PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Comunicação, Educação e Consumo Cultural: o Professor como
Protagonista na Peça Teatral Prof. Profa.1
Dayse Maciel de Araujo2
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola
Superior de Propaganda e Marketing – São Paulo.
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar os significados do discurso da professora no texto da peça
teatral Prof.Profa. cuja protagonista é uma docente em conflito com seus alunos do Ensino
Médio. A peça, de autoria do belga Jean-Pierre Dopagne, foi escrita em 1994 no mesmo
momento que nascia, a nível global, a sociedade hiperconectada. Neste cenário, a trama
aborda as dificuldades do processo ensino-aprendizagem e do sistema educacional na
contemporaneidade. Delimitamos nossa análise a trechos do discurso da protagonista com
base nos conceitos teóricos de BACCEGA, CITELLI, FREIRE, RADFAHRER e SIBÍLIA na
esfera da interface Comunicação e Educação. No texto da peça, adaptada em 2013 para
representação no Brasil, observa-se que a reflexão sobre o tema é pertinente e relevante em
nossa sociedade em função do alto índice de evasão escolar no Ensino Médio.
Palavras-chave: Comunicação e Educação; Consumo Cultural; sociedade hiperconectada;
Prof.Profa.
1 INTRODUÇÃO
Na trilha das origens da educação desde os seus primórdios no início do século
20, observa-se como a Educação evoluiu para adequar-se a um mundo em constante
mudança. A educação formal, à qual poucos tinham acesso, desenvolvia-se de forma
verticalizada, sendo o docente a principal fonte dos saberes. Após a segunda Guerra
Mundial houve a mudança para uma formação padronizada buscando atingir um
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho “Comunicação e Educação”, do 4º Encontro de GTs Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola
Superior de Propaganda e Marketing – SP; e-mail [email protected].
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
contingente maior da população. Entretanto a educação ainda era restrita às camadas
privilegiadas dos países mais desenvolvidos do Ocidente. Em seguida, optou-se pela a
disseminação em massa do conhecimento de caráter tecnicista para estimular a
produtividade econômica. Finalmente, no século 21, o campo acadêmico procura
aprofundar-se no estudo de modelos colaborativos em rede aliando a prática e a
teoria.
A nosso ver, não cabe mais discutir se as materialidades de comunicação
como o rádio, o teatro, o cinema, a televisão e a internet são ferramentas de apoio no
processo ensino-aprendizagem. Elas já fazem parte do cotidiano das pessoas do
mundo inteiro e de quase todas as classes sociais. Os recursos disponíveis para a
aprendizagem incluem revistas e jornais, representações teatrais, livros físicos e
digitais, vídeos, transmissão ao vivo por emissoras de rádio, televisão e internet em
dispositivos fixos e móveis.
À medida que os problemas novos e antigos se defrontam com as
oportunidades de democratização do ensino através da educação formal em sintonia
com a não formal, a questão que enfrentamos agora é: qual é o próximo passo? Como
devemos nos preparar para ser eficazes na formação do sujeito crítico e autônomo no
mundo que enfrentamos hoje? Como agem os alunos? Como agem e reagem os
professores?
Nossa relação com o mundo foi transformada, nas últimas décadas, graças ao
desenvolvimento das tecnologias digitais. Neste contexto, os professores também
precisam se adaptar para lidar com os novos desafios do magistério.
No livro, recém-lançado, Educ@r: A (r)Evolução Digital na Educação a
autora Martha Gabriel (Folha de São Paulo, 2013) propõe que o professor se
transforme em um "catalisador de reflexões", pois, segundo suas palavras, o ambiente
tecnológico hiperconectado facilita a criação, edição e propagação de conteúdo “por
qualquer pessoa, e não mais apenas por profissionais de mídia, informação e
educação".
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Especialista em Comunicação Digital, o Prof. Dr. Luli Radfahrer (2012),
alerta que, com a abundância de conteúdo, passamos a viver um paradoxo de
eficiência: há respostas demais para que se possa fazer bom uso delas: “por mais que
um passeio nas paisagens informativas digitais dê a impressão de que a cultura se
enriquece, o que acontece muitas vezes é o contrário: nós nos tornamos depósitos de
dados e citações impensadas” (RADFAHRER, 2012). Radfahrer relembra que antes
do surgimento das plataformas digitais, dizia-se que a informação (a que poucos
tinham acesso) era poder e este aspecto não desapareceu. O “sigilo” foi transferido
para a administração da complexidade das bases de dados.
Nesse cenário contemporâneo dois pontos nos inquietam. O primeiro é que,
sob o ponto de vista de Comunicação e Educação, a falta de acesso à informação é tão
problemática quanto o excesso da mesma. O segundo ponto inquietante é o mais
importante. Amparando-nos nas preocupações de Radfahrer, encontra-se a seguinte
questão: “o livre acesso levou à sobrecarga de informação sem precedentes, em que
são imprescindíveis filtros e intérpretes para dar sentido a tudo que se acumula. Esses
filtros não são neutros. É possível que nunca sejam.” (RADFAHRER, 2012).
A pesquisadora Paula Sibília (2012) aponta que em face às fortes
transformações ocorridas nas últimas décadas, não surpreende que a escola tenha se
convertido em algo terrivelmente “chato”, e que a obrigação de frequentá-la
signifique “uma espécie de calvário cotidiano para as dinâmicas e interativas crianças
contemporâneas” (SIBÍLIA, p. 206). Em sua reflexão, esta seria a uma das causas dos
altos índices de deserção escolar que se constatam em todo o mundo.
Sobre as ferramentas disponíveis no processo ensino-aprendizagem, buscamos
as reflexões de Adílson Citelli (2012), coeditor da revista Comunicação & Educação,
sobre as práticas educativas na atualidade. Partindo do sociólogo norte-americano
Craig Calhoun (1993), Citelli chamou a atenção para as relações sociais presentes na
educação escolarizada. As relações sociais primárias ocorrem entre pessoas e no
interior da família. As secundárias envolvem planos sociais, mundo do trabalho e a
própria escola. As terciárias são constituídas pela presença dos mediadores técnicos,
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
pela comunicação de massa. Segundo o autor "é preciso agregar, em nosso tempo, o
plano quaternário, perpassado pela maquinaria que ao nos circundar promove
mudanças nos comportamentos, atitudes, formas de ser e existir." (CITELLI, 2012, p.
5).
Citelli defende que a internet não é meramente um dispositivo midiático,
portanto deve ser “perfilada no amplo território da criação cultural” utilizada
principalmente pelos jovens. Consequentemente, a possibilidade de criar, sentir e
transmitir impacta as questões de ensino/aprendizagem e exige que os educadores
recorram a soluções “que não façam subsumir no encantamento técnico o que possui
natureza cultural”. (CITELLI, 2012, p. 6).
Outra questão nos intriga: como outras técnicas de ensino/aprendizagem
encontram-se presentes no universo da educação formal e não formal na atualidade?
No âmbito da interface comunicação e educação, em que medida as vivências
tradicionais (exposições permanentes ou temporárias e oficinas em museus, peças de
teatro, programas de caráter pedagógico veiculado pela televisão pública ou privado,
vídeos, documentários, filmes de entretenimento, telenovelas de cunho histórico, as
histórias em quadrinhos, os audiolivros e outros produtos midiáticos) convivem com
os produtos de matrizes digitais? Ou seja, trata-se de buscar identificar as linguagens
presentes no universo dos discentes e dos docentes. Apropriando-nos da terminologia
de Citelli, quais são os novos configuradores culturais? Quais as relações envolvendo
os discursos institucionais escolares e os discursos institucionais não escolares?
Assim, nos deparamos com a necessidade de entender a maneira pela qual
todas as ferramentas de apoio ao processo ensino-aprendizagem poderão se aplicadas,
em harmonia e com efetividade, nos propomos, neste artigo, a aplicar as ideias de
Paulo Freire descritas na obra A pedagogia do oprimido (1987). Para o educador o
diálogo, e não o monólogo deve ser a essência da educação visando à prática da
liberdade e aliando-se ação e reflexão:
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão. Mas se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis,
é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens,
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
mas direito de todos os homens. Precisamente por isto ninguém, pode dizer a
palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros num ato de prescrição,
com o qual rouba a palavra aos demais. (FREIRE, 1987, p. 44).
Freire ressaltou as mediações sociais como o contexto inalienável para as
práticas educacionais através do diálogo: “o diálogo é este encontro dos homens,
mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação
eu-tu [...]. Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo [...]. É um ato de
criação.” (FREIRE, 1987, p. 45).
Diante de tantos recursos, intuímos que cabe ao docente ser um mestre e ao
mesmo tempo um aprendiz no processo ensino-aprendizagem de forma dialógica e de
criação junto aos seus alunos.
1.1 Comunicação e Educação
Partindo do princípio que hoje a Comunicação é parte constitutiva das práticas
educacionais, vale ressaltar o quanto este campo pode contribuir para a aceleração da
elevação do nível educacional no Brasil. Neste aspecto, nosso país encontra-se
desoladoramente defasado em relação aos países mais desenvolvidos tomando-se por
base o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O IDH é um índice medido anualmente pela ONU com base em indicadores
de renda, saúde e educação. O índice varia em uma escala de 0 a 1. Quanto mais
próximo de 1, melhores são as condições de ensino no quesito desenvolvimento
humano. Em 2013 o Brasil registrou IDH de 0,744, ante 0,730 em 2012, o que inclui
o país entre os de desenvolvimento elevado.
A primeira colocação no ranking mundial permanece com a Noruega (0,944),
seguida por Austrália (0,933) e Suíça (0,917). O Brasil (79º lugar) está atrás de quatro
países da América do Sul, como Chile (41º lugar), Argentina (49º), Uruguai (50º) e
Venezuela (67º). Entre outros vizinhos, fica na frente de Peru (82º), Equador (98º) e
Colômbia (98º). De acordo com o representante residente do Programa das Nações
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o argentino Jorge Chediek, o Brasil
avançou muito nos últimos 30 anos, mas tem um “passivo histórico” de pobreza e
desigualdade grande, o que dificulta um crescimento maior no ranking de
desenvolvimento.
Não adianta o Brasil fazer parte das dez maiores economias do planeta se os
indicadores sociais mostram que a escolaridade média mal ultrapassa 7 anos. Além da
parcela de analfabetos, presume-se que grande parte da população adulta não
completou sequer o Ensino Fundamental. O país tem pressa e, em nossa visão, não
podemos abrir mão de nenhuma ferramenta de apoio para o processo de
ensino/aprendizagem. Neste sentido, concordamos com Baccega (2012) que aponta
para uma solução híbrida onde convergem as agências tradicionais e midiáticas
formadoras do sujeito crítico e participante da sociedade:
Para se pensar a formação do sujeito, capaz de participar criticamente da
sociedade, de saber-se construtor da História e não apenas seu objeto, apto a
construir uma nova variável histórica, enfim, há que discutir sua formação,
retomando a discussão sobre o papel das várias agências na sua constituição:
as tradicionais – sobretudo a escolar e familiar, além da religiosa – e uma
outra agência, que, na contemporaneidade, se sobrepõe às demais e envolve a
todos: professores, alunos e pais, com grande repercussão na formação dos
sujeitos sociais, vez que se incrusta nas demais agências, mediando o papel
exercido por elas. Estamos falando da comunicação tanto na sua manifestação
através do aparato midiático – a de maior penetração, o que leva à sua
condição de fio mais forte do tecido da cultura popular, aqui também
atravessada pela mídia. (BACCEGA, 2012, p.252 e 253).
1.2 Comunicação e Consumo
Entendemos o consumo como uma prática social formadora de identidade do
sujeito e como uma das formas de exercício da cidadania e não como uma patologia
exacerbada na forma de consumismo. Apropriamo-nos das reflexões sobre os
significados do consumo na produção de sentidos, na contemporaneidade, de Luís
Enrique Alonso em La era del consumo, como basilares para contextualizar o
consumo na contemporaneidade.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
A partir de Brée (1999) e Chaney (2003), Alonso (2006) afirmou que a
sociologia dos estilos de vida tem mostrado que as normas que regem o consumo não
estão desconectadas das que governam as demais atividades individuais e coletivas:
“a pessoa que compra um produto ou recebe o impacto publicitário é a mesma que
trabalha, lê, vota ou se preocupa com a velhice”. Para o autor espanhol seria errôneo
isolar a atividade específica de consumo e fazer dela uma espécie de abstração e
defende que o consumo deve ser analisado como a resultante “de fatores psicológicos,
das reações interpessoais que estabelece, do contexto social de onde opera e da
cultura a que pertence.” (ALONSO, 2006, p. 106-107). Em sua visão, o consumidor
encontra na prática do consumo os elementos constitutivos de sua identidade e de
exercício de poder na sociedade. Em suas palavras:
É um ator social (não simplesmente econômico) que, de alguma maneira,
recupera um certo poder e busca sua expressão de identidade no consumo;
sem converter-se em um ser completamente racional, e sim busca estratégias
de mobilização, de seus poderes sociais, informativos e econômicos. Em
suma, Rochefort dá por morta definitivamente a sociedade do consumo
(global, alienante, uniformizante, manipuladora) e anuncia o assentamento
definitivo da sociedade dos consumidores de onde, perdendo-se qualquer tom
apocalíptico, as práticas aquisitivas se naturalizam e complexificam dentro
das formas gerais de realização da socialização dos grupos e das instituições.
(ALONSO, 2006, p. 102).
1.3 Consumo cultural e Educação: o professor como protagonista em uma peça
teatral
Para Baccega é primordial que não se perca de vista a necessidade de refletir
sobre a prática do consumo cultural que inclui, obviamente, os interesses dos
produtores das materialidades voltadas para o campo da Educação, nem sempre
neutros:
O consumo relaciona-se fortemente com a educação, formal ou não, processo
social no qual se pode formar o cidadão crítico. Para tal formação, para que o
sujeito consiga ser atuante na construção de nova realidade social é
imprescindível que ele tenha condições de relacionar-se reflexivamente com
o consumo. Dizemos que ele está no bojo do campo comunicação/ educação
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
por ser esse lócus privilegiado da formação dos sentidos sociais palco da
guerra permanentemente entre o que existe e o que há de vir, território da luta
entre as agências, na disputa pela constituição dos significados sociais,
incluindo o próprio consumo e dos valores que vão se ressignificando de
acordo com o espaço e tempo da práxis. É aí que podemos ganhar muitas
batalhas, num processo cumulativo para a mudança, usando a arma do
conhecimento.” (BACCEGA, 2012, p. 254).
Neste sentido relembramos a importância da preparação dos professores para
compreender a construção dos diferentes discursos da mídia. Conforme Citelli esta “é
tarefa da qual os diferentes sistemas de ensino não podem se furtar” (in SOARES,
2011, p. 54).
Uma peça teatral de origem europeia, encenada recentemente em São Paulo e
no Rio de Janeiro, chamou a atenção para o papel do professor no processo de ensinar
e aprender na contemporaneidade. O texto aborda as dificuldades do diálogo
professor/aluno e em paralelo, os problemas comuns dos projetos pedagógicos tanto
nos países europeus quanto no Brasil.
Em entrevista à autora, a atriz do monólogo, Jandira Martini, contou que
escolheu a peça para representar porque o texto sensibiliza as pessoas ao falar da
relação professor-aluno. Ressalta também que a inteligência do texto é preparar a
plateia que "no começo vai se descontraindo prá poder jogar a coisa contundente". E
acrescenta que "por mais que seja contado de uma maneira cômica, o texto é trágico.”
Tanto que no final o personagem diz “é teatro porque a realidade é muito pior que a
ficção." Para atriz "o grande mérito da peça é o texto mesmo." (MARTINI, 2013, em
entrevista à autora).
A peça teatral L’Enseigneur
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Ator Knut Walle, peça The teacher, Udhavn Theatre, Noruega, 2005.
A peça original foi escrita, em 1994, pelo autor belga Jean-Pierre Dopagne no
idioma francês. O texto mistura metalinguagem com ficção, ao propor que
acreditemos na história de um professor frustrado que, por força de circunstâncias de
vida, vira ator realizado para, ao final, desmentir tudo já que "o teatro é só teatro".
Trata-se de um monólogo de nome L’Enseigneur o qual, posteriormente, foi
renomeado na França como Prof.! e no idioma inglês The teacher. A peça foi
representada em diferentes países europeus como Bélgica, França, Noruega, Romênia,
entre outros.
A trama
No texto da peça, o personagem recorda que, aos nove anos, o pai, que era
agricultor, o tirou do campo e o mandou para um internato para estudar. Quando o
coordenador previu que “esse menino tem futuro” o pai apontou que ele seria
professor: Ensinar, meu filho, ensinar!... É a mais linda profissão do mundo. E o
futuro professor sonhou em ser alguém especializado em ensinar a arte de pensar
para adolescentes ávidos por aprender!
O professor adorava livros, teatro e poesia, bebeu com respeito as palavras de
seus professores, e entregou-se com paixão e esperança ao ensino de Literatura. Ao
longo da carreira de docente do Ensino Médio perdeu as esperanças de despertar nos
alunos o entusiasmo que sentia quando ele próprio era aluno do Professor Garcez.
Seus colegas o deprimiam:
quando a gente é Prof. no começo a gente não é nada e no final a gente é só
velho. Então meu velhinho, quem te disse que é preciso entender o texto?
Você acha que a escola existe pra ensinar a entender?... A escola está ali pra
guardá-los o maior tempo possível. Pra não abandoná-los no desemprego. A
escola é uma creche em grande escala. E teu papel é o de ser babá!
Guardador de crianças. (excerto de Prof.Profa.).
Os gestores o desencorajavam:
Não desperdice a sua bela juventude, nem a dos seus alunos, querendo pensar
demais. [...] O professor deve viver com os jovens de seu tempo, com a
cultura de seu tempo... e o humor de seu tempo. O mundo muda! Existem
novos caminhos a serem explorados, mais concretos, mais contemporâneos.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Dom Casmurro, tudo bem... Mas em algum momento você já pensou em
história em quadrinhos? Nos livros digitais? Na publicidade? Nos realityshows? Nos grafites? Essa é a cultura deles, o YouTube, games, Twitter,
Orkut, Google. Mais tarde pense nisso, meu caro amigo: o professor é uma
ferramenta, não um pensador. Para pensar você terá a vida inteira. Aqui,
basta ensinar... (excerto de Prof.Profa.).
Os alunos, que não tinham a menor vontade de aprender, não respeitavam a
profissão que ele considerava sagrada. Todos eram responsáveis, mas ninguém era
culpado.
Aluno: Dia e noite, tentando fazer a gente gostar de literatura!... Vou te dizer,
eu te admiro. Não entendo nada disso que você fala... peça de teatro,
romance. Aliás, eu nem leio. Tu me dá vontade de vomitar, mas te admiro. O
ano inteiro com uns caras como nóis! Por que você não vai contar tuas
abobrinhas pra quem tá a fim? Professor: Eu tenho vontade de lhe arrebentar
a cara. E ao mesmo tempo lhe dar um beijo. Sua análise, infelizmente, é
perfeita. (excerto de Prof.Profa.).
E o professor, diante de tanta indiferença não pôde sair de seu pesadelo, exceto
pela violência. Abandonado, exausto e incompreendido, em um fatídico 29 de
setembro, descarregou uma metralhadora em direção aos alunos matando quase toda a
classe do terceiro ano. Foi condenado a 359 anos de prisão.
Friamente eu detonei o terceiro ano. [...] disse pra mim mesmo: Você está de
férias, definitivas. Que tinha acabado com aquela existência inútil de livro
envelhecido, na prateleira. Que a partir de agora eu ia viver. Na vida de um
professor tudo é pequeno. A vidinha, os caderninhos, o livrinho, texto,
contas, salário! Tudo pequeninho! (excerto de Prof.Profa.).
A pergunta que todos faziam era: por quê?
Um aluno, que sobreviveu, gravou uma mensagem para o professor:
A gente te amava Fessor... Quero dizer... a sua pessoa. Você era muito
legal... Eu não estou com raiva de você. Você tentou nos ensinar alguma
coisa. Não era humano viver o que você vivia. Você fez bem. Se eu me
coloco no seu lugar acho que teria feito o mesmo há muito tempo... (excerto
de Prof.Profa.).
Inesperadamente o Ministro da Justiça e o Ministro da Educação encontram
uma saída honrosa para o caso “sem explicação”. A pena foi comutada para
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
“trabalhos comunitários”, isto é, o prisioneiro foi condenado a narrar, a todos os
segmentos sociais, sua experiência de professor. Na explicação dos ministros tudo foi
um grande equívoco! Com base nos recursos de que a justiça forense dispunha, pôdese afirmar que o gesto daquele homem se encaixava no que é cientificamente
chamado de “Síndrome da Estafa Profissional”. Assim, o professor converteu-se em
ator:
Faço turnês pelo país inteiro e até no exterior: nos melhores hotéis e teatros...
Sem falar do cachê! O que eu ganhava, em um mês, noutro tempo, quando eu
era professor, agora ganho em uma noite. Mais os direitos autorais: porque é
a minha própria historia que eu conto... E não é no final do mês que me
pagam não, é antes de abrir a cortina. Não tem dinheiro? Não tem
espetáculo... Agora imaginem um professor: “Não tem dinheiro? Não tem
aula”... (excerto de Prof.Profa.).
Ao tornar-se ator sentiu-se realizado pois estaria “sozinho em um palco
verdadeiro. Sob a luz da cena, de frente para público. Iam me ouvir... Aplaudir...
Amar... Noite após noite.” (excerto de Prof.Profa.).
Um dia, sua filha Maria o surpreendeu afirmando que queria ser professora de
Literatura:
Precisamos de profs., papai. Verdadeiros. E não de assassinos que matam os
jovens a golpes de resignação. Precisamos de homens e mulheres com sangue
nas veias... Do que vocês, Profs., tem medo? Já decidi, pai. Ce não vai me
fazer mudar de ideia, Prof., Eu quero ser prof. Eu gosto muito desta palavra!
“Prof.”! Parece uma bandeira batendo ao vento!...prof...prof... Eu vou ser
“prof.”, pra reparar o mal. (excerto de Prof.Profa.).
Diante de tamanha convicção o professor indagou: Filha...o que você espera
de um prof.?
Maria: Tudo! Ela me respondeu. Tudo. Os profs., papai... os profs...E se eles
forem os deuses que desceram na terra?
A peça teatral Prof.Profa. encenada no Brasil
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Em 2013 estreou, em São Paulo (SESC Ipiranga e Teatro Eva Herz) e no Rio
de Janeiro (Teatro do Banco do Brasil), a peça Prof.Profa. traduzida e dirigida por
Celso Nunes3 e encenada pela atriz Jandira Martini.
Em entrevista à autora, Nunes, que também foi professor de teatro por
décadas, relatou que Prof! foi enviada por um amigo português, que se chamava
Santos Manuel. Em sua visão, à medida que as questões problemáticas do ensino
brasileiro no nível médio foram se avolumando, e o sistema mostrando-se incapaz de
evoluir ou controlar a situação, o texto ficou mais e mais atual. E acrescentou: “não
tem nada que um diretor goste mais do que ter a oportunidade de trabalhar sobre um
texto cujo recado do autor se identifica com aquele que ele, como diretor, gostaria de
dar ao público.”
A principal adaptação por que o texto passou, além de ser traduzida para o
português, foi passar para o feminino uma peça toda escrita no masculino. Já que o
Prof! virou Profa.! sua esposa passou a ser seu marido, o guarda do presídio passou a
ser mulher e algumas passagens sobre os alunos que só faziam sentido no masculino
3
Celso Nunes formou-se como ator pela Escola de Arte Dramática de São Paulo (1962-65), estudou e
estagiou em Nancy e em Paris (FR) por 10 anos. Completou o curso de direção na Sorbonne e estagiou
na Universidade Internacional de Teatro (Paris). Cursou mestrado e doutorado na USP. Fundou o
Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes da UNICAMP. Encenou peças de Oduvaldo
Vianna Filho, Peter Weiss, W. Shakespeare, Peter Shaffer, R.W. Fassbinder, Neil Simon e dirigiu
conhecidos atores e atrizes brasileiras: Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Henriette Morineau,
Renata Sorrah, Paulo Goulart, Edney Giovennazzi, Júlia Lemmertz, Regina Duarte, Sergio Brito, Yara
Amaral, Ary Fontoura, Lilian Lemmertz, Ewerton de Castro, Ricardo Blat, dentre outros.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
foram ou suprimidas (como um relato de um professor sobre suas pescarias
convidando o Prof. a ir com ele) ou revistas para o contexto do universo feminino.
A recepção do público em São Paulo e no Rio de Janeiro
De acordo com o diretor da peça, tanto o produtor quanto a atriz, foram se
surpreendendo com a reação da plateia que sempre tendeu a levar a peça para o lado
cômico. Disseram que sentiam que o público queria rir mais do que o espetáculo
permitia. Para Nunes “isso se dava porque a realidade ultrapassa a ficção e porque,
por absurdo que pareça, a narrativa da peça sugere à plateia um paroxismo, uma
realidade levada às últimas consequências.” E explica:
quando uma situação fica insustentável, não dá mais pra ser sustentada,
haverá uma quebra, um rompimento. E no caso do texto, esse
rompimento é sem meio termo, beira o desumano praticado por alguém
que defendeu os valores humanos durante toda uma carreira. Quando o
SIM (será que isso aconteceu mesmo?) e o NÃO (claro que não, não
pode ter acontecido) aparecem juntos e na mesma intensidade num só
fato, o homem fica sem saber como reagir. Então ele ri. É a única
reação que consegue, é involuntária. (NUNES, 2014 em entrevista à
autora).
Nosso olhar sobre os significados do discurso da professora em Prof.Profa.
Possivelmente quando Dopagne escreveu o texto Prof. em 1994 estivesse
vislumbrando a incompatibilidade dos rigores do modelo educacional vigente  aulas
expositivas com apoio de instrumentos analógicos, regulamentos coercitivos,
avaliações padronizadas, horários fixos e carteiras enfileiradas  e as novas formas de
comunicação digital interativas entre crianças e adolescentes.
Como já mencionamos neste artigo, Baccega (2012) alerta que na interface do
campo comunicação/educação a formação de sentidos sociais é um local de disputa
entre as agências que medeiam os sujeitos, porém os valores se transformam ao longo
do tempo e do espaço da prática social. A necessidade de atualizar-se também é
apontada por Citelli (2012) quando se refere que é preciso agregar, em nosso tempo, a
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
maquinaria, neste caso os dispositivos digitais, que promoveram mudanças nas
formas de ser e existir.
O personagem concebido por Dopagne apegava-se ao passado ancorando-se
nas palavras de seu pai: “Para meu pai, no interior, tinha o Prefeito, o Padre e o
Professor: quer dizer o deus da cidade, o deus das almas e o deus dos pensamentos.”
(excerto da peça Prof.Profa.). E não encontrava o caminho do diálogo com seus
alunos apontado por Paulo Freire (1987) que defendia o dialogismo na prática
educacional para o encontro entre os homens.
Para o personagem professor, até mesmo o novo signo criado pelas novas
gerações, não poderia significar carinho, tentativa de proximidade e sim
desvalorização da atividade docente: “Já a palavra ‘professor’ está desaparecendo.
Das três silabas passamos para uma ou duas no máximo “Prof.” ou “fessor”. [...] O
professor, não, nem é mais um ser humano; pegaram essa palavra e a castraram...”
(excerto da peça Prof.Profa.).Porém vale mencionar que para a educadora Viviane
Mosé um dos papeis do professor na atualidade é preparar os alunos para lidar com as
mídias: “Isso significa incentivar a inteligência, o pensamento e, especialmente, a
capacidade de filtrar dados e interpretá-los, para que não sejam levados por uma onda
de informação manipulada ou de má qualidade.” (MOSÉ, 2014).
Voltar no tempo não é possível, então, cabe agora aos professores e alunos,
em diálogo, encontrarem novas práticas sociais no campo da Comunicação e
Educação que lhes faça sentido como sujeitos críticos e participantes de uma
sociedade solidária.
Referências
ALONSO, Luís Enrique. La era del Consumo. Madrid: Siglo XXI, 2006.
BACCEGA, Maria Aparecida. O consumo no campo comunicação/educação: importância
para a cidadania. In: ROCHA, Rose de Melo; CASAQUI, Vander. Estéticas midiáticas e
narrativas do consumo. Porto Alegre: Sulina, 2012, p. 248-267.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
CITELLI, Adilson. Midiatização e Educação. Anais do XXXV Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, Fortaleza-CE, 3 a 7/9/2012. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/sis/2012/resumos/R7-1148-1.pdf>. Acesso em: 09/08/2014.
DOPAGNE, Jean-Pierre; NUNES, Celso. Prof.Profa., texto da peça teatral Prof. (original
francês) traduzida e adaptada por Celso Nunes para o idioma português, 2013.
FOLHA DE SÃO PAULO. "Educ@r" apresenta os desafios do magistério na era digital.
Página
Livraria
da
Folha,
02/09/2013.
Disponível
em:
<http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/09/1335712-educr-apresenta-osdesafios-do-magisterio-na-era-digital.shtml>. Acesso em 09/08/2014.
FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. 17a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOSÉ , Viviane. O ensino médio se reduziu a uma preparação para o vestibular’, diz educadora.
Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/noticias/533897-o-ensino-medio-se-reduziu-auma-preparacao-para-o-vestibular-diz-educadora>. Acesso em: 05/08/2014.
PASSARINHO, Nathalia. Brasil avança uma posição e é 79º no ranking do
desenvolvimento
humano.
Disponível
em:
<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/brasil-avanca-uma-posicao-e-e-79-no-rankingdo-desenvolvimento-humano.html>, 24/07/2014. Acesso em: 09/08/2014.
RADFAHRER, Luli. Geração sinopse. Observatório da imprensa, Planeta digital, edição
721,
20/11/2012.
Disponível
em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed721_geracao_
sinopse>. Acesso em: 09/08/2014.
SIBILIA, Paula . A escola no mundo hiperconectado: redes em vez de muros? Matrizes,
ano 5, n.2, jan./jun. 2012, p. 195-211.
WALLE, Knut. The teacher. Disponível em:
<http://sceneweb.no/en/production/27223/The_Teacher-2005-1-1>. Acesso em: 09/08/2014.
Download

Dayse Maciel de Araujo