, é demarcada a área de edifícios bombardeados, e a área
demolida e reconstruída e a área demolida, sem reconstrução posterior.
Para além do sistema edificado, o sistema de áreas verdes é delimitado e
agrupado em zonas verdes que configuram praças, áreas verdes com valor histórico, e
ainda zonas que servem equipamentos e desporto.
Foi ainda demarcado o sistema de mobilidade, incluindo as novas construções,
incluindo a criação de um novo traçado viário a uma escala urbana, a criação de um
sistema viário à escala do quarteirão e a criação de novos percursos pedonais
incluindo a ciclo-via e espaços verdes qualificados, a par ainda da criação de nova
construção como a residência colectiva, edifícios de serviços, Universidade e a Escola,
ainda não marcados na Ilustração 82.A singularidade do objecto da plataforma propõe
uma continuidade tanto de percurso confinado por esta, assim como de ligação com o
quarteirão de San Lorenzo pré-existente.
O conceito de continuidade é outro conceito explorado por Kevin Lynch. Para
este autor, a continuidade é uma característica que facilita a percepção de uma
realidade física complexa, possuidora de uma identidade própria e de relações
internas. (Lynch, 1989, p.118-119).
Na proposta, para o quarteirão de São Lorenzo, referimos novamente a
plataforma e relacionamo-la com este conceito de continuidade, pela possibilidade
deste elemento ser gerador de diversos percursos. A plataforma permite aceder e ligar
o território pré-existente, com a proposta. À medida que percorremos o quarteirão,
temos a possibilidade de acedermos à plataforma por quatro áreas marcantes.
164
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Perante a análise do território, foram assim seleccionados pontos diferentes
que se constituem como núcleos de acesso pedonais e verticais. A importância destes
pontos é mais uma forma de reforçar e melhorar a ligação desta proposta com a
restante área do quarteirão de San Lorenzo.
Ilustração 113 – Pontos de ligação entre a plataforma e o restante quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado,
2010)
O primeiro ponto, marcado na Ilustração 113, estabelece a ligação com a Praça
de Verano, zona do território onde está localizada a Basílica de São Lorenzo e o
Cemitério. Nesta zona, à cota térrea (0,00m), é redesenhada uma praça de chegada
que engloba tanto o Cemitério como a Basílica. Um novo núcleo residencial, e uma
área de serviços que engloba a Escola e a Universidade, permitem estruturar o
percurso pedonal desta zona. O traçado viário é também redesenhado, permitindo
estabelecer uma continuidade das vias dei Volsci, dei Sabelli e dei Piceni. Os traçados
viários propõem assim, uma continuidade viária, que permite a união da proposta para
Sul, através da Via del Verano. Mas, também este ponto de chegada à plataforma, a
uma cota superior (7,50m), forma um novo percurso pedonal com a possibilidade de a
Joana Cotter Salvado
165
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
percorrer pela ciclo-via. Visualmente é um ponto que estabelece uma ligação aérea e
de certo modo próxima com o núcleo do Cemitério de Verano e com o núcleo da
Universitário existente.
O segundo ponto, marcado na Ilustração 113, é o mais interno do sistema
proposto. Localizado numa área essencialmente residencial com a presença de
serviços comerciais à cota térrea (0,00m). Este ponto de ligação com a plataforma,
localizada a uma cota superior (7,50m), permite a chegada à área verde mais ampla
da plataforma que serve tanto de espaço de lazer, como desenha uma praça
delimitando a configuração da ciclo-via. Esta zona é localizada na área central do
projecto, permitindo estabelecer uma forte ligação visual com a área verde que
abrange o núcleo desportivo, a Sul, implantado à cota térrea (0,00m).
O terceiro ponto de contacto, marcado na Ilustração 113, entre a proposta e o
quarteirão de San Lorenzo, localiza-se a este, e estabelece uma ligação pedonal com
a Via dei Lucani, uma via que direcciona a chegada neste sentido à zona histórica.
Este ponto tem especial interesse, não só porque gera ligações entre as duas cotas,
como direcciona a área verde que acompanha o Muro Aureliano, no sentido norte do
quarteirão de São Lorenzo. Esta barreira é visualmente notável, prolongando-se à cota
térrea também um espaço verde, que permite a entrada num dos extremos da ciclo-via
que acompanha o parque urbano e que estabelece ligação com o núcleo desportivo.
O quarto ponto de contacto e o quinto, marcados na Ilustração 113, são ambos
mais distantes do quarteirão de São Lorenzo, estabelecendo o acesso a serviços
nomeadamente a Biblioteca, o auditório, o núcleo desportivo e a área exterior.
Estas ligações, ao longo da plataforma, são acessos essenciais que permitem
a clareza de ligação, tanto com o nível interno da proposta como com o quarteirão de
São Lorenzo pré-existente. Este conceito, definido por pontos estratégicos de uma
estrutura, claramente visíveis, é desenvolvido por Kevin Lynch. Segundo o autor, a
clareza nas ligações de uma estrutura num sistema urbano são intersecções
relevantes quando claramente perceptíveis, ao longo dos percursos a percorrer no
sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119)
De facto, a função de um ambiente visualmente bom pode não ser só a de facilitar os percursos
ou de manter significados e sentimentos já existentes. Igualmente importante pode ser o seu
papel de guia e produtor de estímulos para novas explorações. (Lynch, 1989, p.122)
166
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Kevin Lynch afirma que, a consciência de movimento87 é outra qualidade que
resulta do conjunto de elementos que sugerem determinados sentidos e direcções
dentro de um sistema urbano. O movimento do observador ao longo de um sistema
urbano através dos sentidos visuais e cenestésicos permitem uma experiência
perceptiva que permite apreender a própria cidade. Este conceito de movimento é
fundamental para o observador estruturar e desenvolver interpretações. (Lynch, 1989,
p.120). Com este conceito de Kevin Lynch, mais uma vez referimos a importância de
uma visão periférica, referida por Juahni Pallasma.
El tacto es la modalidad sensorial que integra nuestra experiencia del mundo con la de nosotros
mismos. Incluso las percepciones visuales se funden e integran en el continuum háptico del yo;
mi cuerpo me recuerda quién soy y en qué posición estoy en el mundo. Mi cuerpo es realmente
el ombligo de mi mundo, no en el sentido del punto de vista de la perspectiva central, sino como
el verdadero lugar de referencia, memoria, imaginación e integración. (Pallasma 2006, p.11)
Ao longo da proposta são delineados uma série de percursos que permitem ao
observar deambular pelo sistema urbano e portanto apreendê-lo também de forma
visual. É o movimento que o observador desenvolve ao longo de um sistema urbano
que faz com que o apreenda.
Para Kevin Lynch, a diferenciação direccional, é outra qualidade da forma de
um sistema urbano.É esta que enriquece e dinamiza o percurso ao longo de um
sistema urbano e que poderão ser definidas por elementos simples como a variação
da luz solar que nos orienta inconscientemente para determinada direcção ou a
própria largura de um espaço propondo um momento de paragem ou de passagem
rápida. (Lynch, 1989, p.119).
Na proposta, foram desenhados certos elementos caracterizadores tanto a
nível térreo (0,00m) como ao nível da plataforma (7,50m). Ao analisarmos
determinados espaços localizados à cota térrea (0,00m), percebemos que a área do
parque urbano é constituída por uma superfície verde de grande escala ao longo da
zona Este/Sul da proposta, permitindo uma barreira tanto visual como auditiva para a
linha ferroviária. Os percursos e zonas de chegada às áreas residenciais e serviços
tanto como a praça de chegada à Basílica e o Cemitério de Verano, propõem
determinada velocidade e paragem no movimento do observador pelo sistema urbano.
À cota da plataforma (7,50m) também são desenhadas áreas pedonais, um circuito
contínuo de ciclo-via e diversos espaços verdes. As áreas verdes são as que mais
87
Segundo Kevin Lynch a consciência do movimento é o que torna o observador sensível ao seu próprio
movimento real ou potencial, através dos sentidos visuais e cinestéticos. (Lynch, 1989, p.120)
Joana Cotter Salvado
167
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
diferem ao longo do percurso da plataforma por serem áreas que acompanham os
percursos tanto pedonais como ciclo-viários servindo de remate quer a pontos de
chegada quer a espaços de estar.
A predominância é um conceito desenvolvido por Kevin Lynch. A
predominância de determinadas partes de elementos do território, inserido no seu
conjunto, tanto a nível de dimensão, intensidade ou interesse, são características que
definem o modo de deambular e habitar um sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119).
Como referimos no parágrafo anterior, a alteração de dimensão das áreas verdes
desenhadas na proposta, é um exemplo de um elemento que por tais transformações,
permite desenhar um percurso.
A este conceito de predominância, e portanto das características físicas dos
elementos territoriais, juntamos a simplicidade da forma, também explorado por
Kevin Lynch, que se relaciona tanto com a clareza como com a simplicidade das
formas visuais. A importância desta simplicidade é fundamental pois permite ao
observador apreender com mais facilidade e as direcções do percurso que percorre ao
longo do sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119).
É importante referir que o percurso varia pela presença de determinados
elementos urbanos e são ainda estes que permitem o alcance visual. Esta qualidade
visual, é também um conceito desenvolvido por Kevin Lynch. Cada elemento organizase e funciona através de um conjunto ou sistema urbano com determinados níveis de
visão. Portanto, são os elementos e as suas características que possibilitam explicar
visualmente o espaço.
Ao deambularmos pela cota térrea da proposta (0,00m), alcançamos
determinados pontos mas a presença do restante quarteirão de San Lorenzo, só é
perceptivamente visível ao percorrermos na plataforma à cota (7,50m).
É este objecto, que se destaca na proposta e que consolida a área do
quarteirão degradada, delimitada pela linha ferroviária. Mas, quando referimos que é a
plataforma o sistema fundamental da proposta, devemos salientar, que é percurso
pedonal, criado ao longo desta que permite não só ligar as duas extremidades do
quarteirão, como criar um sistema unitário com a restante área existente. As
qualidades mencionadas anteriormente, não funcionam isoladamente, identificando e
estruturando o sistema urbano na sua totalidade.
168
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A posse de um corpo traz consigo o poder de mudar de nível e de “compreender” o espaço,
assim como a posse da voz traz consigo o poder de mudar de tom. O campo perceptivo se
apruma e, no final da experiência, eu o identifico sem conceito, porque me transporto inteiro para
o novo espectáculo e porque me coloco ali, por assim dizer, o meu centro de gravidade. No início
da experiência, o campo visual parece ao mesmo tempo invertido e irreal porque o sujeito não
vive nele e não está às voltas com ele. (Merleu-Ponty, 1996, p.338)
Os elementos que constituem o sistema urbano sugerem a continuidade de
diversos percursos, que se ligam e que dão sentido ao todo.
Nas Ilustrações 114 e 115 é marcada a área de estudo – quarteirão de San
Lorenzo com o tecido urbano constituído por elementos urbanos que delimitam o
quarteirão e a proposta de requalificação da restante área do quarteirão.
Os acessos demarcados são subdivididos em:
1. Acessos viários
2. Acessos pedonais
3. Acessos verticais que incluem escadas rampas e ascensores (6032m2)
4. Ciclo-via (6625m2)
5. Acessos de transportes públicos
As áreas verdes marcadas são subdivididas em:
1. Verde localizado na plataforma (36140m2)
2. Verde semipúblico (24262m2)
3. Verde público que configura o parque urbano (162128m2)
Os equipamentos e serviços são demarcados e organizados em:
1.
Serviços Comerciais (42070m2)
2. Biblioteca (2732m2)
3. Ginásio + Núcleo Desportivo (2721m2)
4. Universidade (4920m2)
5. Escola (2585m2)
Joana Cotter Salvado
169
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
6. Parque Infantil + Zona de Recreio (2785m2)
A área habitacional, como resulta do desenho da plataforma, é estruturada em
dois pisos (34744m2).
A análise feita anteriormente ao território foi fundamental para elaborar uma
proposta que permitisse desenhar um sistema urbano, conjugando o funcionamento
de espaços verdes com a área habitacional e equipamentos que servem a zona
restruturada e a restante área do quarteirão de San Lorenzo. O objectivo deste novo
sistema, para além de dinamizar a zona do quarteirão inserida, cria uma continuidade
de percurso tanto a nível viário como pedonal. Depois da proposta ser elaborada, foi
escolhida uma área e um edifício a detalhar. A área mais a Norte da proposta
(Ilustração 111), circunscrita pela praça de Verano e a Via dei Reti, foi a área eleita.
Ilustração 114 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta de Cobertura.
(Joana Cotter Salvado, 2010)
170
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Esta zona é constituída por um núcleo habitacional que engloba três edifícios e
por um núcleo de equipamentos que incluem a Escola, a Universidade e um pólo de
serviços comerciais que apoia estas duas tipologias de equipamentos e a área
habitacional. Delimitada pela Via dei Reti, fronteira com o quarteirão existente, é
restringida pelo cemitério Verano. A praça foi requalificada a praça enquanto espaço
de chegada a este ponto marcante do território. Nesta área, foram inseridos elementos
que ajudam a estruturar não só o funcionamento dos diferentes espaços, propondo
uma diversidade de percursos tanto rodoviários como pedonais. Na área habitacional,
foram definidos pontos de passagem pedestres para cada edifício, criando zonas
verdes e zonas pedonais. Ainda nesta área, foram desenhadas zonas de
parqueamento para as habitações, servindo de remate entre as vias e a área pedestre
definida para cada bloco habitacional.
Ilustração 115 - Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta cota +3.00m. (Joana
Cotter Salvado, 2010)
Joana Cotter Salvado
171
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Estas áreas verdes são consideradas semi - públicas por formatarem os pontos
de chegada dos blocos habitacionais. A área habitacional propõe ainda a ligação do
núcleo de equipamentos e serviços comerciais. Estas duas zonas que constituem a
área de detalhe da proposta são interligadas tanto com percursos pedonais como
percursos rodoviários, que facilitam e dinamizam a sua deambulação. Se por um lado
há a intenção de interligar o núcleo habitacional e o núcleo de equipamentos, esta
área de detalhe engloba também o primeiro ponto, marcado na Ilustração 113. Este
ponto de conexão entre diferentes cotas, é o acesso à plataforma, à cota (7,50m), e
portanto a ligação com um percurso pedonal e ciclo-viário ao longo da proposta,
desenhado à cota mais elevada.
Ilustração 116 – Fotocolagem. Proposta do sistema urbano com território existente. (Joana Cotter Salvado, 2010)
172
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Para esta área, degradada anteriormente, foram definidas zonas verdes, de
carácter público que ajudam a configurar o percurso pedonal desta praça com pontos
de lazer e zonas de estacionamento. A proposta desenha assim uma plataforma
pública que remata a Sul, o quarteirão de São Lorenzo. Esta plataforma é um
elemento marcante no território por gerar um novo dinamismo e restruturar o percurso
pelo território.
Ilustração 117 – Registo da proposta do sistema urbano com imagens de referência88 (Joana Cotter Salvado, 2010)
88
Imagens de referência relativas ao projecto High Line Public Park (2004-2009) em Nova York. O
projecto é de James Corner Field Operations e Diller Scofidio. (Joana Cotter Salvado, 2010)
Joana Cotter Salvado
173
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 118 – Área detalhada. Planta de Cobertura, cota +2.00m, secção transversal. (Joana Cotter Salvado, 2010)
174
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
4.2.2 O EDIFÍCIO HABITACIONAL
Após o projecto urbano, foi definido que seria desenvolvido um edifício,
pertencente
à
área
habitacional,
com
o
objectivo
de
ser
detalhado
arquitectonicamente.
O edifício localizado no limite Norte desta área foi o seleccionado para criar não
só um piso habitacional mas também um piso térreo constituído por espaços de apoio
às habitações. Pensado para acolher um público jovem, essencialmente estudantes,
tem uma localização prestigiada junto ao núcleo Politécnico e ao pólo Universitário.
Como referimos anteriormente, todo o edificado desta proposta nasce do
desenho e configuração da plataforma. A plataforma funciona como cobertura do
edifício, constituído por dois pisos que atingem um pé direito total de 7,50m. Ao
analisarmos a planta de cobertura (Ilustração 119), conseguimos perceber
determinadas intenções do sistema funcional do edifício. Um dos objectivos era criar
um percurso, a partir do edifício, para a plataforma.
Cada módulo habitacional é composto por dois pontos de acesso que ligam
tanto a área de apoio térrea como a plataforma. A habitação não é pensada como algo
isolado, engloba um sistema unitário que através do percurso permite a conexão e a
deambulação não só pelo interior do edifício mas também pela sua cobertura. A
importância desta ligação é estruturada pelos pontos de acesso de diferentes cotas
considerando que:
1. A localização da plataforma a +7,50m
2. A localização da plataforma a +3,90m
3. A área de apoio à habitação -0,70m
Ao analisarmos a planta de cobertura (Ilustração 119) percebemos novamente
a importância das áreas verdes. Estas áreas não só rematam as zonas de entrada no
edifício, como integram o módulo habitacional, a plataforma e acompanham o percurso
e configuração de elementos funcionais da proposta. No que às zonas verdes se
refere devemos considerar:
1. Áreas verdes que constituem a plataforma +7,50m
Joana Cotter Salvado
175
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
2. Áreas verdes que integram o espaço exterior do módulo habitacional
+3,90m
3. Áreas verdes que servem as zonas de apoia à habitação -0,70m
4. Áreas verdes que rematam as zonas de entrada do edifício 0,00m
5. Áreas verdes que acompanham o percurso pedonal do entorno do edifício
0,00m
6. Áreas verdes que configuram o desenho do parque de estacionamento
0,00m
7. Barreira verde entre percurso pedonal e via rodoviária 0,00m
Ilustração 119 – Proposta de edifício. Planta de Cobertura, Alçado AA´, Alçado CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010)
Na Ilustração 119, apercebemo-nos que o desenho da área verde propõe a
configuração do edifício. A intenção de estruturar um edifício que consiga criar
espaços permeáveis na praça onde é localizado de modo a permitir um percurso
dinâmico, baseou-se na análise morfológica de tipologias residenciais, desenvolvida
no subcapítulo anterior. Ao analisarmos as tipologias existentes no quarteirão de San
Lorenzo, destacámos os edifícios dispostos em linha, agregados em bloco com
interrupções na sua configuração (Ilustração 120) e os edifícios em bloco aberto
(Ilustração 121).
176
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 120 – Tipologia Residencial: edifícios em linha agregados em bloco. (Pazzaglini, 1984, p.160-161)
Ilustração 121 - Tipologia Residencial: edifícios em bloco aberto. (Pazzaglini, 1984, p.150-151)
Joana Cotter Salvado
177
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A comparação entre estas duas tipologias residenciais e a proposta baseia-se:
1. No desenho do edifício
2. No desenho do módulo habitacional
Ilustração 122 - Proposta de edifício. Planta à cota +5.40m, Secção BB´, Secção DD´. (Joana Cotter Salvado, 2010)
Na Ilustração 122, podemos estabelecer uma comparação morfológica entre a
configuração dos edifícios mencionados existentes no território (Ilustrações 120 e
Ilustração 121) e a proposta elaborada para o edifício. Ao analisarmos o edifício em
linha agregado em bloco percebemos que o vazio que o configura (visível no alçado
da Ilustração 120) forma a entrada para o pátio que dá acesso às habitações. Neste
caso, a entrada para as habitações só poderá ser feita após a experiência do espaço
exterior, considerado como espaço de chegada que distribui as habitações. O espaço
vazio criado na proposta não será a configuração de um espaço de entrada mas sim o
privilégio do percurso pelo tecido urbano. A proposta de um sistema urbano que
unisse o existente e o conjunto de elementos urbanos do território foi fundamental para
deste modo formarmos este espaço de passagem, exterior, que delimita o desenho do
módulo habitacional. Esta continuidade de percurso que se gera ao longo do sistema
urbano é fundamental para realçamos o funcionamento do sistema como uma
unidade.
In effeti la “linea” è soprattutto una soluzione di compromesso tra la necessità di assicurare l´alta
densità degli interventi urbani e quella di evitare la “promiscuità” del ballatoio, ritenuto causa di
diffusione di malattie ma soprattutto di solidarietà tra le classi più povere della città. (Pazzaglini,
1984, p.69)
178
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Seguindo Kevin Lynch, o sentido e funcionamento do todo é fundamental para
a união da complexidade dos elementos do tecido urbano. (Lynch, 1989, p.121-122).
Ao privilegiarmos o percurso ao longo da proposta, também pelo desenho do
próprio edifício, procuramos configurar de um modo dinâmico a deambulação pelo
sistema urbano proposto. Do mesmo modo, ao analisarmos os edifícios em bloco
aberto (Ilustração 121), também podemos estabelecer este tipo de comparação, visto
que, o espaço de entrada do edifício dá acesso a um pátio que distribui a entrada para
cada habitação.
Nestas tipologias existentes podemos dizer que os edifícios funcionam de
forma fechada do sistema urbano em que estão inseridos. Por outras palavras, não se
configuraram com a intenção de proporcionarem um percurso urbano ou até mesmo
um espaço de transição público. Ao contrário do edifício proposto, a criação de áreas
permeáveis pelo corte do edifício cria o percurso pelo sistema urbano.
Ao observarmos o módulo habitacional proposto, mais uma vez revelamos a
importância das áreas exteriores fazendo uma comparação morfológica com as duas
tipologias de edifícios existentes.
Ilustração 123 - Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010)
Joana Cotter Salvado
179
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 124 - Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010)
O módulo habitacional é pensado de forma a criar o espaço de chegada, às
habitações, a uma cota elevada (+3,90m). Ao criarmos este espaço de distribuição a
esta cota permitimos desenvolver uma interacção visual com o restante território. Este
espaço torna-se preponderante pelas ligações físicas que permite.
Na Ilustração 125, é esquematizado a área exterior que configura diferentes
espaços. É portanto uma área pedonal que contém uma zona verde e que permite não
só o acesso a cada habitação como o núcleo de acesso à plataforma e aos espaços
de apoio às habitações.
Existe a intenção de criar uma área de passagem que configure relações
visuais e que configure uma área pedonal ligando o sistema público urbano e os
espaços adjacentes de apoia às habitações.É formado um espaço que não serve
somente as habitações mas que tem o objectivo de dinamizar o tecido urbano.
Morfológicamente estes espaços de chegada são criados pelo facto do edifício
pertencer a um sistema urbano e pela importância de interagir e potenciar o seu
percurso. Esquematicamente, neste espaço pertencente a cada módulo habitacional
inclui-se:
180
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
1. Área verde com 33,6m2
2. Área pedonal com 171m2
3. Núcleo de acesso à plataforma com 18,9m2
4. Núcleo de acesso aos espaços de apoio às habitações com 10,4m2
Ilustração 125 - Proposta de edifício. Sistema distributivo funcional do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010)
O espaço exterior pertencente a cada módulo habitacional permite formar um
sistema distributivo e funcional exterior, que serve tanto o módulo como o restante
sistema urbano.
Tipologicamente, de cada módulo habitacional fazem parte quatro habitações –
três T2 e um T1. O interior de cada habitação não foi desenhado com base nas
tipologias analisadas, pois seria importante criar habitações com áreas ajustadas ao
espaço exterior desenhado e às próprias dimensões do edifício. Como vemos na
Ilustração 125, teremos:
Joana Cotter Salvado
181
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
1. Uma tipologia T2 com um total de 82,20m2 de área, constituída por:
- Um quarto com 12,70m2
- Um quarto com 15,10m2
- Uma casa de banho com 5,20m2
- Uma sala com cozinha com 38,30m2
- Uma área exterior com 10,90m2
2. Uma tipologia T2 com um total de 80,30m2 de área, constituída por:
- Um quarto com 15,10m2
- Um quarto com 12,80m2
- Uma casa de banho com 4,20m2
- Uma casa de banho com 4,40m2
- Uma sala com cozinha com 37,60m2
- Uma área exterior com 9,10m2
3. Uma tipologia T1 com um total de 69,10m2 de área, constituída por:
- Um quarto com 18,90m2
- Uma casa de banho com 5,50m2
- Uma casa de banho com 5,90m2
- Uma sala com cozinha com 33,30m2
- Uma área exterior com 8,10m2
O piso térreo do edifício é constituído por um conjunto de espaços de apoio às
habitações, e que funcionam como salas de estudo. O percurso ocupa a área do
embasamento do edifício, prolongando-se para a praça.
182
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ilustração 126 - Proposta de edifício. Planta à cota +1.30m, Secção AA´, Secção CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010)
As rampas de acesso, desenhadas ao longo do edifício, permitem formar estes
espaços de entrada, conjuntamente com as áreas verdes que se prolongam para o
interior deste piso, de modo a criar áreas exteriores e pontos de entrada de luz.
Ilustração 127 - Proposta de edifício. Planta à cota +0.30m, Alçado BB´, Alçado DD. (Joana Cotter Salvado, 2010)
A ideia de criar um espaço que permitisse um percurso fluido ao longo do
embasamento, oferece a possibilidade deste mesmo espaço se tornar numa galeria,
de exposição para trabalhos artísticos e apresentação de projectos dos estudantes, e
o apoio ao pequeno auditório. O percurso a esta cota é constituído também por uma
que a uma pequena biblioteca. Este espaço, com um carácter mais público, é o
Joana Cotter Salvado
183
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
espaço com maior proximidade à praça de Verano, estabelecendo as necessárias
relações urbanas.
Estabelece-se assim, uma relação de continuidade com o território existente,
requalificando e dinamizando o quarteirão de San Lorenzo. O sistema urbano é
desenhado como uma peça que remata o território, com o objectivo de resolver
lacunas tanto a nível de circulação rodoviária e pedonal, áreas verdes e zonas de
equipamentos e serviços.
Também o edifício residencial é desenhado de forma a integrar-se com o
sistema urbano e portanto estabelece uma forte relação com a plataforma. Mas, não é
apenas a relação com a plataforma, a cobertura do edifício. O embasamento do
edifício é ocupado com comércio e serviços que igualmente permitem gerar uma
continuidade de percurso de carácter público com o restante quarteirão de San
Lorenzo.
Todos estes elementos operam em conjunto, num contexto. (Lynch, 1989, p.96)
184
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
5.0
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A percepção da arquitectura depende da conjugação de múltiplos pontos de vista, da
reconstituição mental de inúmeros espaços. (Urbano, 2011)
A nossa cultura arquitectónica na impossibilidade de visitar todos os edifícios do mundo, é
maioritariamente construída através do olhar de outros. (Urbano, 2011)
A mim seduzem-me todas as imagens que exprimem na arquitectura uma essência entre aquilo
que se deseja e tudo o resto a que estamos verdadeiramente condenados. (Bandeira, 2008)
Contemporaneamente, a fotografia aponta para um conjunto de conceitos que
a enquadram como estratégia de re – interpretação da realidade, no caso em estudo,
da realidade arquitectónica.
Representação.
O
universo
da
fotografia
contemporânea,
mais
especificamente da fotografia de arquitectura, afasta-se da sua reprodução objectiva,
para se dedicar à representação dos seus significados. A fotografia adquire estatuto
próprio, impondo determinados pontos de vista.
No contexto desta investigação foram enunciados elementos chave – a
percepção e o registo do espaço arquitectónico por meio da fotografia – que
influenciam a compreensão da arquitectura.
Mediatização. Na contemporaneidade, a representação da arquitectura, está
vinculada a processos de manipulação possibilitadas pela substituição do sistema
analógico da fotografia pelo sistema digital, que para além de contribuir
significativamente para a propagação da arquitectura em grande escala, transformam
a consequente percepção do ambiente construído.
A fotografia constrói uma imagem alternativa à arquitectura e, num universo mediático, confundese com a própria arquitectura. (Milheiro, 2005, p.22)
Manipulação. Os processos de manipulação da fotografia permitem a
correcção, o acerto e o reenquadramento de perspectivas, adicionando e retirando
informação que é considerada fundamental para a comunicação e apreensão do
espaço arquitectónico. A par dos processos de manipulação, a mediatização da
arquitectura vai criar uma relação de dependência com produção e a reprodução de
imagens fotográficas.
Joana Cotter Salvado
185
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
A manipulação fotográfica, enquanto técnica digital, opera como um
mecanismo visual e superficial da imagem fotográfica, sendo uma estratégia para
captar o foco de atenção do observador.
O papel da fotografia de arquitectura propoem novas estratégias de mediação
crítica, sustentadas pelo desenvolvimento dos métodos de reprodução visual e a
consequente amplificação da audiência da arquitectura. A nossa relação com o
espaço arquitectónico modifica-se radicalmente, nomeadamente quando o observador
ou leitor se transforma num utilizador virtual, dando o seu significado e interpretação à
imagem fotográfica. A fotografia contribui para densificar o carácter objectual da
arquitectura, isto é, ela torna-se aparentemente transformável e manipulável.
Comunicação. Os fotógrafos, mais do que registarem a arquitectura,
pretendem gerar interesse com as suas decisões óptico-visuais, que perante o
processo acelerado de reprodução de imagens, faz da fotografia um meio de
divulgação verdadeiramente revolucionário e sistemático, capaz de se tornar no mais
potente veículo de comunicar a arquitectura.
A nossa relação com a imagem fotográfica torna-se num suporte narrativo e
ficcional com o intuito de comunicar um conjunto de ideias. A fotografia a par da
evolução de tecnologias de informação, dos media e da informática, em geral, abre
novas possibilidades na difusão da arquitectura.
Percepção. Neste contexto, a fotografia é entendida como uma plataforma
privilegiada no processo de mediatização da arquitectura, tornando-se no veículo
distinto de “ver” a arquitectura para apreender o espaço arquitectónico.
Como contraponto, a presente investigação ao centrar-se num conjunto de
experiências artísticas que vão desde Lázlo Moholy-Nagy a Thomas Demand, cria as
condições para retratar a aproximação da fotografia ao acto perceptivo real.
A importância da enunciação destes trabalhos fotográficos é uma reflexão
acerca do carácter ficcional que o espaço registado pela imagem fotográfica poderá
conter, num contexto contemporâneo de mediatização. A procura de um possível
diálogo com a arquitectura pela introdução da noção de colagem, expressa a
sensação de espaço na medida em que a fotografia não poderá representar o “real”
186
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
por ser apenas um fragmento: uma fracção de espaço fixado, isolado e ainda um corte
temporal, descontínuo e interrompido pelo instante fotográfico.
Sedução. As questões referidas anteriormente são introduzidas no contexto da
publicação e por sua vez produzem impacto nos media da sociedade contemporânea.
A experimentação desenvolvida por artistas de vanguarda é desde logo introduzida
nos mass media, sofrendo um processo de banalização. A chave deste fenómeno
reside na clara vontade de seduzir o observador. A sedução é um modo de envolver o
observador no jogo perceptivo da fotografia.
Mediante a consciência da inclusão deste factor de sedução na imagem
fotográfica, percebemos que esta se torna na estratégia de comunicação do espaço
arquitectónico através da fotografia. Contudo, este processo sofre da já referida acção
de banalização, proveniente do excessivo protagonismo da imagem e da sua
manipulação. Deste modo, podemos questionar até onde é que este processo de
sedução se poderá manter como paradigma da reprodução de arquitectura.
Joana Cotter Salvado
187
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
188
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
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A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
200
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
APÊNDICES
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A E NTREVISTA A FERNANDO GUERRA
APÊNDICE B ENTREVISTA A JOÃO MORGADO
APÊNDICE C ENTREVISTA A LUÍS FERREIRA ALVES
Joana Cotter Salvado
201
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
202
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
APÊNDICE A
ENTREVISTA A FERNANDO GUERRA
Em entrevista à revista +arquitectura 022 I Dibujos Visuais, refere:
Toda a fotografia é uma ficção. Logo é muito pessoal, ou, pelo menos, devia ser. No meu
trabalho a realidade é minha, apesar de fotografar o trabalho dos outros.
JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia como forma
de representar a sua realidade?
FG. Fotografar é isso. Enquadrar a vida, seleccionando o que interessa. Numa
sessão de uma obra tenho uma longa lista de objectivos e cumpri-los, ao mesmo
tempo que conseguimos imagens especiais que vão ficar, é único. Uma mistura rara
entre a encomenda, o gesto artístico e o risco geométrico.
Em entrevista à revista Fora de Série 5147 I Diário Económico, refere:
Carrilho da Graça confidenciou-me, preocupado, que as minhas fotografias eram tão bonitas que
tinha receio que as pessoas ao visitarem a obra ficassem desiludidas.
JCS. A Fotografia de Arquitectura constrói uma imagem alternativa à
Arquitectura e, num universo mediático, será que se confunde com a própria
Arquitectura?
FG. Provavelmente sim. O meu trabalho na fotografia de arquitectura, com
registo profissional, surgiu de uma forma muito natural e nada planeada. O universo
mediático que refere, surge depois, não no dia da sessão. E de uma forma
espontânea. Não é com esforço que fotografo. A vida acontece à minha frente e eu
simplesmente a guardo. Acontece ter casas e prédios como modelos. Se crio um
mundo paralelo à realidade? Não tento, mas sinceramente não penso que o faça.
Interessa-me sim mostrar o projecto de uma forma pessoal e que me dê prazer. O
resto vem por acréscimo. Acontece apenas.
JCS. A Fotografia de Arquitectura é um conjunto de descobertas para o
Fotógrafo? E para o Arquitecto?
FG. Se o meu trabalho ficar bem, completo, o arquitecto vai ver a obra pela
primeira vez. Com outros olhos e provavelmente nunca mais a irá olhar da mesma
forma.
Joana Cotter Salvado
203
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Ana Vaz Milheiro em “Mundo Perfeito, Arquitectura e Fotografia”, Jornal Público, suplemento Mil
Folhas, 26-03-2005, refere:
O universo da arquitectura que Fernando Guerra nos propõe é, quase sempre, um mundo
perfeito. Panorâmico. Não – contaminado. Luminoso.
JCS. Este “mundo perfeito” nas suas Fotografias de Arquitectura potencia a
divulgação e o reconhecimento da Arquitectura?
FG. Talvez seja bom existir uma clareza no que se mostra e por vezes essa
essência, pode ser confundida com perfeição. Gosto também de obras sujas e muito
habitadas. Pelo menos de vez em quanto. As imagens, no entanto, devem ser
perfeitas tecnicamente. E se assim estiverem, a divulgação acontece.
Em entrevista à revista +arquitectura 022 I Dibujos Visuais, refere:
O lugar não tem de me condicionar da mesma forma que faz com um arquitecto que trabalha
geralmente, por referências, alinhamentos ou pelo lugar.
JCS. A Fotografia de Arquitectura corresponde a um entendimento do lugar ou
pretende somente representar a Arquitectura como algo isolado do seu contexto?
FG. Nunca isolada por regra. Contextualizar a obra faz parte do que me dá
prazer fazer, independentemente do que o projectista pensa sobre o que rodeia a sua
obra. Acaba por acontecer. No entanto não existem regras definidas. As reportagens
que faço são extensas e na exploração do projecto, por vezes, a peça pode aparecer
isolada. Noutras não. Muitas vezes é o editor de uma revista que faz a escolha e que
acaba por condicionar a percepção que o publico tem da obra. No ultimasreportagens
tento ser mais abrangente no que mostro.
JCS. A Fotografia de um lugar pode ser uma boa base para a execução de um
projecto sem nunca termos estado nesse mesmo lugar? Considera importante o seu
uso para o trabalho criativo dos Arquitectos?
FG. O importante na fotografia é o que a imagem passa. E se transmite o que é
essencial, optimo. È raro eu entrar nessa fase, num trabalho de preparação de um
projecto e ainda mais raro serem essas as imagens a base do trabalho criativo de um
arquitecto. Nada substitui a visita. Mesmo que faça um levantamento do existente
como registo, é apenas isso. Não acho importante para que o projecto seja pensado
que parta de uma imagem em papel ou digital. Como já referi, o mais importante é a
visita.
204
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
Em entrevista a www.arkinetia.com I Luz sobre Portugal, refere:
O simples facto de a luz mudar faz com que a fotografia também mude. O que era banal há meia
hora, muda na fotografia e de repente resume o trabalho do arquitecto naquele sítio. A essência
do project
JCS. Qual a importância da luz na Fotografia de Arquitectura?
FG. A palavra Fotografar significa "pintar com luz" no grego clássico. E sem
luz, não sei fotografar. A luz define-me tudo: Os ritmos da sessão/ Organiza-me
interesses e esperar por ela dá-me objectivos. Essencial tê-la em qualidade. Regresso
hoje a Lisboa, depois de dois dias de uma sessão em que não parou de chover. Tenho
imagens de que gosto muito, mas vou regressar em breve. Faltou-me luz, sombras e
momentos.
Em entrevista à revista Fora de Série 5147 I Diário Económico, refere:
Quanto aos fotógrafos, tenho muitas referências, mas aquele que mais influenciou a minha forma
de olhar o mundo talvez seja o David Alan Harvey, um fotógrafo da Magnum.
JCS. Como reflecte essa influência nas suas Fotografias?
FG. Alex Webb ou o seu colega da Magnum, David Halan Harvey que referi na
entrevista, são as minhas duas principais referencias no registo fotográfico
essencialmente pela forma como fotografam na rua. Espontânea. Sem agendas
pseudo-intlectuais, organizando numa imagem, historias que acontecem e são
gravadas no exacto momento em que carregam no disparador. A fotografia é
suportada por uma narrativa distribuída por camadas de informação. No meu caso,
existe essa mesma preocupação. Só que o meu actor principal é provavelmente uma
casa ou um prédio e o meu trabalho conta a história de um dia nesse local. O que é.
Onde fica e para que serve.
JCS. Porque nunca fez uma reportagem de Arquitectura a «preto e branco»?
FG. Com o digital fotografamos como sempre fizemos com a fotografia
analógica. Só depois converte-mos as imagens para o preto e branco. Não existe uma
escolha da película específica. Fotografo a cores geralmente e depois a passagem
para o preto e branco pode acontecer, se me apetecer. Curiosamente, faço-o muitas
vezes, mas não são as imagens escolhidas para publicação. Estou a escolher nestes
dias novas reportagens para o ultimasreportagens e vou introduzir mais imagens a
preto e branco. Faço-as sempre quando edito um trabalho e o entrego a um cliente.
Mas são sempre muito pouco difundidas.
Joana Cotter Salvado
205
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
JCS. A Fotografia é um instrumento eficaz na comunicação da Arquitectura?
FG. Sou suspeito porque é o meu instrumento preferido. Mas acho que sou
completamente objectivo quando digo que a que a fotografia é a forma essencial de
comunicar arquitectura. Mais eficaz do que um filme ou desenho.
206
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
APÊNDICE B
ENTREVISTA A JOÃO MORGADO
JCS. Porquê fotografar Arquitectura?
JM. A paixão pela fotografia surgiu de forma bastante natural, ainda durante o
curso de arquitectura nas viagens e visitas a obras. Estes registos informais foram-se
tornando num arquivo pessoal mas de enorme importância na minha formação
enquanto arquitecto. Fotografar arquitectura requer uma enorme paixão, entrega e
disciplina.
JCS. Enquanto Arquitecto e Fotógrafo de Arquitectura, acha que Arquitectura e
Fotografia de Arquitectura são duas visões paralelas?
JM. É uma pergunta um pouco ambígua…A fotografia de arquitectura só existe
porque também existe arquitectura. Talvez possamos estabelecer uma visão paralela
entre Arquitecto / Fotógrafo de Arquitectura e aí sim, é interessante olhar para as
fotografias do autor e entender a obra de uma forma diferente. No meu trabalho
procuro sempre ir ao encontro da verdade arquitectónica e nunca criar uma visão
paralela da mesma.
JCS. É importante ser formado em Arquitectura para ser Fotógrafo nesta área?
JM. Não…basta olhar para um dos melhores fotógrafos de arquitectura da
actualidade (Iwan Baan) e percebemos imediatamente que isso não é um prérequisito. Se é importante ter uma paixão enorme pela arquitectura? Sem dúvida
alguma.
JCS. A Fotografia de Arquitectura é um conjunto de descobertas para o
Fotógrafo? E para o Arquitecto?
JM. Enquanto fotógrafo de arquitectura sou muitas vezes surpreendido quando
chego à obra e me envolvo num jogo de constantes descobertas. Existem inúmeros
factores que contribuem para essa dinâmica e é a partir dessas descobertas que se
consegue surpreender o autor com enquadramentos, perspectivas e acontecimentos
que nem o próprio se tinha percebido. (Muitas vezes após vários anos a acompanhar a
obra).
Joana Cotter Salvado
207
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
JCS. Porque nunca fez uma reportagem de Arquitectura a «preto e branco»?
JM. Precisamente porque a cor desempenha um papel-chave na definição do
espaço arquitectónico. Tão importante como a luz, a sombra ou as texturas dos
materiais. Pessoalmente considero que a cor é ainda um tema “tabu” na arquitectura
portuguesa.
JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia?
JM. Sim, a manipulação fotográfico é uma técnica digital que utilizo
esporadicamente com grande moderação e bom-senso. É comum o cliente relatar
algumas falhas de execução e nesse aspecto a manipulação é uma ferramenta de
enorme valor ao serviço quer do fotógrafo quer do autor do projecto.
JCS. As Fotografias de Arquitectura manipulam o nosso modo de ver a
Arquitectura?
JM. Eu iria mais longe: a fotografia de arquitectura é hoje em dia o nosso
principal modo de ver a arquitectura. Antes de visitar uma obra, já a viu publicada em
diversos formatos e isso invariavelmente irá alterar a sua forma de olhar e analisar a
própria arquitectura. Há até muitas situações em que só conhece uma obra a partir de
fotografias de arquitectura se poderá confundir com a própria arquitectura na memdida
em que cria uma realidade imaginária ao observador e em muitos casos (se não na
maioria) essa realidade imaginária é facilmente manipulada pelo fotógrafo.
JCS. A Fotografia de Arquitectura é um instrumento eficaz na comunicação de
Arquitectura?
JM. Sem dúvida.
JCS. Como explora a criatividade na Fotografia de Arquitectura?
JM. No meu trabalho, abordo a criatividade de uma forma muito subtil, dando
destaque a determinado tipo de luz, contraste e em alguns casos atmosferas próprias
geradas por esses mesmos jogos de luz. Actualmente detenho a minha atenção na
arquitectura em si. Iniciei a minha actividade como fotógrafo de arquitectura em 2008 e
desde então tenho trabalhado em diferentes projectos que me permitem ir construindo
a minha própria identidade criativa.
208
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
JCS. A Fotografia de Arquitectura corresponde a um entendimento do lugar ou
pretende somente representar a Arquitectura como algo isolado do seu contexto?
JM. Toda arquitectura é inserida num lugar com determinado contexto. A nível
de projecto, cabe ao arquitecto definir uma estratégia e uma posição crítica
relativamente ao lugar e sua envolvente. É interessante perceber como a fotografia de
arquitectura tem a capacidade de integrar ou isolar a obra relativamente ao seu
contexto e assim alterar totalmente a percepção / análise que o observador faz da
obra. Costumo trabalhar com grande proximidade com os autores das obras de modo
a transmitir o conceito por detrás do projecto.
JCS. Qual é a importância da luz na Fotografia de Arquitectura?
JM. A luz é precisamente um dos elementos mais importantes e decisivos na
fotografia de arquitectura e poderá ditar o (in)sucesso de uma fotografia. Este é
precisamente o maior ponto de ligação entre o arquitecto e um fotógrafo de
arquitectura: ambos trabalham com a luz.
JCS. A Fotografia de um lugar pode ser uma boa base para a execução de um
projecto sem nunca termos estado nesse mesmo lugar? Considera importante o seu
uso para o trabalho criativo dos Arquitectos?
JM. Deste ponto de vista, a fotografia deve ser encarada como uma importante
ferramenta de trabalho, tal como um esquisso ou uma maqueta. Existem situações,
como os concursos internacionais, em que se torna impossível visitar todos os lugares
para onde se projecta. Ou até mesmo durante as fases conceptuais em que se
desenha e esboça sobre fotografias. Apesar de toda a tecnologia ao nosso dispor, a
fotografia é ainda uma forma de representar a realidade a duas dimensões.
JCS. A Fotografia é um instrumento insubstituível na difusão cultural da
Arquitectura?
JM. Sem dúvida alguma! Actualmente a fotografia assumiu um papel
preponderante na divulgação da arquitectura, não só através das revistas impressas
que chega, a um público bastante alargado, mas principalmente através da internet
que permite que em poucas horas uma fotografia tenha milhares de visualizações dos
quatro cantos do mundo. É precisamente pelo facto da fotografia ter um papel tão
Joana Cotter Salvado
209
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
importante na divulgação da arquitectura que cada vez mais arquitectos e ateliers
recorrem à contratação de um fotógrafo de arquitectura.
210
Joana Cotter Salvado
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
APÊNDICE C
ENTREVISTA A LUÍS FERREIRA ALVES
JCS. Porquê fotografar Arquitectura?
LFA. E porque não, se a arquitectura é uma actividade humana que se
confunde com o próprio caminhar do Homem através dos tempos? Nesse percurso,
nessa busca, nessa permanente tentativa de afeiçoar o espaço ao viver, foi a
arquitectura acumulando sinais históricos e existenciais – uma estética. É portanto um
objecto fotográfico por excelência; e é-o também por razões de ordem pragmática, já
que não posso meter uma casa do Souto Moura num envelope e enviá-la para o
Japão, para dela tomarem conhecimento. A inamovível complexidade tridimensional
da arquitectura transforma-a num objecto vocacionado para ser fotografado, o que
justamente com o desenho e com os renders 3D, é a única forma de a dar a conhecer
“urbi et orbi” bidimensionalmente.
JCS. A Fotografia de Arquitectura constrói uma imagem alternativa à
Arquitectura e, num universo mediático, será que se confunde com a própria
Arquitectura?
LFA. A fotografia não é uma alternativa à arquitectura. Isso é um absurdo
complicativo de coisa bem mais simples. É a visão pessoal, num dado momento,
através de um processo que se domina e cujas consequências se conhecem “a priori”,
tendo e vista uma função mediática, a qual também, embora “a posteriori”, a “informa”
e a condiciona.
JCS. As Fotografias de Arquitectura manipulam o nosso modo de ver a
Arquitectura?
LFA. A palavra “manipular” é violenta, mas talvez justa para uma tendência em
voga da fotografia de arquitectura, em que a visão pessoal é prevalecente e os “efeitos
por fora” excessivos, repetitivos, distrativos do essencial, isto é, a fotografia de
arquitectura torna-se demasiado cénica, por vezes mesmo de mau gosto. Uma
interpretação serena das intenções do arquitecto e a busca paciente e sóbria das
complexas relações existentes numa obra pode constituir uma forma positiva de
educar olhares alheios. Não me parece negativo que se visite uma obra depois de ter
“ingerido” a informação mediática existente. O tipo de fotografia que busco, em que o
Joana Cotter Salvado
211
A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
objectivo final nunca é iludido ou esquecido, pode proporcionar um bom diálogo com a
realidade, não a condicionando.
JCS. De que modo a Fotografia é um instrumento eficaz na comunicação da
Arquitectura?
LFA. Nas respostas anteriores, de certo modo, esta questão está explanada. A
eficácia da transmissão através de um processo bidimensional de um objecto cuja
essência é a tridimensionalidade não está totalmente garantida, pelo que, quase
sempre o fotógrafo actua faseadamente, como quem busca relações intrínsecas à
obra, capazes de simular essa tridimensionalidade. Simulação, portanto, e já não é
pouco.
JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia?
LFA. Retirar, retiro, e é até essa possibilidade que mais aprecio na fotografia
digital. É de notar que, quase exclusivamente, o que numa imagem retiro, ao tratá-la, é
decidido no próprio acto de fotografar, agora impregnado com essas novas
possibilidades. Adicionar em fotografia de arquitectura nunca o fiz, embora não me
atreva a considerar tal prática como ilegítima, mas de fronteiras e contornos muito
perigosos.
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A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico
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