UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e A rtes Mestrado integ rado em Arquitec tura A fo otograffia com mo reg gisto e perce epção do espaço o arqu uitectó ónico Realizado R p por: Joana Cotter C Salvvado Orientado por: p Prof. Doutor Arqt. A Victoor Manuel Canedo Ne eves Constituiçã C ão do Júrii: Presidente P : Orientador O r: Assistente A ação: de orienta Arguente: A Prrof. Doutorr Arqt. Joa aquim José é Ferrão dee Oliveira Braizinha B Prrof. Doutorr Arqt. Victtor Manuel Canedo N Neves Me estre Arqt.. Jorge Anttónio Pereira de Souusa Santos Prrof. Doutorr Arqt. Rui Manuel Re eis Alves Dissertação D o aprovada a em: 15 5 de Janeirro de 2013 Lisboa a 2012 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Joana Cotter Salvado Lisboa Novembro 2012 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Joana Cotter Salvado Lisboa Novembro 2012 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Vítor Manuel Canedo Neves Assistente de orientação: Mestre Arqt. Jorge António Pereira de Sousa Santos Lisboa Novembro 2012 Ficha Técnica Autora Orientador Assistente de orientação Joana Cotter Salvado Prof. Doutor Arqt. Vítor Manuel Canedo Neves Mestre Arqt. Jorge António Pereira de Sousa Santos Título A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Local Lisboa Ano 2012 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação SALVADO, Joana Cotter, 1987A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico / Joana Cotter Salvado ; orientado por Vítor Manuel Canedo Neves, Jorge António Pereira de Sousa Santos. - Lisboa : [s.n.], 2012. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - NEVES, Vítor Manuel Canedo, 1956II - SANTOS, Jorge António Pereira de Sousa, 1971LCSH 1. Arquitectura e fotografia 2. Fotografia arquitectónica 3. Percepção 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. Architecture and photography Architectural photography Perception Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon LCC 1. NA2543.P46 S25 2012 AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Arquitecto Victor Manuel Canedo Neves, por ter aceite a orientação desta dissertação e pelas referências bibliográficas com que me presenteou durante a pesquisa. Ao Professor Mestre Arquitecto Jorge António Pereira de Sousa Santos, por toda a disponibilidade e troca de conhecimentos durante o desenvolvimento da investigação. Pelo acesso que me facilitou a uma pesquisa mais alargada e enriquecedora e ainda pelas sugestões e críticas de grande relevância feitas durante a orientação. Aos Fotógrafos Fernando Guerra, Luís Ferreira Alves e João Morgado que me ajudaram na reflexão do tema da minha dissertação. Ao meu pai pela preciosa ajuda prestada na correcção do texto. À minha mãe pela sua insubstituível presença e carinho. Ao meu irmão e à Maria Vitória Cotter Salvado por todo o apoio e amizade. À minha amiga e colega de Mestrado Vyernu Jyotindra Patel, pela sua especial amizade e partilha. APRESENTAÇÃO A Fotografia como Registo e Percepção do espaço arquitectónico Joana Cotter Salvado Este trabalho apresenta uma reflexão crítica à actual condição da fotografia enquanto sistema de representação da arquitectura. Integrando a fotografia no contexto da arquitectura, a investigação estrutura-se em três ideias chave: percepção, registo e representação, servindo para caracterizar os processos fundamentais de produção da fotografia de arquitectura do início do século XX até à contemporaneidade. A ideia de percepção e a ideia de registo articulam-se entre si. Através deste diálogo produzem a ideia chave de representação que irá ter um papel fundamental no contexto da publicação de arquitectura, no final do século XX e no início do século XXI. Pretende-se aferir o impacto de processos de transformação de imagens fotográficas, aparentemente contraditórios com os princípios de realidade, mas fundamentais para caracterizar a relação da arquitectura com a fotografia, na mediatizada sociedade actual. Palavras-chave: Arquitectura, Ficção, Fotografia, Interpretação, Mediatização, Percepção, Registo, Representação, Sedução, Simulação. Manipulação, PRESENTATION Photography as Register and Perception of Architectonic Space Joana Cotter Salvado This paper presents a critical reflection of the present condition of Photography as a representative system of Architecture. This research is structured in three main ideas, positioning photography in Architecture’s realm: perception, registration and representation, serving to characterize the fundamental processes of photographic production of Architecture from the beginning of the twentieth century till the current times. The ideas of perception and record are combined between themselves. Through this dialogue the key idea of representation is produced and it will have a fundamental role in the context of Architecture’s publication in the end of the twentieth century and in the beginning of the ninetieth century. We aim to assess the impact of the transformational processes of photographic images, apparently contradictory with the reality principles, but fundamental to characterize the relationship between photography and architecture in the present mediatized society. Key-words: Architecture, Fiction, Photography, Interpretation, Manipulation, Mediatization, Perception, Record, Representation, Seduction, Simulation. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – International Style, Arquitectura Moderna, Museu de Arte Moderna, Instalação da exposição de Le Corbusier, 1932. (Riley, 1992, p.6) ............................... 8 Ilustração 2 – Pavilhão alemão, Barcelona, Luwing Mies van der Rohe, Exposição Internacional de 1929. (Johnson at al, 1995, p.187) ................................................... 10 Ilustração 3 – Turbina eléctrica da companhia Brown Boveri, Fotografia inserida nos arquivos da revista L´Esprit Nouveau. (Colomina, 1996, p.149) .................................. 12 Ilustração 4 – Página dupla da revista L´Art décoratif d´aujourd´hui, 1925. (Colomina, 1996, p.121) ............................................................................................................... 14 Ilustração 5 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “No Girls: the architectural editor´s preference was for naked construction”. (Serraino, 2005, p.128) ............................................................................................... 15 Ilustração 6 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “Two Girls: the photographer´s interpretation of both architectural and lifestyle”. (Serraino, 2005, p.130) ................................................................................ 15 Ilustração 7 – “ O Metropolitano Solitário” (1932). Herbert Bayer. “La vista e el tacto se funden en la verdadera experiencia vivida”. (Pallasma, 2006, p.27) ....................... 18 Ilustração 8 – Notre Dame, Paris, (1925). Tamanho original: 23x16,9cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.108) ............................................................................. 21 Ilustração 9 – Torre Eiffel, Paris, (1925). Tamanho original: 22,7x16,9cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.109) ............................................................................. 22 Ilustração 10 – Untitle. Tamanho original: 20,2x25,3cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.77) ................................................................................................................. 25 Ilustração 11 – The Law of the Series (1925). László Moholy-Nagy. (Moholy-Nagy, 1995, p.39) ................................................................................................................. 27 Ilustração 12 – “Die Buhnenklasse”, 1930, Erich Consemuller. (Consemuller, 1989, p.151) ......................................................................................................................... 29 Ilustração 13 – Representação Esquemática dos cursos na Bauhaus. Walter Gropius. Bauhaus em Weimar. (Wingler, 1969, p.52) ............................................................... 30 Ilustração 14 – Bauhaus Balconies (Bauhausbalkone in Dessau) (1926-1928). Tamanho original: 37.2 x 27.4 cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.113) ............ 33 Ilustração 15 – House on Myasnicka Street, 1924, Alexander Rodchenko. (Hight, 1995, p.115) ............................................................................................................... 34 Ilustração 16 – Edifícios em Times Square, Nova York, Estados Unidos. (2000). Judith Turner. (photoarts, 2012) ............................................................................................ 36 Ilustração 17 – Unité d´habitation, Nantes-Rezé (1955), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucien Hervé (1950-1958). (Sbriglio, 2011, p. 202-203, 205, 209) ........ 38 Ilustração 18 – Representação de contrastes e elementos de composição. (Itten, 1975, p.10-11) ............................................................................................................ 40 Ilustração 19 – Círculo de cores como representação de doze cores em sete tons diferentes (1021), litografia em papel de Johannes Itten. (Droste, 2006, p.23)............ 41 Ilustração 20 – “La incredulidad de Santo Tomás” (1601-1602). Michelangelo Merisi da Caravaggio. (Pallasma, 2006, p.23) ....................................................................... 42 Ilustração 21 – Imagem do olho e da lente da câmara fotográfica sobrepostos. Filme “Man with a Movie Camera”,1928-1929. (Colomina, 1996, p.78) ................................ 44 Ilustração 22 – Untitled. (1922). Tamanho original: 18.9 x 13.9 cm. László MoholyNagy. (Hight, 1995, p.50) ............................................................................................ 46 Ilustração 23 – Câmara Lúcida de Wollaston, criada em 1806. (Sougez,1996, p.18) 48 Ilustração 24 – Câmara escura portátil de Athanasius Kicher. (1601-1680).1646. (Colomina, 1996, p.79) ............................................................................................... 48 Ilustração 25 – Ciúmes, fotomontagem de László Moholy-Nagy, 1930. (Sougez, 1996, p.242) ......................................................................................................................... 49 Ilustração 26 – “Nicholas Wilder Studying Picasso”, 1982, composite Polaroid de David Hockney com formato original 48 ½ x 26 ½. (Hockney, 1985, p.32).................. 53 Ilustração 27 – Retrato de Dora Maar, (1936) Pablo Picasso. (Walter, 2003, p.15) ... 55 Ilustração 28 – “O jogo de scrabble”, de David Hockney, 1983. (Hockney, 2000, p.12) ................................................................................................................................... 56 Ilustração 29 – Esquema de percurso pelo espaço de trabalho do atelier EMBT (Enric Miralles Benedetta Tagliabue). (Mirallestagliabue, 2012) ............................................ 59 Ilustração30 – Still Life on a Table 'Gillette', 1914, George Braque. (georgebraque.org, 2009) .......................................................................................................................... 66 Ilustração31 – Violin and Pipe 'Le Quotidien', 1913, George Braque. (georgebraque.org. 2009) ........................................................................................... 66 Ilustração 32 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68 Ilustração 33 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68 Ilustração 34 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 68 Ilustração 35 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 69 Ilustração 36 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) .................................. 69 Ilustração 37 – Ampliação do Museu Real de Copenhaga, 1992. (Miralles, 1995, p.4445) .............................................................................................................................. 72 Ilustração 38 – Grande Canal de Veneza, fotomontagem de Enric Miralles para a Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio). (Miralles, 2000, p.194) ......................................................................................................................... 73 Ilustração 39 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio) fachada norte sobre o rio San Nicoló, 1998, fotomontagem de Enric Miralles. (Miralles, 2000, p.143) ............................................................................................................... 75 Ilustração 40 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio), plano geral realizado na primeira fase do concurso. (Miralles, 2000, p.80) ................. 76 Ilustração 41 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio, segunda fase) Fotomontagem com as escadas de San Giacomo. (Miralles, 2000, p.151) ......................................................................................................................... 78 Ilustração 42 – Planta do Convento de Santa Caterina, durante o primeiro terço do séculoXIX. (Miralles, 2000, p.14) ................................................................................ 80 Ilustração 43 – Secção do claustro e Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt, 1886. (Miralles, 2000, p.15) ...................... 81 Ilustração 44 – Secção da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.15) ................................. 81 Ilustração 45 – Cobertura da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.16) ................................. 82 Ilustração 46 – Mercado de Santa Caterina anterior ao projecto de EMBT, fotomontagem 1997. (Miralles, 2000, p.32) ................................................................. 84 Ilustração 47 – Mercado de Santa Caterina, fase de escavação, fotomontagem 1999. (Miralles, 2000, p.32) .................................................................................................. 84 Ilustração 48 – Momentos da construção do mercado de Santa Caterina que partiu de pesquisas arqueológicas. (Miralles at al, 2005, p.13) .................................................. 85 Ilustração 49 – Mercado de Santa Caterina, fotomontagem 2005. (Cosenza, 2008, p.21) ........................................................................................................................... 86 Ilustração 50 – Edifícios Residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) ................................... 86 Ilustração 51 – Planta de Cobertura. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40) ................................................................................................................. 87 Ilustração 52 – Planta ao Nível Térreo. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.39) ................................................................................................................. 87 Ilustração 53 – Planta à cota +9.15m. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40) ................................................................................................................. 88 Ilustração 54 – Secções Longitudinais. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.38) ................................................................................................................. 88 Ilustração 55 – Esquema de plantas dos diferentes níveis dos dois edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) ............................................................................ 89 Ilustração 56 – Secção Longitudinal do Mercado de Santa Caterina com Alçado dos edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) .............................................................. 89 Ilustração 57 – Maqueta do Local com desenho sobreposto. (Cosenza, 2008, p.23) 90 Ilustração 58 – Cobertura do Mercado de Santa Caterina constituída por 325.000 peças de cerâmica. (Cosenza, 2008, p.20) ................................................................. 92 Ilustração 59 – Colagem - desenho técnico sobreposto com desenho livre, fotomontagem da vista interior do mercado e imagens de frutas e legumes. (Cosenza, 2008, p.23) ................................................................................................................. 93 Ilustração 60 – Estudos e detalhes da Planta da Cobertura do Mercado de Santa Caterina. (Miralles at al, 2005, p.70) ........................................................................... 94 Ilustração 61 – Fotomontagem da Cobertura do Mercado de Santa Caterina. (Otxotorena, 2006, p.30) ............................................................................................. 94 Ilustração 62 – O bairro italiano, 1954, William Klein, Nova Iorque. (Barthes, 1980, p.55) ........................................................................................................................... 96 Ilustração 63 – Cary Ross´s Bedroom, 1932, Walker Evans. (Gursky, 2007, p.64) ... 99 Ilustração 64 – Prada I, 1996, tamanho original: 134 x 226cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.41) .................................................................................................. 100 Ilustração 65 – Untitled IX, 1998, tamanho original: 136 x 226cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.37) .................................................................................................. 100 Ilustração 66 – Times Square, 1997, tamanho original: 186 x 250.5cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.23) ..................................................................................... 102 Ilustração 67 – Ayamonte, 1997, tamanho original: 186 x 256cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.137) ................................................................................................ 104 Ilustração 68 – Fotografia de Fernando Guerra, Lar de Idosos, Álcácer do Sal, Portugal, Aires Mateus, 2011. (ultimasreportagens, 2011) ....................................................... 105 Ilustração 69 – Engadin, 1995, tamanho original: 186 x 291cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.75) .................................................................................................. 106 Ilustração 70 – Autosalon, Paris, 1993, tamanho original: 176 x 216cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.29) ..................................................................................... 106 Ilustração 71 – Fabrikhalle (Giebel), 1987, Bernd e Hilla Becher. (Gursky, 2007, p.51) ................................................................................................................................. 109 Ilustração 72 – The Claude & Duval Factory, Saint Dié, França (1946), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1951). (Sbriglio, 2011, p. 77-79).................. 110 Ilustração 73 – Gas Tanks, 1983-92, Bernd e Hilla Becher. (Becker, 2004, p.8)...... 111 Ilustração 74 – F1 Boxenstopp, 2007, tamanho original: 600 x 250cm, Andreas Gursky. (Gursky, 2007, p.60) .................................................................................... 112 Ilustração 75 – Winding Towers, 1966–97, Bernd e Hilla Becher. (Becker, 2004, p.10) ................................................................................................................................. 113 Ilustração 76 – Canal y Carretera, 21 de Fevereiro de 1983, David Hockney. (Hockneypictures, 2012) ........................................................................................... 114 Ilustração 77 – Hong Kong, Stock Exchange, 1994, tamanho original: díptico cada um com: 166 x 226cm, Andreas Gursky. (Syring, 1998, p.58) ........................................ 115 Ilustração 78 – Secretariat, Chandigarh, India (1952), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1955). (Sbriglio, 2011, p.176) ....................................... 118 Ilustração 79 – Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921. (Colomina, 1996, p.112) ............................................................................................................. 122 Ilustração 80 – Villa Schwob, fotografia original, 1920. (Colomina, 1996, p.113) ..... 122 Ilustração 81 - Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921. (Colomina, 1996, p.109) ............................................................................................................. 123 Ilustração 82 – Villa Schwob, detalhe da pérgola, fotografia original, 1920. (Colomina, 1996, p.110) ............................................................................................................. 124 Ilustração 83 – Esquema do processo criativo do trabalho de Thomas Demand. (Joana Cotter Salvado, 2012) ................................................................................... 125 Ilustração 84 – Drafting Room - Zeichensaal, 1996, tamanho original: 183.5 x 285cm, Thomas Deman. (Demand, 2006, p.74) .................................................................... 126 Ilustração 85 – Staircase (Treppenhaus), 1995, tamanho original: 150,0 x 118,0 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.53) .................................................................. 127 Ilustração 86 – Gas Tanks, 1992-1997, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.42) 128 Ilustração 87 – Biblioteca Nacional de França, Paris XIII, 1999, tamanho original: 85 x 85cm, Candida Hofer. (renabranstengallery, 2012) ................................................... 129 Ilustração 88 – Art Institute of Chicago 2, 1990, Thomas Struth. (Artner, 2012) ....... 130 Ilustração 89 – D.p.b. 08, 2000, tamanho original: 128 x 178 cm, Thomas Ruff. (Artner, 2012) ........................................................................................................... 130 Ilustração 90 – Blast Furnaces, 1970-1989, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.10) ................................................................................................................................. 131 Ilustração 91 – Notícia retirada da revista Der Stern da morte de Uwe Barschel na banheira do quarto do Hotel Beau-Rivage, em Genéva, 1987. (Demand, 2005, p.20) ................................................................................................................................. 132 Ilustração 92 – Bathroom (Badezimmer), 1997, tamanho original: 160 x 12cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.64) .................................................................. 132 Ilustração 93 – A morte de Marat, 1793, técnica de óleo sobre tela. Tamanho original: 128cm x 165cm, Jacques – Louis David. (Demand, 2005, p.14) ................. 133 Ilustração 94 – Robert Lembke com a sua assitente Irene Neubauer no programa televisivo “What´s my line?”, em 1978. (Demand, 2005, p.18) .................................. 134 Ilustração 95 – Studio, 1997, tamanho original: 183.5 x 349.5 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.70-71) .......................................................................................... 134 Ilustração 96 – Desenho para o projecto para o Novo Complexo Parlamentar da República da Albânia, em Tirana, 2006, EMBT. (Mirallestagliabue, 2012) ................ 141 Ilustração 97 – Fotocolagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá, Espanha, 1988-1984, EMBT. (Weston, 2004) ........................................................... 141 Ilustração 98 – Análise do território. Colagens fotográficas sobre uma planta do quarteirão de San Lorenzo – área a intervir. (Joana Cotter Salvado, 2010) .............. 142 Ilustração 99 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Edificado. (Joana Cotter Salvado, 2010) ............................................................................................... 146 Ilustração 100 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Traçado Viário. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 147 Ilustração 101 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Pré-existências e novo edificado. (Joana Cotter Salvado, 2010) .......................................................... 148 Ilustração 102 – Esquema viário actual do quarteirão de San Lorenzo, 2012. (Joana Cotter Salvado, 2012) ............................................................................................... 149 Ilustração 103 – Análise Morfológica do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010).......................................................................................................... 150 Ilustração 104 – Edifícios residenciais e sistema verde do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 151 Ilustração 105 – Tipologias do edificado do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010).......................................................................................................... 152 Ilustração 106 – Esquema morfológico das diferentes tipologias residenciais do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ....................................... 153 Ilustração 107 – Sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo e identificação de lacunas. (Joana Cotter Salvado, 2010) ..................................................................... 154 Ilustração 108 – Sistema de mobilidade do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010).......................................................................................................... 155 Ilustração 109 – Marcação de equipamentos urbanos e territoriais centrais do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ....................................... 156 Ilustração 110 – Actividades e equipamentos do quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) ............................................................................................... 158 Ilustração 111 – As áreas do quarteirão de San Lorenzo a requalificar. (Joana Cotter Salvado, 2010).......................................................................................................... 159 Ilustração 112 – Sistema director da proposta do sistema urbano. (Joana Cotter Salvado, 2010).......................................................................................................... 163 Ilustração 113 – Pontos de ligação entre a plataforma e o restante quarteirão de San Lorenzo. (Joana Cotter Salvado, 2010) .................................................................... 165 Ilustração 114 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta de Cobertura. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................... 170 Ilustração 115 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta cota +3.00m. (Joana Cotter Salvado, 2010) .................................... 171 Ilustração 116 – Fotocolagem. Proposta do sistema urbano com território existente. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 172 Ilustração 117 – Registo da proposta do sistema urbano com imagens de referência. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 173 Ilustração 118 – Área detalhada. Planta de Cobertura, cota +2.00m, secção transversal. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................ 174 Ilustração 119 – Proposta de edifício. Planta de Cobertura, Alçado AA´, Alçado CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 176 Ilustração 120 – Tipologia Residencial: edifícios em linha agregados em bloco. (Pazzaglini, 1989, p.160-161) ................................................................................... 177 Ilustração 121 – Tipologia Residencial: edifícios em bloco aberto. (Pazzaglini, 1989, p.150-151) ................................................................................................................ 177 Ilustração 122 – Proposta de edifício. Planta à cota +5.40m, Secção BB´, Secção DD´. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................... 178 Ilustração 123 – Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................................................................ 179 Ilustração 124 – Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................................................................ 180 Ilustração 125 – Proposta de edifício. Sistema distributivo funcional do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................ 181 Ilustração 126 – Proposta de edifício. Planta à cota +1.30m, Secção AA´, Secção CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010) ........................................................................... 183 Ilustração 127 – Proposta de edifício. Planta à cota +0.30m, Alçado BB´, Alçado DD. (Joana Cotter Salvado, 2010) ................................................................................... 183 SUMÁRIO 1.0. Introdução........................................................................................................ 1 2.0. A Génese do Processo de Representação da Arquitectura através da Fotografia ..................................................................................................................... 5 2.1 A Fotografia como Percepção do Espaço Arquitectónico .............................. 17 2.2 A Fotografia como Registo do Espaço Arquitectónico ................................... 39 3.0 Fragmento, Manipulação e Ficção na Narrativa da Fotografia Contemporânea .......................................................................................................... 61 3.1 Percepção e Fragmento: Enric Miralles ........................................................ 65 3.2 Registo e Manipulação: Andreas Gursky ...................................................... 95 3.3 Representação e Ficção: Thomas Demand ................................................ 117 4.0 Registo e Percepção: A Cidade como Campo de Acção do Projecto – trabalho académico .................................................................................................. 137 4.1 Percepção e Território: o Quarteirão de San Lorenzo ................................. 139 4.1.1 Análise Histórica ......................................................................................... 145 4.1.2 Análise Morfológica..................................................................................... 149 4.1.3 Análise Sociológica ..................................................................................... 157 4.2 Registo e Arquitectura: A Requalificação do Quarteirão de San Lorenzo ... 159 4.2.1 A Plataforma Urbana .................................................................................. 161 4.2.2 O Edifício Habitacional ................................................................................ 175 5.0 Considerações Finais ................................................................................. 185 Apêndices ................................................................................................................. 203 Lista de apêndices ................................................................................................. 203 Apêndice A ............................................................................................................ 204 Apêndice B ............................................................................................................ 208 Apêndice C ............................................................................................................ 212 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 1.0. INTRODUÇÃO A fotografia não é apenas uma imagem (o produto duma técnica e duma acção, o resultado dum fazer e dum saber fazer, uma figura de papel que se olha simplesmente na sua clausura de objecto acabado), é também, primeiramente, um verdadeiro acto icónico, uma imagem, se quisermos, mas em trabalho, algo que não é concebível fora das suas circunstâncias, fora do jogo que a anima, literalmente sem a sua prova. Algo portanto que é, ao mesmo tempo e consubstancialmente, uma imagem-acto, supondo que este “acto” não se limita, trivialmente, ao gesto único da produção propriamente dita da imagem (o gesto de a tirar), mas que inclui também o acto da sua recepção e da sua contemplação. (Dubois, 1992, p.11) A presente dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura tem como objectivo primeiro, uma reflexão acerca do papel da fotografia enquanto veículo de comunicação e compreensão na arquitectura contemporânea. A investigação estrutura-se fundamentalmente em dois tempos, desenvolvidos no primeiro e segundo capítulo. A fotografia enquanto registo e percepção do espaço arquitectónico, num período moderno, titula o primeiro tempo da presente investigação. Os princípios de utilização da fotografia na escola Bauhaus, enquanto novo instrumento de visão que amplia as possibilidades de representação óptica, proporcionam uma nova forma de expressão visual da arquitectura. A fotografia, introduzida por László Moholy-Nagy, era entendida enquanto instrumento teórico e plástico para repensar o espaço arquitectónico, criando um modo auxiliar na compreensão e reprodução da arquitectura. A fotografia torna-se numa das principais forças visuais, que possibilita novas experiências de registo do espaço arquitectónico. No segundo tempo, num período contemporâneo, são apresentados três casos de trabalho de artistas e fotógrafos que têm em comum, a utilização da fotografia enquanto meio de expressão de ideias e significados. A importância destes três casos em estudo - arquitecto Enric Miralles, e os fotógrafos/artistas Andreas Gursky e Thomas Demand - explicitam três ideias chave para a compreensão do papel contemporâneo da fotografia no contexto da arquitectura. A percepção, o registo e em última análise a representação da arquitectura por meio da fotografia são as três ideias chave que estruturam a relação entre arquitectura e fotografia. Percepção. Reflectindo acerca do carácter naturalmente fixo da imagem fotográfica, paralelamente ao intuito de a aproximar à experiência dinâmica do espaço arquitectónico, é introduzida a noção de colagem. Esta, aproxima a articulação entre Joana Cotter Salvado 1 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico espaço e tempo, tornando-se numa dicotomia que garante o entendimento do papel da fotografia enquanto expressão desta interacção. A fotografia, para além de fixar a duração captada apenas num único instante, isola e extrai espacialmente uma porção de realidade. Registo. Ao longo do séculoXX, com o reconhecimento de que a fotografia é um fragmento e portanto, um corte espacio-temporal, diversas experiências fotográficas foram desenvolvidas com o objectivo de ultrapassar essa noção de fragmento. A procura da sensação espacio-temporal, num plano bidimensional e consequente aproximação à visão natural do Homem é um mote para este conjunto de experiências fotográficas modernas enunciadas no primeiro capítulo da presente dissertação, que se ligam a experiências sensoriais, e ao próprio habitar do espaço arquitectónico. Representação. A fotografia contemporânea proporciona um novo modo de percepção da arquitectura resultado da utilização de técnicas fotográficas (manipulação digital) que permitem tornar a fotografia, num sistema de representação com autonomia. Esta ideia finaliza a presente investigação, que fundamenta a estratégia de comunicação da arquitectura pela imagem fotográfica. Em síntese, é a fusão destas três ideias chave que podemos considerar a realização do acto de perceber uma fotografia, em particular uma fotografia de arquitectura. A percepção influencia o modo como registamos fotograficamente, sendo um dos pontos de partida para o consequente modo de representação da arquitectura. Inserido no contexto da criação arquitectónica, exploramos o trabalho prático desenvolvido no último ano de Mestrado Integrado em Arquitectura, da Universidade Lusíada de Lisboa – Faculdade de Arquitectura e Artes, ano lectivo 2009/2010, na disciplina Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado em Roma na Universidade La Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni. A proposta de requalificação do quarteirão de San Lorenzo, em Roma, foi desenvolvida com base na análise do território, tanto histórica, morfológica, assim como sociológica. Este conjunto de análises propõem uma compreensão da evolução do lugar a projectar, permitindo identificar as lacunas do tecido urbano. A fotografia teve um papel determinante no desenvolvimento do trabalho, ao ser utilizada enquanto registo do quarteirão de San Lorenzo. A utilização do processo 2 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico de colagem enquanto técnica de articulação do tempo evolutivo, proporcionou um importante auxílio na compreensão do lugar, permitindo expressar o sistema urbano de um modo integral e global. Deste modo, e como consequência das técnicas e práticas dentro do atelier, os arquitectos vãose distanciando cada vez mais do mundo da experiência real. (Leach, 2005, p.26-27) Na contemporaneidade, a fotografia tem um papel preponderante tanto na produção como também na representação da arquitectura. A fotografia de arquitectura torna-se numa plataforma fundamental no processo de mediação deixando de ser um mero instrumento de registo, reprodução ou até de divulgação da arquitectura para se transformar num veículo priveligiado de “ver” a arquitectura. Partindo de um objectivo aparentemente específico – o de reproduzir e mostrar a obra arquitectónica – a fotografia contemporânea ganha autonomia em relação à obra construída, por representar os seus significados. Em última análise, a fotografia, através da produção de imagens ficcionadas, constrói um imaginário, que se constitui enquanto matriz de visualização da arquitectura. Joana Cotter Salvado 3 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2.0. A GÉNESE DO PROCESSO DE REPRESENTAÇÃO DA ARQUITECTURA ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA A sedução remove o significado do discurso e destitui-o da sua própria verdade, tentando encantar o espectador a um nível meramente visual e impedindo assim uma apreciação mais profunda. (Leach, 2005, p.127) Na contemporaneidade, a fotografia enquanto veículo de representação da arquitectura, possibilita uma nova percepção do espaço arquitectónico. A percepção da arquitectura pela imagem fotográfica proporciona também uma nova experiência do espaço arquitectónico transformando-o num mecanismo de comunicação e sedução. A fotografia como principal meio de representação do espaço arquitectónico, torna-se no mais potente veículo de comunicar a arquitectura. A fotografia não representa somente a arquitectura, mas também sugere a forma de a percepcionar ao expressar as ideias dos arquitectos, providenciando novas leituras. Toda a fotografia é uma ficção. Logo é muito pessoal, ou, pelo menos, devia ser. No meu trabalho a realidade é minha, apesar de fotografar o trabalho dos outros. (Guerra at al, 2008, p.27) Há portanto uma oposição entre realidade e ficção pois se por um lado a fotografia é uma representação visual, filtrada do real, a nossa relação com a imagem fotográfica é um suporte narrativo e ficcional com o intuito de comunicar um conjunto de ideias de base arquitectónica. As imagens fotográficas não podem ser compreendidas como reflectoras da realidade, pois dependem de diversos elementos que impõem visões expressivamente diferenciadas. Mais do que registar o mundo, os fotógrafos pretendem gerar interesse conforme as suas decisões óptico-visuais, alargando a noção do que é um olhar errado e do que é um olhar correcto. Uma interpretação serena das intenções do arquitecto e a busca paciente e sóbria das complexas relações existentes numa obra pode constituir uma forma positiva de educar olhares alheios. Não me parece negativo que se visite uma obra depois de ter “ingerido” a informação 1 mediática existente. Desta forma, é o conjunto de imagens fotográficas que permite a construção de uma memória da arquitectura, oferecendo um espaço interpretativo. Contudo, a 1 Luis Ferreira Alves em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Setembro de 2011. Luís Ferreira Alves nasceu em 1938, em Valadares. É fotógrafo profissional desde 1984. Colabora regularmente com revistas nacionais, internacionais e com arquitectos como Eduardo Souto de Moura de Moura e Álvaro Siza Vieira. Joana Cotter Salvado 5 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico fotografia desempenha um papel que destaca a autonomização da arquitectura, através de técnicas de omissão e adição, transformando-a num objecto cativante que potencia a manipulação da realidade. A sedução permite a adição de novos significados. Tal mecanismo de sedução só é possível com a manipulação digital da fotografia. A fotografia funciona assim, com um duplo sentido: 1. Registo da realidade 2. Contemplação dessa mesma realidade É comum o cliente relatar algumas falhas de execução e nesse aspecto a manipulação é uma 2 ferramenta de enorme valor ao serviço quer do fotógrafo quer do autor do projecto. Neste contexto, a fotografia, agora digital, torna-se numa construção plástica que transforma a arquitectura numa imagem ficcionada, proporcionando essa mesma nova experiência do espaço arquitectónico representado, garantida no plano de superfície da própria fotografia. Na contemporaneidade, a fotografia funciona entre o registo da realidade e a sua contemplação, enquanto instrumento considerado privilegiado de comunicação e divulgação da arquitectura contemporânea, veículo de sedução da imagem. Fotografar é isso. Enquadrar a vida, seleccionando o que interessa. Numa sessão de uma obra tenho uma longa lista de objectivos e cumpri-los, ao mesmo tempo que conseguimos imagens especiais que vão ficar, é único. Uma mistura rara entre a encomenda, o gesto artístico e o risco geométrico. Sou suspeito porque é o meu instrumento preferido. Mas acho que sou completamente objectivo quando digo que a fotografia é a forma essencial de comunicar arquitectura. Mais eficaz do que 3 um filme ou desenho. 2 João Morgado em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Maio de 2011. João Morgado nasceu em 1985, em Cascais. Entre 2003-2008 completa o mestrado integrado em Arquitectura pelo ISCTE – Lisboa. No ano anterior, em 2007, inicia a sua actividade na fotografia de arquitectura colaborando regularmente com diversos ateliers nacionais e internacionais. Entre 2005 e 2009 participa em diversos workshops de arquitectura em Itália, Suiça e Holanda e trabalhou com AAArchitects (Rotterdam) e Wiel Arets Architects (Maastricht). Em 2008 os seus trabalhos fotográficos foram premiados em diversos concursos fotográficos em Portugal. Entre 2008 e 2010 é orador em conferências sobre fotografia de arquitectura na Universidade Lusíada de Lisboa, FNAC Coimbra e Pecha Kucha, Lisboa. Em 2012 é representado pela principal agência internacional de fotografia de arquitectura – VIEW Picture, Londres. Em 2010 funda a empresa “João Morgado – Fotografia de Arquitectura”. 3 Fernando Guerra em entrevista ao autor da presente dissertação efectuada em Novembro de 2011. Fernando Guerra nasceu em 1970, em Lisboa. Licenciou-se em Arquitectura em 1993 pela Universidade Lusíada de Lisboa e entre 1994-1999 trabalhou como Arquitecto, em Macau. Entre 1999-2005 leccionou a cadeira de Projecto II no curso de Arquitectura da Arca-Euac (Escola Universitária de Coimbra). Em 1999 fundou juntamente com Sérgio Guerra o Estúdio FG+SG – Fotografia de Arquitectura, sendo este Estúdio responsável pela difusão da Arquitectura Contemporânea portuguesa nos últimos dez anos. O seu trabalho encontra-se representado em diversas colecções particulares e públicas. 6 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico O uso da fotografia como instrumento de divulgação da arquitectura inicia-se no período Moderno. O Movimento Moderno marca uma nova arquitectura que é expressa pela fotografia. É importante entendermos a arquitectura moderna mediante a sua estreita relação com os meios de comunicação, ao construir-se como imagem, nas páginas das revistas e em exposições, contribuindo a publicação para consolidar a ideia de Modernidade, muito apoiada numa realidade panfletária. Os arquitectos modernos utilizam a fotografia como um meio de divulgar e exibir a arquitectura, que muitas vezes ainda não foi, nem chega a ser edificada. Grande parte da arquitectura moderna foi divulgada em exposições e publicações de vanguarda através do espaço bidimensional da imagem fotográfica, cuidadosamente trabalhado pelos arquitectos. Los medios de comunicación estaban transformando la arquitectura en una imagen para distribuirla por todo el mundo. Hasta la llegada de la fotografia y de la revista ilustrada, nunca tantas personas habían llegado a conocer profundamente tantos edificios que no verían jamás. (Colomina, 2010, p.120) Também as exposições contribuíram, no séculoXX, para a formação da arquitectura moderna e a sua divulgação por todo o mundo. Organizada por Philip Johnson4 e Henry-Russell Hitchcock5, a exposição “International Style”6definiu e universalizou a arquitectura moderna, incluindo obras seminais de arquitectos como Le Corbusier, Walter Gropius, Mies van der Rohe7, Frank Lloyd Wright8. A exposição teve como princípio dominante o funcionalismo, que marcou a arquitectura moderna. As obras foram seleccionadas e distinguidas com base em três princípios estéticos: o volume enfatizado pelo espaço fechado por planos ou superfícies finas, em oposição à sugestão de massa e solidez; a regularidade e simetria do desenho da própria arquitectura ao contrário de qualquer desequilíbrio, e a utilização de materiais e 4 Philip Cortelyou Johnson (1906-2005). Arquitecto influente americano. Em 1930 fundou o Departamento de Arquitectura e Design no Museu de Arte Moderna, em Nova York. Em 1978, como administrador, foi premiado com medalha de ouro pelo Instituto Americano de Arquitectos. Em 1979 ganhou o primeiro prémio Pritzker de Arquitectura. (Wikipédia, 2012) 5 Henry-Russell Hitchcock (1903-1987). Historiador de Arquitectura. Em 1930, colaborou com Philip Corleyou Johnson na exposição International Style, em 1932. (Wikipédia, 2012) 6 International Style (Estilo Internacional) foi uma exposição Internacional de Arquitectura Moderna realizada no Museu de Arte Moderna, em Nova York, em 1932. (Wikipédia, 2012) 7 Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969). Arquitecto influente alemão. Considerado uma das figuras chave da Arquitectura Moderna. (Wikipédia, 2012) 8 Frank Lloyd Wright (1867-1959). Arquitecto americano, designer de interiores, escritor e professor. É uma das figuras chave do Modernismo americano. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 7 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico perfeição técnica da construção mantendo proporções, em oposição à aplicação de qualquer ornamento. (Riley, 1992, p.27). El edificio vivía en las fotografias. (Colomina, 2010, p.116) Tal como referimos anteriormente, a arquitectura foi projectada sem qualquer ornamento que a permitiu definir de uma forma regular e pura. Mas, apesar da própria arquitectura apresentar uma nova linguagem e uma nova expressão, é nesta exposição que é evidenciado o papel e o impacto da fotografia na representação das obras. Tal como podemos verificar na imagem, as fotografias das obras seleccionadas, ocupavam um espaço privilegiado de cada divisão da exposição. From the outset the curators consistently refer to Exhibition 15 as an exhibition of models, despite the fact that by the time it was installed it would have been more accurate to call it a photographic exhibition. (Riley, 1992, p.79) Ilustração 1 – International Style, Arquitectura Moderna, Museu de Arte Moderna, Instalação da exposição de Le Corbusier, 1932. (Riley, 1992, p.6) A maior parte das fotografias expostas eram produzidas com ângulos escolhidos à priori, de forma a enfatizar determinados princípios associados ao conceito de arquitectura moderna, onde a própria obra era isolada do seu contexto, dando relevância ao volume arquitectónico. As fotografias manipulavam o protagonismo do objecto arquitectónico. 8 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico É importante portanto perceber assim a arquitectura moderna enquanto sistema de representação. Esta questão leva-nos mais uma vez a referir um novo modo de ver o espaço arquitectónico através da imagem fotográfica não só como meio de comunicação mas porque as próprias obras se tornam num mecanismo de representação com autonomia própria. São representações que descontextualizam a arquitectura, construindo uma nova forma de habitar o espaço arquitectónico que define o modo de ver a arquitectura moderna. The building is, after all, a “construction”, in all senses of the world. And when we speak about representation we speak about a subject and an object. (Colomina, 1996, p.14) Com a emergência dos sistemas de comunicação que acabaram por definir a cultura do séculoXX, tanto pelas exposições temporais como pela utilização da imagem fotográfica que era inserida nas páginas de publicações de vanguarda tais como “The Journal of the American Institute of Architects”9, “L´Architecture Vivante”10, entre outras, a fotografia torna-se no verdadeiro espaço onde a arquitectura moderna é produzida. Las páginas de estas publicaciones difundían la arquitectura de un extremo a otro del mundo. El impacto de estas imágenes ha sido tan transformador que, aun hallándose en presencia del edificio real, los visitantes lo ven inevitablemente a través de la lente de las imágenes que ya conocen, tratando de cotejarlo com esas imágenes, intentando reproducir fotografías canónicas e sus instantáneas. (Colomina, 2010, p.120) Se pensarmos no pavilhão alemão de Luwing Mies van der Rohe, construído em Barcelona para a Exposição Internacional de 1929, questionamos a razão fundamental de se ter convertido num dos edifícios mais importantes daquela época. Ao ser demolido em 1930, era conhecido graças às imagens publicadas em revistas de arquitectura que o reconheciam como ícon da arquitectura do séculoXX. Esta obra de Luwing Mies van der Rohe “existiu” durante um certo período de tempo, tornandose pelas suas representações fotográficas numa criação mediática. O que se conhecia do edifício antes da sua reconstrução em 1986 eram as suas fotografias, alcançando todo o seu reconhecimento na forma de imagens. (Colomina, 2010, p.116-118) 9 “The Journal of the American Institute of Architects”, originalmente intitulado desde 1944. Em 1951, a revista de arquitectura altera o seu nome para “The American Institute of Architects Journal”. Em 2006, a revista altera mais uma vez o seu nome para “Architect”. (Wikipédia, 2012) 10 L´Architecture Vivante foi uma revista francesa de arquitectura vanguardista, publicada entre 19231932. Editada por Jean Badovici (1893-1956), arquitecto romeno e crítico de arquitectura. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 9 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 2 – Pavilhão alemão, Barcelona, Luwing Mies van der Rohe, Exposição Internacional de 1929. (Johnson at al, 1995, p.187) The International Style necessarily dies in the very moment it is canonized. The International Style was over in 1932 because it never existed outside of its representations: the exhibition and accompanying publications. It both came into being and ended with its comsumption in a sea of publicity. (Colomina, 1996, p.202) But what could possibly be meant by transforming architecture into an object? Surely it has to have something to do with the change in sensibility that has induced the masses to desire the proximity of things, to take possession of them (…) To present architecture as an object, to assimilate the object within its image, is to make it accessible. (Colomina, 1996, p.69-70) Para Beatriz Colomina11, a fotografia é uma representação mais permanente que a própria arquitectura. As fotografias garantem um lugar para a arquitectura na história e portanto um espaço histórico projectado não só por críticos e historiadores mas também pelos próprios arquitectos. (Colomina, 1996, p.15) This presupposes a transformation of the site of architectural production – no longer exclusively located on the construction site, but no more displaced into the rather immaterial sites of architectural publications, exhibitions, journals. (Colomina, 1996, p.14-15) 11 Beatriz Colomina é uma arquitecta, historiadora de renome Internacional de Arquitectura. Em 1988 funda o programa em media e Modernidade na Universidade de Princeton, um programa de pósgraduação que promove o estudo interdisciplinar entre cultura e tecnologia, arquitectura e os meios de comunicação. 10 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico This difference turns on the status of representation, specifically the transformation of publicity. Le Corbusier is perhaps the first architect to fully engage the modern condition of the media (to put it bluntly), he published about fifty books and built some fifty or so buildings) In these terms, traditional modes of interpretation exclusively founded on the aesthetic object are insufficient. (Colomina, 1996, p.220) No contexto da publicação, será interessante referir a revista L´Esprit Nouveau12 onde Le Corbusier13 expõe a base teórica da sua concepção de arquitectura e urbanismo por meio de artigos, reproduções fotográficas e anúncios publicitários. As representações fotográficas da sua arquitectura, conjugadas com objectos industriais como turbinas, ventiladores, centrifugadores, aviões, hidroaviões e automóveis Voisin14, Peugeot15 e Citroen16, constituem uma estratégia de comunicação da sua arquitectura. Assim, retira imagens de objectos industriais que pertencem a catálogos e brochuras de publicidade, inserindo-os no contexto da publicação de sua arquitectura. In contrast to the amount of attention that has been focused on Le Corbusier´s architecture in relation to the culture of the “machine age”, very little has been paid to its relation to the new means of communication, the relation of architecture to the culture of the consumer age. Ironically, the very idea of the “machine age”, which served the period as a symbolic concept, was largely induced by the advertising industry. Architecture´s relationship to the mechanisms of that industry needs be analysed in order to establish architecture´s role in that period. (Colomina, 1996, p.156) 12 L´Esprit Nouveau (“O Espírito Novo”, em português) foi uma revista francesa editada por Le Corbusier e Amédée Ozefant (1886-1966) que tinha como objectivo a renovação da e da arquitectura. (Wikipédia, 2012) 13 Charles-Édouard Jeanneret-Gris (6 de Outubro de 1887 em Chaux-de-Fonds, França – 27 de Agosto de 1965), mais conhecido pelo pseudónimo Le Corbusier. Foi considerado dos mais importantes arquitectos do séculoXX. Em Chaux-de-Fonds estudou arte aplicada. Em 1918, em Paris funda o movimento purista com o pintor cubista francês Amédée Ozefant (1886 – 1966). Em 1920, também com Amédée Ozefant edita a revista francesa “L´Esprit Nouveau” (“O Espírito Novo”, em português), com o objectivo de renovar a arte e a arquitectura, onde expõem a base teórica da sua concepção de arquitectura e urbanismo através de artigos, reproduções fotográficas e anúncios publicitários. Em 1928 integra os Congressos Internacionais de Arte Moderna, 1928-1956 (CIAM), responsáveis pela definição do International Style (Estilo Internacional). (Le Corbusier, 2003, p.1) 14 Automóveis Voisin eram veículos de luxo exclusivos, com um estilo de vanguarda e equipados com a mais avançada tecnologia. Entre 1927 e 1929, a Voisin registou diversos recordes de velocidade. (Wikipédia, 2012) 14 Peugeot é uma marca francesa, produtora de carros, pertencente ao Grupo PSA Peugeot Citroen – indústria automotiva francesa que produz automóveis e motocicletas sob as marcas Peugeot e Citroen. (Wikipédia, 2012) 14 Citroen é uma fabricante de automóveis francesa, fundada em 1919 por André Citroen e hoje em dia faz parte da PSA Peugeot Citroen - indústria automotiva francesa que produz automóveis e motocicletas sob as marcas Peugeot e Citroen. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 11 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A interacção destas imagens com a arquitectura foi uma forma de enfatizar a condição do arquitecto, inserido numa sociedade industrial.Le Corbusier expressava assim, a revolução industrial que potenciava a produção em série. A presença deste tipo de objectos nas páginas de publicações, sugeriam um deslocamento na convencional interpretação da arquitectura: desde uma mudança interna das próprias páginas até um diálogo com uma emergente nova realidade, nomeadamente a cultura da publicidade e dos meios de comunicação. Le Corbusier, introduzia imagens de produtos industriais nas suas publicações de uma forma deliberada para que o leitor estabelecesse relações à priori entre a arquitectura publicada e a sociedade industrial. Ilustração 3 – Turbina eléctrica da companhia Brown Boveri, Fotografia inserida nos arquivos da revista L´Esprit Nouveau. (Colomina, 1996, p.149) 12 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Desta forma, o conceito de sociedade industrial sustentou a ideia de Movimento Moderno onde o arquitecto era um intérprete da nova realidade industrial. Quando Le Corbusier seleccionou imagens de catálogos de aviões Farman17, Voisin18, Bleriot19, entre outros para o seu artigo “Des yeux qui ne voient pass” na revista L´Esprit Nouveau (mais tarde reimpresso como um capítulo de a revista “Vers une architecture20”), é importante percebermos que o arquitecto não escrevia sobre aviões mas sim de habitação produzida em série. Revelou desta forma, o sua atenção pela inserção da arquitectura nas condições de produção. O interesse por estas condições era necessariamente a relevância dos mecanismos que sustentavam a produção como a publicidade e os meios de comunicação, incluindo assim a fotografia como um meio de representar o espaço arquitectónico. Le Corbusier utilizou a fotografia com o intuito não só de chamar a atenção dos leitores mas ainda como maneira de expressar o conceito de arquitectura, ligado à produção industrial. (Colomina, 1996, p.159-160) Le Corbusier identified in the very existence of the printed media an important conceptual shift regarding the function of culture and the perception of the exterior world by the modern individual. (Colomina, 1996, p.160) Uma das consequências mais expressivas da influência da exposição “International Style” no contexto dos Estados Unidos da América é o programa “Case Study Houses”. Este programa foi promovido entre 1945 até 1966 pela revista californiana “Arts and Architecture”21 e teve como objectivo a apresentação de 36 projectos (alguns deles foram divulgados através de fotografias, em publicações, outros construídos) nitidamente influenciados pelo Movimento Moderno e com o objectivo de apresentar a arquitectura moderna como resposta à evolução técnica e económica no pós-guerra nos Estados Unidos. As habitações foram construídas com o 17 Farman Aviação foi uma empresa de aviação fundada e dirigida pelos irmãos Richard, Henri e Maurice Farman. Projectaram e construíram aeronaves e motores entre 1908 e 1936. (Wikipédia, 2012) 18 Voisin (nome original: Société Anonyme des Aéroplanes G.Voisin) foi uma empresa francesa, fabricante de aeronaves criada em 1906 por Gabriel Voisin e seu irmão Charles. (Wikkipédia, 2012) 19 Blériot foi o avião pilotado por Louis Blériot a 25 de Julho de 1909, para fazer o primeiro voo sob o canal inglês (braço do oceano Atlântico que separa o Sul de Inglaterra e o Norte de França, com cerca de 350 milhas, o equivalente a 560 kilómetros. (Wikipédia, 2012) 20 Vers une architecture é uma colecção de ensaios escritos por Le Corbusier, que defende e explora o conceito de arquitectura moderna. (Wikipédia, 2012) 21 Arts and Architecture (1929-1967) foi uma revista americana de design e arquitectura que desempenhou um papel significativo para a história cultural, no desenvolvimento do modernismo americano. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 13 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico objectivo claro de serem publicadas, fundamentando o facto de a fotografia assumir um papel preponderante na divulgação da arquitectura. (Smith, 2009, p.9) Ilustração 4 – Página dupla da revista L´Art décoratif d´aujourd´hui, 1925. (Colomina, 1996, p.121) After all, the fact that the International Style was not simply a representation of an already existing architecture but a production parallels Le Corbusier´s own role as producer rather than interpreter of the existing industrial reality. (Colomina, 1996, p.212) Uma das casas anteriormente referidas (Case Study House #22) foi projectada por Pierre Koenig22. Este projecto adquiriu uma forma icónica no Modernismo da Costa Oeste através das fotografias de Julius Shulman23, um dos mais conceituados fotógrafos da arquitectura moderna. Consideradas como imagens chave da casa, Julius Shulman não utiliza somente adereços pessoais mas também pessoas, organizando-as com o objectivo de sugerir e seduzir o observador de um estilo de vida confortável da casa moderna. As fotografias de Julius Shulman exibem a arquitectura 22 Pierre Koenig (1925-2004) foi um arquitecto Americano, nascido em São Francisco. Licenciado pela Universidade do Sul da Califórnia em 1952, trabalhou com Rafael Soriano (1904-1988), entre outros arquitectos. (Wikipédia, 2012) 23 Julius Shulman (1910-2009) foi fotógrafo de arquitectura Americano. O seu trabalho fotográfico marcou o início de uma nova apreensão do movimento moderno na década de 1990 nos Estados Unidos da América. (Wikipédia, 2012) 14 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico e o seu “lifestyle”, onde os pontos de interesse a revelar eram as actividades e as pessoas que a casa moderna poderia proporcionar. (Smith, 2009, p.316). Julius Shulman, através de duas fotografias (Ilustração 5, Ilustração 6), constrói duas formas de representar a arquitectura. Se por um lado foca somente a arquitectura, no seu contexto construído, por outro enquadra pessoas num ambiente convidativo, como forma de seduzir essa mesma arquitectura. The function of photography is not to reflect, in a mirror image, architecture as it happens to be built. Construction is a significant moment in the process, but by no means its end product. Photography and layout construct another architecture in the space of the page. (Colomina,1996, p.114-118) Would you like to a have a Martini here? Shulman likes to ask when he explains his photographs to viewers. (Serraino, 2005, p.130) Ilustração 5 – Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “No Girls: the architectural editor´s preference was for naked construction”. (Serraino, 2005, p.128) Ilustração 6 - Case Study House #22 do arquitecto Pierre Koenig, fotografia de Julius Shulman. “Two Girls: the photographer´s interpretation of both architectural and lifestyle”. (Serraino, 2005, p.130) Thirteen years separate the two images, yet that same chair was positioned in the frame to send the viewer a message of modern living. Shulman placed the chair out on the patio next to the plant to suggest the inhabitability of the outside area as well as the interior – characteristic of the modern house. (Serraino, 2005, p.130) Nesta perspectiva, o Movimento Moderno utilizou a fotografia enquanto forma de representação e divulgação da arquitectura, tornando-a num novo meio de percepção de registo da arquitectura. Joana Cotter Salvado 15 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A introdução da disciplina da fotografia por Lázlo Moholy-Nagy na escola Bauhaus, tema desenvolvido no primeiro subcapítulo da presente dissertação, e a definição da fotografia também por Lázlo Moholy-Nagy como um novo instrumento de visão, utilizado para pensar e repensar a arquitectura, veio proporcionar novas possibilidades de comunicação do espaço arquitectónico. 16 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2.1 A FOTOGRAFIA COMO PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITECTÓNICO O aparecimento da fotografia24, mais especificamente da fotografia de arquitectura, altera o modo como o espaço arquitectónico é percepcionado. What is far more important than this structural economy and its functional emphasis is the intellectual achievement which has made possible a new spacial vision. (Gropius, 1965, p.24) Num contexto de representação da arquitectura através da fotografia, o movimento do corpo no espaço deixa de ser predominante e cada fotografia engloba o espaço arquitectónico num olhar estático, afastando-se de um conjunto de sucessões de pontos de vista que o observador percepciona ao movimentar-se. (Zevi, 2009, p.50). Apesar de grande parte das experiências fotográficas do final do séculoXIX e do início do séculoXX procurarem introduzir a noção de movimento, na verdade, centram-se na fuga à visão focada e fixa da fotografia. Segundo Juhani Pallasmaa25, a visão periférica, que nos modela na experiência do espaço, é eliminada através das fotografias de arquitectura. Considerando que a visão focada nos converte em meros espectadores do espaço, a visão periférica integra-nos, possibilitando experiências espaciais e corporais. (Pallasma, 2006, p.10). O interesse que o autor revela pela visão periférica e pelo corpo enquanto lugar da percepção na vivência do mundo, permite-nos sentir o 24 A fotografia aparece como um processo com antecedentes tanto ópticos como físicos e químicos. (Flusser, 1998, p.15). Joseph – Nicéphore Niépce (1765 – 1833) foi considerado o pai da fotografia. Em 1913, dedicou-se à litografia (técnica de gravura que se baseia em desenhos com tinta gordurosa sob pedra calcária, fixando-se o desenho com ácido diluído) e em 1816 abandona esta técnica, começando a utilizar a câmara escura (aparelho óptico, que contém um olho artificial em cada face), nesse mesmo ano. Em 1829, Joseph – Nicéphore Niépce e Louis – Jacques Mandé Daguerre (1787 – 1851), pintor, cenógrafo e físico inventor da primeira patente para o processo fotográfico (daguerreótipo) formam uma associação (Associação Niepce-Daguerre). Louis – Jacques Mandé Daguerre foi reconhecido pelo aperfeiçoamento da câmara escura para além do processo do daguerreótipo (processo de reprodução da realidade). Este processo propaga-se, posteriormente à sua morte, associando-se ao nome de Nicéphore Niépce. A propagação deste processo abre o caminho para o aparecimento da fotografia. (Sougez, 1996, p.27-56) 25 Juhani Uolevi Pallasma nasceu em 1936 em Hameenlinna, na Finlândia. Arquitecto finlandês, exprofessor de arquitectura da Universidade de Tecnologia de Helsinki e ex-director do Museu de arquitectura da Finlândia (1978-1983). Actual professor na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (também reconhecida como UIUC) situada no Estado de Illinois nas cidades de Urbana e Champaign. Escritor de artigos sobre filosofia cultural, psicologia ambiental e teoria de arquitectura e membro da Associação Finlandesa de Arquitectos assim como membro do Instituto Americano de Arquitectos. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 17 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico espaço na sua plenitude. Assim, todas as experiências sensoriais são modos de tocar e são entendidas como prolongamentos do sentido do tacto. (Pallasma, 2006, p.10) Ilustração 7 – “ O Metropolitano Solitário” (1932). Herbert Bayer. “La vista e el tacto se funden en la verdadera experiencia vivida” (Pallasma, 2006, p.27) Mas, se, como já esclarecemos, o carácter primordial da arquitectura é o espaço interior, e se o seu valor deriva do viver sucessivamente todas as suas etapas espaciais, é evidente que nem uma nem cem fotografias poderão esgotar a representação de um edifício, e isso pelas mesmas razões pelas quais nem uma nem cem perspectivas desenhadas poderiam fazê-lo. Cada fotografia engloba o edifício de um único ponto de vista, estaticamente, de uma maneira que exclui esse processo, que poderíamos chamar musical, de contínuas sucessões de pontos de vista que o observador vive no seu movimento dentro e ao redor do edifício. Cada fotografia é uma frase separada de um poema sinfónico ou de um discurso poético, cujo valor essencial é o valor sintético do conjunto. (Zevi, 2009, p.50) She understands that it is possible to see architecture in its full complexity at once. Architecture is made up of details, fragments, fabrications. And the very idea behind it can be captured in a fragment, in a detail. (Hedjuk, 1980, Part III) Architecture can be observed both from a distance and internally (close-up); we can become internally ingested by it, become part of its interior. Instead of just being an outside observer or an outside spectator, we can become part of its very interior organism. (Hedjuk, 1980, Part II) La mirada defensiva y desenfocada de nuestro tiempo, sobrecargada sensorialmente, puede finalmente abrir nuevos campos de visión y pensamiento liberados del deseo implícito de control y poder del ojo. La pérdida de foco puede liberar al ojo del domínio patriarcal histórico. (Pallasma, 2006, p.13) 18 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Tais ideias aproximam-se aos princípios da utilização da fotografia na Bauhaus26, introduzidos por László Moholy-Nagy27. Aqui a fotografia é entendida como o novo instrumento da visão que estende as possibilidades de representação óptica convertendo-se numa nova forma de expressão visual objectiva. (Moholy-Nagy, 2005, p.186-188). Através da fotografia adquirimos novas experiências do espaço, alcançando uma ampliação e sublimação do nosso sentido espacial. (Moholy-Nagy, 2005, p.190). Sendo um significativo auxílio na aprendizagem dos estudantes da Bauhaus, as suas possibilidades de compreensão e reprodução do espaço arquitectónico são conjugadas pelo profundo conhecimento das leis da óptica. (Wingler, 1969, p.596). Mas, de que modo a nossa ideia de arquitectura moderna é contaminada pela fotografia? Em 1925, László Moholy-Nagy viaja até Paris. Ao deambular por esta cidade selecciona, para fotografar, dois ícones arquitectónicos: a Catedral de Notre Dame e a Torre Eiffel. O objectivo é intensificar as sensações ópticas e oferecer novas formas de experienciar a arquitectura, através da fotografia. Pelo facto destes dois monumentos serem tão familiares, László Moholy-Nagy teve necessidade de conceber uma nova forma de visualização destas duas obras arquitectónicas. Afastando-se do lugarcomum que é a representação tradicional destas obras em fotografia (vista em alçado, a vista distante), explora novos pontos de vista do objecto arquitectónico, proporcionando uma nova forma de apreensão desse mesmo objecto. (Hight, 1995, p.107). 26 Staatliches – Bauhaus (1919-1933) - literalmente, casa estatal da construção ou “casa construída”, conhecida somente por Bauhaus. Foi uma escola de design, artes plásticas e arquitectura de vanguarda, situada na Alemanha que contribui fortemente para o ensino e expressão de design e arquitectura do Modernismo. Bauhaus é dividida em três períodos entre 1919-1933. Em Abril de 1919-1925 é dirigida por Walter Gropius na cidade de Weimar, entre 1925-1928 é dirigida por Hannes Meyer na cidade de Dessau e entre 1928-1933 é dirigida por Mies Van der Rohe na cidade de Berlim. (Wingler, 1969, p.1-11) 27 Lázló Moholy-Nagy (20 de Julho 1895, Bácsborsód, Hungria – 24 de Novembro 1946, Chicago, Estados Unidos). Pintor, designer e fotógrafo. Em 1922 começou a fazer fotografias sem câmara (fotogramas) com a colaboração de Lucia Moholy (1894 – 1989). Em Abril de 1923, foi convidado por Walter Gropius para leccionar na escola Bauhaus na cidade de Weimar, na Alemanha. Em 1924 começou a trabalhar com fotomontagens e em 1927 tornou-se editor de fotografia da revista de arte “i10 International Revue” publicada em Amesterdão. Em 1934 começou a trabalhar com a fotografia a cores. Em 1939 László Moholy-Nagy com alguns membros da escola Bauhaus inauguraram a escola de design em Chicago (renomeado o Instituto de Design em 1944 e incorporado ao Instituto de Tecnologia de Lllinois, em 1949). Em 1941 tornou-se membro de “American Abstract Artists” (AAA). (Moholy-Nagy, 1995, p.123-127) Joana Cotter Salvado 19 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Nas fotografias tanto da Catedral de Notre Dame (Ilustração 8) como da Torre Eiffel (Ilustração 9), László Moholy-Nagy experiencía fotograficamente quer o seu complexo pensamento visual como a sua interpretação destas duas obras arquitectónicas. From the beginning he concentrated primarily on fragmented views of the built environment: buildings, bridges, pavement, towers. These are the same motifs that appeared in the collagelike paintings from his first years in Berlin. Though these views Moholy analysed structural and spacial characteristics of modern architecture and engineering. (Hight, 1995, p.110) Na fotografia de Notre Dame (Ilustração 8), os eixos dos pilares compostos numa das torres da Catedral formam massas leves que enquadram o plano da fotografia e contrastam com o fundo negro, expressando um movimento diagonal entre o canto superior direito e inferior esquerdo da imagem. A posição da câmara que László Moholy-Nagy elege, faz com que os pilares transmitam a sensação que são maiores à medida que atingem altura. Este posicionamento da câmara, tornando portanto a obra mais vertical, afirma de certo modo a verticalidade ascendente da arquitectura gótica. (Hight, 1995, p.107,110). No caso da fotografia da Torre Eiffel (Ilustração 9), a obra é representada através da estrutura da base. O ângulo de visão que elege nesta obra e portanto a inclinação da câmara, exprime uma sensação de verticalidade, característica desta obra arquitectónica. Ao suprimir qualquer impressão de altura, opta por acentuar o carácter linear do cruzamento da construção da própria estrutura. (Hight, 1995, p.110). Não esqueçamos que László Moholy-Nagy é uma personagem chave da Bauhaus. A Bauhaus acompanha a contextualização da Alemanha que surge da fusão da Escola das Artes ou Escola Grão-Ducal de Artes Aplicadas e da Academia Artística ou Escola de Grão-Ducal de Belas-Artes, no ano de 1919. A integração destas duas escolas dá origem a esta nova instituição que Walter Gropius28 dirige na República de Weimar, num período revolucionário do pós-guerra. 28 Walter Gropius (18 de Maio 1883 – 5 de Julho 1969). Arquitecto alemão. Iniciou a sua carreira na Alemanha tendo, tendo desenvolvido a maior parte do seu trabalho nos Estados Unidos. Antes de fundar a escola Bauhaus, foi membro de Deutcher Werkbund (1907-1938). Em Março de 1919 foi nomeado director da escola Bauhaus, em Weimar. Walter Gropius levou consigo pintores como Lyonel Feininger (1871 – 1956) e Johannes Itten (1888 – 1967), que no ano de 1920, juntaram-se nomes como Paul Klee (1879 – 1940) e Georg Muche (1895 – 1986). Em 1928, Walter Gropius abandona a escola Bauhaus. (Wikipédia, 2012) 20 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ahora bien, si dicha separación resulta caduca, ello se debe a que la modernidad hace necesario un cambio de las evaluaciones morales y de los esquemas perceptivos arcaicos y desgastados. Para Moholy-Nagy, la fotografía debe, más que cualquier otro medio, reajustar la mirada sobre el objecto, la gran ciudad y el espacio. Com la fotografía se consuma el duelo del aura: se acabó com la nostalgia y el lamento. Pintura, fotografía, cine evoca de forma significativa la “higiene de la óptica” y la “salubridad de la visíon”; y La visión dinámica insistirá en la “transformación psicológica de nuestra mirada”. (Moholy-Nagy, 2005, p.42) Ilustração 8 - Notre Dame, Paris, (1925). Tamanho original: 23x16,9cm. László Moholy-Nagy (Hight, 1995, p.108) Joana Cotter Salvado 21 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Tras esbozar con gruesos trazos la historia del concepto de espacio y la de sus aplicaciones culturales y prácticas (hábitat, juego, danza, combate, manifestaciones de la vida colectiva) en el Antiguo Egipto y en Grecia, Moholy-Nagy puede definir la fotografía como instrumento teórico y plástico para pensar y representar el espacio. Es sintomática, en relación com esto, la mutación de la mirada que induce una imagen tomada desde un dirigible o desde un avión; pero aún más significativa resulta la imbricación que implica entre espacio, tiempo y movimento, algo que será esencial en lo sucessivo. (Moholy-Nagy, 2005, p.43) Ilustração 9 - Torre Eiffel, Paris, (1925). Tamanho original: 22,7x16,9cm. László Moholy-Nagy (Hight, 1995, p.109) 22 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Gropius´s understanding of architecture as a “total work of art” represented instead a “distant goal” (as we read in the program), one that would have to be worked toward collectively. (Bauhaus – Archiv Berlin, 2009, p.15) Walter Gropius, arquitecto alemão, foi o primeiro director e fundador da Bauhaus a propor um projecto pedagógico inovador baseado num sistema duplo de ensino: a junção do artista e do artesão, permitindo aos alunos desenvolver a sua criatividade ao trabalharem em oficinas sob a direcção de mestres artesãos e conciliando a aprendizagem teórica com os mestres da forma. Em 1923, Walter Gropius convida László Moholy-Nagy para a direcção do curso preliminar da escola Bauhaus, introduzindo a disciplina da fotografia. E porque é que tal contaminação acontece na Bauhaus? Conversely, Moholy-Nagy was acclaimed as a cultural innovator in Germany at the end of the 1920´s, but his photographs were incorporated within a discourse grounded in formalism rather than the use of photography as an expansion of human vision as he intended. (Margolin, 1977, p.125) László Moholy-Nagy vai mais além da definição da fotografia enquanto instrumento de reprodução considerando-a como o novo instrumento da visão, capaz de abrir caminho para um novo mundo óptico: os elementos específicos da fotografia isolam-se das complicações que trazem consigo, não só de forma teórica, mas também de forma tangível, nas suas manifestações reais. (Moholy-Nagy, 2005, p.186). A fotografia moderna torna-se numa das principais forças visuais, acompanhando os descobrimentos progressivos da ciência, da tecnologia e principalmente da óptica e da química com novas experiências de registo do espaço. (Moholy-Nagy, 2005, p.225). László Moholy-Nagy define ainda a fotografia como um instrumento teórico e plástico para pensar e repensar o espaço. A fotografia não é apenas um sistema de representação bidimensional mas enquanto instrumento que permite estagnar o movimento, reflecte sobre o modo como o observador age no contexto do espaço envolvente. É baseado nestas ideias que László Moholy-Nagy se interessa pela experimentação fotográfica procurando a articulação do espaço e do tempo com a finalidade de expressar tal interação. Como Juhani Pallasmaa afirma, a arquitectura é o instrumento principal da nossa relação com o tempo e com o espaço, bem como a nossa forma de dar uma Joana Cotter Salvado 23 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico medida humana a essas dimensões. A arquitectura ocupa-se fundamentalmente de questões da existência humana no espaço e no tempo, possibilitando a nossa integração no mundo. (Pallasma, 2006, p.16). László Moholy-Nagy pretende afastar-se da fotografia estática, tentando aproximar-se à visão natural do Homem. (Moholy-Nagy, 2005, p.43). Mas como podemos estruturar estas experiências através da fotografia? László Moholy-Nagy recorre ao fotograma de modo a introduzir uma forma completamente nova de articulação do espaço. São fotografias obtidas sem o auxílio do aparelho fotográfico, que utilizam como meio de expressão a luz, registando durante um certo período de tempo as acções luminosas e o movimento da luz no espaço. Os fotogramas, ou fotografias sem câmaras geram espaço perceptível, unicamente mediante a articulação sob o plano de um jogo de tonalidades pela potência radiante dos seus contrastes e as suas gradações. (Moholy-Nagy, 2005, p.211). A fotografia estabelece, assim, uma ordem compositiva, sendo um ponto de partida para o registo fotográfico, que será desenvolvido no próximo subcapítulo da presente dissertação. Mas, o significado da articulação do espaço-tempo através da fotografia é expressa pela utilização de sobreposições que intensificam a multiplicidade de olhares, característica da percepção natural. László Moholy-Nagy explora a técnica do fotograma potenciando essa procura da dualidade entre espaço, tempo e movimento da luz. Desta forma, László Moholy-Nagy experienciava a intensidade da luz, assim como os resultados expressivos que influenciavam o próprio objecto. A fotomontagem ou fotoplástica (Ilustração 11) é um outro tipo de registo fotográfico que László Moholy-Nagy explora. Neste caso, é realizado com o auxílio da câmara fotográfica capaz de estimular e aproximar-se à percepção natural. Constituída por elementos espácio-temporais que, ao fundirem-se, formam uma unidade, possibilitando deste modo, uma nova compreensão da arquitectura. (Moholy-Nagy, 2005, p.214). Esta técnica também é um modo de registo que será desenvolvido no próximo subcapítulo da presente dissertação. En este sentido, Moholy-Nagy comparte com numerosos fotógrafos de los años veinte la idea de que la cámara fotográfica funciona como una prótesis del ojo biológico, un órgano suplementário. (Moholy-Nagy, 2005, p.37) 24 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 10 – Untitle. Tamanho original: 20,2x25,3cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.77) Como se pode ver na Ilustração 11, com este registo, a fotografia tem a capacidade de reproduzir diversas variantes de um fragmento da imagem. László Moholy-Nagy experimenta o potencial dinâmico do fragmento que configura a imagem total, com o intuito de produzir cinco versões de Marcel Breuer29, enquadrado em parte por um círculo focal que ganha dinamismo pela representação de duas linhas curvas que rematam e atravessam transversalmente a imagem fotográfica. Historicamente, a fotografia assume um carácter preponderantemente documental que, a par de experiências e pesquisas técnicas, possibilitam novos modos de expressão e representação do objecto. 29 Marcel Breuer (1902-1981), arquitecto naturalizado norte-americano, com origem húngara. Marcel Breuer integra a primeira geração de alunos da Bauhaus, formando-se em Weimar (primeira sede da Bauhaus), em 1924. Lecciona na escola até 1928 onde se destaca pela importância do seu trabalho na área de design imobiliário. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 25 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Para Philippe Dubois30, a fotografia articula-se num percurso de três tempos quanto à questão do realismo e do valor documental. Interessa-nos evidenciar a mudança de pensamento do séculoXIX para o séculoXX, para percebermos esta nova percepção da complexidade da realidade possibilitada pelos avanços técnicos. No início do séculoXIX a fotografia é entendida como espelho do real, considerada como uma imitação perfeita da realidade. Enquanto instrumento de memória documental do real, a fotografia propõe uma reprodução mimética definindo-se como instrumento fiel de reprodução da realidade. Mas, se o discurso do séculoXIX é um discurso de semelhança ao real, o séculoXX insiste na ideia de transformação do real pela fotografia. De uma reprodução fiel da realidade, a fotografia alcança uma expressão artística que começa a ser estabelecida pela escolha de determinados ângulos de vista propondo uma maior liberdade de interpretação no observador. (Dubois, 1992, p.20-38). A alteração de pensamento que Philippe Dubois aponta em relação à questão do realismo da fotografia pode ser relacionada com as ideias que László Moholy-Nagy propunha, com a utilização da fotografia enquanto um meio de expressão e percepção da arquitectura. A pedagogia inovadora do curso da Bauhaus pressupõe uma aprendizagem completa que deveria ser ampliada pelo aluno com o auxílio de experiências tácteis e visuais, incluindo a fotografia. A Bauhaus estimulava o desenvolvimento intelectual do Homem, num contexto de profundas mudanças de pensamento e percepção da arquitectura moderna. O curso na Bauhaus era dividido em três grandes períodos sempre integrados pelas artes menores e as artes maiores. Os alunos iniciavam os seus estudos no curso preliminar com a duração de dois semestres correspondentes a um ano lectivo. O curso preliminar era subdividido em três fases onde primeiramente apreendem o valor táctico dos materiais, a sua textura e a consciência destes no espaço enquanto modeladores de volume. Para além de uma aprendizagem teórica, a experimentação de materiais em pequenas construções ou em actividades artísticas performativas, tais 30 Philippe Dubois, um dos principais pesquisadores da actualidade no campo da estética da imagem e da figura, com contribuições decisivas na reflexão sobre fotografia, cinema, vídeo e domínio digital. Foi professor da Universidade de Liège e, desde 1988, é professor da Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle), onde é director da Unidade de Formação e Pesquisa “Cinema e Audiovisual”. Tem extensa obra publicada em revistas de vários países, com ensaios sobre Jean-Luc Godard, o cinema moderno e as relações entre arte e tecnologia. (Wikipédia, 2012) 26 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico como a música, a dança e o teatro, entre outras, contribuem para a ideia de unificação de todas as artes. Ilustração 11 - The Law of the Series (1925). László Moholy-Nagy (Moholy-Nagy, 1995, p.39) Numa segunda fase o aluno desenvolve o entendimento de proporção e relação de cada trabalho com as representações visuais. O desenho à mão e a fotografia são processos que ajudam a composição e a expressão de formas elementares. Numa última fase, todo este conhecimento é integrado com estudos de geometria, física, química, matemática e anatomia. A estes estudos são adicionadas Joana Cotter Salvado 27 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico aptidões complementares de música e escrita enquanto formas de composição e a importância da luz enquanto instrumento visual essencial, e o estudo da fotografia como modo de percepção, expressão e representação. (Wingler, 1969, p.194). Após terminar o curso preliminar, o aluno aplicava os conhecimentos adquiridos em workshops específicos com a duração de seis semestres correspondentes a três anos lectivos. Nesta altura poderia escolher entre seis workshops – madeira e metal; têxtil e tecelagem; a cor e a decoração; a luz que inclui, a fotografia, a tipografia, o filme e as artes comerciais; o vidro, a pedra, a argila e o plástico ou ainda o teatro relacionando-o com exposições de arquitectura. (Wingler, 1969, p.194). Everything that exists is differentiated according to quantity and quality of movement, is differentiated according to time and space. All forms are differentiated, just as movements are differentiated… (Wingler, 1969, p.49) I am able to perceive the perception. I am able to perceive the consciousness of being moved, not movement itself, but being moved. So, all teaching or learning is perception of how person who is teaching or the person who is learning is being moved. Being moved begets being moved… Movement gives birth to form, form gives birth to movement. Every point, every line, plane, every body, every shadow, every light, every color, are forms born of movement, which again give birth to movement. Sadness and happiness, hate and love, antipathy and sympathy, are forms of the psyche, caused by movement If I want to experience a line, I must either move my hand in accordance with the line or I must follow the line with my senses; hence, I have to be psychically moved. Finally, if I am able to visualize a line, then I am mentally moved. (Wingler, 1969, p.50) Só depois destes dois períodos, o aluno é colocado no departamento de arquitectura com a duração de quatro semestres correspondentes a dois anos lectivos. Como objectivo de desenvolver a instrução prática e formal, cada aluno aprende a relacionar o espaço, os materiais e a estrutura construtiva moldando o seu pensamento sobre a indústria não como uma adaptação ao objecto a produzir mas fazendo dela um veículo capaz de gerar ideias. (Wingler, 1969, p.194). László Moholy-Nagy, responsável pela direcção do curso preliminar, considera o Homem enquanto síntese de todas as suas funções, constituído por órgãos, sentido e percepção que serão utilizados até ao limite das suas capacidades biológicas. Existe uma produção constante de novas impressões, de novas percepções e de novas relações, possibilitando uma ampliação de todas as faculdades sensoriais, perceptivas e ao mesmo tempo, criativas. (Moholy-Nagy, 2005, p.20). Denominando-o como Homem Total, com uma base biológica que garante um desenvolvimento orgânico com uma função reguladora para o corpo, László Moholy-Nagy adopta estas ideias à pedagogia que desenvolve na Bauhaus. Assim, estimula as virtudes de cada estudante, estabelecendo uma harmonia entre as capacidades biológicas e as necessidades da sociedade. A tarefa de preparar um Homem novo e total é uma etapa 28 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico que não representa mais do que uma fase preliminar tão necessária como insuficiente. A actualização deste homem novo com novas relações entre fenómenos funcionais ópticos, acústicos e tácteis, permite estabelecer uma nova conexão com a percepção. (Moholy-Nagy, 2005, p.22-23). Ilustração 12 – “Die Buhnenklasse”, 1930, Erich Consemuller, (Consemuller, 1989, p.151) É esta importância dada ao desenvolvimento intelectual do Homem que torna possível uma nova visão e apreensão das qualidades do espaço arquitectónico através da fotografia. Acompanhando um novo conceito de obra de arte total e de um novo homem perante a cultura moderna, a sua percepção também sofre transformações. Reformulada enquanto visão dinâmica correspondente de uma actividade humana mais complexa e mais viva, permitiu com a fotografia tornar visíveis a existências das coisas que o olhar não conseguia alcançar. (Moholy-Nagy, 2005, p.86). Todos los sentidos, incluida la vista, son prolongaciones del sentido del tacto; los sentidos son especializaciones del tejido cutáneo y todas las experiencias sensoriales son modos del tocar y, por tanto, están relacionados con el tacto. (Pallasma, 2006, p.10). Joana Cotter Salvado 29 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Si bien la educación tiene como tarea preparar la llegada de este Hombre Nuevo y Total, al mismo tiempo no representa más que la etapa preliminar – tan necesaria como insuficiente. (Moholy-Nagy, 2005, p.23) Ilustração 13 - Representação Esquemática dos cursos na Bauhaus. Walter Gropius. Bauhaus em Weimar (Wingler, 1969, p.52) Como forma de relacionar a visão e os restantes sentidos, meios fotográficos são explorados sem utilizar directamente a câmara fotográfica. (Moholy-Nagy, 2005, p.221). Revendo as colagens Cubistas31, utiliza a técnica da fotomontagem, enquanto síntese de associações mentais e sensações visuais possibilitadas pela construção de diferentes fotografias montadas e dispostas numa única superfície. (Moholy-Nagy, 2005, p.150-151), dando origem a uma visão simultânea. Esta, é o resultado de sobreposições perceptivas, que exigem uma ginástica concentrada do olhar e do cérebro com a finalidade de acelerar uma digestão visual, capaz de incrementar consideravelmente a variedade das associações produzidas. (Moholy-Nagy, 2005, p.232). 31 A colagem, enquanto técnica utilizada pelos artistas do movimento do Cubismo do séculoXX, baseia-se na utilização livre de materiais heterogéneos com o intuito de procurar expressar a tridimensionalidade da realidade. Desta forma, liberta o artista da superfície ao incorporar no espaço diversos elementos. A técnica começa com experiências em pintura que se estendem a outras áreas como a fotografia e a outros movimentos artísticos. (Wikipédia, 2012) 30 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Os instrumentos são prolongamentos de órgãos do corpo: dentes, dedos, mãos, braços prolongados. Por serem prolongamentos, alcançam mais extensa e profundamente a natureza, são mais poderosos e eficientes. (Flusser, 1998, p.41) É esta visão dinâmica da arquitectura, que László Moholy-Nagy utiliza para explorar teorias espaciais, inicialmente inspiradas pelo Construtivismo32, desenvolvendo novas formas de percepcionar o espaço arquitectónico. No contexto de uma nova cultura espacial, adapta o pensamento corrente da arquitectura nas suas fotografias, possibilitando uma compreensão bidimensional do espaço. (Hight, 1995, p.111). Fotografa com o apoio das bases teóricas da arquitectura moderna, mantendo sempre uma estreita relação com a pedagogia utilizada na Bauhaus. A ideia de visão dinâmica de László Moholy-Nagy pode ser comparada ao modo de percepção de Alexander Rodchenko através do uso da linha oblíqua enquanto elemento dinâmico, sendo uma das influências da pintura do movimento construtivista em ambos os artistas. A fotografia de László Moholy-Nagy “Bauhaus Balconies” (1926-1928) (Ilustração 6) pode ser comparada “House on Myasnicka Street” (1924) (Ilustração 7) do fotógrafo russo Alexander Rodchenko33, cujo envolvimento com a fotografia é paralelo a László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.114). Na fotografia “Bauhaus Balconies”, a percepção usual do edifício subvertida escolhendo um novo ângulo de visão - “upward view”34 (ângulo inclinado, com o posicionamento da câmara de baixo para cima, em relação ao objecto fotografado) com o intuito de gerar sensações ópticas, permitindo novas experiências na percepção 32 Construtivismo russo foi um movimento de vanguarda, iniciado na Rússia no ano de 1919 que influenciou fortemente tanto a arquitectura como toda a arte ocidental. A arte estava ligada à industrialização com o objectivo de servir a construção de um mundo socialista. Expressava-se essencialmente pela utilização de elementos geométricos que na maior parte dos casos eram conjugados em fotomontagens. Destacam-se alguns artistas ligados ao Construtivismo como Alexander Rodchenko – pintor, designer e fotógrafo (1891 – 1956), Dziga Vertov – cineasta (1896 – 1954), El Lissitzky – designer gráfico (1890 – 1941), Ivan Leonidov – arquitecto (1902 – 1959), Lászlo Moholy-Nagy - pintor, designer e fotógrafo (1895 – 1946). (Wikipédia, 2012) 33 Aleksandr Mikhailovich Rodchenko. (1891, São Petersburgo, Rússia – 1956, Moscou, Rússia). Um dos fundadores do Construtivismo Russo e do design moderno. Escultor, artista plástico, designer gráfico e fotógrafo. Dedicou-se à fotografia, posteriormente a trabalhar como artista plástico e designer gráfico. Em 1920 foi director do Departamento de Museus e do Fundo de Aquisições pelo Governo Bolchevique. Em 1921 tornou-se membro do Grupo Produtivista, que defendia a incorporação da arte a vida diária. Entre 1923 e 1924 começa a produzir fotografias, influenciado pelas fotomontagens dos Dadaístas alemães. As suas fotografias expressavam composições dinâmicas pelo posicionamento diagonal, que remetiam para o movimento dos objectos no espaço. (Wikipédia, 2012) 34 “upward view” ou “worm´s-eye shot” é o ângulo de posicionamento da câmara fotográfica que é orientado de baixo para cima, em relação ao objecto fotografado. (Hight, 1995, p.113) Joana Cotter Salvado 31 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico da arquitectura. A repetição das varandas rectangulares serve como elemento central de composição que é enfatizado pelo seu reflexo no vidro das janelas, aparecendo em fragmentos formados pelas paredes das mesmas janelas. Assim, as bandas de janelas produzem uma continuidade de formas, que acompanham a elevação das varandas. A parede aparece como um plano fino que liberta e destaca os elementos de composição. É através do ângulo de visão que as linhas da laje e da cobertura das varandas são eliminadas, aumentando por consequência a forma e o dramatismo da composição da imagem. A importância dada ao sistema de composição do edifício revela as formas puras da arquitectura moderna. (Hight, 1995, p.116). A figura humana enfatiza a ideia de dinamismo. Nesta fotografia, o corpo está em balanço, afastandose da experiência banal com o edifício. Tal como as varandas rectangulares são elementos centrais na fotografia, a figura humana é posicionada de modo a realçar o dinamismo da composição. Though Rodckenko and Moholy-Nagy intended photography to be an instrument of personal transformation, neither found an unobstructed path for alignment of photographic modernism with a process of social change. (Margolin, 1977, p.125) Influenciando László Moholy-Nagy, Alexander Rodchenko reinventa a arquitectura que fotografa não só através da sua criatividade mas fundamentalmente a partir de dois modos de ver: “worm´s-eye shot” e “bird´s-eye shot”35. (Margolin, 1977, p.133). Tinha como objectivo oferecer diversas interpretações ao observador através da selecção de ângulos e escolha de focos de luz nas suas fotografias, dependentes do posicionamento da câmara que o fotógrafo elege diante o objecto a fotografar. Na fotografia “House on Myasnicka Street”, Alexander Rodchenko enfatiza também o sistema de composição do edifício através do ângulo de visão. As séries de varandas representam elementos centrais de composição que contribuem para uma impressão de ordem e sobriedade. A área luminosa do céu contrasta com a escuridão da fachada produzindo uma densa sombra nas varandas, realçando o equilíbrio e simplicidade das formas que compõem o edifício. (Hight, 1995, p.114). En ellas, aunque no reniegue de la “factografía”, del material ligado a la “fijación de los hechos”, encarnados en las arquitecturas seleccionadas, aspira a revolucionar sus modos de verlas a través de las tomas desde arriba y desde abajo o en la diagonal suprematista que activa diferentes puntos de vista y ángulos dinámicos que las muestran desde unas prespectivas a las que el espectador no está acostumbrado. (Marchán Fiz, 2010, p.23-24) 35 “bird´s-eye shot “ é o ângulo de posicionamento da câmara fotográfica que é orientado de cima para baixo, em relação ao objecto fotografado. (Hight, 1995, p.113) 32 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 14 - Bauhaus Balconies (Bauhausbalkone in Dessau) (1926-1928). Tamanho original: 37.2 x 27.4 cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.113) No séculoXX é importante perceber a contribuição que a fotografia oferece à produção e divulgação da arquitectura moderna. (Sbriglio, 2011, p.11). No momento em que a revolução da técnica da fotografia possibilitou novos modos de apreensão e de divulgação da arquitectura moderna é a convergência de pensamentos entre arquitectos e fotógrafos que gera associações entre estes profissionais. (Costa, 2009, p.122). The two fields in which the spirit of our age has achieved its most definitive manifestations are photography and architecture. Did modern photography beget modern architecture, or the converse? (Sbriglio, 2011, p.11) Joana Cotter Salvado 33 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 15 - House on Myasnicka Street, 1924, Alexander Rodchenko (Hight, 1995, p.115) Self-taught, steeped in avant-garde photographic culture, in tune with Bauhaus ideas and the images and writings of his compatriot László Moholy-Nagy as well as those of the Soviet constructivists Alexander Rodchenko, Vsevolod Pudovkin36, and Sergei Eisenstein37: Hervé perfectly incarnated the “modern sensibility”, which he shared fully with Le Corbusier. (Sbriglio, 2011, p.12) 36 Vsevolod Pudovkin Illarionovich (1893-1953), licenciou-se em engenharia na Universidade Estadual de Moscovo. Após a primeira guerra mundial, abandonou a actividade profissional e começa a trabalhar como actor. Mais tarde torna-se director de cinema e desenvolve diversas teorias de montagem. (Wikipédia, 2012) 37 Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948), licenciou-se em arquitectura e engenharia no Instituto de Engenharia Civil de Petrogrado. Em 1920 começou a sua carreira de teatro, tornando-se um dos mais importantes cineastas soviéticos. (Wikipédia, 2012) 34 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Uma das mais importantes associações entre profissionais da primeira metade do séculoXX, foi a colaboração do arquitecto Le Corbusier com o fotógrafo húngaro Lucién Hervé38. (Sbriglio, 2011, p.11). Influenciado pelas fotografias de László Moholy-Nagy e Alexander Rodchenko, Lucien Hervé baseia-se na linguagem moderna para fotografar e revelar a essência da arquitectura de Le Corbusier. (Sbriglio, 2011, p.12). Com uma visão dinâmica, faz séries de fotografias da arquitectura de Le Corbusier. Compõe numerosas fotografias a partir de fragmentos de cada obra de Le Corbusier, revelando uma ampla compreensão da sua arquitectura. Finalmente, Lucién Hervé acredita que a arquitectura só pode ser apreendida mediante longas séries, onde os detalhes são fundamentais para um bom entendimento das obras. (Sbriglio, 2011, p.13). A mesma ideia é evidenciada no artigo “The Flatness of Depth”39 do arquitecto John Hejduk40 acerca das fotografias de arquitectura de Judith Turner41. A fotógrafa defende a impossibilidade de apreender a complexidade da arquitectura de uma só vez e por isso acredita que a sua essência só pode ser expressa através de 38 Lucién Hervé (1910 – 2007). Fotógrafo frango-húngaro, dedicado à fotografia de arquitectura, ficou reconhecido pelo seu trabalho com o arquitecto Charles-Édouard Jeanneret-Gris (Le Corbusier) com quem colaborou durante quinze anos, entre 1950 e 1965. A exposição de fotografia “Construção / Composição” é uma das exposições que demonstra a relação entre estes dois artistas. Lucién Hervé colabora também com arquitectos como Alvar Aalto (1898 – 1976), Marcel Breuer (1902 – 1981), Oscar Niemeyer nascido a 15 de Dezembro de 1907 e ainda Jean Prouvé (1901 – 1984). (Wikipédia, 2012) 39 “The Flatness of Depth”. Ensaio do arquitecto John Hejduk que explora a relação da fotografia e o espaço arquitectónico, no âmbito do movimento e percepção do tempo. A imagem requer imaginação e memória no observador, compondo uma viagem virtual pelo espaço. Ao movermo-nos no espaço, a passagem do tempo influencia profundamente na compreensão do espaço. Este espaço é então a soma do que é visto e do que foi visto. A fotografia nega a progressão do tempo, pela sua fixação. A duração, ou movimento pelo espaço arquitectónico, é na fotografia composta pela memória, imaginação e recordação, o que leva a uma leitura ambígua entre passado em presente. (Wikipédia, 2012) 40 John Quentin Hedjuk (19 de Julho de 1929 – 3 de Julho de 2000). Arquitecto e artista americano estudou em Cooper Union School of Art and Architecture (União Cooper para o Avanço da Ciência e Arte), Nova York, na Universidade de Cincinnati (Cincinnati ou UC) e ainda em Harvard Graduate School of Design (GSD), Cambridge, Massachusetts, onde se graduou em 1953 com o mestrado em arquitectura. (Wikipédia, 2012) 41 Judith Turner inicia o seu trabalho como fotógrafa em 1972, exibindo o seu trabalho em diversas exposições individuais em cidades nos Estados Unidos, Europa, Israel e Japão. Premiada com subsídios em bolsas a partir da Graham Foundation for Advanced Studies in the Fine Arts, Lila Acheson Wallace Fund e pelo Conselho Cultural da Ásia. Em 1994 recebeu o Prémio de Honra do Instituto Americano de Arquitectos. As suas fotografias encontram-se em colecções permanentes de muitas Instituições como no Centro Internacional de Fotografia em Nova York, no Museu de Portland Art em Maine, Estados Unidos, no Museu Guggenheim, no Museu Ludwig, em Colónia, no Tokyo Metropolitan Museum of Photography, entre outros. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 35 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico fragmentos que a compõem. São estes fragmentos que, apreendidos pelo observador e reconstruídos pela memória visual, permitem criar uma dinâmica perceptiva da arquitectura de Judith Turner. Ilustração 16 - Edifícios em Times Square, Nova York, Estados Unidos. (2000). Judith Turner. (photoarts, 2012) It is all made up of a series of outside fragments and inside fragments. (Hejduk, 1980, p.2) A continuidade que Lucien Hervé constrói com base nas suas séries de fotografias, reflecte um processo de composição estimulado pelas pinturas de Piet Mondrian42 (1872-1944) permitindo-lhe descrever espacialmente as obras do arquitecto Le Corbusier. (Sbriglio, 2011, p.13). Como László Moholy-Nagy, afasta-se das perspectivas clássicas insistindo nos efeitos de colagem da realidade e da multiplicação de olhares e de enquadramentos. Focando constantemente os detalhes arquitectónicos, descreve o espaço da arquitectura de Le Corbusier, criando uma ideia de visão em movimento, revelando desta forma, a arquitectura através da expressividade de cada detalhe percepcionado. 42 Pieter Cornelis Mondrian. (1872 – 1944). Pintor holandês modernista. Fundador do movimento artístico de vanguarda Neoplasticismo que incluía artistas designers e arquitectos. Nomes como o artista plástico, designer gráfico, poeta e arquitecto neerlandês Theo Van Doesburg (1883 – 1931), o arquitecto e designer neerlandês Gerrit Rietveld (1888 – 1964), o pintor cubista francês Amédée Ozefant (1886 – 1966), entre outros. Piet Mondrian colabora com a revista “De Stijl” (“O Estlio”, em neerlandês), iniciada em 1917 com a primeira publicação do editor Theo Van Doesburg. (Wikipédia, 2012) 36 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico As fotografias de Lucien Hervé da obra de Le Corbusier “Unité d´Habitation”43 em Marselha são um exemplo da utilização do fragmento enquanto expressão e representação da essência da arquitectura. Mediante ângulos oblíquos revela a sua visão dinâmica que complementada com a visão moderna de Le Corbusier atinge dimensões expressivas e inovadoras, contribuindo para a divulgação e compreensão das obras do arquitecto, no sentido que este último desejava. (Sbriglio, 2011, p.13). É a descoberta do facto de que qualquer situação está cercada de numerosos pontos de vista equivalentes. E que todos estes pontos de vista são acessíveis. Com efeito o fotógrafo hesita, porque está a descobrir que o gesto de caçar é um movimento de escolha entre pontos de vista equivalentes, e o que tem de resgatar não é determinado ponto de vista, mas um número máximo de pontos de vista. Uma escolha quantitativa e não – qualitativa. (Flusser, 1998, p.53) O resultado do gesto fotográfico são fotografias, esse tipo de superfícies que nos cerca actualmente por todos os lados. Deste modo, a consideração do gesto fotográfico pode ser a avenida de acesso a tais superfícies omnipresentes. (Flusser, 1998, p.55) A fotografia individual é entendida como uma pedra de mosaico que significa um pensamento, um ponto de vista da realidade construída que nos cerca. Estar no universo fotográfico implica existir num mundo – mosaico em que viver passa a ser recombinar as experiências vividas através das fotografias. Assim, para obtermos uma visão do mundo, elaboramos colagens fotográficas. (Flusser, 1998, p.86). A colagem não é mais do que um processo mental e visual que possibilita a apreensão do espaço arquitectónico. Uma fotografia torna-se insuficiente para a leitura global do espaço e portanto é o conjunto de tomadas de vista, organizadas por sequências que possibilitam a descrição desse mesmo espaço. A técnica da colagem acompanha grande parte do séculoXX reflectindo num novo olhar perante a realidade construída, pelo desejo de aproximação aos espaços construídos articulados na memória. Para além de um mecanismo criativo com base numa nova percepção da realidade, a colagem torna-se numa importante técnica na produção arquitectónica, propiciando a compreensão de realidades imaginadas mas também servindo como forma de registo e de representação da arquitectura. Desta forma, a fotografia moderna em diálogo com a arquitectura proporciona uma nova linguagem artística, capaz de transformar a nossa percepção do mundo. 43 Unidade de Habitação em português, sendo o projecto reconhecido pelo termo francês “Unité d´Habitation”. Elaborado entre 1947 e 1953, o projecto também é conhecido por “Cité radieuse” (Cidade radiosa). A construção destes edifícios modulares projectados pelo arquitecto francês Charles-Édouard Jeanneret-Gris (Le Corbusier) foi concluída em 1955. As fotografias de Lucién Hervé a esta obra, ilustradas na presente dissertação, foram produzidas entre 1950 e 1958. (Sbriglio, 2011, p.139) Joana Cotter Salvado 37 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 17 - Unité d´habitation, Nantes-Rezé (1955), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucien Hervé (1950-1958) (Sbriglio, 2011, p. 202-203, 205, 209) La fotografía nos brinda un extraordinario instrumento de reproducción, pero también algo mucho más importante. Va camino de aportar algo totalmente nuevo al mundo óptico: los elementos (específicos) de la fotografía puden aislarse de las complicaciones que llevan consigo; no sólo de forma teórica, sino también de forma tangible, en sus manifestaciones reales. (Moholy-Nagy, 2005, p.186) 38 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2.2 A FOTOGRAFIA COMO REGISTO DO ESPAÇO ARQUITECTÓNICO Ao percepcionarmos, enquadramos e definimos a realidade através do foco que delimitamos. Por outras palavras, é a focagem que determina o ponto ou o elemento que é mais visível, o que sobressai ao observador, e o que possui um significado. Referimos mais uma vez, a síntese de várias áreas de conhecimento que era objectivo último no processo de aprendizagem na Bauhaus. Esta interacção de áreas, tais como a pintura, a escultura, a arquitectura, a matemática, a física, entre outras, baseava-se na instrução de elementos fundamentais da forma. Enquanto relação com o espaço e plano e ainda a utilização da cor. Na Bauhaus as formas elementares e as cores primárias formavam a base da compreensão do espaço, peças fundamentais no curso leccionado por Johannes Itten44. Este, ensinava os alunos a desenvolver e desenhar peças com base na combinação e interligação das formas e cores primárias. O equilíbrio e as proporções da forma eram fundamentais para a projecção dessas peças. Hence, in the first part of the investigation of form the plane is reduced to three fundamental elements - triangle, square, and circle - and space is reduced to the resulting fundamental space elements - pyramid, cube, and sphere. Since no plane and no space can exist without color, that is, since form in the narrower sense must, in reality, immediately be investigated as form in the broader sense, the division of the problem of form into two parts can be made schematically. On the other hand, the organic relationship between the two parts must be recognized from the outset - the relationship of form to color and vice versa. (Wingler, 1969, p.74) Tais estudos são essenciais, pois ao percepcionarmos a realidade definimos a relação da forma com o fundo o que torna compreensível a importância desta relação no contexto do registo do espaço arquitectónico através da fotografia. É a inter-relação destes elementos, que expressam espacialidade às representações num plano. A fotografia é um dos instrumentos que permite esse registo da realidade, transformando o espaço numa imagem fotográfica. É esta passagem entre estes dois espaços: o registado na imagem fotográfica e o espaço que integra a realidade, que será fundamental compreender. 44 Johannes Itten (1888-1967). Pintor, escritor e professor na Bauhaus. Começa a leccionar no ano de 1919-1923. Desenvolveu o curso preliminar na Bauhaus, denominado por “Vorkus”, baseado em composições geométricas e cores primárias, que permitiam desenvolver a criatividade individual de cada aluno. Nas suas aulas, apresentava fotografias através das quais os estudantes deveriam reproduzir e reduzir a um elemento de composição. O trabalho de Johannes Itten foi fundamental para actividade criativa e estruturação de cursos de design. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 39 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 18 – Representação de contrastes e elementos de composição (Itten, 1975, p.10-11) 40 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 19 – Círculo de cores como representação de doze cores em sete tons diferentes (1021), litografia em papel de Johannes Itten (Droste, 2006, p.23) A fotografia baseia-se na realidade determinando o espaço de registo. Este espaço, reconstruído pela percepção, não é mais do que uma fracção de espaço, representado na imagem fotográfica. É portanto, a partir desta relação, que se consegue tal apropriação com a realidade. Para Philippe Dubois, o espaço fotográfico é um processo de subtracção da realidade, em que “cada olhar, cada fotografia é inelutavelmente uma machadada que separa um pedaço de real e exclui, rejeita, desapoça o que o envolve.” (Dubois, 1992, Joana Cotter Salvado 41 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico p.181). O espaço, é definido pelo acto fotográfico, estruturado pela percepção ou, por outras palavras, a partir da forma como apreendemos a realidade. Referimos no subcapítulo anterior, que a visão incorporada mediante a realidade é caracterizada pela simultaneidade de sentidos perante essa mesma realidade. Citámos Juhani Pallasma na necessidade de privilegiar a interacção dos sentidos visuais, tácteis e auditivos. O autor compreende ainda a experiência do espaço arquitectónico na sua essência corpórea, plenamente integrada, que permitirá uma experiência mais verdadeira deste mesmo espaço. Tais ideias, relativamente à percepção e apreensão do espaço arquitectónico constituem-se como base para compreendermos ideias como o registo do espaço arquitectónico através da imagem fotográfica. Mas, para percebermos o que consiste o registo do espaço através da fotografia, será essencial compreender: 1. A fotografia enquanto fracção de espaço 2. A fotografia enquanto corte temporal La primacía del sentido del tacto se há hecho cada vez más manifiesta. También há suscitado mi interés el papel de la visión periférica y desfocada en nuestra experiencia vivida del mundo, así como nuestra experiencia de la interioridad de los espacios en los que vivimos. La esencia misma de la experiencia vivida está moldeada por la hapticidad y por la visión periférica desenfocada. La visión enfocada nos enfrenta en la carne del mundo. (Pallasma, 2006, p.10) Ilustração 20 – “La incredulidad de Santo Tomás” (1601-1602). Michelangelo Merisi da Caravaggio. (Pallasma, 2006, p.23) 42 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico O registo da realidade pela fotografia, ou “espaço off” (Dubois, 1992, p.181), seleccionado pelo foco fotográfico, determina uma fotografia ou fragmento da realidade. Segundo Roland Barthes45, o “referente fotográfico” (Barthes, 2009, p.87) é um espaço necessariamente real a partir do qual é extraído o espaço fotográfico, pela fotografia. Roland Barthes menciona ainda que o tempo deste referente fotografado é um tempo passado e inacessível ao autor, designando-o como “Isto foi” (Barthes,2009, p.87). Apesar de a fotografia possuir um objecto fotografado estático, provêm da dinâmica do olhar. A imagem fotográfica é constituída pelo espaço fotografado, inserido em determinado instante que é fixado pela câmara fotográfica. O instantâneo ou imagem fotográfica é portanto um recorte espacial e temporal que faz a referência a uma determinada realidade num determinado tempo. O essencial é que, arrancando ao mundo um pedaço de espaço, o acto-fotográfico faça deste um novo mundo (espaço representado), cuja organização interna se elabora a partir da forma gerada pelo corte fotográfico. O espaço de representação é o operador principal do acto fotográfico (tanto na produção como na recepção). (Dubois, 1992, p.215) Tdodavia, a imagem fotográfica, apesar de ser um recorte temporal, uma suspensão do tempo real evolutivo, torna-se simultaneamente numa nova temporalidade, separada e isolada, correspondente de um instante fixo, de perpetuação. A fotografia é assim uma forma de registo da realidade que introduz uma nova relação com o tempo e com o espaço. Segundo Philippe Dubois, a fotografia é uma impressão simultaneamente separada, plana, luminosa e descontínua. Se por um lado o signo fotográfico estabelece com o seu referente uma relação de conexão física, esta opera-se precisamente na distância física que também é simultaneamente espacial e temporal. (Dubois, 1992, p.90). Por a fotografia não compor uma imagem estereoscópica afastada da visão humana binocular, está inevitavelmente ligada a uma superfície plana. (Dubois, 1992, p.92). A fotografia é conjuntamente luminosa e descontínua. Como impressão luminosa, é expressa pela descontinuidade da luz num só disparo e num único instante. O dispositivo fotográfico transforma as ondas luminosas contínuas 45 Roland Barthes (1915 – 1980). Escritor, crítico literário, sociólogo e filósofo francês. Em 1939 formou-se em literatura e em 1943 em filosofia na Universidade de Paris. Autor de obras como “Essais critiques” (1964), “Nouveaux essais critiques” (1972), “La chambre claire” (1980), entre outros. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 43 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico em descontinuidades sucessivas, resultando num objecto fotográfico verdadeiramente fracturado. (Dubois,1992, p.95). Tal definição da fotografia também se explica pelo facto da história da fotografia se basear na procura do instante fotográfico, e portanto, pela anulação e fixação do tempo na imagem fotográfica. No séculoXVIII a fixação da imagem não tinha sido estabilizada pelo facto de se alterar quando exposta à luz. Ao longo de pesquisas técnicas neste mesmo século, a procura do instantâneo que fixasse o objecto fotografado na superfície plana, afastou-se de qualquer intenção de representar o movimento do tempo e a sua duração, através da imagem. Cameras implement the instrumental view of reality by gathering information that enables us to make accurate and much quicker response to whatever is going on. (Sontag, 1979, p.176) Even if incompatible with intervention in a physical sense, using the camera is still a form of participation (Sontag, 1979, p.12) Ilustração 21 – Imagem do olho e da lente da câmara fotográfica sobrepostos. Filme “Man with a Movie Camera”46,19281929, (Colomina, 1996, p.78) 46 “Man with a Movie Camera”, filme realizado pelo cineasta, jornalista e documentarista Dziga Vertov (1896 – 1954) e editado por Yelazaveta Elizaveta Svilova (1900 – 1975) e produzido pelo estúdio ucraniano VUFKU. O filme representa a vida urbana em Odessa, entre outras cidades soviéticas através de sucessões de imagens que retratam a vida moderna. De uma forma geral, o filme mudo é desencadeado por estas imagens, captadas ao longo do percurso, que se identificam ao fotógrafo que foca um conjunto de situações. (Sontag, 1979, p.12) 44 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico É a partir da primeira metade do séculoXX, que o registo através da fotografia ganha contornos de relevo. László Moholy-Nagy, recorre à técnica do fotograma, que permite obter fotografias sem o auxílio do aparelho fotográfico. É a fotografia no seu estado mais puro pois o objecto é pousado sobre o papel fotográfico e exposto à luz durante um certo período de tempo, criando uma imagem com os contornos do mesmo objecto. É deste modo considerado enquanto método fotográfico puro no sentido em que o objecto é evidenciado pela composição dos efeitos luminosos. O procedimento técnico do fotograma é baseado na fixação das gradações de preto, branco e cinzentos derivados dos efeitos da luz sobre a película fotográfica. As relações de contraste das diferentes gradações de cinzento desde o negro intenso ao branco mais cristalino estabelecem um enorme efeito luminoso. (Moholy-Nagy, 2005, p.157). O fotograma, enquanto construção pictórica, estabelece assim uma ponte para uma nova expressão visual que ao contrário da pintura não é dependente de pigmentos de jogos de luz. A luz é apreendida na sua radiação directa possibilitando mostrar o caminho para uma nova expressão óptica. (Moholy-Nagy, 2005, p.172). A pintura é construída através de diversos tempos que, com a sucessão de gestos, estruturam ao mesmo tempo que corrigem. Tal acontecimento não acontece com a fotografia que se fixa num determinado tempo, por um determinado gesto ou acto fotográfico. A procura de tempo e da expressão do espaço através da imagem fotográfica é um processo de pesquisa que acompanha a fotografia de László Moholy-Nagy. A fotografia demonstra através dos seus próprios meios, a formulação de elementos ligados ao tempo, indo mais além dos seus aspectos mecânicos. (Moholy-Nagy, 2005, p.205). Com este efeito, o que se procurava fundamentalmente era reproduzir o mundo através de um jogo de luzes. (Moholy-Nagy, 2005, p.171). Tal como referimos no subcapítulo anterior da presente dissertação, as fotografias sem câmara ou fotogramas, introduzem uma forma completamente nova de articulação do espaço. O fotograma enquanto método fotográfico pela interação directa da luz num determinado objecto sem o auxílio da máquina é só uma das experiências com a fotografia que László Moholy-Nagy explora. Para além desta experiência, produz também fotografias com a utilização da câmara escura realizadas com novos sistemas de lentes. É importante percebemos que o registo da realidade Joana Cotter Salvado 45 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico através da fotografia, evolui e que a sua descoberta não se baseia apenas em ensaios no campo óptico mas também em desenvolvimentos químicos e técnicos das máquinas. Los experimentos con fotogramas son de importancia fundamental para cualquier fotógrafo. Proporcionan, sobre el sentido del procedimiento fotográfico, que un aprendizaje más eficaz e importante que las fotografías realizadas con cámara, las cuales casi siempre por casualidade. Aquí, la composicíon de los efectos lumínicos es soberana, se establece justo como el creador lo desea, independientemente de las limitaciones y los accidentes del objeto. (Moholy-Nagy, 2005, p.159) Ilustração 22 – Untitled. (1922). Tamanho original: 18.9 x 13.9 cm. László Moholy-Nagy. (Hight, 1995, p.50) 46 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Development in every field of creation has led man to concentrate upon establishing means exclusively appropriate to the work. Extreme mastery and extreme inventiveness have been displayed in bringing out what is essential and elementary, in discovering basic constellations and organising them. Thus painting too came to recognise its elementary means: colour and plane. This recognition has been aided by the invention of the mechanical process of representation: photography. People have discovered on the one hand the possibility of representing, in an objective, mechanical manner, the effortless crystallising out of a law stated in its own medium; on the other hand it has become clear that colour composition carries its subject within itself, in its colour. (Moholy-Nagy, 2005, p.14) Há um sentido primitivo na exploração do fotograma como um suporte de registo, na medida em que parece retornar ao passado, enquanto método muito semelhante e relacionado com a câmara lúcida e com a câmara escura. No início do séculoXIX, as câmaras lúcidas47 reconhecidas como “máquinas de desenhar” (Sougez, 1996, p.18) permitem um aperfeiçoamento óptico por possibilitarem “desenhar um objecto através de um prisma, com um olho no modelo e outro no papel.” (Barthes, 2009, p.117). É precisamente em 1816, que Nicephore Niepce, começa a utilizar a câmara escura48, conseguindo com o seu auxílio produzir imagens sobre papel. A câmara escura é entendida como “uma espécie de olho artificial que é simplesmente uma caixinha quadrada de seis polegadas de cada lado: será equipada com um tubo susceptível de alargar-se e com um vidro lenticular.” (Sougez, 1996, p.30). É portanto a par de desenvolvimentos da técnica e aperfeiçoamentos ópticos que as máquinas evoluem, possibilitando novas expressões e modos de registo. László Moholy-Nagy entendia que a técnica do fotograma não era suficiente para expressar a realidade mas que tinha aberto novos campos de registo aliados aos novos descobrimentos da criação fotográfica, como a fotomontagem que possibilitava a composição de uma imagem nova a partir de fragmentos diversos (Moholy-Nagy, 47 Câmara lúcida ou câmara clara (nome da América, a sensação de sala iluminada) é um dispositivo óptico, utilizado como auxiliar do desenho. Patenteado em 1806 por William Hyde Wollaston (1776 – 1828), físico e químico britânico. A câmara clara permite uma superposição óptica do observado e do que está a ser desenhado. De uma forma mais simples, o artista está voltado para a superfície de desenho por meio de um espelho com uma inclinação de 45 graus que permite sobrepor uma visão directa da superfície de desenho e da reflexão do observado. Desta forma, cria uma imagem virtual de modo que tanto esta como o observado possam ser vistos focado simultaneamente. (Wikipédia, 2012) 48 Câmara escura (do latim câmara oscura) consiste numa caixa com um orifício no canto de uma das fases. A luz que entra pelo orifício produz na superfície interna uma imagem reproduzida invertida. No século XVII, Athanasius Kircher (1601-1680) matemático e físico alemão, projectou um tipo especial de câmara escura portátil, em forma de tenda desmontável, muita usada pelos artistas para desenho de paisagem. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 47 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2005, p.148), permitindo assim a sobreposição de elementos ópticos e mentais. (Moholy-Nagy, 2005, p.149). Ilustração 23 - Câmara Lúcida de Wollaston, criada em 1806 (Sougez,1996, p.18) Ilustração 24 – Câmara escura portátil de Athanasius Kicher (1601-1680).1646. (Colomina, 1996, p.79) É esta síntese de associações mentais e visuais que se justapõem, estabelecendo uma composição equilibrada entre o intelecto e o visual com a finalidade de representar um conjunto de ideias. (Moholy-Nagy, 2005, p.153). Só 48 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico assim através da fotografia, podemos ser participantes de novas experiências com o espaço. La fotoplástica indica con claridad la manera de transformar el procedimiento fotográfico imitativo en una actividad artística programática. (Moholy-Nagy, 2005, p.148) Ilustração 25 - Ciúmes, fotomontagem de László Moholy-Nagy, 1930. (Sougez, 1996, p.242) A procura da expressão de espaço e de tempo através da fotografia, afastava László Moholy-Nagy das formulações da fotografia corrente em que a máquina não domina totalmente o processo de criação da imagem fotográfica. No caso das Joana Cotter Salvado 49 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico fotomontagens, interessou-se pelo processo de união de diferentes elementos, fixados em tempos diferentes, mas que se conjugam na mesma imagem fotográfica. En general, el fotomontaje exige concentración y una gimnasia del ojo y del cerebro con las que se desarrolla inmensamente la capacidad de digestión y de asociación de imágenes.(MoholyNagy, 2005, p.222) El fotomontage, un procedimiento que se usa con frecuencia en publicidad, sigue una técnica muy parecida. El corte y el montaje de las partes se aplican aqui sobre un plano estático. El efecto es el de una escena real: una sinopsis de acciones producida por elementos espaciotemporales que originalmente no tienen niguna relación entre sí, pero que por yuxtaposición se funden en una unidad. (Moholy-Nagy, 2005, p.214) Encontramos ecos deste processo na obra fotográfica de David Hockney. David Hockney49, também pretende afastar-se da deformação da mecânica da percepção. (Hockney, 1985, p.10). Interessa-se pelo dinamismo da visão, defendendo que a fotografia produz um distanciamento da realidade. Segundo ele, a nossa percepção amplia-se ao movermo-nos no espaço e por isso combinamos sucessivos pontos de vista, cada um com determinada duração. No entanto, cada fotografia fixa a duração captada num único instante. Do mesmo modo, fracciona e isola apenas uma porção de extensão do espaço revelando-se como uma fatia única de espaço-tempo. (Dubois, 1992, p.163). David Hockney relaciona-se com o Cubismo pela introdução de três elementos artísticos que considera que uma fotografia não conseguiria expressar: tempo, espaço e narrativa. Acreditava que apenas pela introdução destes três elementos nas suas fotografias, conseguiria alcançar uma visão simultânea da realidade que percepcionamos. Si la vista se mueve, interviene el tiempo, y la cosa que vemos cambia, se ve de otra manera. En cierto modo, nos representa. El ojo, al moverse, nos dice que estamos vivos y esta es la razón de 49 David Hockney cenógrafo, artista, pintor e fotógrafo. Nasceu no ano de 1937 em Bradford, Inglaterra. Entre 1959-62 estudou no Royal College of Art de Londres e visita a exposição de obras de Pablo Picasso na Galeria Tate (Londres, 1960) que considera para o seu trabalho uma inspiração. Em 1961 licencia-se na Royal College com Medalha de Ouro. Entre 1963-68 apresenta a sua primeira exposição individual de gravuras na Galeria Kasmin e na Galeria Alecto (Londres, 1963). Começa a fazer fotografias com câmara Pollaroid e a pintar com acrílico. Em 1968, alarga os seus estudos fotográficos que se tornam referências para as suas pinturas. Em 1974 trabalha com Aldo Crommelynche (1931 – 2008), colaborador de Pablo Picasso e em 1976 fez uma série de litografias em grande escala de retratos de amigos, em Los Angeles. Em 1982 fez várias exposições de fotografia à base de fotografias Polaroid, que evidenciam o seu fascínio por Pablo Picasso e pelo Cubismo. Entre as exposições, destaca-se David Hockney Photographe no Centro Georges Pompidou. Em Maio deste ano monta uma exposição em Nova Iorque que denominou “Drawing with camera” com cerca de 150 obras fotográficas. Em Setembro deste mesmo ano,começa a fazer photocollages utilizando uma câmara Pentax 110. Entre 1983-85 continua a pintar, a fazer gravuras e fotografias, colaborando em produções teatrais. (Hockney, 1985, p.26-27) 50 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico que, al tener que mirar fijamente una fotografía, yo sintiera que la vida quedaba fuera, que se eliminaba. (Hurtado, 1985, p.20) Assim, regista a realidade através de séries, fazendo composições a partir de várias fotografias que representam diversos pontos de vista. Se por um lado dá importância ao tempo e ao movimento, tentando-os descrever numa imagem fotográfica, sugere também a passagem fluída temporal construindo um percurso com o conjunto de imagens. Só assim poderia registar os diferentes estratos de tempo, afastando-se do tempo fixo do instante fotográfico que entendia expressar uma única fotografia. A intenção de David Hockney é apreender a totalidade, sem se preocupar com a coerência apenas de um fragmento. Frente à fixação do tempo da fotografia instantânea, baseia-se na adição de fragmentos, de momentos simultâneos que o movimento natural de percepção transforma. Quando expôs pela primeira vez as suas composições (Composite Polaroids), em Maio de 1982, denominou-as “Drawing with camera”. Parecia-lhe haver uma estreita ligação com o modo de execução de uma pintura pois ao contrário de uma fotografia, não tem necessariamente o enquadramento imposto pela objectiva do fotógrafo. (Hockney, 1985, p.16). Desta forma, ao mover-se no espaço fazia séries de pormenores que no seu conjunto estabeleciam resultados pictoricamente lógicos. Utilizava a câmara Polaroid SX-7050 pois permitia-lhe a impressão imediata da imagem. (Hockney, 1985, p.9). No entanto, a máquina em questão possuía um inconveniente: era necessário esperar bastante tempo até ao momento de impressão fotográfica. O tempo longo, ou a demora na revelação da Polaroid, acaba por estabelecer uma relação directa com o acto de desenhar ou pintar, este também vagaroso. Tal inconveniente é assim transformado numa qualidade, pois aproxima o seu acto fotográfico a uma pintura. (Hockney, 1985, p.16). A máquina Polaroid tem uma lente fixa de grande angular e tal como referimos anteriormente a execução de fotografias com esta máquina é um processo lento. Para além disso, pelas características da película, teriam de se conservar as margens, criando um retículo branco envolvente. (Hockney, 1985, p.17). 50 A Polaroid é a primeira máquina fotográfica de consumo a usar película de revelação instantânea. A primeira Polaroid foi inventada em 1947, sendo que a Polaroid SX-70 é um modelo de câmara produzida pela Polaroid Corporation 1972-1981, que permite foco manual. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 51 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico David Hockney começa a fazer novas experiências fotográficas com a utilização da máquina Pentax 11051 que permite a substituição e utilização de três lentes sendo uma delas era uma teleobjectiva. Esta máquina, embora possibilitasse o trabalho em espaços abertos,só permitia observar os resultados após a revelação. (Hockney, 1985, p.18). Começa assim a compor fotocolagens (Photographic Collages) e dá-lhes o nome de “joiners”, fotografias montadas pelas margens, de modo a que formem uma só. (Hockney, 1985, p.21). David Hockney primeiramente adopta o sistema de quadrícula. Posteriormente começa a perceber que as composições que fazia determinavam um resultado demasiadamente previsível. Considera que com esta nova forma de registo conseguiria recriar a série de olhares que compõem a visão ao movimentarmo-nos no espaço. Os fragmentos distintos incluídos na montagem não se apreendem enquanto elementos isolados pois associam-se ao movimento natural de percepção, sugerindo espaço expressando múltiplos pontos de vista contínuos. Desta forma, possibilitava a conexão do espaço com o tempo, à própria natureza do movimento. Não se trata portanto de um lugar estático nem de uma descrição cristalizada do mundo mas de uma materialização do próprio movimento que se constrói e se expressa através de colagens fotográficas, permitindo o contacto entre distintas distâncias. O interesse de David Hockney pela luz e pelo registo de diferentes enquadramentos é acentuado quando abandona os “joiners” a preto e branco e começa a utilizar a cor. (Hockney, 1985, p.10). Seis, ocho o doce imágenes de un lugar o de una velada són más informativas que las instantáneas sueltas, y este método demuestra además la intencionalidad que Hockney pone en sus fotografias. (Hockney, 1985, p.12) Assim, a percepção amplia-se e ilusoriamente move-se no espaço. As “joiners” integram múltiplos pontos de vista e esquemas de perspectivas, construídas de forma dinâmica. O tempo condensado expressa-se pela continuidade das agregações fotográficas. David Hockney apercebe-se que o espaço e o tempo teriam de estar relacionados pois não se poderia apreender o espaço com ausência de tempo e essa era uma das razões pela qual não se identificava com a fotografia isolada. (Hockney, 1985, p.18). 51 A Pentax 110 é uma máquina fotográfica Reflex (permite substituição de lentes) produzida entre 19881985. (Wikipédia, 2012) 52 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 26 – “Nicholas Wilder Studying Picasso”, 1982, composite Polaroid de David Hockney com formato original 48 ½ x 26 ½ (Hockney, 1985, p.32). Joana Cotter Salvado 53 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Los contornos se forman sobre la marcha, se interrumpen en la cuadrícula formada por los márgenes de la Polaroid, continúan su marcha o se vuelve en otra dirección descriptiva. En lugar de estorbar, la cuadrícula proporciona interstícios que el tema salta, invisible por un momento, para reaparecer, en uno cualquiera de los cuatro sectores del espacio adjacente. Lo que se pretendia era utilizar la fotografía para recrear la serie movediza, indagadora y fluctuante de miradas que componen la vision. (Hockney, 1985, p.14) Tal como os pintores cubistas se interessavam pela correspondência entre o espaço e o tempo (Hockney, 1985, p.11) David Hockney também demonstrava tal interesse adoptando novas formas de visão ao tentar destruir a ideia de janela. A ideia de janela é destruída com a pintura cubista na medida que o “objecto/tema” é desmembrado nas faces que o compõe. (Hockney, 1985, p.16). Una foto corriente es como mirar por la ventana. (Hockney, 1985, p.28) Quando Pablo Picasso pinta uma figura sob diferentes pontos de vista (Ilustração 21), representa a mudança de movimento que a nossa visão capta. David Hockney identifica-se com tal visão e regista o que percepciona ao recolher todas as alterações do nosso olhar ao mover-se no espaço e no tempo e reajustando continuamente a sua focagem. (Hockney, 1985, p.17). O quadro forneceria aos meus olhos mais ou menos o que os movimentos reais lhe forneciam: vistas instantâneas em série, convenientemente misturadas, como, no caso de um vivente, atitudes instáveis em suspenso entre um antes e um depois numa palavra, os exteriores da mudança de lugar que o espectador leria no seu traçado. (Merleau-Ponty, 2009, p.62) David Hockney cita o Cubismo, tentando representar a realidade de uma forma mais viva. (Hockney, 1985, p.15). Procura assim uma visão simultânea que abrange todos os aspectos da percepção humana ao longo de determinado intervalo de tempo. Ao movermo-nos, conjugamos diversos pontos de vista. Para além disso, o Cubismo ocupa-se do espaço entendido não só como algo que se percepciona mas que se vive. (Hockney, 1985, p.23). A inserção de tempo e de duração pela utilização de colagens fotográficas expressava a sensação de espaço permitindo possibilidades narrativas. A experiência de David Hockney realizada com a câmara fotográfica está fortemente relacionada com a continuidade do tempo e a fragmentação da percepção. Assim, abandona uma construção fotográfica estática, que parte da cristalização da visão sob um ponto de vista determinado, e procura o desencadeamento de uma continuidade ou narração de acontecimentos. David Hockney, ao operar a fotografia por sequências, acreditava que se aproximava da ideia de contar uma história, de narrativa. 54 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 27 – Retrato de Dora Maar52, (1936) Pablo Picasso (Walter, 2003, p.15) Hockney registra una vez más lo que ve y lo que siente. Son fotografias en las que no se trata de describir la realidad, y sí de convertirla en auténtica. (Hockney, 1986, p.29) Segundo Martine Joly53, a função da narrativa constitui uma dupla estrutura entre tempo e acção. (Joly, 2003, p.88). A fotografia para além de permitir uma imagem mental torna-se num suporte narrativo e ficcional transformando assim a relação entre ficção e realidade que lhe está associada. (Joly, 2003, p.91). Tal relação não é mais do que uma estratégia de comunicação, ou seja, uma representação visual do real. Podemos assim constatar que as formas novas das imagens e as possibilidades oferecidas pelas tecnologias mais recentes afectam o conteúdo e a forma da nova ficção ou da nova publicidade. (Joly, 2003, p.120) 52 Henriette Theodora Marković, poeta, pintora e fotógrafa francesa, conhecida por musa de Pablo Picasso. (Wikipédia, 2012) 53 Martine Joly, professora na Universidade Michel de Montaigne - Bordeaux III, é responsável pela formação de ofícios da produção audiovisual do Instituto Francês de Ciências de Informação e da Comunicação. Contribui e participa na elaboração de numerosos estudos sobre a imagem e o audiovisual, em França e no estrangeiro. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 55 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Na fotografia “O jogo de scrabble” (Ilustração 28), David Hockney intensifica a ideia de narrativa. A sessão demorou o tempo da partida. Durante uma hora e meia, David Hockney fotografa os acontecimentos, para posteriormente montar estes fragmentos numa só imagem. Ao reunir as fotografias produzidas durante a partida de scrabble apercebeu-se da possibilidade narrativa que uma composição fotográfica poderia expressar: como se estivesse a narrar o jogo. Parece-lhe interessante porque as composições continham espaço e tempo e que para além disso conseguia dedicar a cada acção determinado tempo. Pela utilização da técnica da fotomontagem enquanto registo, apercebia-se que conseguiria aproximar-se da visão natural. Ilustração 28 – “O jogo de scrabble”, de David Hockney, 1983. (Hockney, 2000, p.12) É o próprio acto de tomada de vistas que, com um operador de representação estruturado ortogonalmente por intermediário (o rectângulo da janela), gera a homologia estruturante entre os quatro espaços. Isso quer dizer que tiramos uma fotografia exactamente como olhamos o mundo. É por tomada de vistas se identificar com o nosso olhar (que é tudo o que define o acto fotográfico) que o espaço da fotografia parece “naturalmente” congruente com o espaço real tal como é captado pela nossa percepção corrente. (Dubois,1992, p.218) David Hockney decompõe o espaço e o tempo a partir do conjunto de instantâneos, sugerindo portanto movimento e a passagem do tempo que é retratado ao longo desse movimento. As experiências de David Hockney, através de múltiplas vistas, registadas através de fotografias são fundamentais para a compreensão de uma dinâmica perceptiva através da imagem fotográfica. 56 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Tal como referimos anteriormente, é esta dinâmica perceptiva que expressa o movimento pelo espaço arquitectónico. Ao deambularmos pelo espaço, o olhar capta a realidade, consoante a porção de espaço percorrida numa determinada porção de tempo. Ao transpormos esta procura de tempo e de espaço através da imagem fotográfica, para a arquitectura, mais uma vez procuramos afastarmo-nos do tempo condensado e fixo de apenas uma fotografia. Se o espaço é apreendido por fragmentos, reconstruídos na memória que expressam uma realidade, cada fotografia é um fragmento dessa mesma realidade. Ao referirmos o trabalho do fotógrafo David Hockney, pela importância do uso da fotografia enquanto procura da representação da percepção natural e apreensão do espaço que expressa diferentes estratos de tempo, mencionamos também o trabalho do arquitecto Enric Miralles54, que irá ser desenvolvido no subcapítulo 3.1 da presente dissertação. Enfocar la mirada, cada vez a un punto; tiene mucho que ver con vuestra arquitectura… Es como un collage… A veces parece una superposición de cosas distintas…pero en realidade miras una o miras otra…También tiene que ver com lo que hablábamos de la apertura de las posibilidades, com el modo de mirar un collage…Hay un conjunto de cosas, diversas pero vinculadas. Y la mirada enfoca una sola cosa, que manda una señal…Como aquellos retratos de Hockney que hacía com la Polaroid… (Miralles, 2000, p.14) Esta comparação é fundamental para evidenciarmos que tais ideias são preponderantes para a compreensão do espaço arquitectónico, igualmente pelo facto de Enric Miralles recorrer à colagem como meio do suporte do pensamento arquitectónico. Enric Miralles, ao elaborar fotomontagens, baseia-se na experiência artística de David Hockney, realizada entre 1982-1986, com a câmara fotográfica. (Miralles, 2000, 54 Enric Miralles Moya (1955-2000), arquitecto espanhol. Estudou arquitectura na Universidade Politécnica da Catalunha, Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona (ETSAB), onde se licenciou em 1979. Entre 1983-1990 trabalhou em parceria com a sua primeira mulher e arquitecta Carmen Pinós, licenciada também pela ETSAB em 1979. Entre 1990-1994 trabalhou sozinho e entre 1995-2000 colabora com a sua segunda mulher e arquitecta italiana Benedetta Tagliabue, graduada pelo Instituto Universitário de Arquitectura de Veneza (IUAV) em 1989. Benedetta Tagliabue trabalhou desde 1991 com Enric Miralles e em 1995 montam um estúdio, renomeado EMBT (Enric Miralles Benedetta Tagliabue), com sede em Barcelona. Após a morte de Enric Miralles, em 2000, Benedetta Tagliabue dá continuidade ao estúdio, até ao presente. (Mirallestagliabue, 2012) Joana Cotter Salvado 57 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico p.24). Como referimos anteriormente, é em Setembro do ano de 1982 que David Hockney começa a fazer photocollages (colagens fotográficas) e que através destas, lhe permite investigar a continuidade do tempo a par da fragmentação da forma, interagindo com o espaço. A importância do uso da fotografia, na procura de um diálogo com a arquitectura, que represente de uma forma coerente o espaço, permite a expressão do próprio espaço arquitectónico. A técnica da colagem a partir de fragmentos fotográficos assume um diálogo intenso com a arquitectura e como já foi referido introduz a noção de espaço-tempo na imagem. O processo é de tal modo interessante, que a arquitecta italiana Benedetta Tagliabue, que colaborou com Enric Miralles entre 1991-2000 (período anterior à sua morte), introduziu tal processo na apresentação do seu espaço de trabalho, no site de internet oficial do atelier. Tal como é apresentado na Ilustração 29, é construída uma narrativa que começa no espaço de entrada exterior e se prolonga até à sala mais privada do atelier. Esta apresentação é uma forma de fazer introduzir ao utilizador virtual, o processo criativo da arquitectura deste mesmo atelier. A narrativa assume-se como um percurso que propõe a descrição do espaço arquitectónico. Tal descrição é expressa através de momentos, que montados sequencialmente, traduzem o movimento pelo espaço de trabalho do atelier. La puesta en obra está incorporada a la forma de la arquitectura. El arquitecto no sólo proyecta el edificio, sino la estrategia de su construcción. Estar construyendo no es un trámite auxiliar, que se disuelve pontual y obedientemente para dejar paso la forma, toda ella predispuesta en el proyecto, sino que la construcción ya es arquitectura. La construcción, es cierto, es un momento efímero, destinado a desaparecer y quedar ocultado por la vocación de perennidad del edificio, pero lo arquitectónico está en ambos. Por eso son tan emotivas las lâminas donde se muestra el estibamiento, acarreo y levantamiento de los obeliscos egipcios, en Paris o Roma: mucho más que fijados en su enhiesta pasividad en medio de una plaza. Por eso las fotografías del transporte de los grandes monolitos para las obras de Plecnic, tirados por bueyes, son tan sugestivas, al menos, como las obras acabadas. Por eso en cualquier visita a un edificio construido hay un sentimento de insuficiencia, por parte nuestra, epígonos que no asistimos al primer acto de la forma: la construcción. (Quetglas, 2000, p.27) 58 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 29 – Esquema de percurso pelo espaço de trabalho do atelier EMBT (Enric Miralles Benedetta Tagliabue), (Mirallestagliabue, 2012) Joana Cotter Salvado 59 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 60 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 3.0 FRAGMENTO, M ANIPULAÇÃO E FICÇÃO NA N ARRATIVA DA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA To enter is to see. But not to see a static object, a building, a fixed place. (Colomina, 1996, p.5) A fotografia estabelece uma significativa relação entre espaço e tempo. O registo do espaço através da imagem fotográfica poderá ser entendido enquanto espaço representado ou fotográfico. É um espaço fixado e extraído da realidade e portanto uma fracção de espaço, isolado e expresso pelo instante fotográfico, um corte temporal. Ao longo da presente dissertação, a aproximação da expressão da duração do tempo, da visão natural e da procura da sensação de espaço através da fotografia é aliada a associações visuais, mentais que propõem um diálogo intenso da fotografia com a arquitectura. A compreensão e apreensão do espaço arquitectónico pela fotografia são associadas a novas técnicas fotográficas que poderão formar composições narrativas, permitindo uma nova representação entre espaço e tempo. La arquitectura es el instrumento principal de nuestra relación com el tiempo y el espacio y de nuestra forma de dar una medida humana a esas dimensiones; domestica el espacio eterno y el tiempo infinito para que la humanidad lo tolere, lo habite y lo comprenda. (Pallasma, 2006, p.16) Assim, ao considerarmos que o espaço fotografado é apenas um fragmento da realidade, a noção de colagem é introduzida enquanto técnica criativa que permite a articulação de fragmentos. Na presente dissertação, investigamos a metodologia de trabalho e representação por meio da fotogorafia do arquitecto catalão Enric Miralles (19952000). Enric Miralles interessa-se pela associação entre espaço e tempo, apropriandose da fotografia. A importância da referência deste arquitecto na presente dissertação, prende-se com o incorporar de diferentes fragmentos fotográficos no mesmo plano, enquanto forma de expressão e aproximação à arquitectura. Miralles utiliza um conjunto de fotografias enquanto estímulo no desenvolvimento de um projecto, pois cada fotografia proporciona um diferente momento num determinado instante. A utilização da fotografia por Enric Miralles é uma forma de registo e representação que permite a procura de um carácter narrativo, no processo de desenvolvimento de um projecto. Utiliza o mecanismo de colagem considerando que um conjunto de fotografias, tal como um conjunto de olhares, constrói o espaço. A importância de manipular fotografias e documentos que guiam o pensamento na procura e Joana Cotter Salvado 61 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico compreensão do espaço arquitectónico, permite estruturar a percepção global da sua arquitectura. O projecto de requalificação do Mercado de Santa Caterina, é um dos exemplos dessa interacção de elementos gráficos diversos, enquanto mecanismo de estudo do lugar e representações do modo de percepcionar. Ao longo da presente dissertação, a fotografia é também entendida enquanto acto de transformação da arquitectura fotografada permitindo uma expressão de ideias e de significados. Andreas Gursky, é um dos artistas/fotógrafos referidos, por utilizar a fotografia como composição pictórica como uso de técnicas de tratamento de imagem e manipulação digital. Ao construir composições fotográficas, multiplicando elementos da própria imagem, constrói a sua realidade fictícia. A evolução de técnicas fotográficas (manipulação digital), possibilitam novas formas de expressão do espaço arquitectónico, utilizadas também por fotógrafos contemporâneos, no modo como representam a arquitectura. Andreas Gursky, não se limita a descrever a realidade mas sim a construir a sua própria “realidade” onde cada detalhe é multiplicado e manipulado, ampliando o tempo de contemplação por parte do observador. A fotografia distancia-se, assim, do objecto de representação, autonomizandose enquanto objecto de arte ou sistema de representação. A imagem fotográfica produzida adquire um papel fundamental na compreensão da arquitectura, revelando e tornando sua a autenticidade do objecto arquitectónico. A fotografia recria a nossa percepção, considerando-a como mecanismo de comunicação e sedução da própria arquitectura, sugerindo ainda a maneira de a percepcionar. Este novo modo de visão, aproxima a percepção à simulação do espaço arquitectónico que tende a estetizar-se de forma a seduzir o observador através da imagem fotográfica. Enquanto sistema de comunicação, transforma o espaço arquitectónico na sua versão mais autêntica,idealizando-a. A referência do fotógrafo/artista Thomas Demand, é fundamental por ultrapassar a ideia base de comunicação nas suas imagens fotográficas. Os acontecimentos são construídos pelo artista em espaços, através de maquetes à escala real, que destrói após as fotografar. O espaço como construção e a fotografia como resultado final de uma expressão de um conjunto de significados de determinado acontecimento reforça a ideia de ficção, no contexto da representação pela imagem fotográfica. 62 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A percepção, o registo e a representação são uma síntese global indissociável para a compreensão do espaço arquitectónico através da fotografia. A divisão destas três componentes e consequente exemplificação com o trabalho dos autores: Enric Miralles, Andreas Gursky e Thomas Demand, permitem-nos compreender o modo como apreendemos a arquitectura a partir da fotografia. Destacamos o arquitecto Enric Miralles por procurar a incorporação e a percepção global da sua arquitectura pela utilização da fotografia, Andreas Gursky pela construção de composições fotográficas e o forte papel da simulação e manipulação digital no seu trabalho e Thomas Demand por ir mais além da representação do espaço arquitectónico, ao interpretar uma imagem, construir espaço e fotografá-lo, permanecendo apenas a fotografia, enquanto representação de uma interpretação e enquanto resultado final. It is a space that is not made of walls but of images. Images as walls. (Colomina, 1996, p.6) No entanto, é na síntese destas três ideias chave que encontramos a verdadeira definição de espaço arquitectónico apreendido através da fotografia. Joana Cotter Salvado 63 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 64 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 3.1 PERCEPÇÃO E FRAGMENTO: ENRIC M IRALLES Las cosas son como puzzles que van encanjando…(Tuñonat at al, 2000, p.19) Como referimos anteriormente, a fotografia teve um papel fundamental para a produção e divulgação da arquitectura moderna, possibilitando novos modos de apreensão e percepção do espaço arquitectónico. A arquitectura contemporânea está intimamente ligada à noção de fragmento como mecanismos de projecto para a elaboração de formas (Montaner, 2002, p.186). A colagem, enquanto técnica criativa e estratégia formal, articula diferentes fragmentos, possibilitando a decomposição e a percepção do objecto total. Introduzida por Pablo Picasso, artista referido anteriormente nesta dissertação, e o pintor francês George Braque55, esta técnica permitia a utilização livre de materiais incorporados num mesmo plano. Criávam-se novas expressões visuais, afastando a tradicional pintura feita a óleo e suporte de tela. A colagem assume-se enquanto mecanismo técnico e visual que permite uma expressão mais próxima da realidade, e uma procura da tridimensionalidade do objecto. Ao percepcionarmos a arquitectura, interligamos os sentidos permitindo articular e armazenar um conjunto de ideias sensoriais fundamentais para a compreendermos. (Pallasma, 2006, p.10) A construção de edifícios tem uma recepção de dois tipos: através do uso ou através da sua percepção. Melhor dizendo: táctil e óptica. (Benjamim, 1992, p.109) With photography, seeing the world becomes not only a matter of spacial distance but also of the time-distance to be eliminated: a matter of speed, of acceleration or deceleration. (Virilio, 1994, p.21) A colagem é portanto, um conjunto de diferentes vistas, que, ao se sobreporem num mesmo plano facilitam a apreensão do espaço arquitectónico. Quando referimos a colagem enquanto mecanismo que constrói e expressa um determinado espaço arquitectónico, transportamos esta ideia para a fotografia. 55 George Braque (1882-1963) foi um escultor e pintor francês. Em 1907 conhece Pablo Picasso com quem colabora artisticamente e funda o movimento cubista. Entre 1910 e 1912 começa a trabalhar com colagens. (Georgebraqueorg,2009) Joana Cotter Salvado 65 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 30 - Still Life on a Table 'Gillette', 1914, George Braque (georgebraque.org, 2009) Ilustração 31 - Violin and Pipe 'Le Quotidien', 1913, George Braque (georgebraque.org, 2009) 66 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico O registo do espaço arquitectónico através da fotografia, ou o espaço fotografado não é mais do que um fragmento da realidade, fixado pela câmara fotográfica. Tal como referimos no subcapítulo 2.2 da presente dissertação (p.31,p.33), este espaço fotografado é uma extracção da realidade, um espaço necessariamente parcial e fixado pela câmara fotográfica. (Dubois, 1992, p.181) Contudo, para percebermos a importância da fotografia, enquanto registo do espaço arquitectónico será fundamental considerarmos que: 1. Apenas uma fotografia é insuficiente para a compreensão e leitura do espaço arquitectónico 2. Um conjunto de fotografias pode funcionar enquanto suporte de memória de um determinado lugar 3. Um conjunto de fotografias pode estimular uma ideia no desenvolvimento de um projecto Estas ideias são essenciais para percebermos que uma fotografia isolada expressa apenas um fragmento da realidade. E este será uma vez mais o ponto de partida para o desenvolvimento deste subcapítulo da presente dissertação. No trabalho do arquitecto e artista visual romeno Iosif Kiraly56, a segunda premissa mencionada - Um conjunto de fotografias pode funcionar enquanto suporte de memória de um determinado lugar - reflecte o modo como regista o espaço. Na série “Reconstruções”, uma das suas exposições fotográficas individuais, o artista apresenta diversas montagens fotográficas. Com a utilização da fotografia digital, reconstrói lugares percepcionados em diferentes estratos de tempo. As fotografias apresentadas pelo artista são constituídas pelo dualismo entre espaço e a sua mutação pelo tempo, representando portanto a acumulação de experiências em determinado lugar pela passagem do tempo, que altera a percepção que temos dele. O espaço adquire uma estrutura narrativa, que pretende expressar 56 Iosif Kiraly nasceu em 1957 na cidade de Resita, na Roménia. Arquitecto doutorado em artes visuais, é professor adjunto na Universidade Nacional de Artes, em Bucareste onde funda o departamento de fotografia Em 1990 colabora com o artista romeno Calin Dan fazendo uma associação com Iosif Kiraly (arte subREAL). Em 2000 colabora com Mariana Celac, arquitecta urbanista e crítica de arquitectura, em diversos projectos fotográficos relacionados com ambiente urbano e vida quotidiana, num período póscomunista na Roménia. Também a partir de 2000, Iosif Kiraly monta uma série de exposições individuais, entre elas “Reconstruções”, em 2003 - projecto iniciado em 2000. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 67 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico momentos diferentes pela criação de diversos tipos de visualidade que se sobrepõem em sequência, num mesmo plano. Nesta série, a reconstrução da realidade através de técnicas fotográficas digitais leva a diversas mudanças de percepção, recorrendo à memória que possibilita o registo do tempo no espaço. O trabalho fotográfico de Iosif Kiraly é fundamental para percebermos que o conjunto de fotografias, organizadas num mesmo plano proporciona a leitura do espaço funcionando enquanto suporte de memória desse mesmo lugar. Ilustração 32 – Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) Ilustração 33 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) Ilustração 34 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly. (Iokira, 2012) 68 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 35 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly (Iokira, 2012) Ilustração 36 - Untitled, 2003-2005, Iosif Kiraly (Iokira, 2012) Há uma dupla posição conjunta: de realidade e de passado. E, uma vez que esse constrangimento só existe para ela, devemos tomá-la, por redução, pela própria essência, o noema da Fotografia. Aquilo que intencionalizo numa foto (não falemos ainda de cinema), não é nem a Arte nem a Comunicação, é a Referência, que é a ordem fundadora da Fotografia. O nome do noema da Fotografia será então «Isto-foi» ou, ainda o Inacessível. Em latim (pedantismo necessário porque ilumina cambiantes), dir-se-ia sem dúvida: «interfuit», aquilo que vejo esteve lá, nesse lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (operator ou spectador). Esteve lá e, contudo, imediatamente separado; esteve absolutamente, indesmentivelmente presente, e, todavia, já diferenciado. (Barthes, 2009, p.87) Joana Cotter Salvado 69 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Com Iosif Kiraly podemos estabelecer uma forte ligação com o trabalho fotográfico de David Hockney, já mencionado anteriormente na presente dissertação. Ambos os artistas pretendem representar a possibilidade da fotografia ganhar espaço e tempo, algo que uma fotografia por si só é incapaz de fazer. O entendimento arquitectónico do espaço é revelado a par da procura da sua narrativa visual pela tomada de diferentes vistas capazes de reconstruir e expressar a leitura total do espaço. Como referimos no segundo subcapítulo da presente dissertação, as fotografias de David Hockney pretendem afastar-se de uma visão fixa e estática, revelando a “dinâmica natural do olhar” (Hockney, 1985, p.11). David Hockney entendia que ao afastar-se da “mecânica da percepção” (Hockney, 1985, p.10) conseguiria ampliar o campo perceptivo e expressar o tempo e o enquadramento de cada ponto de vista nas suas mais variadas composições. Mas, mais do que referir David Hockney e o seu processo de registo da realidade é essencial relacioná-lo com a intenção de produzir uma mais eficaz sensação de espaço. Uma fotografia “fixa até ao ponto de congelação” (Hockney, 1985, p.7) e por consequência a “visão torna-se fixa” (Hockney, 1985, p.7) o que contradiz a deslocação natural do movimento no espaço e o reajustamento constante da nossa focagem. Ao reunir fotografias num mesmo plano, Hockney incorpora diferentes tomadas de vista expressando espaço e tempo nas suas representações fotográficas. A conjugação de momentos simultâneos oferecia a capacidade de construir uma narrativa visual capaz de expressar o movimento intencional da percepção. O meu corpo móbil conta no mundo visível, faz parte deste, e por isso dirigi-lo no visível, faz parte deste, e por isso posso dirigi-lo no visível. Por outro lado, não é menos verdade que a visão está suspensa do movimento. Só se vê aquilo para que se olha. Que seria da visão sem qualquer movimento dos olhos, e como não confundiria o seu movimento as coisas se ele próprio fosse reflexo ou cego, se não tivesse a sua sensibilidade, a sua clarividência, se a visão não se antecipasse nele? Todas as minhas deslocações figuram, por princípio, num canto da minha paisagem, reportam-se ao plano visível. (Merleau-Ponty, 2009, p.19-20) É a conjugação de diversos fragmentos fotográficos que permite expressar uma dimensão espacial. Tal dimensão, pela utilização do mecanismo da colagem permite também o desenvolvimento abstracto dos sentidos, estimulando a 70 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico imaginação57, pela interacção constante destes mesmos sentidos, definindo a expressão das intenções no contexto de um projecto de arquitectura. Enunciamos o trabalho do arquitecto Enric Miralles, já citado anteriormente na presente dissertação, como forma de desenvolver a terceira premissa mencionada um conjunto de fotografias pode estimular uma ideia no desenvolvimento de um projecto. Enric Miralles elabora fotomontagens procurando expressar a continuidade do tempo e a tentativa de narrar a leitura global do espaço. A noção de espaço-tempo a partir da incorporação de diferentes fragmentos fotográficos num mesmo plano é uma forma de aproximação e expressão da arquitectura. Ao fazermos referência à importância da união de diferentes fotografias, mencionamos também a interacção de diferentes elementos gráficos tais como o desenho livre, o desenho técnico e a imagem que contribuem para uma visão estruturada, permitindo uma percepção global e integradora no trabalho criativo dos arquitectos. Consequentemente a percepção amplia-se pela utilização desse conjunto de elementos gráficos ou fragmentos que estimulam e materializam o pensamento. O arquitecto catalão Enric Miralles interessa-se na fundamental relação entre tempo e espaço. Defendia que a arquitectura permitia a relação tanto com o espaço como também com o tempo, por serem estas as suas dimensões existenciais. Mas, a arquitectura implementa uma especificidade com o local, evocando um sentido de continuidade tanto espacial como temporal. Por isso alcança esta especificidade de espaço e de tempo contínuo, incorporando-os e expressando-os por meio de imagens. Movemo-nos através do espaço e experienciamos a arquitectura por camadas de tempo. Cada momento constrói uma visão diferente que proporciona uma nova apreensão da arquitectura. O seu processo de projecto liga-se a esta dinâmica de pensamento capaz de estimular a percepção e compreensão do espaço arquitectónico. Desta forma, liga a sua arquitectura com uma maior intensidade imaginativa, conjugando referências e interesses pessoais para sustentar e 57 Segundo Gaston Bachelard a imaginação é “a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de nos libertar das imagens primeiras, de mudas as imagens. Se uma imagem presente não faz pensar em uma imagem ausente, se uma imagem ocasional não determina uma prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens, não há imaginação.” (Bachelard, 1993, p.1) Joana Cotter Salvado 71 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico desenvolver a concepção de cada obra. Reconstrói ideias afastando-se de uma concepção clássica da arquitectura, utilizando tais processos metodológicos na construção do projecto arquitectónico. Ilustração 37 – Ampliação do Museu Real de Copenhaga, 1992 (Miralles, 1995, p.44-45) 72 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico No processo criativo de Enric Miralles, a fotografia e o processo de colagem, somam-se como peças de um puzzle, capazes de construir espaço. A fotografia aproxima-se assim do processo criativo da arquitectura, activando o espaço ao afastar-se da sensação de quietude e estaticismo. (Miralles, 1995, p.21) Com él, no sólo cualquier momento del proyecto ya es arquitectura: estar dibujando, estar visitando, estar conversando no son preparaciones y requisitos documentales para alcanzar una finalidad posterior, sino que en ellas mismas ya consiste lo arquitectónico. (Quetglas, 2000, p.28) Ilustração 38 – Grande Canal de Veneza, fotomontagem de Enric Miralles para a Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio). (Miralles, 2000, p.194) Joana Cotter Salvado 73 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Quando diferentes fragmentos, ou documentos gráficos que possuem cada um isoladamente um tempo se reúnem num mesmo projecto despontam uma percepção simultânea reveladora de uma representação contínua. A conjugação de diferentes fragmentos permitirá um apoio fundamental no acto da criação arquitectónica. (Ilustração 38,40) Focar o olhar pela utilização de diversos instantes fotográficos, é como uma colagem que por vezes parece uma sobreposição de coisas distintas mas na realidade observamo-las em separado. A forma como observamos uma colagem relaciona-se com a abertura de possibilidades que revela o processo de conhecimento e descoberta da arquitectura sendo esta a forma como percepcionamos a realidade. El collage es un documento que fija un pensamiento en un lugar, pero lo fija de manera vaga, deformada; fija una realidade para poder trabajar con ella. (Miralles, 1995, p.7) Ese sentido narrativo de las cosas a mí me interesa muchísimo. (Tuñon at al, 2000, p.15) Enric Miralles acredita que a procura de um carácter narrativo no processo de elaborar um projecto é fundamental para esta descoberta de novas possibilidades. Nas suas montagens fotográficas Enric Miralles revela a importância de ligar diversos elementos enquanto fragmentos de um mesmo projecto promovendo uma visão que vai mais além das suas próprias limitações. A percepção amplia-se quando o observador se move no espaço e é a consolidação de fragmentos que proporciona a combinação de diversos olhares. Afastamo-nos, assim, desse lugar estático, representando e materializando o próprio movimento que expressa uma sensação arquitectónica. Yo no trabajo nunca por reducción sino que intento revelar las multiplicidades, las singularidades…(Zaera at al, 1995, p.18) O espaço é em si, ou, melhor, é o em si por excelência, a sua definição é de ser em si. Cada ponto do espaço é e é pensado aí, onde é, um aqui, o outro ali, o espaço é a evidência do onde. Orientação, polaridade, envolvimento são nele fenómenos derivados, ligados à minha presença. Ele repousa absolutamente em si, em todo o lado, igual a si, homogéneo, e as suas dimensões, por exemplo, são por definição substituíveis. (Merleau-Ponty, 2009, p.40-41) A metodologia utilizada por Enric Miralles no acto de projecto da sua arquitectura é baseada na fusão de técnicas e suportes com a finalidade de estimular múltiplas interpretações e ideias. Manipular documentos gráficos conjugando o desenho e a fotografia são bases que guiam o seu pensamento na procura e compreensão do espaço arquitectónico (Ilustração 40). 74 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 39 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio) fachada norte sobre o rio San Nicoló, 1998, fotomontagem de Enric Miralles (Miralles, 2000, p.143) A este processo Enric Miralles denomina de acumulação. A experiência real de um espaço está ligada a uma referência anterior e é noção de memória que produz novas descobertas e o que gera conhecimento nos arquitectos. Mais uma vez referimos a importância do tempo e a sua estreita relação com o espaço. O tempo que experienciamos é completado por um tempo referencial, que não é mais do que o conjunto de significados que compõem a memória. Por um lado Enric Mirallles baseiase nas referências a trabalhos e experiências anteriores, por outro incorpora-os e relaciona-os com passado histórico e cultural do local onde está implantado o projecto. Esse conjunto de referências e a sua arquitectura referencial é representada por imagens que evocam a memória. A incorporação de diversos elementos gráficos nos seus desenhos é uma forma de expressar essa mesma memória, veinculando a criatividade. Lo que a mí me interesa es una suerte de incorporación, de integración infinita. (Miralles, 1995, p.21) Joana Cotter Salvado 75 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 40 - Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio), plano geral realizado na primeira fase do concurso (Miralles, 2000, p.80) Esta arquitectura referencial é expressa e representada por fragmentos de instantes, por imagens que trazem de volta lembranças e significados para a experiência do espaço arquitectónico. É portanto um processo de raciocínio, de percepção da arquitectura e do seu registo que permite a fuga da realidade para a memória. (Ilustração 34). Enric Miralles defende que novas ideias poderão ser desenvolvidas a partir da memória de como apreendemos a arquitectura e como aplicamos as experiências a novos projectos. Un proyecto consiste en saber atar múltiples líneas, múltiples ramificaciones que se abren en distintas direcciones. (Miralles, 1995, p.10) El collage es un documento que fija un pensamiento en un lugar, pero lo fija de manera vaga, deformada; fija una realidade para poder trabajar con ella. (Miralles, 1995, p.7) A ideia de narrativa é expressa pelo modo como Enric Miralles trabalha e representa as suas obras através da imagem fotográfica. Utiliza colagens e fotomontagens, defendendo que só um conjunto de peças e de fragmentos que se ligam constituem algo que conseguirá expressar a complexidade do seu processo projectual. 76 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Enric Miralles compreende a arquitectura estabelecendo esta ideia de continuidade que é evidenciada quando se refere ao processo de raciocínio, enquanto um processo de acumulação. Mas, quando referimos a ideia de continuidade mediante a estruturação do pensamento, também poderemos falar do aspecto de repetição, bastante presente ao longo do trabalho do arquitecto. Me gustaría primeramente insistir en que lo que yo entiendo por estilo no es la repetición sistemática de gestos formales, sino que es algo que proviene de una forma de operar. Los gestos que determinan mi obra nacen de una serie de interesses específicos, independientemente del resultado espacial que adquieren. Es una especie de repetición sistemática de ciertos actos, que dan coherencia a las cosas. Una buena parte del trabajo se produce casi por pura acumulación, por repetición. Cada dibujo que hago, lo repito treinta veces, y mis colaboradores lo repiten otras tantas. Yo creo que la repetición está dirigida a encontrar la estructura precisa de las condiciones físicas del lugar, la escala, las dimensiones…(Miralles, 1995, p.13) A repetição é essencial pois cada novo desenho efectua uma operação de esquecimento e os documentos que se vão gerando têm uma coerência interna. Tratase de um critério de coerência que articula toda a procura do espaço arquitectónico. Susan Sontag, também considera que a fotografia possibilita a construção da nossa memória. As fotografias, ao apropriarem-se da realidade, tornam-se peças ou miniaturas desta mesma realidade. (Sontag, 1979, p.4). Como afirma: “To collect photographs is to collect the world.” (Sontag, 1979, p.3). Mas, mais do que serem entendidas enquanto forma de registo e representação da realidade, as fotografias permitem uma construção idealizada dessa mesma realidade, capaz de produzir um imaginário. A fotografia fixa um momento que permite a composição da nossa memória. Com a idade de 5anos, estando de férias na costa belga, em Oostende, num dia de Julho, entrei num desses jogos de praia, habitualmente organizados para ocupar as crianças, de algum modo com o objectivo de as fazer matar o tempo. Tratava-se de uma vulgar corrida ao longo do molhe: 300 metros, com prémios sem significado. Nesse dia, por acaso, eu ia destacado à cabeça, 25 metros antes da meta. Tinha praticamente a corrida ganha quando, junto dos familiares e assistentes, me apercebi do meu pai apontado na minha direcção a máquina fotográfica, no intuito de fixar o momento para a posteridade. Quando vi a máquina, sem dúvida com a ideia de ser “apanhado” por ela, parei imediatamente e fixei o meu pai, que me fixava. Liberto da surpresa – mas com a fotografia já tirada –, o meu pai bem me incitou a continuar, tornar a partir, correr. Mas, nada feito. Permaneci imóvel ante os gritos, perfeitamente petrificados – a fotografia aí está, justamente para o mostrar. Todos os concorrentes que vinham atrás de mim acabaram por me passar, nas minhas costas. Eu nem sequer cortei a linha de chegada. (Dubois, 1992, p.165) Como já referimos anteriormente, uma fotografia parece ser insuficiente para uma leitura total do espaço arquitectónico e principalmente pelo conjunto de pontos de vista que construimos ao movimentarmo-nos pelo espaço. A essência arquitectónica Joana Cotter Salvado 77 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico não poderá assim ser revelada com apenas um olhar que incorpora um determinado tempo, porque descobrimos a arquitectura ao movermo-nos no espaço. A colagem, enquanto conjunto de pontos de vistas em simultâneo é uma técnica utilizada como forma de reconstruir tanto um processo de pensamento como um processo de compreensão da realidade. Reconstrói a realidade baseada na conjugação de diferentes elementos e multiplicidade de vistas, que intervêm e suportam o desenvolvimento de um projecto. Ilustração 41 – Escola de Arquitectura de Veneza (1998, concurso, primeiro prémio, segunda fase) Fotomontagem com as escadas de San Giacomo (Miralles, 2000, p.151) Enric Miralles relaciona diferentes sistemas gráficos de registo sobrepostos que funcionam em simultâneo e que intensificam o desenvolvimento de um projecto e a exploração do espaço arquitectónico. O projecto do Mercado de Santa Caterina (19972005)58 é um exemplo desse princípio. 58 Mercado de Santa Caterina, localizado em Barcelona. A construção do projecto é posterior à morte de Enric Miralles, falecido em 2000. Contudo, é Benedetta Tagliabue, sua mulher até ao momento que dá continuidade ao projecto. (Miralles, 2000, p.33) 78 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Situado no distrito de Ciutat Vella de Barcelona, junto à Catedral, o projecto inicia-se com uma análise ao planeamento existente propondo um modelo urbanístico da adaptação à complexidade do lugar. O projecto vai mais além da proposta do mercado, enquanto edifício isolado, satisfazendo um importante papel na recuperação urbanística da área em que se insere. O Mercado de Santa Caterina, originalmente um convento do séculoXIII – convento dos Pregadores de Barcelona59 – mais conhecido como convento de Santa Caterina, serviu como base para criar uma reordenação urbana em todo o bairro de San Lorenzo, revitalizando esta zona privilegiada da cidade. Apesar do convento ter sofrido um incêndio em 1837 e ter sido construído um mercado em 1845, muitos vestígios arqueológicos da construção originária permaneceram. O mercado construído em 1845 servia para fornecer alimentos ao bairro, cuja população maioritária era a classe trabalhadora. Com o pós-guerra, o mercado tornouse num centro de abastecimento, não só para a população do bairro como também para as “cidades” vizinhas como Sant Adrià de Besòs, Santa Coloma de Farners ou Mataró. Com o novo projecto do atelier EMBT, a construção do novo mercado sofreu uma fase de escavação para incorporar um parque de estacionamento subterrâneo. Em 2001, surgiram restos arqueológicos do convento dos Pregadores de edifícios religiosos e uma necrópole tarde-romana. O local do projecto remete-nos para uma história existente desde o séculoXIII e portanto seria importante mantê-la, conjugando-a com o novo mercado. A intervenção de EMBT sobre a arquitectura pré-existente adaptou não só a sua própria realidade espacial, dimensional e construtiva, mas também considerou as sucessivas transformações que foram referências fundamentais no discurso arquitectónico com aquele lugar. 59 Convento dos Pregadores de Barcelona é uma das fundações monásticas que impulsionou o Bispo Berenguer de Palou – Bispo de Barcelona, entre 1212 e 1241. Construído no séculoXIII, mais especificamente no ano de 1219, foi o primeiro convento dominicano na Península Ibérica e um dos primeiros exemplos arquitectónicos de gótico catalão. O convento representa a introdução do modelo de Igreja Gótica na Catalunha. Arquitectonicamente, o convento é constituído por uma só nave, com capelas entre contrafortes, abóbadas nervuradas e abside poligonal. Em 1835, o complexo do Convento sofreu um incêndio e foi demolido no início de 1837, apesar da sua condição relativamente boa, com o objectivo de modernizar a cidade. Em seu lugar surgiu o mercado de Santa Caterina em 1845 e em 2005 foi construído o novo mercado com o projecto de arquitectura do estúdio EMBT - Enric Miralles e Benedetta Tagliabue. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 79 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 42 – Planta do Convento de Santa Caterina, durante o primeiro terço do séculoXIX. (Miralles, 2000, p.14) Lo que ocurre es que las ideas no estan fijadas a una imagen de ciudad, a la idea de calle o la idea de casco histórico…Seguramente cuando empiezo el retrato de una calle que al final termina disolviéndose en la paisage tengo que buscar la forma de trabajar con ella…(Miralles, 1995, p.9) 80 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 43 – Secção do claustro e Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt, 1886. (Miralles, 2000, p.15) Ilustração 44 – Secção da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.15) Joana Cotter Salvado 81 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 45 - Cobertura da Igreja de Santa Caterina, Josep Casademunt (1837), publicados por Adrà Casademunt , 1886. (Miralles, 2000, p.16) La superposición de los distintos momentos en el tiempo ofrecen el espectáculo de las possibilidades. Abren un lugar al juego de las variaciones. (Miralles, 2000, p.33) O novo mercado de Santa Caterina é um projecto com uma complexa relação com o tempo e com o pré-existente. As camadas de tempo dão história ao lugar e é ao considerá-las, que esse mesmo lugar permite ser reconstruído. O acesso a estas camadas é feito por desenhos e imagens fotográficas e mais uma vez referimos o papel da fotografia enquanto suporte de memória de um determinado lugar. 82 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A importância deste processo de sobreposição de diferentes momentos permite a compreensão do lugar, que com base em elementos visuais possibilita a percepção na sua totalidade, conjugando os diferentes tempos do local. Hay que contar com esa superposición de cosas. El truco siempre es el mismo: intentar que tenga la misma importancia la traza del monasterio que la traza de un momento en el que todo estuviera destruido – o la de un camino que pasase por allí en medio -, como si todas esas cosas pudieran tener la misma importancia. (Miralles, 2000, p.10) As fotomontagens que EMBT, enquanto mecanismo do estudo do lugar e da sua passagem do tempo são representações da forma de percepcionar remetendonos para o trabalho fotográfico do artista David Hockney. A procura do tempo na interligação de instantes fotográficos é fundamental para a apreensão do lugar. Tal como é demonstrado tanto na Ilustração 46 como na Ilustração 47, o lugar é narrado por meio de imagens que se sobrepõem e que possibilitam a leitura do espaço. Na Ilustração 46, EMBT descreve através da imagem fotográfica o mercado pré-existente, sendo o mesmo método empregue para o decorrer da obra. A fase de escavação (Ilustração 47) foi uma fase preponderante tanto para o desenvolvimento do projecto assim como para a descoberta de vestígos arqueológicos pertencentes ao convento pré-existente. Estes vestígios são incorporados na proposta do novo mercado, marcando desta forma um tempo histórico. O projecto inclui um reservatório que funciona como um pequeno museu arqueológico possibilitando a compreensão da evolução da terra desde os tempos pré-históricos, até à fundação do mercado. A estrutura do novo mercado de Santa Caterina é reconstruída sobre as ruínas do antigo convento dos Pregadores de Barcelona albergando uma praça coberta com cerca de 70 postos de venda para uma área coberta aproximada de 5.500m2, com um lote com uma área de 7.000m2. O novo mercado cumpre ainda com um importante papel na recuperação da área urbanística onde está inserido. Do projecto fazem parte novos serviços que converteram Mercado de Santa Caterina num motor de revitalização comercial, cultural e social. É desta forma, um projecto global que revitaliza e transforma todo o bairro. (Miralles, 2005, p.59). Joana Cotter Salvado 83 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 46 – Mercado de Santa Caterina anterior ao projecto de EMBT, fotomontagem 1997 (Miralles, 2000, p.32) Ilustração 47 - Mercado de Santa Caterina, fase de escavação, fotomontagem 1999 (Miralles, 2000, p.32) Necesitas tener una especie de documento donde esté condensado el tiempo en este sitio. Pero no para considerar que tu proyecto sea un paso más, no – como si hubiera detrás una idea linea -, sino casi como si el tiempo – a mí, me gusta pensarlo así -, en vez de tenerlo a la espalda, lo tuvieras delante de ti…(Miralles, 2000, p.10) Al final estás trabajando no sólo con la realidad física del momento, sino com la realidad física de todo lo que también ha estado allí, que ha ido construyendo el sitio. Y de ahí volveríamos a las medidas, a las cosas que son habituales. (Miralles, 2000, p.10) 84 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 48 – Momentos da construção do mercado de Santa Caterina que partiu de pesquisas arqueológicas (Miralles at al, 2005, p.13) Para além destes vestígios, é claro que a memória intervém como lugar de armazenamento das sugestões colhidas aqui e ali, nas leituras, nos visionamentos e/ou contemplações. (Joly, 2003, p.199) Para além de uma zona de postos de mercado e de um reservatório arqueológico, o projecto propõe uma ampliação de estacionamento que se estende para a Avenida Cambó, com 250 novos lugares. Tanto o sistema de acessos como a área de serviços é redesenhado, criando espaço público que abre a velha construção do mercado para o interior do bairro de Santa Caterina. A remodelação do mercado inclui também 59 novos apartamentos, em dois edifícios. O projecto engloba edifícios residenciais, com uma arquitectura exterior que permite criar uma continuidade com o mercado. Joana Cotter Salvado 85 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 49 – Mercado de Santa Caterina, fotomontagem 2005 (Cosenza, 2008, p.21) Ilustração 50 – Edifícios Residenciais (Cosenza, 2008, p.26) É a combinação total destas unidades que conseguiria uma imagem viva e densa e que a ajudaria a permanecer através de uma grande área metropolitana. (Lynch, 1989, p.121) 86 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 51 – Planta de Cobertura. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40) Ilustração 52 – Planta ao Nível Térreo. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.39) Joana Cotter Salvado 87 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 53 - Planta à cota +9.15m. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.40) Ilustração 54 – Secções Longitudinais. Mercado de Santa Caterina, 2005. (Miralles, 2000, p.38) 88 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 55 – Esquema de plantas dos diferentes níveis dos dois edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) Ilustração 56 – Secção Longitudinal do Mercado de Santa Caterina com Alçado dos edifícios residenciais. (Cosenza, 2008, p.26) É criado um sistema urbano que interliga uma área residencial com o espaço de mercado e que estrutura o espaço público exterior, permitindo uma dinâmica contínua entre o pré-existente, a construção nova e as áreas urbanas circundantes. Mais uma vez é relevante referir que só a partir de uma sobreposição de acontecimentos num determinado lugar e sua interpretação se poderá introduzir uma boa relação do desse mesmo lugar com o envolvente. O processo anteriormente referido como processo de acumulação é neste projecto bastante revelante considerando que o lugar do projecto é marcado temporalmente por diversas intervenções e que o conjunto de imagens são fundamentais para o percepcionar e compreender. Joana Cotter Salvado 89 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Mas, esta continuidade/unidade entre esta estrutura pré-existente e a nova construção é marcada tanto pelo percurso como pela ainda mais marcante cobertura que se prolonga ao longo do novo Mercado de Santa Caterina. A essência do projecto baseia-se no desenho desta cobertura. A interligação é conseguida através deste elemento que envolve a estrutura de três andares e que a estende para além do perímetro da primeira construção Ilustração 57 – Maqueta do Local com desenho sobreposto (Cosenza, 2008, p.23) 90 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A cobertura transforma-se no que aparenta ser um enorme toldo capaz de abrigar os postos de venda, sem nenhuma organização predeterminada. A importância desta cobertura é imensa ao ponto de se tornar na fachada mais importante do edifício, dando união e continuidade ao projecto. Una cubierta ligera como una manta, que cubre por encima la actividad que se desarrola dentro del Mercado. (Miralles at al, 2005, p.59) Esta cobertura, elemento de união espacial deste projecto, é um conjunto de 325.000 peças de cerâmica que ao se encaixarem entre elas simulam o colorido dos produtos que se pode encontrar dentro do mercado. Mais uma vez podemos falar da colagem neste caso. Este elemento do projecto cria um espaço único e amplo que permite o posicionamento e o percurso pela praça do mercado. Ampliando-se para além do perímetro antigo, torna-se observável para o resto da cidade, constituindo-se como um elemento visualmente marcante e referencial do Mercado de Santa Caterina. Tal como os desenhos expressam a intenção de EMBT, a cobertura tem por base a metáfora de um enorme colorido pela recordação de frutas e verduras. As peças de cerâmica, desenhadas em colaboração com o ceramista espanhol Antoni Cumella60 são de dois tipos, peças hexagonais maioritariamente e peças rectangulares, estas últimas em menor quantidade. Mas, mais interessante é que são todas peças numeradas e ordenadas que compõem um macro mosaico capaz de expressar a actividade do edifício que cobre. Se por um lado referimos que uma sequência de fotografias, possibilita a ideia de narração, no caso deste projecto, a própria cobertura do edifício é constituída por peças em que só pela sua união se tornará um elemento único. Retornamos desta forma à ideia de colagem e ao trabalho de David Hockney, como inspiração para o trabalho intelectual e processo criativo do arquitecto Enric Miralles. Un proyecto siempre está hecho de esos momentos, de esos momentos diversos, de diversos fragmentos a veces contradictorios. Estos collages, a la manera de un puzzle, forman la representación de un espacio en una acción que, en cualquier caso, repite el trabajo mismo de proyectar. Son como una sorpresa que abre una nueva definición de los límites y de los contornos… (Zaera at al, 1995, p.173) 60 Antoni Cumella (1913 – 1985). Ceramista espanhol. Em 1880 fundou a empresa CERÀMICA CUMELLA, empresa dedicada à fabricação de produtos cerâmicos. Em 1960 destacou-se como um dos membros fundadores de FAD design school - escola de design de moda. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 91 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 58 – Cobertura do Mercado de Santa Caterina constituída por 325.000 peças de cerâmica. (Cosenza, 2008, p.20) 92 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 59 – Colagem - desenho técnico sobreposto com desenho livre, fotomontagem da vista interior do mercado e imagens de frutas e legumes. (Cosenza, 2008, p.23) Tal como David Hockney pretende utilizar a fotografia como meio de recriar o conjunto de olhares que compõem a visão, Enric Miralles acredita que só desta forma consegue pensar e representar o espaço arquitectónico. No trabalho do arquitecto, a colagem é utilizada enquanto processo de trabalho assim como forma de representação, quando a obra terminada. Qualquer um terá podido observar que uma imagem, mas principalmente, uma obra de arte plástica, sobretudo a arquitectura, se apreende mais facilmente numa foto do que na realidade. (Benjamim, 1992, p.131) Sus dibujos, sus maquetas, quieren ser documentos. De paso, pueden ser considerados como el trabajo de un artista. (Miralles, 1995, p.308) Joana Cotter Salvado 93 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 60 – Estudos e detalhes da Planta da Cobertura do Mercado de Santa Caterina (Miralles at al, 2005, p.70) Ilustração 61 – Fotomontagem da Cobertura do Mercado de Santa Caterina. (Otxotorena, 2006, p.30) 94 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 3.2 REGISTO E M ANIPULAÇÃO : ANDREAS GURSKY In order to make such statements more forceful, and not in order to solve formal, aesthetic problems, in recent years Gursky has started to manipulate the pictures he has taken using computer technology. (Gursky, 1998, pág.6) Tal como foi referido anteriormente, o registo da realidade está estreitamente ligado ao modo como a percepcionamos e representamos. É o conjunto de pontos de vista que focamos, que na sua unidade define a realidade. Cada foco pertence a um determinado tempo, sendo apenas um fragmento da realidade. Tais fragmentos, no seu conjunto, permitem narrar e descrever o espaço arquitectónico, articulando assim o tempo e o espaço, representado pela imagem fotográfica. Mas de que modo a fotografia, enquanto instrumento de registo, recria a nossa percepção do real, através da forma como o representamos? Se no início do séculoXIX referimos a fotografia enquanto técnica e modo de representação e reprodução fiel ao real, é na segunda metade deste mesmo século que associamos a fotografia ao pictorialismo61. Neste sentido, é fundamental abordar a evolução da técnica fotográfica, enquanto influência de uma nova percepção e registo do espaço arquitectónico. A fotografia contemporânea, pictórica, afasta-se da técnica de documentação, sendo um suporte para recriar a interpretação do real. No subcapítulo 2.1 da presente dissertação referimos o autor Philippe Dubois quanto ao percurso histórico da fotografia, no princípio da realidade. Interessa-nos evidenciar que o final do séculoXIX e início do séculoXX insiste na ideia de transformação do real pela fotografia. (Dubois, 1992, p.30) Não se trata de um universo duplo, ou mesmo de um universo possível – nem possível, nem 62 impossível, nem real, nem irreal: hiper-real – é um universo de simulação, o que é uma coisa completamente diferente. (Baudrillard, 1991, p.155) 61 O pictorialismo é uma corrente fotográfica que surgiu na segunda metade do séculoXIX. A fotografia pictórica é a primeira tentativa de elevar a fotografia à categoria de arte. Os fotógrafos procuram aproximar as suas fotografias à pintura, manipulando e modificando determinados elementos, que constituem a imagem fotográfica. A fotografia afastava-se então de uma reprodução fiel do real e é associada a uma construção artística. (Infopédia, 2012) 62 Hiper-real ou hiper-realidade é um conceito aplicado à filosofia contemporânea. A hiper-realidade é um meio para definir as interacções com a realidade representada. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 95 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A fotografia, enquanto construção pictórica, permite então a recriação da realidade percepcionada, representado uma nova concepção e interpretação dessa mesma realidade. Os fotógrafos, ao recorrerem à técnica do tratamento da imagem, utilizam a manipulação digital63 como modo determinante na obtenção do resultado formal pretendido. Increasingly, digital image manipulation was defined as a transgressive practice, a deviation from the established regime of photographic truth. Press photographers scented a cybernetic dystopia in the making – a world infested with subversive, uncontrollable image hackers who would appropriate photographic fragments at will and recombine them into fictions. (Mitchell, 1992, p.16) Para Roland Barthes, o “punctum” numa fotografia é um elemento parcial da fotografia ou dito de uma forma mais objectiva, um pormenor que chama a atenção do observador, capaz de modificar a leitura dessa mesma fotografia. (Barthes, 2009, p.52). Sinto que a presença por si só modifica a minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um valor superior. Este «pormenor» é o punctum (aquilo que me fere). (Barthes, 2009, p.51) Ilustração 62 – O bairro italiano, 1954, William Klein, Nova Iorque (Barthes, 2009, p.55) 63 A manipulação de fotografias é uma das principais áreas de expressão da arte digital (ou arte computacional, produzida com ferramentas gráficas computacionais e processos digitais) consiste em alterar os elementos que constituem a fotografia não só a nível de tamanho, cor, entre outras manipulações visíveis na imagem fotográfica (Wikipédia, 2012) 96 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Roland Barthes, faz referência à fotografia de William Klein 64 relativamente às crianças de um bairro italiano em Nova Iorque (1954) e ao analisá-la, refere a presença do pormenor que lhe chama a atenção: «Aquilo que vejo, obstinadamente, são os dentes estragados do rapazito…» (Barthes, 2009, p.55) A partir de um dos conceitos desenvolvidos por Roland Barthes: o punctum, sendo um dos temas da fotografia com o qual o autor traça a sua própria percepção das imagens fotográficas. Outro conceito desenvolvido pelo autor é o studium que é o conjunto de aspectos da imagem fotográfica que determinam o contexto da cultura ou da época referente à imagem fotográfica. Não conseguia encontrar, em francês, uma palavra que exprimisse simplesmente essa espécie de interesse humano; mas creio que essa palavra existe em latim: é o studium, que não significa, pelo menos imediatamente, «o estudo», mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, empolgado, evidentemente, mas sem acuidade particular. É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos, porque é culturalmente (esta comutação está presente no studium) que eu participo nas figuras, nas expressões, nos gestos, nos cenários nas acções. (Barthes, 2009, 34-35) Tanto punctum como studium compõem formas de percepcionar que Roland Barthes estuda, ao analisar diversas fotografias. Segundo o autor, o olhar fotográfico separa a atenção da percepção, libertando a primeira, dependente e derivada do acto de percepcionar. (Barthes, 2009, p.122). Fazemos então referência ao conceito de percepção de Roland Barthes relativamente à imagem fotográfica, o punctum, com o qual associamos o trabalho do artista plástico e fotógrafo alemão Andreas Gursky65. For Andreas Gursky photography is not a medium of representation; instead, contrary to what we are used to seeing, it is a medium for constructing realty. (Gursky, 2007, p.45) Montage is the visible sign of his intervention. (Gursky, 2007, p.50) 64 William Klein nasceu em 1928, em Nova Iorque. Em 1948, em Paris, iniciou a sua carreira artística como pintor. Em 1950 interessa-se pela fotografia e em 1954 é contratado pela revista Vogue, como fotógrafo de moda, dedicando-se mais tarde à produção e realização cinematográfica. (Wikipédia, 2012) 65 Andreas Gursky nasceu em 1955, em Leipzig na Alemanha. Artista plástico e fotógrafo conceituado, estudou na Academia Dusseldorf, tendo como professores Bernd Becher. Ganhou reconhecimento internacional com as suas fotografias panorâmicas de grande escala. As suas fotografias fazem parte das colecções de Museus prestigiados com TATE Modern e MOMA em Nova York. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 97 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A referência ao conceito punctum de Roland Barthes é fundamental pois é através de pormenores da realidade que Andreas Gursky constrói as suas composições fotográficas. A estrutura das suas composições são formadas por alguns detalhes que o artista/fotógrafo considera relevantes com o objectivo de gerar impacto no observador ao percepcionar as suas obras. Mas, como se cria esse impacto? Andreas Gursky transforma uma fotografia instantânea com o recurso à tecnologia digital, construindo uma composição geométrica em grande escala. Com base em técnicas computacionais, reforça e reorganiza certos elementos que percepciona, com o intuito de produzir a ilusão de uma realidade fictícia e criando um efeito de uma certa estranheza. Desde 1992 que Andreas Gursky recorre à manipulação digital de modo a realçar, retocar e multiplicar certos elementos nas suas composições fotográficas. Para além de centrar a atenção do observador em certos elementos da imagem, privilegia-os ao multiplicá-los, oferecendo a possibilidade ao observador de percepcionar um novo cenário. Desta forma tal possibilidade de observação do mesmo cenário repetido acentua um impacto expressivo que compõe a própria fotografia. A forma de percepcionar e registar estabelece uma forte conexão entre o cenário e o espectador, que é fundamental na composição das suas fotografias. (Gursky, 2007, p.61). Andreas Gursky, ao repetir certos elementos e ao condensá-los numa imagem fotográfica, constrói um sentido de duplicação que se refere ao facto da fotografia não se limitar apenas a descrever a realidade. (Gursky, 2007, p.62). Como forma de ilustrar este argumento, refere a fotografia de Walker Evans66 “Cary Ross´s Bedroom”, 1932 (Ilustração 25). But his approach to repetition points in a different direction. The repetition of an almost identical scene in one picture and the fourfold repetition of the entire picture with variations offers the possibility of a constantly new scene that has its place in the world but has been expressively distilled in the photograph. (Gursky, 2007, p.62) The possibility of ever new scenes repeated in variation accentuates the expressive impact of the individual picture. (Gursky, 2007, p.62) 66 Walker Evans (1903 -1975) foi um fotógrafo americano reconhecido pelo seu trabalho fotográfico para Farm Security Administration (FSA). Muitas das suas obras fotográficas estão expostas em colecções permanentes de museus como: Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque e George Eastman House, o mais antigo museu do mundo de fotografia, também em Nova Iorque. (Wikipédia, 2012) 98 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 63 - Cary Ross´s Bedroom, 1932, Walker Evans, (Gursky, 2007, p.64) Nesta fotografia de Walker Evans destaca-se a simetria de composição. As camas, o posicionamento dos quadros e o ângulo oblíquo que constrói e enfatiza este mesmo enquadramento. O ângulo utilizado influência a percepção desta mesma imagem na medida que desperta a ilusão de um espaço dividido por um espelho, e portanto de apenas uma cama que é duplicada na imagem fotográfica. Ao definirmos a forma de registo da realidade, adoptada por Andreas Gursky é interessante entendermos, ao mesmo tempo, que o fotógrafo explora a percepção enquanto complemento da própria manipulação. Tal ideia torna-se compreensível quando Andreas Gursky se foca numa acção ou até mesmo num pormenor e com base neste, constrói uma nova imagem. É, a forma que, como a experiência visual se cruza com a ilusão e com a realidade. Segundo Jean Baudrillard67, “a simulação põe em causa a diferença do «verdadeiro» e do «falso», do «real» e do «imaginário».” (Baudrillard, 1991, p.9-10). 67 Jean Baudrillard (1929-2007) foi um sociólogo, poeta, fotógrafo e filósofo francês. Desenvolveu uma série de teorias que partiam do princípio de realidade construída ou hiper-realidade. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 99 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Há portanto a uma substituição do real ou tal como o autor descreve o conceito de simulação, e uma estratégia de real que transforma a mutação do real em hiper-real. Na medida em que a estetização persiste enquanto condição cultural de base que invade – a um maior ou menor nível – toda a sociedade actual, os seus efeitos são tanto mais notórios numa disciplina mediada pela imagem. A arquitectura encontra-se completamente dependente desta condição, dado que os arquitectos assumem o processo de estetização como consequência necessária da profissão.(Leach, 2005, p.25) Ilustração 64 – Prada I, 1996, tamanho original: 134 x 226cm, Andreas Gursky, (Gursky, 1998, p.41) Ilustração 65 – Untitled IX, 1998, tamanho original: 136 x 226cm, Andreas Gursky, (Gursky, 1998, p.37) A ideia de estetização, visível tanto na Ilustração 26 como na Ilustração 27. Na Ilustração 26, o princípio estético é expresso pelo alinhamento preciso dos sapatos. Estes elementos são manipulados de forma a serem apresentados como objectos de 100 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico enorme importância. A instalação torna-se num cenário totalmente idealizado pela utilização de técnicas digitais. Tais considerações também são expressas em alguns casos de fotógrafos na representação do espaço arquitectónico, levando a que a experiência espacial da representação fotográfica da arquitectura seja reduzida à sua percepção visual.É ainda perante esta nova cultura de simulação, a par do desenvolvimento de técnicas fotográficas que é privilegiada uma estetização do real. Segundo Neil Leach68, a imagem torna-se uma nova realidade, ou hiperrealidade, pois perante uma cultura de simulação, a realidade fotografada adquire um novo sentido. A arquitectura, ao ser removida do seu contexto original, adquire um novo significado, pelo simples facto de ser representada pela fotografia. Mais uma vez é importante abordar o carácter pictórico das fotografias de Andreas Gursky. A manipulação digital, enquanto modo de realçar e corrigir determinados elementos formais da imagem, aproxima-se à execução de uma pintura, onde cada espaço do quadro é trabalhado num determinado tempo. No trabalho fotográfico de Andreas Gursky, a fotografia torna-se uma imagem-quadro onde cada elemento representado é trabalhado com o recurso a técnicas digitais. Mas, o efeito de pintura não se revela somente na questão da construção da própria imagem fotográfica mas a grande escala da imagem faz com as suas fotografias seaproximem formalmente a grandes pinturas. Andreas Gursky, representa e constrói a sua própria realidade nas suas imagens fotográficas, enfatizando a teatralização das situações fotografadas. Gursky demonstrates the extent to which the surroundings, in turn, are defined by human presence, be it through direct intervention or merely through the act of perception. (Gursky, 2007, p.52) A fotografia pode assim funcionar num duplo sentido, entre o registo e a contemplação privilegiada sobre a essência de uma modernidade pós-industrial que ilumina ainda as sociedades finisseculares. (Santos, 2005, p.81) 68 Neil Leach é um arquitecto e teórico. Professor de Teoria de Arquitectura na Universidade de Bath, no Reino Unido e em várias e prestigiadas Universidades em Inglaterra e nos Estados Unidos, foi coorientador da exposição sobre Arquitectura vanguardista na Bienal de Arquitectura de Pequim, 2004. Autor das obras “China” (2004), “A Anestética da Arquitectura” (1999) e “Millenium Culture” (1999) e foi curador das Exposições: Designing for a Digital World (2002), The Hyeroglyphics of Space: reading and experiencing the modern metropolis (2002), Architecture and Revolution (1999) e Rethinking Architecture (1997). (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 101 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 66 – Times Square, 1997, tamanho original: 186 x 250.5cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.23) As composições geométricas de grande dimensão de Andreas Gursky (Ilustração 26) fazem com que as fotografias funcionem com um sentido duplo: o registo por parte do artista/fotógrafo e a contemplação por parte do observador. Cada fotografia de Andreas Gursky, propõe um único universo compositivo, que pelo seu rigor e dimensão, adquire o estatuto de obra de arte. Segundo Walter Benjamim69, com o aparecimento da fotografia, o processo de reprodução de imagens torna-se acelerado. Tais reproduções a par das inovações fotográficas modificam a própria noção de obra de arte. Todavia, a multiplicação do objecto reproduzido faz afastar o próprio conceito de autenticidade da obra de arte. (Benjamin, 1992, p.76). O que nos interessa referir no contexto das obras de Andreas Gursky é o valor que é dado a cada imagem que é construída como autêntica. 69 Walter Benedix Schönflies Benjamim (1892-1940). Filósofo, crítico literário, tradutor e sociólogo, tendo estudado filosofia ao mesmo tempo que literatura alemã e psicologia nas Universidades de Friburgo em Bisgau, Munique e Berlim. Destacam-se entre as suas obras “Origem do Drama Barroco Alemão” (1928), “Teses Sobre o Conceito de História” (1940), “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica” (1936). (Wikipédia, 2012) 102 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ainda segundo Walter Benjamim, a percepção e fruição da arte assenta tanto no valor de culto como no valor de exposição. (Benjamin, 1992, p.84). Estas considerações tornam-se relevantes, quando mais uma vez comparadas ao trabalho artístico do artista/fotógrafo Andreas Gursky. O seu trabalho fotográfico afasta-se da reprodução geradora de banalização na medida em que cada fotografia se torna uma peça que não é reproduzida de maneira igual. Para além disso, tal como a obra de arte é susceptível de perder significado pretendido ao ser removida do seu contexto, também um objecto ganha outro significado ao ser tratado enquanto obra de arte. (Leach, 2005, p.24-25) Para valorizarmos cada fotografia de Andreas Gursky como obra de arte, devemos avaliar o tempo de contemplação do observador que é intensificado pelo enquadramento ritmado de certos elementos. Desta forma, os detalhes das composições tornam-se mais importantes que o próprio espaço fotografado por criar impacto no observador. É importante referir mais uma vez, o carácter teatral das fotografias de Andreas Gursky que é conseguido essencialmente por dois aspectos: 1. Dimensão invulgar das suas fotografias 2. Recurso à manipulação digital de certos elementos que, ao multiplicaremse constroem uma realidade fictícia que canalizam o observador para o espaço da fotografia. Confunde-se assim o real e o imaginário, como se o detalhe produzisse um efeito mágico ao nível da percepção do espectador, constantemente reenviado ao exercício de aproximação e distanciação visual exigido pela imagem de grande escala. (Santos, 2005, p.82) Computational tools for transforming, combining, altering, and analyzing images are as essencial to the digital artist as brushes and pigments are to a painter, and na understanding of them is the foundation to the craft of digital imaging. Furthermore since captured, “painted”, and synthesized pixel values can be combined seamlessly, the digital image blurs the customary distinctions between mechanical and handmade pictures. (Mitchell, 1992, p.7) Para Martine Joly, a fotografia pode ter ao mesmo tempo um efeito de narração e um efeito de ficção. (Joly, 2003, p.88). O carácter narrativo das fotografias foi abordado anteriormente com base na ideia de colagem que expressa formas de registo da realidade através da fotografia. O efeito de ficção, revela-se quando uma fotografia remete para o imaginário, ao mesmo tempo que o efeito de narração produz a compreensão de um determinado tempo. (Joly, 2003, p.88-89). Também segundo Joana Cotter Salvado 103 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Martine Joly “a fotografia pode proporcionar-nos a sua parte de ficção, de narração e de ilusão, tanto mais forte quanto ela é o próprio carácter distinto do real.” (Joly, 2003, p.89). Mas, ao percepcionarmos uma fotografia, esta pode transformar inevitavelmente a nossa experiência em pura ficção. Mais interessante pode ser percebermos a forma como Andrea Gursky constrói novas realidades com base numa realidade observada, reconstruindo assim a sua própria realidade ficcionada. Ilustração 67 – Ayamonte, 1997, tamanho original: 186 x 256cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.137) For Andreas Gursky photography is not a medium of representation; Instead, contrary to what we are used to seeing, it is a medium for constructing reality. The artist focuses on throngs of people and the places where they congregate, to the structures of a globalized planet, to sites of production and trade, as well as consumption and today´s leisure society. (Gursky, 2007, p.45) Andreas Gursky, nas suas composições fotográficas, utiliza a figura humana enquanto elemento manipulável e multiplicável. Esta é enquadrada como parte do cenário onde em muitos casos constrói o contexto total da fotografia. (Ilustração 31) Mesmo quando as figuras humanas preenchem todo o espaço nas suas fotografias, elas não formam um centro. Estas figuras tornam-se elementos de composição, fazendo parte integrante do espaço que as rodeia (Ilustração 30). Assim, a figura humana é meramente um elemento de composição que não assume protagonismo por si só. 104 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico The correlation between the figures and their surroundings tells of social settings, of the extent to which we are constituted by the spaces in which we circulate and act. Conversely, by impartially equating the figures with their surroundings, Gursky demonstrates the extent to which the surroundings, in turn, are defined by human presence, be it through direct intervention or merely through the act of perception. (Gursky, 2007, p.52) Se por um lado na contemporaneidade, a fotografia de arquitectura utiliza a figura humana enquanto referência de escala, como podemos perceber no trabalho de Fernando Guerra. No caso de Andreas Gursky assume um papel compositivo pela utilização de técnicas – analógica e digital – que influenciam o modo de percepcionar as representações do espaço arquitectónico através da fotografia. Ilustração 68 – Fotografia de Fernando Guerra, Lar de Idosos, Álcácer do Sal, Portugal, Aires Mateus, 2011. (ultimasreportagens, 2011) Joana Cotter Salvado 105 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 69 – Engadin, 1995, tamanho original: 186 x 291cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.75) Ilustração 70 – Autosalon, Paris, 1993, tamanho original: 176 x 216cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.29) 106 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Desde os anos 90 que a fotografia se associa a uma actividade artística ao ponto de ganhar autonomia e originalidade. A fotografia tende a não ser um mero arquivo de memória com funções documentais, aproximando-se então de desejos artísticos. Por consequência, surge uma nova óptica ou uma nova percepção que é fortalecida a par da utilização e exploração de novos dispositivos. Reconstruindo ou encenando o próprio real, Andreas Gursky parece encarnar o espírito do pictorialista do século XIX, pois ao retocar e corrigir em termos de cor e intensidade lumínica a imagem fotografada, estará em parte, ainda que de um modo conceptual e tecnicamente bastante diferente, a reavivar esse objectivo pioneiro de abrilhantar ou sublimar a imagem nua produzida pela câmara fotográfica. (Santos, 2005, p.84) A dupla de fotógrafos Bernd e Hilla Becher exploravam a fotografia enquanto estilo documental, centrada quase exclusivamente em diferentes tipologias da arquitectura industrial. O interesse pela representação de edifícios industriais, facilitava a compreensão das estruturas complexas desses mesmos edifícios. A forma como registavam tais estruturas reflecte a ideia de as entenderem enquanto objectos, eliminando qualquer envolvente. Their passion is for the objects themselves, which can be precisely and systematically preserved only by means of photography. (Becker, 2004, p.7) Com as suas fotografias de edifícios industriais como torres de água, silos e tanques de gás, Bernd e Hilla Becher elevam documentos de arqueologia industrial, a objectos de arte. É interessante referir que as suas fotografias se inscreveram desde o início em instituições de arte, para serem exibidas em salas de exposições de museus como obras pictóricas. A sua actividade docente entre 1976 e 1996 na Academia de Arte de Dusseldorf estabelece um papel intermédio entre a fotografia documental originária e a artística posterior, actuando como influência de artistas como Andreas Gursky, que potenciam a fotografia e a fotografia de arquitectura como obra de arte. Las “esculturas anónimas” no disimulaban las pretensiones de representar las calidades plásticas de los objetos industriales (Marchán Fiz, 2010, p.29) Consideradas como esculturas anónimas que expressavam tipologias das construções industriais é através de séries sistemáticas, sem sucessão temporal ou espacial, que recompilam tais tipologias, localizadas nas regiões da primeira revolução industrial. Na realidade, a sequência de exemplos de um mesmo tipo de construção rege-se por uma mera continuidade tipológica. O carácter temporal e espacial de cada Joana Cotter Salvado 107 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico fotografia apenas é reconhecível através da sua articulação em cada conjunto. Desta forma, a realidade de cada fotografia fragmenta-se, pois só é possível reordenar através da informação sobre as suas fontes. (Marchán Fiz, 2010, p.29) Pero ello es lo menos, pues estamos ante una representación sistemática que exige la comparación y provoca imprevisibles asociaciones imaginativas y conceptuales a través de la intuición sensible, así como tensiones entre la imagen estática, petrificada, y el carácter dinâmico de sus interrelaciones con las demás. (Marchán Fiz, 2010, p.29) Enquadrando diferentes arquitecturas industriais, a forma de registo da dupla de fotógrafos Bernd e Hilla Becher, concentra-se privilegiadamente nesses mesmos objectos arquitectónicos com o objectivo de enfatizar o seu volume, anulando as margens que contém fugas provocadas pela perspectiva e o contexto onde se inseriam. É interessante de referir uma vez mais que a visualização das fotografias destes artistas através de sequências narrativas e tipológicas move-se na apropriação do objecto fotografado, com o objectivo de anular as distâncias entre percepções confusas e difusas, estimulando a atenção do espectador para o próprio objecto. (Marchán Fiz, 2010, p.29) Interessa-nos perceber a reconstrução ou representação arquitectónica utilizada pelos fotógrafos Bernd e Hilla Becher e Andreas Gursky na procura de intensificar um momento. Se por um lado Andreas Gursky multiplica determinado instante numa só fotografia, Bernd e Hilla Becher apostam em conjuntos de sequências em que cada fotografia centra o objecto fotografado. The objects thus become more distinct in character and do not just tempt us into an analysis of the individual structures, but also open our eyes to see and discover these constructions in reality. (Becker, 2004, p.5) O modo de fotografar de Bernd e Hilla Becher acentua as semelhanças e diferenças das diversas construções industriais, através da apresentação destas mesmas fotografias, desde 1960, com base em conjuntos de fotografias organizadas em tipologias. As tipologias correspondem a diferentes ângulos – incluindo uma vista frontal e perspectivas – envolvendo instantes em intervalos de 45 graus em torno dos objectos. The segmentation of whole plants and the focussing on signal buildings types for presentation in relation to one another in a new groups of images ultimately amounts to a new form of photographic collage or montage which basically takes its cue from human perception. (Becker, 2004, p.13-14) 108 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico São portanto grupos de imagens, que se compõem numa nova forma de colagem fotográfica ou montagem, que de alguma forma se compara ao movimento da percepção humana perante o espaço arquitectónico. Ilustração 71 – Fabrikhalle (Giebel), 1987, Bernd e Hilla Becher (Gursky, 2007, p.51) Ao referirmos o trabalho dos fotógrafos Bernd e Hilla Becher voltarmos às séries de fotografias de Lucién Hervé das obras de Le Corbusier. O que têm em comum? Diversas questões surgem mediante a reflexão do trabalho destes fotógrafos que actuam em épocas diferentes e que influenciam tanto na compreensão do espaço arquitectónico como para a sua divulgação e representação. Lucién Hervé com as suas séries de fotografias contribui fortemente para a divulgação da arquitectura moderna, pois proporcionava através destas um quadro estético, autónomo e diferenciado da arquitectura de Le Corbusier. (Ilustração 33). Fragmentava a própria obra arquitectónica, registando a multiplicidade de olhares e detalhes que a compõem. É esta descrição espacial, que compõe nas suas fotografias, capaz de expressar a essência da arquitectura de Le Corbusier. Joana Cotter Salvado 109 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 72 – The Claude & Duval Factory, Saint Dié, França (1946), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1951) (Sbriglio, 2011, p. 77-79) Como desenvolvemos ao longo deste subcapítulo, Bernd e Hilla Becher também têm como intuito a compreensão do espaço arquitectónico. As fotografias dos edifícios industriais eram organizadas em séries, dependendo das suas tipologias. Cada estrutura é central nas suas fotografias e enquadrada enquanto centro da própria fotografia. Por outro lado, Lucién Hervé, aposta na fragmentação da arquitectura de Le Corbusier como forma de descrever os espaços do arquitecto. Ao analisarmos as fotografias destes dois exemplos citados, conseguimos facilmente perceber tais intenções e formas de percepção como diferentes modos de representação do espaço arquitectónico. 110 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 73 – Gas Tanks, 1983-92, Bernd e Hilla Becher (Becker, 2004, p.8) This culture probably made Hervé more sensitive than others to something that contributed to his seduction of Le Corbusier, and which contact sheets fully reveal: the importance of the series. Beyond an understanding of architecture, which Hervé´s images amply demonstrate, one of the aspects that struck the architect most about the assignment Hervé executed in Marseille in a single day was the abundance – one might be tempted to say the overabundance – of the images: more than 600, when other architectural professionals would no doubt, in a more posed fashion, have taken perhaps 100 shots at the most. This taste for abundance, the belief that photography derives meaning only within a very large series, and that each detail of the building deserves sustained attention, was related to the growing interest in the series as a form on the part of the avant – garde, beginning in the second half of the 1930s. (Sbriglio, 2011, p.12-13) Qual é o defeito característico da maneira de tratar a arquitectura nas histórias da arte correntes? Já dissemos mais de uma vez: consiste no facto de os edifícios serem apreciados como se fossem esculturas e pinturas, ou seja, externa e superficialmente, como simples fenómenos plásticos. (Zevi, 2009, p.5) A fotografia de Bernd e Hilla Becher centra-se no carácter unitário e estático do objecto fotografado, por outro lado, Lucién Hervé intruduz nas suas séries uma noção de dinâmico do movimento do observador. Andreas Gursky, no contexto da sua obra, produz uma síntese destas duas qualidades nos fotógrafos supra-citados. A dimensão das suas fotografias produz claramente a noção de visão unitária, bem como nos seus Joana Cotter Salvado 111 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico trabalhos mais recentes podemos encontrar nitidamente referências à noção de movimento. Ilustração 74 - F1 Boxenstopp, 2007, tamanho original: 600 x 250cm, Andreas Gursky (Gursky, 2007, p.60) Andreas Gursky supera o carácter predefinido da fotografia, proporcionando um afastamento em relação à reprodução meramente documental da realidade. Pelo facto de manipular as imagens, oferece a possibilidade de recriar novas composições recriando o próprio real. As fotografias de Andreas Gursky revelam-se um caso de estudo fundamental, apesar de não abordarem a procura do espaço arquitectónico. O mais interessante foca-se no acto de transformação que possibilita a expressão de uma ideia. A evolução da fotografia proporciona técnicas que abrem novas possibilidades de expressão e que influenciam os fotógrafos de arquitectura no registo do espaço arquitectónico. Por analogia ao trabalho fotográfico de Andreas Gursky conseguimos evidenciar a importância do uso destas técnicas. A frequência do uso de ferramentas com o intuito de manipular as imagens fotográficas torna-se cada vez mais comum, ao ponto de se tornarem as próprias imagens no instrumento mais eficaz de comunicar a arquitectura. É a par da valorização da imagem fotográfica que a compreensão da arquitectura acompanha uma potencial valorização da percepção visual. Contudo, ao longo desta dissertação estão a ser apresentados exemplos que se focam fundamentalmente em imagens fotográficas e a par destas é explorado constantemente a autenticidade da experiência que temos do espaço arquitectónico. Quando nos referimos à ideia de autenticidade do espaço arquitectónico enquanto forma de representação em fotografia, somos obrigados a referir o conjunto de técnicas que evidenciam tal essência do espaço arquitectónico. 112 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ao longo deste subcapítulo associamos o acto de registar a realidade à multiplicidade perceptiva, característica da dinâmica natural do olhar. E desta forma é interessante fazermos uma analogia entre o trabalho fotográfico de David Hockney, artista explorado no subcapítulo 2.2 da presente dissertação com o trabalho fotográfico do artista/fotógrafo Andreas Gursky. Em ambos os casos, a arquitectura não é um tema central mas o que é relevante é a importância do processo de registo enquanto procura e introdução de tempo e de espaço nas imagens fotográficas. Tanto o espaço como o tempo, são abordados como elementos fundamentais que são introduzidas na imagem fotográfica, por meio de artifícios. Tais ideias são perceptíveis quando falamos de dois temas – a fotografia e a arquitectura – e por isso torna-se interessante a procura de uma expressão de tempo e de espaço pela fotografia que não é mais do que uma forma de comunicação, das qualidades da arquitectura, no contexto da fotografia. Ilustração 75 - Winding Towers, 1966–97, Bernd e Hilla Becher (Becker, 2004, p.10) Joana Cotter Salvado 113 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Como referimos anteriormente David Hockney e as suas colagens fotográficas baseia-se num carácter tanto narrativo como sequencial ao ponto de se afastar de uma mecânica de percepção. As suas composições atingem grandes dimensões onde cada fotografia instantânea revela-se apenas enquanto um fragmento. Há contudo, um efeito de pintura onde cada fragmento não pertencerá não só a tempo mas mais ainda, ajusta-se a diversos fragmentos que no seu conjunto formam composições pictoricamente lógicas. Tal analogia à realização de uma pintura parece-nos fundamental pois cada fotografia acaba por expressar um detalhe, um determinado foco, e consequente tempo definido. As suas colagens tornam-se construções pictóricas que recriam a realidade que vai sendo apreendida e composta. Ilustração 76 – Canal y Carretera, 21 de Fevereiro de 1983, David Hockney (Hockneypictures, 2012) 114 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico No caso, em estudo, de Andreas Gursky também poderemos evidenciar esta ideia de procura de espaço e de tempo. Esta procura revela-se de uma forma bastante diferente: perante uma realidade, foca-se num detalhe (punctum) que é multiplicado como forma de definir a apreensão do observador mediante determinado momento. Falamos neste caso de um tempo de contemplação condensado por um momento ou até mesmo um único elemento que se torna na estrutura compositiva de cada sua obra. As suas fotografias são uma nova expressão visual que pertencem a uma construção pictórica. Tal como referimos no início da dissertação, a fotografia abordada primeiramente enquanto ferramenta documental de uma realidade, é acompanhada pelo desenvolvimento de técnicas que criam novas possibilidades de registo que por sua vez constituem novos modos de apreensão e percepção. A ilusão realidade/ficção é uma associação fundamental quando nos referimos às fotografias de Andreas Gursky e esta dicotomia é primordial no desenvolvimento da dissertação. Ilustração 77 – Hong Kong, Stock Exchange, 1994, tamanho original: díptico, cada um com: 166 x 226cm, Andreas Gursky (Gursky, 1998, p.58) Andreas Gursky projecta nas suas fotografias uma enorme dimensão artística, em que cada detalhe é manipulado e multiplicado. Neste caso poderemos referir uma narrativa que recorre à manipulação digital como forma de expressão e como estratégia de promover a minúcia. Um determinado momento é intensificado e condensado, compondo uma fotografia. Assim percebemos que a intenção documental de Bernad e Hilla Becher resulta no trabalho de Andreas Gusrky por uma reconfiguração pictórica. O facto de condensar determinado momento e a sua multiplicação, tornam-se nos factores de expressão da imagem, isto é, os factores que de facto vão ter influência na percepção do observador. Joana Cotter Salvado 115 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 116 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 3.3 REPRESENTAÇÃO E FICÇÃO : THOMAS DEMAND Los edificios se transforman en imágenes y las imágenes se convierten en una especie de edificios, ocupados como cualquier otro espacio arquitectónico. (Colomina, 2010 p.124) A câmara fotográfica pode ser entendida como uma extensão da visão, capaz de aproximar determinados aspectos da realidade. Segundo Vilém Flusser70, os instrumentos são extensões perceptivas que, por serem prolongadas, alcançam de forma mais extensa e profunda a realidade. (Flusser, 1998, p.41). A câmara fotográfica é, assim, um novo modo de percepcionar a realidade que materializa o modo como a registamos. Tais premissas são fundamentais para compreendermos a ideia de representação do espaço arquitectónico através da fotografia sendo a percepção e o registo do espaço arquitectónico através da fotografia dois processos indissociáveis o modo como percepcionamos a arquitectura influencia a forma como a registamos e como a representamos. A photograph is fossilized light, and its aura of superior evidential efficacy has frequently been ascribed to the special bond between fugitive reality and permanent image that is formed at the instant of exposure. (Mitchell, 1992, p.24) Vilém Flusser afirma ainda que, os aparelhos são caixas negras que simulam o pensamento humano, graças a teorias científicas, as quais, como o pensamento humano, permutam símbolos contidos na sua «memória», no seu programa. Desta forma, os instrumentos ao reproduzirem os órgãos simulam o pensamento humano no sentido em que cada fotografia se transforma numa nova realidade captada num determinado ponto de vista. (Flusser, 1998, p.48). Assim, as fotografias têm a capacidade de construírem um espaço interpretativo no observador. Esse espaço interpretativo é portanto um conjunto de imagens que acumulamos e que fazem parte da nossa memória. A memória intervém na forma como percepcionamos o espaço arquitectónico sendo determinante para entendermos que a fotografia faz parte dessa mesma memória como veículo priveligiado para apreender o espaço arquitectónico. Mas, a fotografia além de ser um instrumento de 70 Vilém Flusser (1920 – 1991). Filósofo, escritor e jornalista checo. Em 1938 começou a estudar filosofia na Faculdade Jurídica da Universidade Charles, em Praga. Em 1939 continua os seus estudos na Escola de Londres de Economia e Ciências Políticas. Em 1950 emigra para o Brasil e no ano seguinte começou a colaborar no Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF). Em 1960 começou a leccionar filosofia na Escola Superior de Cinema em São Paulo. Nas suas obras escritas explora temas como a imagem, a fotografia, a filosofia da comunicação e a produção artística, entre outros. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 117 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico percepção e de registo do espaço arquitectónico, também contribui fortemente para a comunicação e divulgação da arquitectura. Ilustração 78 – Secretariat, Chandigarh, India (1952), Arquitecto Le Corbusier. Fotografia de Lucién Hervé (1955) (Sbriglio, 2011, p.176) Ao longo deste subcapítulo introduzimos a ideia de que a representação da arquitectura através da fotografia ultrapassa a ideia de comunicação dessa mesma arquitectura, tornando-a numa representação sob a forma de ficção. With the restless movement that effaces boundaries comes a new mode of perception that has become the trademark of modernity. Perception is now tied to transience. (Colomina, 1996, p.12) This transience, and the new space of the city in which it is experienced, cannot be separated from the new forms of representation. (Colomina, 1996, pág.12) Quando falamos da arquitectura e das suas representações fotográficas, referimo-nos à arquitectura enquanto sistema de representação. O espaço arquitectónico, através das suas representações fotográficas, ganha autonomia, 118 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico gerando uma apreensão totalmente nova. Ao serem privilegiadas as sensibilidades estéticas do espaço arquitectónico fotografado, este transforma-se numa forma de ficção, por desta forma, previamente idealizada. Na era da estetização, é precisamente o lado menos agradável das coisas que ganhou capacidade de criar respostas aparentemente paradoxais, ao ponto de aquilo que não é, à partida, atractivo poder facilmente ser considerado esteticamente apelativo. (Leach, 2005, p.3334) A representação da arquitectura pela fotografia, é como um meio de comunicação e sedução da própria arquitectura considerando que se torna numa construção através da imagem, da própria arquitectura. Se por um lado, o desenvolvimento de técnicas fotográficas proporciona resultados expressivos no registo do espaço arquitectónico, é também através das suas técnicas, como a manipulação digital, que a representação se torna num novo modo de apreender o espaço arquitectónico. Recriando a nossa percepção do espaço arquitectónico, a fotografia irá acaba por reconstruir a própria percepção. A fotografia proporciona assim a sua parte de ficção, de narração e de ilusão afastando-se do próprio carácter do real. (Joly, 2003, p.89). Ao tomarmos como ponto de partida da presente dissertação a percepção do real dependendo do modo de registo, é importante definir a fotografia enquanto instrumento de representação na medida em que evidenciamos para além do objecto fotografado, a experiência do observador mediante perante esse mesmo objecto. É, para além disso, um tipo de sedução intimamente ligado à estetização. Absorvidos e despotencializados os discursos significativos pelo mundo superficial e estetizado da imagem, a sedução mantém-se enquanto a única estratégia viável para captar o observador. Numa cultura de estetização, só nos resta mesmo afirmar que uma abre caminho para a outra. (Leach, 2005, p.144) O fetichismo da imagem, ao aderir à lógica de sedução, não pode simultaneamente procurar fundamento na crítica radical da cultura arquitectónica contemporânea, porque a crítica radical define-se a si mesma como uma política de conteúdo que opera ao nível do significado. (Leach, 2005, p.137) Esta ideia de ficção é fundamental para entendermos que a representação não é mais do que a comunicação de uma ideia de determinado espaço fotografado. A fotografia amplia um conjunto de significados da própria arquitectura fotografada, tendendo a tornar-se no seu principal meio de expressão. Ao edificar um espaço interpretativo transforma-se num mecanismo de comunicação e sedução da arquitectura, na sua versão mais autêntica. Joana Cotter Salvado 119 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Chegam mais visitantes enquanto acabo estas linhas sentado na esplanada do Farol. Quantos irão visitá-lo por verem estas imagens? Ou, para quantos serão estas imagens o único contacto com a obra? (Guerra, 2008) As fotografias não representam somente a arquitectura, sugerindo também a forma de a percepcionar, tentando expressar as ideias dos arquitectos. Podemos assim afirmar que na representação fotográfica existe uma dicotomia entre espaço real e espaço representado. Como referimos anteriormente, uma fotografia representa um fragmento de espaço e de tempo que como o espaço fotográfico. Considerando que a fotografia é um corte temporal e espacial, é interessante compreendê-lo enquanto espaço interpretativo e de comunicação que propõe um processo imaginativo no observador. A fotografia proporciona naturalmente: 1. Um espaço interpretativo no observador que é materializado num instante fotográfico 2. Constrói uma hiper-realidade manipulada pela utilização de técnicas digitais. Digital manipulation of photographs does not obliterate the distinction between depictions and their objects, but (characteristically of our age) blurs the boundary between two kinds of depictions – one of which has seemed to have special claims to veracity. We are faced not with conflation of signifier and signified, but with a new uncertainty about the status and interpretation of the visual signifier. (Mitchell, 1992, p.17) Computational tools for transforming, combining, altering, and analysing images are as essential to the digital artist as brushes and pigments are to a painter, and an understanding of them is the foundation of the craft of digital imaging. Furthermore since captured, “painted”, and synthesized pixel values can be combined seamlessly, the digital image blurs the customary distinctions between painting and photography and between mechanical and handmade pictures. (Mitchell, 1992, p.7) Ao permitir a reconstrução e a manipulação, a fotografia de arquitectura gera no espectador/observador uma nova realidade. João Luís Carrilho da Graça confidenciou-me, preocupado, que as minhas fotografias eram tão bonitas que tinha receio que as pessoas ao visitarem a obra ficassem desiludidas. Seria impossível que isso acontecesse, dado o nível raro da obra deste arquitecto, mas foi um dos maiores elogios que podia ter ouvido. (Amaro at al, 2011) Segundo Neil Leach, a imagem é ela própria a nova realidade, ou hiperrealidade construída pelo imaginário. (Leach, 2005, p.16). Desta forma, o hiperrealismo da simulação manifesta-se pela semelhança do real consigo próprio. (Baudrillard, 1991, p.34). A valorização pictórica já abordada na presente dissertação, 120 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico para além de ser um aspecto fundamental para compor a imagem fotográfica torna-se, neste contexto de representação, num mecanismo de substituição do real em hiperreal. Há como que uma simulação do espaço arquitectónico que tende a estetizar-se de forma a seduzir o observador por meio da imagem fotográfica. Increasingly, digital image manipulation was defined as a transgressive practice, a deviation from the established regime of photographic truth. (Mitchell, 1992, p.16) Se retornarmos à importância da fotografia na arquitectura moderna, o seu impacto foi tão transformador que os observadores acabavam por ver a arquitectura através de imagens fotográficas que tentavam reproduzir um determinado espaço canónico. A fotografia expressava mais além do espaço arquitectónico, pois ressaltava um aspecto optimista, idealizado pelo arquitecto. A imagem fotográfica prevalecia de tal modo aos espaços arquitectónicos, que os arquitectos mais marcantes desta época construíam maquetes e fotografavam-nas, tomando as suas decisões pelo que viam através da objectiva. Um bom exemplo é a Villa Schwob, construída em 1916 por Le Corbusier, em Paris. Ao publicar as fotografias desta obra o arquitecto adaptou-as a uma estética mais purista. Manipulou a imagem fotográfica original da casa modificando determinados pormenores arquitectónicos que contaminavam os ideais formais da sua arquitectura. Na fachada do pátio, Le Corbusier eliminou a pérgola do jardim mantendo apenas o seu desenho geométrico através de traços no chão. Nivelou ainda a vegetação do jardim eliminando arbustos, outras plantas e a casota do cão, definindo assim a parede rectilínea exterior da fachada. Alterou a entrada de serviço do jardim encurtando o vestíbulo saliente com um plano alinhado com a porta de entrada. Finalmente a janela do vestíbulo sofre alterações sendo redesenhada na imagem fotográfica como puro rectângulo. Ironically, the published photographs of this house are trompeuse indeed, they have been “faked” (Colomina, 1996, p.107) Desta forma tentava, Le Corbusier, eliminar certos pormenores arquitectónicos que considerava pitorescos e contextuais da casa, concentrando-se nas qualidades formais do próprio objecto. A modificação mais evidente nas fotografias da casa publicadas na revista L´Esprit Nouveau é a eliminação de quaisquer referências ao terreno íngreme onde é implantada a casa. Ao descontextualizar territorialmente a obra, transformava-a num objecto puro e independente do lugar. O que interessava a Joana Cotter Salvado 121 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Le Corbusier era manipular a imagem fotográfica revelando na obra arquitectónica, os ideais da sua arquitectura. Ilustração 79 – Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921 (Colomina, 1996, p.112) Ilustração 80 - Villa Schwob, fotografia original, 1920 (Colomina, 1996, p.113) Furthermore, the distinction he makes between real space and the space of the page is equally clear. (Colomina, 1996, p.111) Las imágenes se habian convertido en la materia prima de su arte. Era simplesmente cuestión de tempo que los fotógrafos se convirtieran en arquitectos. (Colomina, 2010, p.124) Los arquitectos actúan como si sus edifícios fueran principalmete imágenes; ellos diseñan la imagen. Aunque sus diseños lleguen a construirse, se entregan, digámoslo así, a sus ocupantes como una especie de elemento de decorado usado que habitar. Ningún arquitecto tiene un interés profundo en como se ocupan sus edifícios. (Colomina, 2010, p.120) 122 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 81 - Villa Schwob publicada na revista L´Esprit nouveau, 1921 (Colomina, 1996, p.109) Le Corbusier, apropria-se da imagem fotográfica, introduzindo consequentemente a ideia de transformação do real. Trata-se portanto de uma dualidade entre real e ficção com o intuito de aproximação da realidade à realidade imaginada ou idealizada pelo arquitecto. A manipulação fotográfica, utilizada pelos fotógrafos de arquitectura contemporâneos, constitui uma técnica essencial como meio de materialização de ideias e pensamentos que se poderão de alguma forma sobrepor da própria realidade construída. Com o desenvolvimento de técnicas e ferramentas fotográficas como a adição e subtracção de elementos, que modificam a leitura das ideias de determinada obra arquitectónica tornando, a imagem fotográfica num veículo potencial de alteração da comunicação em arquitectura. Surely, one look at the architectural avant-garde in these terms suggests that modern architecture becomes “modern” not simply by using glass, steel, or reinforced concrete, as is usually understood, but precisely by engaging with the new mechanical equipment of the mass media: photography, film, advertising, publicity, publications, and so on. (Colomina, 2010, p.73) Joana Cotter Salvado 123 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 82 - Villa Schwob, detalhe da pérgola, fotografia original, 1920 (Colomina, 1996, p.110) Da mesma forma, o escultor e fotógrafo alemão Thomas Demand71, cria uma ficção e materializa essa ficção. O modelo construído tem como objectivo a aproximação parcial à realidade criando ao mesmo tempo, algo irreal. En la arquitectura moderna, la fotografía reproducía la sensación del papel. Las fotografías de Demand intentan reproducir la sensación de espacio creada por la maqueta de papel; la cual reconstruye un espacio que existía como imagen en un momento concreto. (Colomina, 2010, p.122) Referimos o trabalho de Thomas Demand para demonstrar a dicotomia entre o real e a ilusão/ficção. No contexto da fotografia, é este o ponto que se torna mais relevante, tornando-se na ideia fulcral na escolha do trabalho deste contemporâneo artista alemão, como caso de estudo. Los edifícios se transforman en imágenes y las imágenes se converten en una especie de edifícios, ocupados como qualquier otro espacio arquitectónico. (Colomina, 2010, p.124) 71 Thomas Demand nasceu no ano de 1964 em Munique, na Alemanha. Escultor e fotógrafo, entre 19891992 estudou escultura - a sua formação base - na Academia de Belas Artes em Munique (Akademie der Kunste Bildenden Munchen). Entre 1989 – 1992 estudou fotografia na Academia de Artes em Dusseldorf (Kunstakademie Dusseldorf). Em 1993 começou a utilizar a fotografia para registar as suas obras e é a partir desse ano que começa a criar construções com o único propósito de as fotografar. Actualmente, vive em Berlim e lecciona na Universidade de Belas Artes de Hamburgo. (Wikipédia, 2012) 124 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Thomas Demand apropria-se de imagens mediáticas e converte-as em construções tridimensionais/maquetes com o objectivo de as fotografar. Utilizando imagens retiradas tanto de arquivos como dos meios de comunicação reconstrói a memória de tal imagem num modelo de papel tridimensional que depois é fotografado. The degree to which the reality of the picture makes us think of the ways in which the real is actually constructed is central to Demand´s approach to photography. (Demand, 2005, p.9) Demand offers a model of vision that thrives on the frictions between opacity and intelligibility, fiction and veracity. (Demand, 2005, p.24) Ilustração 83 – Esquema do processo criativo do trabalho de Thomas Demand. (Joana Cotter Salvado, 2012) Tal processo não é mais do que uma reconstrução de determinada realidade. Thomas Demand, escultor de formação, começa no ano de 1993 a usar a fotografia como registo das suas obras tridimensionais. A fotografia torna-se assim parte intrínseca do seu processo criativo. Pouco tempo depois, a fotografia passa a ser o seu objectivo, pois as construcções são criadas com o único propósito de serem fotografadas. Os espaços tridimensionais passam a ser instrumentos de trabalho, que criam o cenário fotográfico. Assim, Thomas Demand associa, duas realidades: a imagem mediática que interpreta e o espaço que construído através interpretação. Estas, juntam-se numa única imagem fotográfica, com o intuito de representar uma ideia ou um acontecimento mediático. Una constante sucesión de imágenes sobre-expuestas de fuerte carga emocional se somete a reinterpretación. Resulta interesante observar que, si bien Demand extrae imágenes del espectáculo de los médios de comunicación de masas, las devuelve de una forma nada espectacular. La arquitectura que descubre dentro del espectáculo carece de todo asomo del mismo. (Colomina, 2010, p.112) Thomas Demand desenvolve um carácter narrativo nas suas fotografias suportado pela memória de acontecimentos mediáticos, sendo este um dos aspectos mais importantes da obra do artista, permitindo-lhe não só construir com um novo significado mas também traduzi-lo e expressá-lo nos espaços que constrói para Joana Cotter Salvado 125 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico fotografar. Analisando o resultado final, percebemos a noção de estranheza provocada pela quase realidade do objecto. Esta quase realidade é apreendida após, a primeira abordagem visual, sendo o objecto apreendido como algo irreal. A ausência da figura humana, nas fotografias de Thomas Demand é uma condicionante fundamental no modo de representação e expressão das intenções do artista enquanto ênfase ao aspecto irreal nas suas construções fotográficas. Deste modo, o resultado fotográfico expressa-se por este carácter ficcionado. A reconstrução e manipulação da realidade por Thomas Demand, expressa uma nova realidade, verdadeiramente impessoal. A oscilação entre o real e a ficção é denotada nas suas representações onde os espaços representados são humanamente vazios, construídos pelos objectos que fazem parte deles, reproduzidos de uma forma expressiva, à escala real, produzindo uma visão alternativa dos acontecimentos. Ilustração 84 – Drafting Room - Zeichensaal, 1996, tamanho original: 183.5 x 285cm, Thomas Deman. (Demand, 2006, p.74) Em “Drafting Room” (Ilustração 84), Thomas Demand, baseia-se numa fotografia do atelier de arquitectura e urbanismo de Richard Vorholzer, responsável por grande parte do planeamento urbano do pós-guerra na Alemanha. Aparentemente 126 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico insignificante, o espaço contruído por Thomas Demand, evoca memórias de uma arquitectura, influenciada pelos ensinamentos da escola Bauhaus. O espaço é contruindo com detalhe, ao ponto de ilustrar algumas ferramentas que o artista utiliza no seu trabalho. (Demand, 2005, p.16). Between the simulated realism of his images and the high level of preparation and documentary detail that goes into their making, Demand presents the viewer with a hybrid model of historical memory. (Demand, 2005, p.17) Demand offers a model of vision that thrives on the frictions between opacity and intelligibility, fiction and veracity. (Demand, 2005, p.24) Ilustração 85 – Staircase (Treppenhaus), 1995, tamanho original: 150,0 x 118,0 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.53) Joana Cotter Salvado 127 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A imagem fotográfica “Staircase” (Ilustração 85) é outro exemplo de construção de espaço, também neste caso, proveniente da memória de experiências pessoais. O artista / fotógrafo, recria a escada interior do edifício da escola secundária onde estudou, construída em 1950. (Demand, 2005, p.17). Proveniente da memória de acontecimentos passados, mais uma vez Thomas Demand foca-se no espaço, fazendo da sua representação, objecto central das suas construções. Como podemos observar, a figura humana é mais uma vez secundária para a expressão e representação das suas ideias. Thomas Demand, apesar de não ter sido aluno de Bernd e Hilla Becher na prestigiada Academia de Artes em Dusseldorf - Kunstakademie Dusseldorf – possui uma clara influencia destes, considerados pais da fotogorafia contemporânea alemã. Ilustração 86 – Gas Tanks, 1992-1997, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.42) A par de Thomas Demand, a influência destes fotógrafos extende-se a nomes de relevo da fotografia contemporânea como Andreas Gursky, Candida Hofer72, 72 Candida Hofer nasceu em 1944, na Alemanha. A fotógrafa foi uma das primeiras alunas de Bernd e Hilla Becher na Kunstakademie Dusseldorf. (Wikipédia, 2012) 128 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Thomas Struth73, Thomas Ruff74. Com estes conceituados artistas, Thomas Demand partilha uma vontade de documentar de um modo aparentemente banal, lugares não habitados. Embora Thomas Demand não agrupe esses lugares em séries ou categorias, o resultado final do seu trabalho é uma imagem única onde realidades existentes e realidades imaginadas são sobrepostas. Ilustração 87 – Biblioteca Nacional de França, Paris XIII, 1999, tamanho original: 85 x 85cm, Candida Hofer. (renabranstengallery, 2012) Diferentemente de seus mestres, Hoffer prefere a fotografia colorida à preto e branco. Suas fotografias geralmente exibem o espaço arquitectónico interno em sua amplidão, geralmente a partir de um ponto de vista aparentemente neutro. (Fortes, 2007, p.2) O processo de reconstrução de interpretações e a construção de um espaço com o objectivo artístico, de forma a produzir uma visão pessoal e alternativa dos acontecimentos, afasta Thomas Demand do trabalho fotográfico de Bernd e Hilla Becher. 73 Thomas Struth nasceu em 1954, na Alemanha. O fotógrafo iniciou o curso na Kunstakademie Dusseldorf (1973 até 1980) na área da pintura. Em 1976 começa a sua formação como fotógrafo dirigida por Bernd e Hilla Becher. Actualmente o fotógrafo trabalha em Berlim e Nova York. (Wikipédia, 2012) 74 Thomas Ruff nasceu em 1958 em Zell am Harmersbach, na Alemanha. Estudou fotografia entre 19771985 na Kunstakademie Dusseldorf dirigida por Bernd e Hilla Becher. Andreas Gursky, Candida Hofer, Thomas Struth, foram alguns dos seus colegas no curso de fotografia. Actualmente, vive e trabalha em Dusseldorf, na Alemanha. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 129 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 88 – Art Institute of Chicago 2, 1990, Thomas Struth. (Google, 2012) Ilustração 89 – D.p.b. 08, 2000, tamanho original: 128 x 178 cm, Thomas Ruff. (Google, 2012) 130 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico É por uma estratégia da fotografia enquanto processo documental que estes artistas/fotógrafos se distinguem do ponto de vista artístico. Nas imagens fotográficas de Bernd e Hilla Becher, o “objecto banal” ganha aura pela forma como são documentadas as diferentes construções arquitectónicas. Agrupadas em séries possibilitam uma análise comparativa de diferentes contruções numa mesma imagem. Ilustração 90 – Blast Furnaces, 1970-1989, Bernd e Hilla Becher. (Becher, 2004, p.10) Ao analisarmos a imagem fotográfica de Thomas Demand “Bathroom” (Ilustração 89), é possível demonstrar o aspecto de algum modo artificial que o espaço representado na imagem expressa. “Bathroom” relata um acontecimento mediático. Esta imagem recria o espaço da casa de banho do Hotel Beau-Rivage em Genéva, onde o político Uwe Barrschel75 foi encontrado morto em 1987. Considerado um dos mais controversos escândalos do pós-guerra da Alemanha, foi publicado nas páginas das revistas alemães como “Der Spiegel76” e “Der Stern77”. 75 Uwe Barrschel (1944-1987). Alemão político da União Democrata Cristã na Alemanha. Entre 1982-1987 foi Primeiro Ministro do Estado de Schleswig-Holstein. (Wikipédia, 2012) 76 Der Spiegel é uma revista semanal alemã, publicada em Hamburgo. É uma das maiores publicações da Europa, com circulação semanal de mais de um milhão de exemplares. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 131 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Mais uma vez, na imagem de Thomas Demand é revelado um lado mais impessoal e austero onde o espaço continua a ser determinante, pois de certo modo, é ele que é construído numa maqueta à escala real e fotografado. Ilustração 91 – Notícia retirada da revista Der Stern da morte de Uwe Barschel na banheira do quarto do Hotel BeauRivage, em Genéva, 1987. (Demand, 2005, p.20) Ilustração 92 – Bathroom (Badezimmer), 1997, tamanho original: 160 x 12cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.64) If we consider the Barschel picture, it was the first reproduction that caused a big scandal. People started asking whether it should be printed at all. (They asked) (W)hether a photographer should be allowed to intrude and take a picture before the police had arrived. Much later, the untiring public prosecutor in Schleswig-Holstein (the state that Barschel represented) re-examined the unresolved questions on the basis of the photos. That means, the photo medium runs through the whole affair. (Demand quoted in Ruedi Widmer, “Building the Scene of the Crime” / (Demand, 2005, p.20) As a rule, Demand begins with an image, usually, although not exclusively, from a photograph culled from the media, which he translates into a three-dimensinal life-size paper model. Then he takes a picture of the model with a Swiss-made Sinar, a large-format camera with telescopic lens for enhanced resolution and heightened verisimilitude. Contributing to the overall illusion of reality, his large-scale photographs are laminated behind Plexiglas and displayed without a frame. His handcrafted facsimiles of architectural spaces, exteriors, and natural environments are built in the image of other images. Thus, his photographs are triply, removed from the scenes or objects they depict. (Demand, 2005, p.9-10) Like his other pictures, Demand´s construct is full of artifice. (Demand, 2005, p.24) 77 Der Stern é uma revista semanal, publicada na Alemanha. Fundada em 1948 por Henri Nannen (19131996) – famoso jornalista alemão. Actualmente é publicada por Gruner + Jahr GmbH & Co.KG – editora fundada em 1965 por Henri Nannen Gerd Bucerius, John Jahr Sr. e Richard Gruner. (Wikipédia, 2012) 132 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Para além do processo de trabalho deste artista/fotógrafo oscilar entre a realidade e a ficção também balança entre a documentação de um acontecimento já por si mediático e a construção de um conjunto de interpretações em maquetes de papel e cartão. Existe nesta obra, uma clara citação à pintura “A morte de Marat”78 do pintor francês Jacques – Louis David79 a qual remete para uma sobreposição de leituras que demonstram a complexidade do trabalho artístico de Thomas Demand. Ilustração 93 – A morte de Marat80, 1793, técnica de óleo sobre tela. Tamanho original: 128cm x 165cm, Jacques – Louis David (Demand, 2005, p.14) 78 A morte de Marat é uma pintura de Jacques – Louis David, datada de 1793. Exposta no Museu de Belas Artes, em Bruxelas, a pintura retrata o assassinato de Jean – Paul Marat (1743 – 1793). O pintor Jacques – Louis David representou Jean – Paul Marat, visto na véspera de sua morte, tal como representado. (Wikipédia, 2012) 79 Jacques – Louis David (1748 – 1825). Pintor francês, oficial da Corte Francesa de de Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), foi um dos artistas representantes do neoclassicismo – movimento cultural nascido na Europa em meados do séculoXVIII que teve grande influência na arte e cultura Ocidental, até meados do séculoXIX. (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 133 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Outro exemplo de transformação de uma imagem mediática por Thomas Demand é a fotografia “Studio”. A imagem base provém de um programa televisivo “What´s my line?” moderado pelo jornalista Robert Lembke81. É com a utilização de cores fortes, que Thomas Demand cria o cenário da imagem como meio de reproduzir e evidenciar a virtual experiência de um estúdio televisivo que é reproduzido em televisão a preto e branco. Ilustração 94 – Robert Lembke com a sua assitente Irene Neubauer no programa televisivo “What´s my line?”, em 1978. (Demand, 2005, p.18) Ilustração 95 – Studio, 1997, tamanho original: 183.5 x 349.5 cm, Thomas Demand. (Demand, 2005, p.70-71) 80 Jean – Paul Marat (1743 – 1793), médico, filósofo, cientista, mais conhecido como jornalista e político da Revolução Francesa (Wikipédia, 2012) 81 Robert Emil Weichselbaum (1913-1989) foi um apresentador de televisão alemão. Entre 1961-1989 foi um dos jornalistas moderadores do programa televisivo “What´s my line?”. (Wikipédia, 2012) 134 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico O trabalho de Thomas Demand não se ocupa apenas da observação e representação do espaço arquitectónico indo além de uma simples representação fotográfica. O espaço adquire importância pois é fotografado para expressar uma ideia, através de um conjunto de interpretações construídas num modelo tridimensional pelo artista. This may explain why he builds it, why he takes images from the world of media – photographs of crime sites, most notably – and builds them as full-scale constructions in paper and cardboard, strong enough to hold only until the photograph is taken, when he destroys the original model. The new photographs join the media world that originated them. (Colomina, 1996, p.19) The direction of his interrogation into truth takes as its subject the media-based perceptions of reality. As we have seen, the certainty of this “reality” is destabilized, however, as soon as an auxiliary reality – the world of paper and cardboard constructs – is detected. But since he never exhibitions he never exhibits the paper mock-ups, we can never entirely conclude the former reality as an illusion. When looking at a Demand picture, the eye is subjected to the unrelenting act of having to decode two kinds of “reality”. In this way, the artist reinscribes his documentary sources. The removal of figures, clinical handling, lack of detail, shallowness of depth, and cool and utterly uniform lighting call into question the pretense that such sources can tell the truth of the events they have in principle objectively documented. As such, it seems, Demand ensures that photography becomes a vehicle of consciousness as much as a form of testimony to seeing anew. (Demand, 2005, p.27) Esta análise do trabalho de Thomas Demand permite estabelecer uma ponte com as primeiras experiências de manipulação da imagem fotográfica. O cenário construído é, no caso de Thomas Demand, a introdução de uma definição de realidade ficcionada. Podemos encontrar o mesmo objectivo – a aproximação da percepção do observador à definição conceptual do fotógrafo – nas experiências compositivas Lázlo Moholy-Nagy, apesar de se poderem ser formalmente distintas. É portanto, a partir do início da década de 60, que se começa a explorar a fotografia enquanto documento artístico capaz de propor uma nova forma de representar e percepcionar a realidade. Neste sentido, a primazia da visão enquanto forma primeira de percepção, e a predominância da racionalidade cartesiana que se expandiu a partir desta situação, alimentam o próprio espectáculo. (Leach, 2005, p.150) Joana Cotter Salvado 135 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 136 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.0 REGISTO E PERCEPÇÃO : A CIDADE COMO CAMPO DE ACÇÃO DO PROJECTO O trabalho prático da cadeira de Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado no 5º ano na Universidade La Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni constitui o último capítulo da presente dissertação. No primeiro subcapítulo deste capítulo é apresentada uma análise histórica do território e a sua evolução desde a Época Romana até ao ano de 2009. Também foi desenvolvida uma análise morfológica dos espaços, elementos marcantes existentes e diferentes tipologias de edificado. Por último foi feita uma análise sociológica do território, que revela o impacto das características urbanísticas nas transformações de actividades sociais. A fotografia é introduzida enquanto instrumento que possibilita a compreensão do território a projectar – quarteirão de San Lorenzo em Roma. Com base no sistema urbano existente, foi organizado um conjunto de imagens, que se sobrepõem e se interrelacionam com o intuito de estrurar uma visão global e integral do território a projectar. Um plano bidimensional, a combinação de diferentes olhares, representado por diferentes elementos gráficos permite expressar uma sensação espacio-temporal. No segundo subcapítulo é apresentada a proposta de requalificação do quarteirão de San Lorenzo. A análise do território foi fundamental para esta proposta, pois foi a partir deste estudo que foram identificadas as lacunas urbanas e seleccionadas as duas áreas a requalificar. O sistema urbano proposto integra uma área habitacional, uma área de serviços, equipamentos e espaços verdes. Estes espaços e elementos territoriais são ligados através da diversidade de percursos que para além de criarem uma continuidade com o território existente, propõem um sistema urbano dinâmico nas duas áreas do quarteirão de San Lorenzo, desqualificadas. Compreendido o sistema enquanto peça única, cada elemento urbano é desenhado com o objectivo de organizar um plano urbano, que se define pelas suas qualidades formais e funcionais. Foi com base em sete princípios utilizados por Kevin Lynch82 que a proposta urbana é descrita, permitindo uma melhor compreensão do 82 Kevin Andrew Lynch (1918-1984). Urbanista e escritor americano de “A Imagem da Cidade” (1960), “O Tempo é esse lugar?” (1972), entre outros. Estudou na Universidade de Yale em New Haven e licenciouse em 1947. Em 1949 começou a leccionar em MIT (Massachusetts Institute of Technology). (Wikipédia, 2012) Joana Cotter Salvado 137 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico sistema, de um modo global. Princípios como a: singularidade, a continuidade, a clareza das ligações, a consciência de movimento, a diferenciação direccional, a predominância e a simplicidade da forma foram utilizados como referências para a descrição da proposta. Para além do desenho do sistema urbano, o edifício pertencente à área habitacional foi desenvolvido, qualificando o piso térreo com carácter público e o piso superior com carácter privado, habitacional. O desenho do edifício é influenciado pelas tipologias residenciais existentes mas também pelo desenho do módulo habitacional proposto. A análise anterior desenvolvida, acerca do território a projectar e requalificar, mais uma vez tem um papel fundamental para o desenvolvimento do projecto, a diferentes escalas. O módulo habitacional, constituído por duas tipologias diferentes com áreas entre 70m2 e 80m2, aproximadamente, advém do estudo de tipologias existentes, destacando-se os edifícios em bloco, agregado em linha e os edifícios em bloco aberto. No desenvolvimento da proposta, a fotografia é usada tanto como apoio de registo do território a requalificar assim como estímulo ao pensamento de projecto, onde diferentes elementos gráficos são integrados, expressando uma ideia. É claro que a forma de uma cidade ou de uma área metropolitana não apresentará uma ordem gigante, estratificada. Será uma estrutura complicada, contínua como um todo, contudo intricada e móvel. Tem de ser elástica aos hábitos de milhares de cidadãos, aberta a mudanças de função e significado, receptiva à formação de novas imagens. Deve convidar aqueles que a contemplam a explorar o mundo. (Lynch, 1989, p.132) 138 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.1 PERCEPÇÃO E TERRITÓRIO: O QUARTEIRÃO DE SAN LORENZO Mais do que uma única imagem para todo o meio ambiente, parecia haver um conjunto de imagens que se sobrepunham ou inter-relacionavam. Estavam organizadas em séries de níveis, envolvidas pela escala de uma área, de modo a que o observador se movesse, à medida que ia sendo necessário, de uma imagem ao nível da rua para níveis de vizinhança, de cidade ou de toda uma região metropolitana. (Lynch, 1989, p.97) Neste subcapítulo referimos a importância das ideias de Juhani Pallasma relativamente à percepção na experiência do espaço arquitectónico, do papel do corpo como lugar da percepção, do pensamento arquitectónico e a importância dos sentidos na articulação de ideias sensoriais para a compreensão da arquitectura. Tais pressupostos foram preponderantes para a compreensão do modo como a fotografia proporciona um outro tipo de percepção do espaço arquitectónico. Ao movimentarmo-nos no espaço criamos um conjunto de imagens que constroem a nossa percepção do mundo. Como afirma Lazlo Moholy-Nagy, uma fotografia não é mais do que um ponto de vista de determinado espaço. É assim num novo instrumento de visão que abre novas possibilidades de compreensão e representação do espaço arquitectónico. By fragmenting and regrouping images, he first destroyed the supposed objective reality of a photograph and then reconstructed his own subjective reaction to his environment. In creating new contexts for the photographs (or fragments of photographs), he was consciously exploiting the variety of meanings and associations a photograph can have and thereby tapping the subjectivity of his viewers. (Hight, 1995, p.147) Para Bruno Zevi, uma fotografia representa apenas um ponto de vista estático da arquitectura, que se distancia de sucessões de pontos de vista que o observador experiencia ao movimentar-se pelo espaço arquitectónico. A arquitectura pressupõe a articulação entre espaço e tempo e neste sentido desenvolvemos a sua relação com a fotografia. Ao fundirmos uma multiplicidade de olhares, característica da percepção natural, aproximamo-nos do movimento do corpo no espaço arquitectónico e é esta ideia que nos interessa evidenciar quando referimos a fotografia e a apreensão do espaço. Para compreendermos o espaço através da imagem fotográfica, é importante referirmos que uma fotografia expressa apenas um fragmento da realidade, representando um determinado tempo, sendo por isso, insuficiente para descrever o espaço arquitectónico. A apreensão do espaço arquitectónico através da fotografia Joana Cotter Salvado 139 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico aproxima-se de um conjunto de fragmentos ou imagens, visando estruturar uma visão global e integral da realidade. No primeiro subcapítulo que integra o terceiro capítulo da presente dissertação fazemos mais uma vez referência à percepção do espaço arquitectónico, relacionando-o com o trabalho do arquitecto Enric Miralles (1955-2000). Neste subcapítulo percebemos a importância da interacção de diferentes elementos gráficos para a materialização de um pensamento projectual e estímulo do processo de imaginação. A imagem de EMBT do projecto, de 2006, para o Novo Complexo Parlamentar da República da Albânia, em Tirana (Ilustração 70) é uma colagem de elementos distintos de representação do mesmo projecto que permite expressar e descrever o espaço arquitectónico. O desenho livre é sobreposto a uma base rigorosa de desenho do local associado a fotografias. A colagem de diferentes tipos de grafismo exprimindo diferentes pensamentos, permitem a construção do espaço na sua autenticidade. A sensação de colagem que é expressa pela forma como utiliza a conjugação com os elementos gráficos com a fotografia, revelando o seu interesse por descrever a realidade de maneira a possibilitar a composição do espaço. O conceito de imaginabilidade não tem, necessariamente, conotações com algo de fixo, limitado, preciso, unificado ou ordenado regularmente, embora possa, por vezes, ter estas qualidades. Também não significa visível, óbvio, evidente ou claro. O meio ambiente é fortemente complexo se o tentarmos estruturar no seu todo, enquanto a imagem evidente depressa cansa e apenas pode apontar para poucas características do mundo vivo. (Lynch, 1989, pp.20-21) Desta forma, a combinação de diferentes olhares permite que a percepção se amplie e se mova no espaço num plano bidimensional, expressando uma sensação arquitectónica (espácio-temporal). A imagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá, Espanha é mais um bom exemplo de uma fotomontagem (Ilustração 71) como meio de documentar o processo de construção do espaço arquitectónico. O conjunto de fotografias dispostas de uma forma irregular, têm a capacidade de expressar as intenções do projecto. A fotografia estabelece assim um diálogo com o espaço do projecto que se evidencia com o dinamismo gráfico. 140 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 96 – Desenho para o projecto para o Novo Complexo Parlamentar da República da Albânia, em Tirana, 2006, EMBT. (Mirallestagliabue, 2012) Ilustração 97 – Fotocolagem do projecto Hostels Centro Cívico, em Balenyá, Espanha, 1988-1984, EMBT. (Weston, 2004) Joana Cotter Salvado 141 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Through the camera lens he isolates aspects of modern life for our scrutiny and contemplation. In the case of photomontage, he recombines found photographic fragments to create his own subjective interpretation through new juxtapositions of ideas. His process is primarily one of dissecting realty and then rearranging its parts. (Hight, 1995, p.129) O trabalho prático da cadeira de Sintesi di Progettazione Urbanistica realizado no 5ºano na Universidade La Sapienza, Faculdade Ludovico Quaroni, é o caso de estudo em apresentação neste capítulo da dissertação. A importância da fotografia na análise do território foi fundamental tanto como forma de estruturar a percepção como no modo de registo deste mesmo. O quarteirão de San Lorenzo foi a área em estudo, uma área com diversas lacunas a nível do tecido urbano, onde se considerou imprescindível movimentarmo-nos para as compreendermos e redesenharmos de modo a não só criar mais dinamismo mas também resolver determinados problemas funcionais da área urbana a intervir. Estes elementos são apenas a matéria-prima da imagem do meio ambiente à escala urbana. Têm de ser trabalhados em conjunto de modo a conseguir uma forma satisfatória. (Lynch, 1989, p.95) Ilustração 98 – Análise do território. Colagens fotográficas sobre uma planta do quarteirão de San Lorenzo – área a intervir (Joana Cotter Salvado, 2010) 142 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A criação de um conjunto de vistas que se registaram através de imagens fotográficas e que por sua vez se relacionam e que constituem uma visão estruturada e de certo modo global, são organizadas em diferentes níveis consoante a forma que percepcionamos e que nos movimentamos no espaço. A importância deste conjunto de fragmentos e portanto, de diversos pontos de vista, afastam-se de uma visão estática da realidade para se assemelharem à percepção natural. De um ponto de vista estático e parcial, reunimos um conjunto de imagens que nos permitiram descrever o território. Desta forma, a fotografia foi utilizada enquanto registo de uma imagem mental, que é organizada de forma a ilustrar e representar determinadas áreas do trajecto percorrido, na área de intervenção. Como podemos observar na Ilustração 72 , a conjugação de vistas fotográficas de pontos determinantes do quarteirão de San Lorenzo, foi uma das bases fundamentais tanto para a elaboração de uma proposta como para a memória desses mesmos pontos fundamentais. A importância da conjugação de todos os elementos marcantes e as suas relações no tecido urbano foi apenas uma base de compreensão da área a intervir. Não há visão sem pensamento. Mas não basta pensar para ver: a visão é um pensamento condicionado, nasce «em virtude» do que acontece no corpo, é «excitada» a pensar por ele. Ela não escolhe ser ou não ser, nem pensar isto ou aquilo. Ela deve trazer no seu coração este peso, esta dependência que não lhe podem advir de uma intrusão exterior. (Merleau-Ponty, 2009, p.43) Joana Cotter Salvado 143 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 144 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.1.1 ANÁLISE HISTÓRICA O quarteirão de San Lorenzo, em Roma, situado no quadrante leste da cidade, nas margens do perímetro do centro da cidade tradicional. Circunscrito entre o Muro Aureliano a Sudeste da Estação do complexo Termini, e a Igreja do Cemitério Verano, estabelece uma fronteira a Sul com a Estação Ferroviária. Historicamente, San Lorenzo nasceu como um bairro83 de especulação privada, fora dos eixos viários dos planos directores de 1873 e 1883 com um destino popular para classes operárias naturalmente alienadas do resto da cidade. O bairro cresceu entre 1878-1930 sendo as últimas operações realizadas na época de pós guerra mundial. Hoje em dia é uma área central, próxima do centro histórico e cercada por grandes zonas de serviço que influenciam a cidade e o território, como a Biblioteca Nacional e a Universidade La Sapienza. San Lorenzo, em oposição aos bairros vizinhos, como o bairro Esquilino, é qualificado de degradado a ponto de se tornar objecto de consolidação, durante o período da sua própria construção. Em 1886, foi atravessado por um período de epidemia e cólera. É em 1873, que se altera de forma substancial, transformando as suas principais características e funcionamento, ao fragmentar a continuidade existente entre a Porta de San Lorenzo e Santa Maria Maggiore. A antiga Via da Porta de San Lorenzo desaparece por inteiro na linha que se estendia à actual Via Giolitti. Ainda em 1873, a expansão em direcção ao Sul-Leste, em direcção à Porta Maggiore e San Giovanni, favorece o isolamento relativo do quarteirão de San Lorenzo, para o interior da Mura Aurelina. Em 1887, a secção das ruas de San Lorenzo atinge uma média doze metros por largura, enquanto a altura média dos edifícios, mesmo aqueles construídos após 1887, vão até aos 24 metros, por 18 metros de largura. Foi através da evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo, que foram elaborados dois registos gráficos, representados a Ilustração 99 e 100, que traduzem as transformações desde o período romano até 2009. 83 Segundo Kevin Lynch bairros são regiões urbanas de tamanho médio ou grande, concebidos como tendo uma extensão bidimensional, regiões essas em que o observador penetra («para dentro de») mentalmente e que reconhece como tendo algo em comum e de identificável. (Lynch, 1989, p.58) Joana Cotter Salvado 145 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico No quadrante 01 da Ilustração 99, referente ao período romano, foram marcados os vestígios arqueológicos, delimitando o bairro pelo Muro Aureliano e todas as zonas de vinhas e pomares. No quadrante 02 da mesma imagem, correspondente à Idade Média até ao ano de 1870, é mantida a marcação do bairro delimitada pelo Muro Aureliano. É nesta altura que a nova construção se inicia, bem como a primeira limitação do núcleo do Cemitério de Verano (1811-13). No quadrante 03, (ano de 1870-1924), é mantida a demarcação de todas as pré-existências, identificando todas as novas construções, como a Estação Termini e a convergência da praça de Verano com o Cemitério. O quadrante 04, (1824-1943), é mais uma vez marcado pelas préexistências, novas construções, e pela área Universitária La Sapienza. No quadrante 05, (1943-1960), marcamos uma vez mais as pré-existências, com a restruturação da área do Cemitério de Verano, novas construções, em oposição aos edifícios bombardeados. Por fim, entre 1960 e 2009, no quadrante 06, demarcamos as novas construções, sempre com a presença de pré-existências assim como todos os edifícios bombardeados. (Pazzaglini, 1984, p.55) Ilustração 99 – Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Edificado (Joana Cotter Salvado, 2010) Esta análise da evolução histórica com as transformações no tecido urbano no quarteirão de San Lorenzo, evidenciando as fronteiras marcantes, as pré-existências e novas construções, tais como as áreas mais degradadas e os espaços verdes, é somente um primeiro estudo para a apreensão da área a intervir. 146 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 100 - Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Traçado Viário (Joana Cotter Salvado, 2010) Na Ilustração 100 vemos um registo gráfico que demonstra a evolução histórica do quarteirão e as transformações ao nível do traçado viário84. De uma forma geral evidenciamos a Porta Romana (Porta de San Lorenzo), a delimitação do quarteirão, as áreas verdes, assim como todas os edifícios bombardeados em 1943 (não foram reconstruídos) identificando as alterações viárias ao longo dos períodos dos seis períodos de tempo mais marcantes. O observador tem, também, de ajustar a sua imagem a mudanças seculares na realidade à sua volta.(Lynch, 1989, p.98) Na Época Romana, foram representados os traçados preservados e não preservados com a presença do Muro Aureliano e a localização de achados arqueológicos. Do período Medieval a 1870, foram delineadas as vias existentes tais como as novas construções. Entre 1870 a 1924 foram marcadas as novas construções assim como os eixos viários e a Estação Termini. Entre 1824 e 1943, é um período em que os traçados viários sofrem transformações, a par do aumento de novas construções, para além do aparecimento do pólo Universitário La Sapienza e do núcleo de edificado correspondente ao quartel. Entre 1943 e 1960, para além de 84 Segundo Kevin Lynch vias são os canais ao longo dos quais o observador se move, usual, ocasional ou potencialmente. Podem ser ruas, passeios, linhas de trânsito, canais, caminhos-de-ferro. Para muitos, estes são os elementos predominantes na sua imagem. As pessoas observam a cidade à medida que nela se deslocam e os outros elementos organizam-se e relacionam-se ao longo destas vias. (Lynch, 1989, p.58) Joana Cotter Salvado 147 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico novas construções e traçados, emerge o Cemitério Verano, bem como a Universidade La Sapienza, mencionada anteriormente, como uma das fronteiras do quarteirão. Por fim, entre 1960 e 2009, apenas pontuais novas construções são edificadas e construído o eixo viário Scalo San Lorenzo. Ilustração 101 - Evolução histórica do quarteirão de San Lorenzo – Pré-existências e novo edificado (Joana Cotter Salvado, 2010) A situação da estrutura viária que nasce da Porta de San Lorenzo, em 1870, constitui-se essencialmente por duas vias que permitem o desenvolvimento do quarteirão de San Lorenzo. Estas formaram um tecido orgânico, funcionalmente importante na manutenção da relação de pontos de interesse entre lugares públicos e religiosos, interiores e exteriores ao Muro Aureliano, entre Santa Maria Maggiore e a Basílica de San Lorenzo e ainda entre Santa Maria Maggiore e a Via Tiburtina Sistino. A via a norte, denominada de Via da Porta de San Lorenzo, actualmente Via Marsala, liga a Porta de San Lorenzo com as antigas termas de Diocleciano e a sede da Igreja de Santa Maria degli Angeli. A segunda via, em direcção ao sul, atravessava o Muro Aureliano, tornando-se crucial para determinar o desenho da actual Via Tiburtina. 148 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.1.2 ANÁLISE M ORFOLÓGICA No caso de terem uma forma clara, os elementos marcantes tornam-se, ainda, mais fáceis de identificar; isto verifica-se, igualmente, quando contrastam com o cenário de fundo ou se localizam espacialmente num local predominante. (Lynch, 1989, p.90-91) Define-se San Lorenzo como um bairro sem qualquer desenvolvimento unitário ao nível do tecido urbano, com elementos de degradação, que se afastam do sistema urbanístico do séculoXIX. A área delimitada pela Praça de Verano, Via dei Reti e Via del Verano, é um exemplo de área caracterizada por um sistema urbano incompleto e degradado. As actividades artesanais relacionadas com a presença do Cemitério Verano e o terciário ligado ao núcleo Universitário La Sapienza com depósitos comerciais e armazenamento, constituem uma área funcional, confrontando uma zona residencial desordenada, localizada no interior do bairro. Ilustração 102 - Esquema viário actual do quarteirão de San Lorenzo, 2012 (Joana Cotter Salvado, 2012) Em termos de arquitectura, o bairro de San Lorenzo é circunscrito por elementos de grande interesse arquitectónico e histórico. Como a Muralha Aureliana, construída entre 270 e 275 dC pelo Imperador Aureliano, que estrutura a zona leste da cidade com um ritmo marcado por torres quadradas. Contrastando com a préexistência da Muralha Aureliana, a Estação Termini constitui também um elemento de fronteira do quarteirão. Joana Cotter Salvado 149 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A norte de San Lorenzo existem diversos exemplos de edifícios, integrados mediante nas estruturas arqueológicas existentes, aproveitando por exemplo as estruturas dos Muros e Aquedutos. Na zona oeste do bairro, a Basílica de San Lorenzo é um elemento marcante do território onde se dá relevância ao sistema fora da Muralha Aureliana, correspondente ao Cemitério Verano, que se caracteriza como um conjunto compacto cercado que surge a partir da própria Basílica e se estende para a entrada monumental da praça do Cemitério Verano. A Basílica de San Lorenzo, era um lugar tradicional de peregrinação, que se torna mais tarde um serviço de utilidade pública da cidade, por decreto napoleónico de 1804. Especialmente os bairros, que normalmente se apresentam maiores do que os outros elementos, contêm em si próprios, estando assim também relacionados com eles, vias diversas, cruzamentos e elementos marcantes. Estes últimos elementos não só estruturam a região internamente como também intensificam a identidade do todo. (Lynch, 1989, p.95) Ilustração 103 – Análise Morfológica do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) A Ilustração 103 evidencia a análise morfológica do bairro de San Lorenzo. A marcação dos componentes estruturais como eixos viários e avenidas com identidade de escala urbana e escala de quarteirão. Foram também identificadas pela sua localização: com proximidade urbana da Muralha Aureliana assim como localizadas pela presença de uma frente comercial. 150 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Também se procedeu à marcação da interacção do espaço, tanto de praças e largos relevantes do território assim como a circunscrição de toda a área de quarteirão e ainda as áreas de indústria e construção, ainda por configurar. Em destaque, mais uma vez, a demarcação da periferia do quarteirão, pela área da Estação Termini, a área do Cemitério de Verano e a área correspondente ao Pólo Universitário, o que permitiu restringir a zona a reconfigurar. Nesta análise morfológica ao quarteirão, identificaram-se todos os espaços verdes públicos, nomeadamente os jardins e as áreas para a prática de desporto e actividades lúdicas. Foi ainda demarcado o sistema de arqueologia, dando relevância à Muralha Aureliana, e a todo o edificado com valor histórico, arquitectónico e degradado. Ilustração 104 – Edifícios residenciais e sistema verde do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) No que toca às áreas verdes foi elaborado um outro registo gráfico – Ilustração 104 – onde as relacionamos com os edifícios residenciais existentes (habitações colectivas, residências de estudantes e o Convento). Quando nos referimos ao quarteirão de San Lorenzo e aos edifícios residencias identificados, podemos organizá-los em oito tipos: 1. Edifícios agregados em bloco não homogéneo Joana Cotter Salvado 151 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2. Edifícios agregados em linha que encerram área exterior 3. Edifícios agregados em bloco não homogéneo, com alçado principal contínuo 4. Edifícios agregados em bloco aberto 5. Edifícios agregados em bloco aberto dispostos em pente 6. Edifícios agregados em bloco não homogéneo com rompimento 7. Edifícios agregados em linha isolados ou com proximidade de sistema viário 8. Edifícios – galeria agregados em bloco Este estudo das estruturas tipológicas, dando relevância às estruturas residenciais, foi assinalado no registo gráfico da Ilustração 105. Neste estudo são mais uma vez assinalados os elementos do tecido urbano que delimitam o quarteirão de San Lorenzo, já referidos anteriormente, o Cemitério Verano, a Cidade Universitária La Sapienza, a Estação Termini e o Muro Aureliano. Ilustração 105 – Tipologias do edificado do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) Na Ilustração 106, as tipologias dos edifícios são dispostas num diagrama, ilustrando e revelando a sua estrutura e correspondente tipologia. Esta análise tornase importante não só para percebermos o território a intervir a um nível formal do 152 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico tecido urbano mas também para reconhecermos as tipologias e morfologia do edificado residencial. Ilustração 106 – Esquema morfológico das diferentes tipologias residenciais do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) Este subcapítulo, de modo global, é dedicado a uma análise tanto histórica, como morfológica e sociológica do território, que se torna consubstancial para o desenho de uma proposta que inclui, em fase final, o desenvolvimento de um edifício residencial, de tipologia habitacional. A importância de um estudo aprofundado do quarteirão de San Lorenzo é fundamental para o desenho dessa mesma proposta tanto a nível de requalificação de parte do sistema urbano, desenho de edifício e tipologia residencial. Para além disso, este conjunto de análises ao território permitem assinalar um conjunto de elementos críticos como áreas não estruturadas, áreas verdes degradadas pela sua reconfiguração, áreas de relevância sem configuração e espaços pedestres sem qualquer qualidade por falta de calçadas como praças e largos sem identidade. A análise da actual área urbana em relação à sua colocação, nomeadamente das estruturas rodoviárias e da área edificada, apresenta uma série de questões e diversos problemas estruturais, tanto técnicos como formais. Joana Cotter Salvado 153 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Determinados problemas dizem respeito à separação de acordo com o resto da cidade do séculoXIX. Esta separação é evidente, como estrutura urbana, sobretudo a falta de coerência da Via Tiburtina com a nova estrada perto da zona Esquilino – zona que faz fronteira com o quarteirão pela Estação Termini - que perdeu conexão com a Avenida Scalo San Lorenzo e com o eixo da Via Regina Margherita. Esta separação também contraria a homogeneidade formal da cidade e a introdução a diferentes densidades e diferentes usos. Ilustração 107 – Sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo e identificação de lacunas (Joana Cotter Salvado, 2010) A Ilustração 107 é mais um registo gráfico realizado onde é evidenciado o sistema urbano do bairro de San Lorenzo com alguns recursos ou pontos estruturantes do tecido urbano e respectivas críticas e lacunas urbanas. A marcação de praças e largos relativamente ao seu grau de identidade do ponto de vista histórico, morfológico, simbólico e funcional, foram elementos de estudo urbano. O edificado foi organizado por interesse estratégico, demarcando bombardeados e reconstruídos. Além destes elementos, os traçados de circulação tanto com níveis urbanos como com níveis locais aleados aos com pontos de interesse histórico e arqueológico, 154 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico organizam o sistema de mobilidade através da delineação da rede ferroviária, rede de eléctricos com respectiva área de transportes colectivos e ainda com a marcação de nós de intercâmbio urbano regional e nacional. A análise cuidada de todos os elementos marcantes85 do tecido urbano que influenciam não só a sua funcionalidade mas também a estrutura do próprio quarteirão, permitiu destacar as suas lacunas: áreas verdes degradadas, espaços abertos sem definição a nível de desenho urbano, áreas bombardeadas reconstruídas e outras sem qualquer configuração morfológica. Foi ainda elaborado um registo gráfico (Ilustração 108) da rede rodoviária constituída pelo cruzamento de eixos viários urbanos, pelos eixos de entrada urbana para o interior do quarteirão, eixos de ligação interna do quarteirão, estradas intensamente ocupadas e as áreas problemáticas com as respectivas intersecções. Ilustração 108 – Sistema de mobilidade do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) Através da marcação e estudo do sistema de mobilidade viário actual, demarcamos também os parques de estacionamento de carácter público, revelando a 85 Segundo Kevin Lynch elementos marcantes são pontos de referência considerados exteriores ao observador, são simples elementos físicos varáveis em tamanho. (Lynch, 1989, p.90) Joana Cotter Salvado 155 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico mobilidade do sistema público, incluindo neste, a linha de circulação de autocarros e os terminais rodoviários, de eléctricos e ferroviário. Actualmente, o quarteirão de San Lorenzo é delimitado por equipamentos urbanos e territoriais centrais (Estação Termini, Universidade La Sapienza, Via Scalo a San Lorenzo, Ministério Aeronautico), turísticos (Hotel, Centro Turístico estudantil) e culturais (Associação Cultural), (Ilustração 109). Ilustração 109 – Marcação de equipamentos urbanos e territoriais centrais do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) De facto, a função de um ambiente visualmente bom pode não ser só a de facilitar os percursos ou de manter significados e sentimentos já existentes. Igualmente importante pode ser o seu papel de guia e produtor de estímulos e novas explorações. (Lynch, 1989, p.122) 156 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.1.3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA Dadas as circunstâncias históricas e urbanas deste bairro, podemos agrupar três tipos de transformações que alteraram o tecido periférico com a presença de actividades sociais e características urbanísticas dificilmente reconstituíveis. O primeiro tipo de transformação depende das grandes empresas e grandes propriedades que tornam o mercado especulativo fazendo com que haja concentração da propriedade. O segundo tipo de transformação associa-se a uma possível tendência de sector terciário privado, que necessita de uma profunda transformação da indústria da construção civil do bairro e com a qual o capital privado e as forças de especulação são incompatíveis. E, por último, o terceiro tipo de transformação ganhou força nos últimos anos e é uma consequência do Pólo Universitário adjacente. Tal transformação acontece pela presença de residências de estudantes no bairro de San Lorenzo. Mas, se por um lado, tal acontecimento faz com que aumente o lucro de proprietários de pequenas e médias empresas, impedindo desta forma o processo de terceirização, por outro, leva um incremento do custo do aluguer dos apartamentos com um agravamento das já debilitadas condições existentes de habitação e uma profunda alteração do tecido social. Outra consequência da presença da Universidade, na periferia do bairro de San Lorenzo, é a aquisição gradual das parcelas de terra para construção, retirando-as desta forma, do possível uso pela vizinhança. (Pazzaglini, 1984, p.70) Quando a 19 de Julho de 1943, o quarteirão de San Lorenzo sofreu um bombardeamento pelos anglo-americanos, durante a guerra, os traços dessa "herança do fascismo" (como está escrito nas fachadas em ruínas de edifícios), ainda são claramente visíveis no quarteirão. Em 20 anos, entre 1950 e 1970, a população diminuiu em quase metade (47%). Cerca de 22% desta população tinha mais de 60 anos, comparando com uma média de cerca de 13% dos outros bairros romanos. Acrescentando ainda que, a este senso população, é adicionado cerca de 14% dos estudantes que vivem fora do local no quarteirão. A população é predominantemente operária (mais de 60%), e a densidade populacional bastante elevada (385ab/ha 284ab/há) em comparação com a Joana Cotter Salvado 157 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico zona velha da cidade, tornando particularmente escassas as áreas verdes e zonas de desporto. Cerca de 50% dos edifícios residenciais encontram-se em estado degradado e a propriedade residencial de San Lorenzo (em 60%) pertence à classe trabalhadora, por vezes não residentes no próprio bairro. Desta forma, há uma presença notável não só de edifícios de propriedade privada como de áreas desabitadas. Ainda em relação às actividades de comércio, assiste-se a uma diminuição de 30% entre 1961 e 1974 (um fenómeno explicado em parte pela diminuição da população). O mesmo se passa nas actividades de produção e ofício, as quais constituem um dos traços significativos do quarteirão de San Lorenzo, expressando-se em dois fenómenos paralelos: por um lado o encerramento de algumas fábricas de médio porte, por outro a saturação do comércio e trabalho do mármore e actividades funerárias associadas ao Cemitério de Verano. (Pazzaglini, 1984, p.81) Ilustração 110 – Actividades e equipamentos do quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) 158 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.2 REGISTO E ARQUITECTURA: A REQUALIFICAÇÃO DO QUARTEIRÃO DE SAN LORENZO A análise do quarteirão de San Lorenzo, elaborada no subcapítulo anterior, permitiu agrupar uma série de questões acerca do território, que ajudaram a desenhar uma proposta dinâmica para esta área. Na proposta desenvolvida, foi considerado fundamental o tecido urbano, de modo a permitir uma continuidade e acessibilidade entre o existente e a proposta, na requalificação das duas áreas degradadas do território: 1. Área circunscrita pela praça de Verano e a Via dei Reti 2. Área delimitada a Sul pela Via Scalo San Lorenzo Ilustração 111 – As áreas do quarteirão de San Lorenzo a requalificar (Joana Cotter Salvado, 2010) Foram propostos três objectivos principais, emergentes da análise de lacunas do tecido urbano do quarteirão de São Lorenzo: Joana Cotter Salvado 159 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 1. A demolição da área do tecido urbano sem tipologia reconhecível ou degradada 2. A criação de diversos tipos de espaços verdes que desenham praças, áreas de lazer e abrangem os edifícios residenciais 3. O desenho do parque urbano que estrutura a área exterior, pertencente ao núcleo desportivo formando uma barreira visual e acústica para a linha ferroviária De modo geral, interessava-nos qualificar e criar percursos pedonais, melhorar o trajecto de circulação das vias rodoviárias existentes com reconfiguração de áreas de estacionamento, criar áreas verdes bem definidas consoante o grau de privacidade e uso, reconfigurando a dinâmica do funcionamento do quarteirão. É na experiência do mundo que todas as nossas operações lógicas de significação devem fundar-se, e o próprio mundo não é portanto uma certa significação comum a todas as nossas experiências, que leríamos através delas, uma ideia que viria animar a matéria do conhecimento. (Merleu-Ponty, 1996, p.48) As formas deveriam ser manipuladas de modo a existir uma trança de continuidade nas múltiplas imagens de uma grande cidade…(Lynch, 1989, p.122) 160 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.2.1 A PLATAFORMA URBANA A proposta envolve a criação de uma plataforma suspensa com percursos pedonais, ciclo-viários, áreas verdes, espaços de estar, lazer e serviços. A plataforma é o objecto fundamental do projecto permitindo com uma única estrutura de cotas diferentes, que acaba por gerar diversos tipos de percursos no território. A importância de o descrevermos de uma forma perceptiva é fundamental uma vez que se trata de um percurso, de escala urbana que envolve e desenha um conjunto de elementos que vão sendo habitados e percorridos. Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de imagens de muitos indivíduos. Ou talvez haja uma série de imagens públicas, criadas por um número significativo de cidadãos. Tais imagens de grupo são necessárias, quando se pretende que um indivíduo opere de um modo bem sucedido dentro do seu meio ambiente e coopere com os seus companheiros. Cada indivíduo tem uma imagem própria e única que, de certa forma, raramente ou mesmo nunca é divulgada, mas que, contudo, se aproxima da imagem pública e que, em meios ambientes diferentes, se torna mais ou menos determinante, mais ou menos aceite. (Lynch, 1989, p.57) Para Kevin Lynch, a análise dos elementos físicos perceptíveis de uma cidade é influenciada por factores como os aspectos sociais da área de localização, a sua função e a história do lugar. A imagem urbana é apreendida ao mesmo tempo que nos movimentamos e por isso, mais uma vez a importância do modo de percepção defendido por Juahni Pallasma. É uma visão periférica que Juahni Pallasma refere como adequada para compreendermos o espaço arquitectónico. O meio ambiente visual torna-se uma parte integrante da vida dos habitantes. (Lynch, 1989, p.105) As pessoas criaram uma forte ligação a tudo isto, a todas estas formas nítidas e diversificadas, ligações estas que se ligam a um passado histórico ou à sua própria experiência anterior. (Lynch, 1989, p.104) A forma do sistema urbano expressa as funções fundamentais de cada elemento urbano, que a partir da nossa percepção, criam a imagem da globalidade do sistema. O sistema urbano é compreendido como um todo, onde cada elemento constituinte é mutável, ao longo do tempo, dependente também do ponto de vista. Contudo, formam uma hierarquia visual, dependendo da importância, e do impacto da sua escala. Joana Cotter Salvado 161 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico É portanto a distinção sensorial de todos os elementos contínuos que constituem as nossas opções de percurso ao longo de qualquer sistema urbano. Os acontecimentos e características ao longo dos percursos surgem, pelas mudanças de espaço ou através da presença de elementos territoriais marcantes, estimulando sensações dinâmicas, que podem ser apreendidos à medida que são vividos e imaginados. Aumentar a imaginabilidade do meio ambiente urbano é facilitar a sua identificação e a sua estruturação visuais. (Lynch, 1989, p.107) Segundo Kevin Lynch, o desenho do qualquer sistema urbana organiza-se por diversos elementos que se podem eventualmente repetir formando características físicas gerais, descrevendo-se e agrupando-se por um conjunto de qualidades. É interessante referir determinadas qualidades, exploradas pelo autor, visto que os percursos alteram e constituem-se pela marcação e importância dos próprios elementos e suas qualidades. Neste subcapítulo estudamos o sistema urbano proposto, através de conceitos de qualidades de forma86, desenvolvidos pelo autor Kevin Lynch. Como referimos anteriormente, a qualidade formal de cada elemento que pertence a um sistema urbano unitário, é fundamental para os diversos percursos que poderão ser criados ao longo desse mesmo sistema. Nesta percepção do movimento entram em linha de conta os sentidos do tacto e da inércia, mas o principal é o da visão. (Lynch, 1989, p.110) Segundo Kevin Lynch, a singularidade é uma das qualidades da forma, que permite identificar um elemento que se torna reconhecível, a nível do tecido urbano. A singularidade permite então criar uma clareza perceptiva quando é evidenciada a noção de limites ou até mesmo determinada localização espacial, enquanto sinal dominante. (Lynch, 1989, p.118). A esta singularidade, no contexto da proposta urbana desenvolvida, identificámos a plataforma, enquanto linha directriz que desenha todos os espaços e elementos que são habitados ao longo do projecto. A plataforma suspensa é um 86 Segundo Kevin Lynch, as qualidades de forma são categorias de interesse directo para o design, pois descrevem qualidades de que um desenhador se pode servir. (Lynch, 1989, 117) 162 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico elemento reconhecível e marcante no território, criando uma continuidade entre a proposta e a área do quarteirão pré-existente. À medida que os observadores se familiarizam com o meio, parecem depender cada vez menos das continuidades físicas totais para organizar o todo, e apreciar cada vez mais com o contraste e a singularidade que dão vida à cena em questão. (Lynch, 1989, p.118) Ilustração 112 – Sistema director da proposta do sistema urbano (Joana Cotter Salvado, 2010) Como é visível na Ilustração 112, a plataforma é desenhada não só enquanto elemento singular e marcante no território mas sim identificado enquanto gerador de um conjunto de elementos nos quais o gesto de orientação resulta do desenho e da ideia de percurso. Este elemento marcante localiza-se a uma cota superior (7,50m) e engloba todo o sistema urbano proposto. A partir deste elemento, nascem os edifícios residenciais, os edifícios de serviço, áreas verdes e estabelece-se um percurso principal que permite a movimentação e a construção de pontos visuais para o território de San Lorenzo. A força do percurso à cota da plataforma é estruturada pelos diferentes modos de o percorrer, pela presença de uma área pedonal, de uma área ciclo viária, permitindo apreender não só a proposta mas o resto do território envolvente. Apesar de ser um elemento singular foi fundamental estruturar toda a área térrea. Esta, é Joana Cotter Salvado 163 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico dinamizada pela presença de equipamentos, um núcleo desportivo e um parque urbano, já referido anteriormente. A força de uma imagem aumenta quando o elemento marcante coincide com uma associação. (Lynch, 1989, p.114) A Ilustração 112 é um plano esquemático - director da proposta. Foram marcados elementos, pertencentes à área do quarteirão de San Lorenzo, não englobados pela proposta, como o sistema arquitectónico valorizado pela presença de pré-existências arqueológicas, o sistema de edifícios de requalificação residencial de reconhecimento histórico, de requalificação não residencial de interesse estratégico, e ainda de conservação de edifícios de recente construção e em bom estado. Inserido no sistema edificado, é demarcada a área de edifícios bombardeados, e a área demolida e reconstruída e a área demolida, sem reconstrução posterior. Para além do sistema edificado, o sistema de áreas verdes é delimitado e agrupado em zonas verdes que configuram praças, áreas verdes com valor histórico, e ainda zonas que servem equipamentos e desporto. Foi ainda demarcado o sistema de mobilidade, incluindo as novas construções, incluindo a criação de um novo traçado viário a uma escala urbana, a criação de um sistema viário à escala do quarteirão e a criação de novos percursos pedonais incluindo a ciclo-via e espaços verdes qualificados, a par ainda da criação de nova construção como a residência colectiva, edifícios de serviços, Universidade e a Escola, ainda não marcados na Ilustração 82.A singularidade do objecto da plataforma propõe uma continuidade tanto de percurso confinado por esta, assim como de ligação com o quarteirão de San Lorenzo pré-existente. O conceito de continuidade é outro conceito explorado por Kevin Lynch. Para este autor, a continuidade é uma característica que facilita a percepção de uma realidade física complexa, possuidora de uma identidade própria e de relações internas. (Lynch, 1989, p.118-119). Na proposta, para o quarteirão de São Lorenzo, referimos novamente a plataforma e relacionamo-la com este conceito de continuidade, pela possibilidade deste elemento ser gerador de diversos percursos. A plataforma permite aceder e ligar o território pré-existente, com a proposta. À medida que percorremos o quarteirão, temos a possibilidade de acedermos à plataforma por quatro áreas marcantes. 164 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Perante a análise do território, foram assim seleccionados pontos diferentes que se constituem como núcleos de acesso pedonais e verticais. A importância destes pontos é mais uma forma de reforçar e melhorar a ligação desta proposta com a restante área do quarteirão de San Lorenzo. Ilustração 113 – Pontos de ligação entre a plataforma e o restante quarteirão de San Lorenzo (Joana Cotter Salvado, 2010) O primeiro ponto, marcado na Ilustração 113, estabelece a ligação com a Praça de Verano, zona do território onde está localizada a Basílica de São Lorenzo e o Cemitério. Nesta zona, à cota térrea (0,00m), é redesenhada uma praça de chegada que engloba tanto o Cemitério como a Basílica. Um novo núcleo residencial, e uma área de serviços que engloba a Escola e a Universidade, permitem estruturar o percurso pedonal desta zona. O traçado viário é também redesenhado, permitindo estabelecer uma continuidade das vias dei Volsci, dei Sabelli e dei Piceni. Os traçados viários propõem assim, uma continuidade viária, que permite a união da proposta para Sul, através da Via del Verano. Mas, também este ponto de chegada à plataforma, a uma cota superior (7,50m), forma um novo percurso pedonal com a possibilidade de a Joana Cotter Salvado 165 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico percorrer pela ciclo-via. Visualmente é um ponto que estabelece uma ligação aérea e de certo modo próxima com o núcleo do Cemitério de Verano e com o núcleo da Universitário existente. O segundo ponto, marcado na Ilustração 113, é o mais interno do sistema proposto. Localizado numa área essencialmente residencial com a presença de serviços comerciais à cota térrea (0,00m). Este ponto de ligação com a plataforma, localizada a uma cota superior (7,50m), permite a chegada à área verde mais ampla da plataforma que serve tanto de espaço de lazer, como desenha uma praça delimitando a configuração da ciclo-via. Esta zona é localizada na área central do projecto, permitindo estabelecer uma forte ligação visual com a área verde que abrange o núcleo desportivo, a Sul, implantado à cota térrea (0,00m). O terceiro ponto de contacto, marcado na Ilustração 113, entre a proposta e o quarteirão de San Lorenzo, localiza-se a este, e estabelece uma ligação pedonal com a Via dei Lucani, uma via que direcciona a chegada neste sentido à zona histórica. Este ponto tem especial interesse, não só porque gera ligações entre as duas cotas, como direcciona a área verde que acompanha o Muro Aureliano, no sentido norte do quarteirão de São Lorenzo. Esta barreira é visualmente notável, prolongando-se à cota térrea também um espaço verde, que permite a entrada num dos extremos da ciclo-via que acompanha o parque urbano e que estabelece ligação com o núcleo desportivo. O quarto ponto de contacto e o quinto, marcados na Ilustração 113, são ambos mais distantes do quarteirão de São Lorenzo, estabelecendo o acesso a serviços nomeadamente a Biblioteca, o auditório, o núcleo desportivo e a área exterior. Estas ligações, ao longo da plataforma, são acessos essenciais que permitem a clareza de ligação, tanto com o nível interno da proposta como com o quarteirão de São Lorenzo pré-existente. Este conceito, definido por pontos estratégicos de uma estrutura, claramente visíveis, é desenvolvido por Kevin Lynch. Segundo o autor, a clareza nas ligações de uma estrutura num sistema urbano são intersecções relevantes quando claramente perceptíveis, ao longo dos percursos a percorrer no sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119) De facto, a função de um ambiente visualmente bom pode não ser só a de facilitar os percursos ou de manter significados e sentimentos já existentes. Igualmente importante pode ser o seu papel de guia e produtor de estímulos para novas explorações. (Lynch, 1989, p.122) 166 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Kevin Lynch afirma que, a consciência de movimento87 é outra qualidade que resulta do conjunto de elementos que sugerem determinados sentidos e direcções dentro de um sistema urbano. O movimento do observador ao longo de um sistema urbano através dos sentidos visuais e cenestésicos permitem uma experiência perceptiva que permite apreender a própria cidade. Este conceito de movimento é fundamental para o observador estruturar e desenvolver interpretações. (Lynch, 1989, p.120). Com este conceito de Kevin Lynch, mais uma vez referimos a importância de uma visão periférica, referida por Juahni Pallasma. El tacto es la modalidad sensorial que integra nuestra experiencia del mundo con la de nosotros mismos. Incluso las percepciones visuales se funden e integran en el continuum háptico del yo; mi cuerpo me recuerda quién soy y en qué posición estoy en el mundo. Mi cuerpo es realmente el ombligo de mi mundo, no en el sentido del punto de vista de la perspectiva central, sino como el verdadero lugar de referencia, memoria, imaginación e integración. (Pallasma 2006, p.11) Ao longo da proposta são delineados uma série de percursos que permitem ao observar deambular pelo sistema urbano e portanto apreendê-lo também de forma visual. É o movimento que o observador desenvolve ao longo de um sistema urbano que faz com que o apreenda. Para Kevin Lynch, a diferenciação direccional, é outra qualidade da forma de um sistema urbano.É esta que enriquece e dinamiza o percurso ao longo de um sistema urbano e que poderão ser definidas por elementos simples como a variação da luz solar que nos orienta inconscientemente para determinada direcção ou a própria largura de um espaço propondo um momento de paragem ou de passagem rápida. (Lynch, 1989, p.119). Na proposta, foram desenhados certos elementos caracterizadores tanto a nível térreo (0,00m) como ao nível da plataforma (7,50m). Ao analisarmos determinados espaços localizados à cota térrea (0,00m), percebemos que a área do parque urbano é constituída por uma superfície verde de grande escala ao longo da zona Este/Sul da proposta, permitindo uma barreira tanto visual como auditiva para a linha ferroviária. Os percursos e zonas de chegada às áreas residenciais e serviços tanto como a praça de chegada à Basílica e o Cemitério de Verano, propõem determinada velocidade e paragem no movimento do observador pelo sistema urbano. À cota da plataforma (7,50m) também são desenhadas áreas pedonais, um circuito contínuo de ciclo-via e diversos espaços verdes. As áreas verdes são as que mais 87 Segundo Kevin Lynch a consciência do movimento é o que torna o observador sensível ao seu próprio movimento real ou potencial, através dos sentidos visuais e cinestéticos. (Lynch, 1989, p.120) Joana Cotter Salvado 167 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico diferem ao longo do percurso da plataforma por serem áreas que acompanham os percursos tanto pedonais como ciclo-viários servindo de remate quer a pontos de chegada quer a espaços de estar. A predominância é um conceito desenvolvido por Kevin Lynch. A predominância de determinadas partes de elementos do território, inserido no seu conjunto, tanto a nível de dimensão, intensidade ou interesse, são características que definem o modo de deambular e habitar um sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119). Como referimos no parágrafo anterior, a alteração de dimensão das áreas verdes desenhadas na proposta, é um exemplo de um elemento que por tais transformações, permite desenhar um percurso. A este conceito de predominância, e portanto das características físicas dos elementos territoriais, juntamos a simplicidade da forma, também explorado por Kevin Lynch, que se relaciona tanto com a clareza como com a simplicidade das formas visuais. A importância desta simplicidade é fundamental pois permite ao observador apreender com mais facilidade e as direcções do percurso que percorre ao longo do sistema urbano. (Lynch, 1989, p.119). É importante referir que o percurso varia pela presença de determinados elementos urbanos e são ainda estes que permitem o alcance visual. Esta qualidade visual, é também um conceito desenvolvido por Kevin Lynch. Cada elemento organizase e funciona através de um conjunto ou sistema urbano com determinados níveis de visão. Portanto, são os elementos e as suas características que possibilitam explicar visualmente o espaço. Ao deambularmos pela cota térrea da proposta (0,00m), alcançamos determinados pontos mas a presença do restante quarteirão de San Lorenzo, só é perceptivamente visível ao percorrermos na plataforma à cota (7,50m). É este objecto, que se destaca na proposta e que consolida a área do quarteirão degradada, delimitada pela linha ferroviária. Mas, quando referimos que é a plataforma o sistema fundamental da proposta, devemos salientar, que é percurso pedonal, criado ao longo desta que permite não só ligar as duas extremidades do quarteirão, como criar um sistema unitário com a restante área existente. As qualidades mencionadas anteriormente, não funcionam isoladamente, identificando e estruturando o sistema urbano na sua totalidade. 168 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A posse de um corpo traz consigo o poder de mudar de nível e de “compreender” o espaço, assim como a posse da voz traz consigo o poder de mudar de tom. O campo perceptivo se apruma e, no final da experiência, eu o identifico sem conceito, porque me transporto inteiro para o novo espectáculo e porque me coloco ali, por assim dizer, o meu centro de gravidade. No início da experiência, o campo visual parece ao mesmo tempo invertido e irreal porque o sujeito não vive nele e não está às voltas com ele. (Merleu-Ponty, 1996, p.338) Os elementos que constituem o sistema urbano sugerem a continuidade de diversos percursos, que se ligam e que dão sentido ao todo. Nas Ilustrações 114 e 115 é marcada a área de estudo – quarteirão de San Lorenzo com o tecido urbano constituído por elementos urbanos que delimitam o quarteirão e a proposta de requalificação da restante área do quarteirão. Os acessos demarcados são subdivididos em: 1. Acessos viários 2. Acessos pedonais 3. Acessos verticais que incluem escadas rampas e ascensores (6032m2) 4. Ciclo-via (6625m2) 5. Acessos de transportes públicos As áreas verdes marcadas são subdivididas em: 1. Verde localizado na plataforma (36140m2) 2. Verde semipúblico (24262m2) 3. Verde público que configura o parque urbano (162128m2) Os equipamentos e serviços são demarcados e organizados em: 1. Serviços Comerciais (42070m2) 2. Biblioteca (2732m2) 3. Ginásio + Núcleo Desportivo (2721m2) 4. Universidade (4920m2) 5. Escola (2585m2) Joana Cotter Salvado 169 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 6. Parque Infantil + Zona de Recreio (2785m2) A área habitacional, como resulta do desenho da plataforma, é estruturada em dois pisos (34744m2). A análise feita anteriormente ao território foi fundamental para elaborar uma proposta que permitisse desenhar um sistema urbano, conjugando o funcionamento de espaços verdes com a área habitacional e equipamentos que servem a zona restruturada e a restante área do quarteirão de San Lorenzo. O objectivo deste novo sistema, para além de dinamizar a zona do quarteirão inserida, cria uma continuidade de percurso tanto a nível viário como pedonal. Depois da proposta ser elaborada, foi escolhida uma área e um edifício a detalhar. A área mais a Norte da proposta (Ilustração 111), circunscrita pela praça de Verano e a Via dei Reti, foi a área eleita. Ilustração 114 – Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta de Cobertura. (Joana Cotter Salvado, 2010) 170 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Esta zona é constituída por um núcleo habitacional que engloba três edifícios e por um núcleo de equipamentos que incluem a Escola, a Universidade e um pólo de serviços comerciais que apoia estas duas tipologias de equipamentos e a área habitacional. Delimitada pela Via dei Reti, fronteira com o quarteirão existente, é restringida pelo cemitério Verano. A praça foi requalificada a praça enquanto espaço de chegada a este ponto marcante do território. Nesta área, foram inseridos elementos que ajudam a estruturar não só o funcionamento dos diferentes espaços, propondo uma diversidade de percursos tanto rodoviários como pedonais. Na área habitacional, foram definidos pontos de passagem pedestres para cada edifício, criando zonas verdes e zonas pedonais. Ainda nesta área, foram desenhadas zonas de parqueamento para as habitações, servindo de remate entre as vias e a área pedestre definida para cada bloco habitacional. Ilustração 115 - Proposta de requalificação do sistema urbano do quarteirão de San Lorenzo. Planta cota +3.00m. (Joana Cotter Salvado, 2010) Joana Cotter Salvado 171 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Estas áreas verdes são consideradas semi - públicas por formatarem os pontos de chegada dos blocos habitacionais. A área habitacional propõe ainda a ligação do núcleo de equipamentos e serviços comerciais. Estas duas zonas que constituem a área de detalhe da proposta são interligadas tanto com percursos pedonais como percursos rodoviários, que facilitam e dinamizam a sua deambulação. Se por um lado há a intenção de interligar o núcleo habitacional e o núcleo de equipamentos, esta área de detalhe engloba também o primeiro ponto, marcado na Ilustração 113. Este ponto de conexão entre diferentes cotas, é o acesso à plataforma, à cota (7,50m), e portanto a ligação com um percurso pedonal e ciclo-viário ao longo da proposta, desenhado à cota mais elevada. Ilustração 116 – Fotocolagem. Proposta do sistema urbano com território existente. (Joana Cotter Salvado, 2010) 172 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Para esta área, degradada anteriormente, foram definidas zonas verdes, de carácter público que ajudam a configurar o percurso pedonal desta praça com pontos de lazer e zonas de estacionamento. A proposta desenha assim uma plataforma pública que remata a Sul, o quarteirão de São Lorenzo. Esta plataforma é um elemento marcante no território por gerar um novo dinamismo e restruturar o percurso pelo território. Ilustração 117 – Registo da proposta do sistema urbano com imagens de referência88 (Joana Cotter Salvado, 2010) 88 Imagens de referência relativas ao projecto High Line Public Park (2004-2009) em Nova York. O projecto é de James Corner Field Operations e Diller Scofidio. (Joana Cotter Salvado, 2010) Joana Cotter Salvado 173 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 118 – Área detalhada. Planta de Cobertura, cota +2.00m, secção transversal. (Joana Cotter Salvado, 2010) 174 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 4.2.2 O EDIFÍCIO HABITACIONAL Após o projecto urbano, foi definido que seria desenvolvido um edifício, pertencente à área habitacional, com o objectivo de ser detalhado arquitectonicamente. O edifício localizado no limite Norte desta área foi o seleccionado para criar não só um piso habitacional mas também um piso térreo constituído por espaços de apoio às habitações. Pensado para acolher um público jovem, essencialmente estudantes, tem uma localização prestigiada junto ao núcleo Politécnico e ao pólo Universitário. Como referimos anteriormente, todo o edificado desta proposta nasce do desenho e configuração da plataforma. A plataforma funciona como cobertura do edifício, constituído por dois pisos que atingem um pé direito total de 7,50m. Ao analisarmos a planta de cobertura (Ilustração 119), conseguimos perceber determinadas intenções do sistema funcional do edifício. Um dos objectivos era criar um percurso, a partir do edifício, para a plataforma. Cada módulo habitacional é composto por dois pontos de acesso que ligam tanto a área de apoio térrea como a plataforma. A habitação não é pensada como algo isolado, engloba um sistema unitário que através do percurso permite a conexão e a deambulação não só pelo interior do edifício mas também pela sua cobertura. A importância desta ligação é estruturada pelos pontos de acesso de diferentes cotas considerando que: 1. A localização da plataforma a +7,50m 2. A localização da plataforma a +3,90m 3. A área de apoio à habitação -0,70m Ao analisarmos a planta de cobertura (Ilustração 119) percebemos novamente a importância das áreas verdes. Estas áreas não só rematam as zonas de entrada no edifício, como integram o módulo habitacional, a plataforma e acompanham o percurso e configuração de elementos funcionais da proposta. No que às zonas verdes se refere devemos considerar: 1. Áreas verdes que constituem a plataforma +7,50m Joana Cotter Salvado 175 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 2. Áreas verdes que integram o espaço exterior do módulo habitacional +3,90m 3. Áreas verdes que servem as zonas de apoia à habitação -0,70m 4. Áreas verdes que rematam as zonas de entrada do edifício 0,00m 5. Áreas verdes que acompanham o percurso pedonal do entorno do edifício 0,00m 6. Áreas verdes que configuram o desenho do parque de estacionamento 0,00m 7. Barreira verde entre percurso pedonal e via rodoviária 0,00m Ilustração 119 – Proposta de edifício. Planta de Cobertura, Alçado AA´, Alçado CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010) Na Ilustração 119, apercebemo-nos que o desenho da área verde propõe a configuração do edifício. A intenção de estruturar um edifício que consiga criar espaços permeáveis na praça onde é localizado de modo a permitir um percurso dinâmico, baseou-se na análise morfológica de tipologias residenciais, desenvolvida no subcapítulo anterior. Ao analisarmos as tipologias existentes no quarteirão de San Lorenzo, destacámos os edifícios dispostos em linha, agregados em bloco com interrupções na sua configuração (Ilustração 120) e os edifícios em bloco aberto (Ilustração 121). 176 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 120 – Tipologia Residencial: edifícios em linha agregados em bloco. (Pazzaglini, 1984, p.160-161) Ilustração 121 - Tipologia Residencial: edifícios em bloco aberto. (Pazzaglini, 1984, p.150-151) Joana Cotter Salvado 177 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A comparação entre estas duas tipologias residenciais e a proposta baseia-se: 1. No desenho do edifício 2. No desenho do módulo habitacional Ilustração 122 - Proposta de edifício. Planta à cota +5.40m, Secção BB´, Secção DD´. (Joana Cotter Salvado, 2010) Na Ilustração 122, podemos estabelecer uma comparação morfológica entre a configuração dos edifícios mencionados existentes no território (Ilustrações 120 e Ilustração 121) e a proposta elaborada para o edifício. Ao analisarmos o edifício em linha agregado em bloco percebemos que o vazio que o configura (visível no alçado da Ilustração 120) forma a entrada para o pátio que dá acesso às habitações. Neste caso, a entrada para as habitações só poderá ser feita após a experiência do espaço exterior, considerado como espaço de chegada que distribui as habitações. O espaço vazio criado na proposta não será a configuração de um espaço de entrada mas sim o privilégio do percurso pelo tecido urbano. A proposta de um sistema urbano que unisse o existente e o conjunto de elementos urbanos do território foi fundamental para deste modo formarmos este espaço de passagem, exterior, que delimita o desenho do módulo habitacional. Esta continuidade de percurso que se gera ao longo do sistema urbano é fundamental para realçamos o funcionamento do sistema como uma unidade. In effeti la “linea” è soprattutto una soluzione di compromesso tra la necessità di assicurare l´alta densità degli interventi urbani e quella di evitare la “promiscuità” del ballatoio, ritenuto causa di diffusione di malattie ma soprattutto di solidarietà tra le classi più povere della città. (Pazzaglini, 1984, p.69) 178 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Seguindo Kevin Lynch, o sentido e funcionamento do todo é fundamental para a união da complexidade dos elementos do tecido urbano. (Lynch, 1989, p.121-122). Ao privilegiarmos o percurso ao longo da proposta, também pelo desenho do próprio edifício, procuramos configurar de um modo dinâmico a deambulação pelo sistema urbano proposto. Do mesmo modo, ao analisarmos os edifícios em bloco aberto (Ilustração 121), também podemos estabelecer este tipo de comparação, visto que, o espaço de entrada do edifício dá acesso a um pátio que distribui a entrada para cada habitação. Nestas tipologias existentes podemos dizer que os edifícios funcionam de forma fechada do sistema urbano em que estão inseridos. Por outras palavras, não se configuraram com a intenção de proporcionarem um percurso urbano ou até mesmo um espaço de transição público. Ao contrário do edifício proposto, a criação de áreas permeáveis pelo corte do edifício cria o percurso pelo sistema urbano. Ao observarmos o módulo habitacional proposto, mais uma vez revelamos a importância das áreas exteriores fazendo uma comparação morfológica com as duas tipologias de edifícios existentes. Ilustração 123 - Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) Joana Cotter Salvado 179 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 124 - Colagens. Registo do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) O módulo habitacional é pensado de forma a criar o espaço de chegada, às habitações, a uma cota elevada (+3,90m). Ao criarmos este espaço de distribuição a esta cota permitimos desenvolver uma interacção visual com o restante território. Este espaço torna-se preponderante pelas ligações físicas que permite. Na Ilustração 125, é esquematizado a área exterior que configura diferentes espaços. É portanto uma área pedonal que contém uma zona verde e que permite não só o acesso a cada habitação como o núcleo de acesso à plataforma e aos espaços de apoio às habitações. Existe a intenção de criar uma área de passagem que configure relações visuais e que configure uma área pedonal ligando o sistema público urbano e os espaços adjacentes de apoia às habitações.É formado um espaço que não serve somente as habitações mas que tem o objectivo de dinamizar o tecido urbano. Morfológicamente estes espaços de chegada são criados pelo facto do edifício pertencer a um sistema urbano e pela importância de interagir e potenciar o seu percurso. Esquematicamente, neste espaço pertencente a cada módulo habitacional inclui-se: 180 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 1. Área verde com 33,6m2 2. Área pedonal com 171m2 3. Núcleo de acesso à plataforma com 18,9m2 4. Núcleo de acesso aos espaços de apoio às habitações com 10,4m2 Ilustração 125 - Proposta de edifício. Sistema distributivo funcional do módulo residencial. (Joana Cotter Salvado, 2010) O espaço exterior pertencente a cada módulo habitacional permite formar um sistema distributivo e funcional exterior, que serve tanto o módulo como o restante sistema urbano. Tipologicamente, de cada módulo habitacional fazem parte quatro habitações – três T2 e um T1. O interior de cada habitação não foi desenhado com base nas tipologias analisadas, pois seria importante criar habitações com áreas ajustadas ao espaço exterior desenhado e às próprias dimensões do edifício. Como vemos na Ilustração 125, teremos: Joana Cotter Salvado 181 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 1. Uma tipologia T2 com um total de 82,20m2 de área, constituída por: - Um quarto com 12,70m2 - Um quarto com 15,10m2 - Uma casa de banho com 5,20m2 - Uma sala com cozinha com 38,30m2 - Uma área exterior com 10,90m2 2. Uma tipologia T2 com um total de 80,30m2 de área, constituída por: - Um quarto com 15,10m2 - Um quarto com 12,80m2 - Uma casa de banho com 4,20m2 - Uma casa de banho com 4,40m2 - Uma sala com cozinha com 37,60m2 - Uma área exterior com 9,10m2 3. Uma tipologia T1 com um total de 69,10m2 de área, constituída por: - Um quarto com 18,90m2 - Uma casa de banho com 5,50m2 - Uma casa de banho com 5,90m2 - Uma sala com cozinha com 33,30m2 - Uma área exterior com 8,10m2 O piso térreo do edifício é constituído por um conjunto de espaços de apoio às habitações, e que funcionam como salas de estudo. O percurso ocupa a área do embasamento do edifício, prolongando-se para a praça. 182 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ilustração 126 - Proposta de edifício. Planta à cota +1.30m, Secção AA´, Secção CC´. (Joana Cotter Salvado, 2010) As rampas de acesso, desenhadas ao longo do edifício, permitem formar estes espaços de entrada, conjuntamente com as áreas verdes que se prolongam para o interior deste piso, de modo a criar áreas exteriores e pontos de entrada de luz. Ilustração 127 - Proposta de edifício. Planta à cota +0.30m, Alçado BB´, Alçado DD. (Joana Cotter Salvado, 2010) A ideia de criar um espaço que permitisse um percurso fluido ao longo do embasamento, oferece a possibilidade deste mesmo espaço se tornar numa galeria, de exposição para trabalhos artísticos e apresentação de projectos dos estudantes, e o apoio ao pequeno auditório. O percurso a esta cota é constituído também por uma que a uma pequena biblioteca. Este espaço, com um carácter mais público, é o Joana Cotter Salvado 183 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico espaço com maior proximidade à praça de Verano, estabelecendo as necessárias relações urbanas. Estabelece-se assim, uma relação de continuidade com o território existente, requalificando e dinamizando o quarteirão de San Lorenzo. O sistema urbano é desenhado como uma peça que remata o território, com o objectivo de resolver lacunas tanto a nível de circulação rodoviária e pedonal, áreas verdes e zonas de equipamentos e serviços. Também o edifício residencial é desenhado de forma a integrar-se com o sistema urbano e portanto estabelece uma forte relação com a plataforma. Mas, não é apenas a relação com a plataforma, a cobertura do edifício. O embasamento do edifício é ocupado com comércio e serviços que igualmente permitem gerar uma continuidade de percurso de carácter público com o restante quarteirão de San Lorenzo. Todos estes elementos operam em conjunto, num contexto. (Lynch, 1989, p.96) 184 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS A percepção da arquitectura depende da conjugação de múltiplos pontos de vista, da reconstituição mental de inúmeros espaços. (Urbano, 2011) A nossa cultura arquitectónica na impossibilidade de visitar todos os edifícios do mundo, é maioritariamente construída através do olhar de outros. (Urbano, 2011) A mim seduzem-me todas as imagens que exprimem na arquitectura uma essência entre aquilo que se deseja e tudo o resto a que estamos verdadeiramente condenados. (Bandeira, 2008) Contemporaneamente, a fotografia aponta para um conjunto de conceitos que a enquadram como estratégia de re – interpretação da realidade, no caso em estudo, da realidade arquitectónica. Representação. O universo da fotografia contemporânea, mais especificamente da fotografia de arquitectura, afasta-se da sua reprodução objectiva, para se dedicar à representação dos seus significados. A fotografia adquire estatuto próprio, impondo determinados pontos de vista. No contexto desta investigação foram enunciados elementos chave – a percepção e o registo do espaço arquitectónico por meio da fotografia – que influenciam a compreensão da arquitectura. Mediatização. Na contemporaneidade, a representação da arquitectura, está vinculada a processos de manipulação possibilitadas pela substituição do sistema analógico da fotografia pelo sistema digital, que para além de contribuir significativamente para a propagação da arquitectura em grande escala, transformam a consequente percepção do ambiente construído. A fotografia constrói uma imagem alternativa à arquitectura e, num universo mediático, confundese com a própria arquitectura. (Milheiro, 2005, p.22) Manipulação. Os processos de manipulação da fotografia permitem a correcção, o acerto e o reenquadramento de perspectivas, adicionando e retirando informação que é considerada fundamental para a comunicação e apreensão do espaço arquitectónico. A par dos processos de manipulação, a mediatização da arquitectura vai criar uma relação de dependência com produção e a reprodução de imagens fotográficas. Joana Cotter Salvado 185 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico A manipulação fotográfica, enquanto técnica digital, opera como um mecanismo visual e superficial da imagem fotográfica, sendo uma estratégia para captar o foco de atenção do observador. O papel da fotografia de arquitectura propoem novas estratégias de mediação crítica, sustentadas pelo desenvolvimento dos métodos de reprodução visual e a consequente amplificação da audiência da arquitectura. A nossa relação com o espaço arquitectónico modifica-se radicalmente, nomeadamente quando o observador ou leitor se transforma num utilizador virtual, dando o seu significado e interpretação à imagem fotográfica. A fotografia contribui para densificar o carácter objectual da arquitectura, isto é, ela torna-se aparentemente transformável e manipulável. Comunicação. Os fotógrafos, mais do que registarem a arquitectura, pretendem gerar interesse com as suas decisões óptico-visuais, que perante o processo acelerado de reprodução de imagens, faz da fotografia um meio de divulgação verdadeiramente revolucionário e sistemático, capaz de se tornar no mais potente veículo de comunicar a arquitectura. A nossa relação com a imagem fotográfica torna-se num suporte narrativo e ficcional com o intuito de comunicar um conjunto de ideias. A fotografia a par da evolução de tecnologias de informação, dos media e da informática, em geral, abre novas possibilidades na difusão da arquitectura. Percepção. Neste contexto, a fotografia é entendida como uma plataforma privilegiada no processo de mediatização da arquitectura, tornando-se no veículo distinto de “ver” a arquitectura para apreender o espaço arquitectónico. Como contraponto, a presente investigação ao centrar-se num conjunto de experiências artísticas que vão desde Lázlo Moholy-Nagy a Thomas Demand, cria as condições para retratar a aproximação da fotografia ao acto perceptivo real. A importância da enunciação destes trabalhos fotográficos é uma reflexão acerca do carácter ficcional que o espaço registado pela imagem fotográfica poderá conter, num contexto contemporâneo de mediatização. A procura de um possível diálogo com a arquitectura pela introdução da noção de colagem, expressa a sensação de espaço na medida em que a fotografia não poderá representar o “real” 186 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico por ser apenas um fragmento: uma fracção de espaço fixado, isolado e ainda um corte temporal, descontínuo e interrompido pelo instante fotográfico. Sedução. As questões referidas anteriormente são introduzidas no contexto da publicação e por sua vez produzem impacto nos media da sociedade contemporânea. A experimentação desenvolvida por artistas de vanguarda é desde logo introduzida nos mass media, sofrendo um processo de banalização. A chave deste fenómeno reside na clara vontade de seduzir o observador. A sedução é um modo de envolver o observador no jogo perceptivo da fotografia. Mediante a consciência da inclusão deste factor de sedução na imagem fotográfica, percebemos que esta se torna na estratégia de comunicação do espaço arquitectónico através da fotografia. Contudo, este processo sofre da já referida acção de banalização, proveniente do excessivo protagonismo da imagem e da sua manipulação. Deste modo, podemos questionar até onde é que este processo de sedução se poderá manter como paradigma da reprodução de arquitectura. Joana Cotter Salvado 187 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 188 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Ana Filipa; GUERRA, Fernando (2011) – Entrevista a Fernando Guerra por Ana Filipa Amaro. Lisboa: Fora de Série | Diário Económico. [Em linha] Portugal [Consult. 15 de Maio de 2012]. Disponível em WWW: <http://ultimasreportagens.com/foradeserie/ >. 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Joana Cotter Salvado 199 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 200 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico APÊNDICES LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A E NTREVISTA A FERNANDO GUERRA APÊNDICE B ENTREVISTA A JOÃO MORGADO APÊNDICE C ENTREVISTA A LUÍS FERREIRA ALVES Joana Cotter Salvado 201 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 202 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico APÊNDICE A ENTREVISTA A FERNANDO GUERRA Em entrevista à revista +arquitectura 022 I Dibujos Visuais, refere: Toda a fotografia é uma ficção. Logo é muito pessoal, ou, pelo menos, devia ser. No meu trabalho a realidade é minha, apesar de fotografar o trabalho dos outros. JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia como forma de representar a sua realidade? FG. Fotografar é isso. Enquadrar a vida, seleccionando o que interessa. Numa sessão de uma obra tenho uma longa lista de objectivos e cumpri-los, ao mesmo tempo que conseguimos imagens especiais que vão ficar, é único. Uma mistura rara entre a encomenda, o gesto artístico e o risco geométrico. Em entrevista à revista Fora de Série 5147 I Diário Económico, refere: Carrilho da Graça confidenciou-me, preocupado, que as minhas fotografias eram tão bonitas que tinha receio que as pessoas ao visitarem a obra ficassem desiludidas. JCS. A Fotografia de Arquitectura constrói uma imagem alternativa à Arquitectura e, num universo mediático, será que se confunde com a própria Arquitectura? FG. Provavelmente sim. O meu trabalho na fotografia de arquitectura, com registo profissional, surgiu de uma forma muito natural e nada planeada. O universo mediático que refere, surge depois, não no dia da sessão. E de uma forma espontânea. Não é com esforço que fotografo. A vida acontece à minha frente e eu simplesmente a guardo. Acontece ter casas e prédios como modelos. Se crio um mundo paralelo à realidade? Não tento, mas sinceramente não penso que o faça. Interessa-me sim mostrar o projecto de uma forma pessoal e que me dê prazer. O resto vem por acréscimo. Acontece apenas. JCS. A Fotografia de Arquitectura é um conjunto de descobertas para o Fotógrafo? E para o Arquitecto? FG. Se o meu trabalho ficar bem, completo, o arquitecto vai ver a obra pela primeira vez. Com outros olhos e provavelmente nunca mais a irá olhar da mesma forma. Joana Cotter Salvado 203 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Ana Vaz Milheiro em “Mundo Perfeito, Arquitectura e Fotografia”, Jornal Público, suplemento Mil Folhas, 26-03-2005, refere: O universo da arquitectura que Fernando Guerra nos propõe é, quase sempre, um mundo perfeito. Panorâmico. Não – contaminado. Luminoso. JCS. Este “mundo perfeito” nas suas Fotografias de Arquitectura potencia a divulgação e o reconhecimento da Arquitectura? FG. Talvez seja bom existir uma clareza no que se mostra e por vezes essa essência, pode ser confundida com perfeição. Gosto também de obras sujas e muito habitadas. Pelo menos de vez em quanto. As imagens, no entanto, devem ser perfeitas tecnicamente. E se assim estiverem, a divulgação acontece. Em entrevista à revista +arquitectura 022 I Dibujos Visuais, refere: O lugar não tem de me condicionar da mesma forma que faz com um arquitecto que trabalha geralmente, por referências, alinhamentos ou pelo lugar. JCS. A Fotografia de Arquitectura corresponde a um entendimento do lugar ou pretende somente representar a Arquitectura como algo isolado do seu contexto? FG. Nunca isolada por regra. Contextualizar a obra faz parte do que me dá prazer fazer, independentemente do que o projectista pensa sobre o que rodeia a sua obra. Acaba por acontecer. No entanto não existem regras definidas. As reportagens que faço são extensas e na exploração do projecto, por vezes, a peça pode aparecer isolada. Noutras não. Muitas vezes é o editor de uma revista que faz a escolha e que acaba por condicionar a percepção que o publico tem da obra. No ultimasreportagens tento ser mais abrangente no que mostro. JCS. A Fotografia de um lugar pode ser uma boa base para a execução de um projecto sem nunca termos estado nesse mesmo lugar? Considera importante o seu uso para o trabalho criativo dos Arquitectos? FG. O importante na fotografia é o que a imagem passa. E se transmite o que é essencial, optimo. È raro eu entrar nessa fase, num trabalho de preparação de um projecto e ainda mais raro serem essas as imagens a base do trabalho criativo de um arquitecto. Nada substitui a visita. Mesmo que faça um levantamento do existente como registo, é apenas isso. Não acho importante para que o projecto seja pensado que parta de uma imagem em papel ou digital. Como já referi, o mais importante é a visita. 204 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Em entrevista a www.arkinetia.com I Luz sobre Portugal, refere: O simples facto de a luz mudar faz com que a fotografia também mude. O que era banal há meia hora, muda na fotografia e de repente resume o trabalho do arquitecto naquele sítio. A essência do project JCS. Qual a importância da luz na Fotografia de Arquitectura? FG. A palavra Fotografar significa "pintar com luz" no grego clássico. E sem luz, não sei fotografar. A luz define-me tudo: Os ritmos da sessão/ Organiza-me interesses e esperar por ela dá-me objectivos. Essencial tê-la em qualidade. Regresso hoje a Lisboa, depois de dois dias de uma sessão em que não parou de chover. Tenho imagens de que gosto muito, mas vou regressar em breve. Faltou-me luz, sombras e momentos. Em entrevista à revista Fora de Série 5147 I Diário Económico, refere: Quanto aos fotógrafos, tenho muitas referências, mas aquele que mais influenciou a minha forma de olhar o mundo talvez seja o David Alan Harvey, um fotógrafo da Magnum. JCS. Como reflecte essa influência nas suas Fotografias? FG. Alex Webb ou o seu colega da Magnum, David Halan Harvey que referi na entrevista, são as minhas duas principais referencias no registo fotográfico essencialmente pela forma como fotografam na rua. Espontânea. Sem agendas pseudo-intlectuais, organizando numa imagem, historias que acontecem e são gravadas no exacto momento em que carregam no disparador. A fotografia é suportada por uma narrativa distribuída por camadas de informação. No meu caso, existe essa mesma preocupação. Só que o meu actor principal é provavelmente uma casa ou um prédio e o meu trabalho conta a história de um dia nesse local. O que é. Onde fica e para que serve. JCS. Porque nunca fez uma reportagem de Arquitectura a «preto e branco»? FG. Com o digital fotografamos como sempre fizemos com a fotografia analógica. Só depois converte-mos as imagens para o preto e branco. Não existe uma escolha da película específica. Fotografo a cores geralmente e depois a passagem para o preto e branco pode acontecer, se me apetecer. Curiosamente, faço-o muitas vezes, mas não são as imagens escolhidas para publicação. Estou a escolher nestes dias novas reportagens para o ultimasreportagens e vou introduzir mais imagens a preto e branco. Faço-as sempre quando edito um trabalho e o entrego a um cliente. Mas são sempre muito pouco difundidas. Joana Cotter Salvado 205 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico JCS. A Fotografia é um instrumento eficaz na comunicação da Arquitectura? FG. Sou suspeito porque é o meu instrumento preferido. Mas acho que sou completamente objectivo quando digo que a que a fotografia é a forma essencial de comunicar arquitectura. Mais eficaz do que um filme ou desenho. 206 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico APÊNDICE B ENTREVISTA A JOÃO MORGADO JCS. Porquê fotografar Arquitectura? JM. A paixão pela fotografia surgiu de forma bastante natural, ainda durante o curso de arquitectura nas viagens e visitas a obras. Estes registos informais foram-se tornando num arquivo pessoal mas de enorme importância na minha formação enquanto arquitecto. Fotografar arquitectura requer uma enorme paixão, entrega e disciplina. JCS. Enquanto Arquitecto e Fotógrafo de Arquitectura, acha que Arquitectura e Fotografia de Arquitectura são duas visões paralelas? JM. É uma pergunta um pouco ambígua…A fotografia de arquitectura só existe porque também existe arquitectura. Talvez possamos estabelecer uma visão paralela entre Arquitecto / Fotógrafo de Arquitectura e aí sim, é interessante olhar para as fotografias do autor e entender a obra de uma forma diferente. No meu trabalho procuro sempre ir ao encontro da verdade arquitectónica e nunca criar uma visão paralela da mesma. JCS. É importante ser formado em Arquitectura para ser Fotógrafo nesta área? JM. Não…basta olhar para um dos melhores fotógrafos de arquitectura da actualidade (Iwan Baan) e percebemos imediatamente que isso não é um prérequisito. Se é importante ter uma paixão enorme pela arquitectura? Sem dúvida alguma. JCS. A Fotografia de Arquitectura é um conjunto de descobertas para o Fotógrafo? E para o Arquitecto? JM. Enquanto fotógrafo de arquitectura sou muitas vezes surpreendido quando chego à obra e me envolvo num jogo de constantes descobertas. Existem inúmeros factores que contribuem para essa dinâmica e é a partir dessas descobertas que se consegue surpreender o autor com enquadramentos, perspectivas e acontecimentos que nem o próprio se tinha percebido. (Muitas vezes após vários anos a acompanhar a obra). Joana Cotter Salvado 207 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico JCS. Porque nunca fez uma reportagem de Arquitectura a «preto e branco»? JM. Precisamente porque a cor desempenha um papel-chave na definição do espaço arquitectónico. Tão importante como a luz, a sombra ou as texturas dos materiais. Pessoalmente considero que a cor é ainda um tema “tabu” na arquitectura portuguesa. JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia? JM. Sim, a manipulação fotográfico é uma técnica digital que utilizo esporadicamente com grande moderação e bom-senso. É comum o cliente relatar algumas falhas de execução e nesse aspecto a manipulação é uma ferramenta de enorme valor ao serviço quer do fotógrafo quer do autor do projecto. JCS. As Fotografias de Arquitectura manipulam o nosso modo de ver a Arquitectura? JM. Eu iria mais longe: a fotografia de arquitectura é hoje em dia o nosso principal modo de ver a arquitectura. Antes de visitar uma obra, já a viu publicada em diversos formatos e isso invariavelmente irá alterar a sua forma de olhar e analisar a própria arquitectura. Há até muitas situações em que só conhece uma obra a partir de fotografias de arquitectura se poderá confundir com a própria arquitectura na memdida em que cria uma realidade imaginária ao observador e em muitos casos (se não na maioria) essa realidade imaginária é facilmente manipulada pelo fotógrafo. JCS. A Fotografia de Arquitectura é um instrumento eficaz na comunicação de Arquitectura? JM. Sem dúvida. JCS. Como explora a criatividade na Fotografia de Arquitectura? JM. No meu trabalho, abordo a criatividade de uma forma muito subtil, dando destaque a determinado tipo de luz, contraste e em alguns casos atmosferas próprias geradas por esses mesmos jogos de luz. Actualmente detenho a minha atenção na arquitectura em si. Iniciei a minha actividade como fotógrafo de arquitectura em 2008 e desde então tenho trabalhado em diferentes projectos que me permitem ir construindo a minha própria identidade criativa. 208 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico JCS. A Fotografia de Arquitectura corresponde a um entendimento do lugar ou pretende somente representar a Arquitectura como algo isolado do seu contexto? JM. Toda arquitectura é inserida num lugar com determinado contexto. A nível de projecto, cabe ao arquitecto definir uma estratégia e uma posição crítica relativamente ao lugar e sua envolvente. É interessante perceber como a fotografia de arquitectura tem a capacidade de integrar ou isolar a obra relativamente ao seu contexto e assim alterar totalmente a percepção / análise que o observador faz da obra. Costumo trabalhar com grande proximidade com os autores das obras de modo a transmitir o conceito por detrás do projecto. JCS. Qual é a importância da luz na Fotografia de Arquitectura? JM. A luz é precisamente um dos elementos mais importantes e decisivos na fotografia de arquitectura e poderá ditar o (in)sucesso de uma fotografia. Este é precisamente o maior ponto de ligação entre o arquitecto e um fotógrafo de arquitectura: ambos trabalham com a luz. JCS. A Fotografia de um lugar pode ser uma boa base para a execução de um projecto sem nunca termos estado nesse mesmo lugar? Considera importante o seu uso para o trabalho criativo dos Arquitectos? JM. Deste ponto de vista, a fotografia deve ser encarada como uma importante ferramenta de trabalho, tal como um esquisso ou uma maqueta. Existem situações, como os concursos internacionais, em que se torna impossível visitar todos os lugares para onde se projecta. Ou até mesmo durante as fases conceptuais em que se desenha e esboça sobre fotografias. Apesar de toda a tecnologia ao nosso dispor, a fotografia é ainda uma forma de representar a realidade a duas dimensões. JCS. A Fotografia é um instrumento insubstituível na difusão cultural da Arquitectura? JM. Sem dúvida alguma! Actualmente a fotografia assumiu um papel preponderante na divulgação da arquitectura, não só através das revistas impressas que chega, a um público bastante alargado, mas principalmente através da internet que permite que em poucas horas uma fotografia tenha milhares de visualizações dos quatro cantos do mundo. É precisamente pelo facto da fotografia ter um papel tão Joana Cotter Salvado 209 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico importante na divulgação da arquitectura que cada vez mais arquitectos e ateliers recorrem à contratação de um fotógrafo de arquitectura. 210 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico APÊNDICE C ENTREVISTA A LUÍS FERREIRA ALVES JCS. Porquê fotografar Arquitectura? LFA. E porque não, se a arquitectura é uma actividade humana que se confunde com o próprio caminhar do Homem através dos tempos? Nesse percurso, nessa busca, nessa permanente tentativa de afeiçoar o espaço ao viver, foi a arquitectura acumulando sinais históricos e existenciais – uma estética. É portanto um objecto fotográfico por excelência; e é-o também por razões de ordem pragmática, já que não posso meter uma casa do Souto Moura num envelope e enviá-la para o Japão, para dela tomarem conhecimento. A inamovível complexidade tridimensional da arquitectura transforma-a num objecto vocacionado para ser fotografado, o que justamente com o desenho e com os renders 3D, é a única forma de a dar a conhecer “urbi et orbi” bidimensionalmente. JCS. A Fotografia de Arquitectura constrói uma imagem alternativa à Arquitectura e, num universo mediático, será que se confunde com a própria Arquitectura? LFA. A fotografia não é uma alternativa à arquitectura. Isso é um absurdo complicativo de coisa bem mais simples. É a visão pessoal, num dado momento, através de um processo que se domina e cujas consequências se conhecem “a priori”, tendo e vista uma função mediática, a qual também, embora “a posteriori”, a “informa” e a condiciona. JCS. As Fotografias de Arquitectura manipulam o nosso modo de ver a Arquitectura? LFA. A palavra “manipular” é violenta, mas talvez justa para uma tendência em voga da fotografia de arquitectura, em que a visão pessoal é prevalecente e os “efeitos por fora” excessivos, repetitivos, distrativos do essencial, isto é, a fotografia de arquitectura torna-se demasiado cénica, por vezes mesmo de mau gosto. Uma interpretação serena das intenções do arquitecto e a busca paciente e sóbria das complexas relações existentes numa obra pode constituir uma forma positiva de educar olhares alheios. Não me parece negativo que se visite uma obra depois de ter “ingerido” a informação mediática existente. O tipo de fotografia que busco, em que o Joana Cotter Salvado 211 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico objectivo final nunca é iludido ou esquecido, pode proporcionar um bom diálogo com a realidade, não a condicionando. JCS. De que modo a Fotografia é um instrumento eficaz na comunicação da Arquitectura? LFA. Nas respostas anteriores, de certo modo, esta questão está explanada. A eficácia da transmissão através de um processo bidimensional de um objecto cuja essência é a tridimensionalidade não está totalmente garantida, pelo que, quase sempre o fotógrafo actua faseadamente, como quem busca relações intrínsecas à obra, capazes de simular essa tridimensionalidade. Simulação, portanto, e já não é pouco. JCS. Pode acontecer retirar/adicionar informação a uma Fotografia? LFA. Retirar, retiro, e é até essa possibilidade que mais aprecio na fotografia digital. É de notar que, quase exclusivamente, o que numa imagem retiro, ao tratá-la, é decidido no próprio acto de fotografar, agora impregnado com essas novas possibilidades. Adicionar em fotografia de arquitectura nunca o fiz, embora não me atreva a considerar tal prática como ilegítima, mas de fronteiras e contornos muito perigosos. 212 Joana Cotter Salvado A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico Joana Cotter Salvado 213 A fotografia como registo e percepção do espaço arquitectónico 214 Joana Cotter Salvado